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Documento 62022CJ0792
Judgment of the Court (First Chamber) of 26 September 2024.#Criminal proceedings against MG.#Request for a preliminary ruling from the Curtea de Apel Braşov.#Reference for a preliminary ruling – Social policy – Protection of the safety and health of workers – Directive 89/391/EEC – General obligations relating to the protection of safety and health – Parallel national proceedings – Judgment of an administrative court having force of res judicata before the criminal court – Classification of an event as an ‘accident at work’ – Effectiveness of the protection of the rights guaranteed by Directive 89/391 – Article 47 of the Charter of Fundamental Rights of the European Union – Right to be heard – Disciplinary proceedings against a judge of an ordinary court in the event of failure to comply with a decision of a constitutional court that is contrary to EU law – Primacy of EU law.#Case C-792/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 26 de setembro de 2024.
Processo penal contra MG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Braşov.
Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 89/391/CEE — Obrigações gerais em matéria de proteção da segurança e da saúde — Processos nacionais paralelos — Sentença de um órgão jurisdicional administrativo com força de caso julgado perante o órgão jurisdicional penal — Qualificação de um evento como “acidente de trabalho” — Efetividade da proteção dos direitos garantidos pela Diretiva 89/391 — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito de ser ouvido — Processos disciplinares contra um juiz de direito comum em caso de incumprimento de uma decisão de um tribunal constitucional contrária ao direito da União — Primado do direito da União.
Processo C-792/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 26 de setembro de 2024.
Processo penal contra MG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Braşov.
Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 89/391/CEE — Obrigações gerais em matéria de proteção da segurança e da saúde — Processos nacionais paralelos — Sentença de um órgão jurisdicional administrativo com força de caso julgado perante o órgão jurisdicional penal — Qualificação de um evento como “acidente de trabalho” — Efetividade da proteção dos direitos garantidos pela Diretiva 89/391 — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito de ser ouvido — Processos disciplinares contra um juiz de direito comum em caso de incumprimento de uma decisão de um tribunal constitucional contrária ao direito da União — Primado do direito da União.
Processo C-792/22.
Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2024:788
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
26 de setembro de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 89/391/CEE — Obrigações gerais em matéria de proteção da segurança e da saúde — Processos nacionais paralelos — Sentença de um órgão jurisdicional administrativo com força de caso julgado perante o órgão jurisdicional penal — Qualificação de um evento como “acidente de trabalho” — Efetividade da proteção dos direitos garantidos pela Diretiva 89/391 — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito de ser ouvido — Processos disciplinares contra um juiz de direito comum em caso de incumprimento de uma decisão de um tribunal constitucional contrária ao direito da União — Primado do direito da União»
No processo C‑792/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Braşov (Tribunal de Recurso de Braşov, Roménia), por Decisão de 21 de dezembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de dezembro de 2022, no processo penal contra
MG,
sendo interveniente:
Parchetul de pe lângă Judecătoria Rupea,
LV,
CRA,
LCM,
SC Energotehnica SRL Sibiu,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, T. von Danwitz, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,
advogado‑geral: A. Rantos,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação do Parchetul de pe lângă Judecătoria Rupea, por D. Câmpean, na qualidade de agente, |
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em representação do Governo Romeno, por R. Antonie, E. Gane e A. Rotăreanu, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e D. Recchia, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de abril de 2024,
profere o presente
Acórdão
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1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.os 1 e 2, e do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO 1989, L 183, p. 1), bem como do artigo 31.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). |
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2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra MG por incumprimento de medidas legais de segurança e de saúde no trabalho e por prática do crime de homicídio por negligência. |
Quadro jurídico
Direito da União
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3 |
O décimo considerando da Diretiva 89/391 enuncia: «Considerando que continua a haver demasiados acidentes de trabalho e doenças profissionais a deplorar; que devem ser sem demora adotadas ou aperfeiçoadas medidas preventivas com o objetivo de preservar a segurança e a saúde dos trabalhadores, por forma a assegurar um melhor nível de proteção.» |
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4 |
O artigo 1.o, n.os 1 e 2, desta diretiva prevê: «1. A presente diretiva tem por objeto a execução de medidas destinadas a promover o melhoramento da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho. 2. Para esse efeito, a presente diretiva inclui princípios gerais relativos à prevenção dos riscos profissionais e à proteção da segurança e da saúde, à eliminação dos fatores de risco e de acidente, à informação, à consulta, à participação, de acordo com as legislações e/ou práticas nacionais, à formação dos trabalhadores e seus representantes, assim como linhas gerais para a aplicação dos referidos princípios.» |
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5 |
O artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe: «Os Estados‑Membros adotarão as disposições necessárias para garantir que as entidades patronais, os trabalhadores e os representantes dos trabalhadores sejam submetidos às disposições jurídicas necessárias à aplicação da presente diretiva.» |
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6 |
Sob a epígrafe «Disposição geral», o artigo 5.o desta diretiva prevê, no seu n.o 1: «A entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho.» |
Direito romeno
Código Penal e Código de Processo Penal
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7 |
O artigo 350.o do Codul penal (Código Penal), sob a epígrafe «Incumprimento das medidas legais de segurança e de saúde no trabalho», prevê: «(1) O incumprimento por qualquer pessoa das obrigações e medidas previstas em matéria de segurança e de saúde no trabalho, que criar um perigo iminente de acidente de trabalho ou de doença profissional, é punido com pena de prisão de seis meses a três anos ou com pena de multa. […] (3) Os factos referidos nos n.os 1 e 2 são punidos com pena de prisão de três meses a um ano ou com pena de multa quando cometidos por negligência.» |
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8 |
O artigo 192.o deste código, sob a epígrafe «Homicídio por negligência», enuncia, no seu n.o 2: «O homicídio por negligência que resulte da inobservância das disposições legais ou das medidas de precaução previstas para o exercício de uma profissão ou de um ofício ou para o exercício de uma atividade específica é punido com pena de prisão de dois a sete anos. Quando a violação das disposições legais ou das medidas de precaução constitua, em si, um crime, aplicam‑se as regras relativas ao concurso de crimes.» |
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9 |
O artigo 52.o do Codul de procedură penală (Código de Processo Penal) dispõe, nos seus n.os 1 e 2: «(1) O órgão jurisdicional penal é competente para conhecer de qualquer questão prévia à decisão do processo, mesmo que, pela sua natureza, essa questão seja da competência de outro órgão jurisdicional, exceto nas situações em que a competência não pertença aos tribunais. (2) A questão prévia deve ser julgada pelo órgão jurisdicional penal segundo as normas e os meios de prova relativos à matéria a que essa questão pertence.» |
Lei relativa à Segurança e à Saúde no Trabalho
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10 |
O artigo 5.o da Legea nr. 319/2006 a securității și sănătății în muncă (Lei n.o 319/2006 relativa à Segurança e à Saúde no Trabalho), de 14 de julho de 2006 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 646, de 26 de julho de 2006; a seguir «Lei relativa à Segurança e à Saúde no Trabalho»), que transpõe a Diretiva 89/391, dispõe: «Para efeitos da presente lei, entende‑se por: […]
[…]» |
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11 |
O artigo 20.o, n.o 1, desta lei prevê: «A entidade patronal deve garantir condições que permitam que cada trabalhador receba uma formação suficiente e adequada em matéria de segurança e de saúde no trabalho, nomeadamente sob a forma de informações e instruções específicas ao seu local e posto de trabalho: […]
[…]» |
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12 |
O artigo 22.o da referida lei tem a seguinte redação: «Cada trabalhador deve prestar o seu trabalho de acordo com a sua formação e preparação e com as instruções recebidas da sua entidade patronal, de modo que não se exponha, nem exponha outras pessoas que possam ser afetadas pelas suas ações ou omissões no âmbito do seu trabalho, a riscos de acidente ou a doença profissional.» |
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13 |
De acordo com o artigo 29.o, n.o 1, da mesma lei, as inspeções territoriais do trabalho devem proceder a uma investigação caso exista um evento que provoque, nomeadamente, a morte da vítima. Nos termos artigo 29.o, n.o 2, da mesma lei, os resultados da investigação são registados num auto de investigação. |
Requisitos mínimos de segurança e saúde
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14 |
Os cerințele minime de securitate și sănătate pentru utilizarea în muncă de către lucrători a echipamentelor de muncă (requisitos mínimos de segurança e saúde para a utilização de equipamentos de trabalho pelos trabalhadores), estabelecidos pela Hotărârea Guvernului nr. 1146/2006 (Decreto do Governo n.o 1146/2006), de 30 de agosto de 2006 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 815, de 3 de outubro de 2006), contém as seguintes disposições: «3.3.2.1. Nas instalações e equipamentos de trabalho elétricos, a proteção contra a eletrocussão por contacto direto é assegurada por medidas técnicas, completadas por medidas organizacionais. […] 3.3.2.3. A proteção contra a eletrocussão por contacto direto é assegurada pelas seguintes medidas organizacionais:
[…]
3.3.2.4. As intervenções em instalações, máquinas, equipamentos e aparelhos que utilizam eletricidade só são autorizadas com base nas seguintes formas de trabalho: […]
[…] 3.3.23.1. No caso de instalações ou equipamentos de trabalho elétricos nos quais são efetuados trabalhos com ou sem corte da tensão elétrica, devem ser utilizados meios de proteção de isolamento elétrico. […] 3.3.23.4. Os trabalhos sem corte da tensão elétrica em instalações e equipamentos elétricos devem ser efetuados por pessoal autorizado para os trabalhos sob tensão.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
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15 |
Em 5 de setembro de 2017, um eletricista da SC Energotehnica SRL Sibiu (a seguir «Energotehnica») morreu por eletrocussão durante uma intervenção num candeeiro exterior de um poste de baixa tensão numa exploração agrícola. |
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16 |
Resulta da decisão de reenvio que MG, também trabalhador da Energotehnica, estava encarregado da organização do trabalho, da formação do pessoal e da adoção de medidas para assegurar os dispositivos de segurança no trabalho e os equipamentos de proteção. |
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17 |
Na sequência desta morte, foram conduzidos dois processos relativos ao evento em causa no processo principal, a saber, por um lado, um procedimento de inquérito administrativo instaurado pela Inspecția Muncii (Inspeção do Trabalho, Roménia) contra a Energotehnica e, por outro, processos penais instaurados contra MG pelo incumprimento das medidas legais de segurança no trabalho e pela prática do crime de homicídio por negligência. |
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18 |
No que respeita, por um lado, ao inquérito administrativo, a Inspeção do Trabalho, no auto de investigação de 9 de setembro de 2019, reconheceu a qualificação de «acidente de trabalho», na aceção da legislação nacional. |
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19 |
Em seguida, a Energotehnica interpôs um recurso contencioso administrativo no Tribunalul Sibiu (Tribunal Regional de Sibiu, Roménia), pedindo a anulação deste auto de investigação. |
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20 |
Por Sentença de 10 de fevereiro de 2021, este órgão jurisdicional anulou parcialmente o referido auto de investigação, considerando, em oposição à qualificação adotada pela Inspeção do Trabalho, que o evento em causa no processo principal não constituía um acidente de trabalho. |
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21 |
O recurso interposto pela Inspeção do Trabalho contra esta sentença foi anulado pelo Acórdão da Curtea de Apel Alba Iulia (Tribunal de Recurso de Alba Iulia, Roménia) de 14 de junho de 2021. |
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22 |
Por outro lado, no que respeita aos processos penais instaurados contra MG, este último foi, mediante acusação do Parchetul de pe lângă Judecătoria Rupea (Ministério Público do Tribunal de Primeira Instância de Rupea, Roménia) de 31 de julho de 2020, remetido ao Judecătoria Rupea (Tribunal de Primeira Instância de Rupea, Roménia). |
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23 |
Na acusação, o procurador alegou que, em 5 de setembro de 2017, por volta das 18 horas, MG deu à vítima a instrução de efetuar uma intervenção na luminária em causa, sem que tivessem sido tomadas medidas de segurança e de saúde no trabalho, a saber, a intervenção por pessoal autorizado e que permanecia sob a vigilância de MG. Assim, a vítima realizou o trabalho sem desligar a alimentação elétrica e sem utilizar luvas de proteção de isolamento elétrico. |
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24 |
Os sucessores da vítima constituíram‑se como partes civis neste órgão jurisdicional, pedindo a condenação de MG e da Energotehnica, sendo esta última civilmente responsável por MG, no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos pelos sucessores. |
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25 |
Por Sentença de 24 de dezembro de 2021, a Judecătoria Rupea (Tribunal de Primeira Instância de Rupea) absolveu MG do processo penal e julgou improcedente a ação cível intentada pelos sucessores da vítima. Este órgão jurisdicional considerou, por um lado, que existiam dúvidas razoáveis quanto ao facto de MG ter dado uma ordem de trabalho à vítima e, por outro, que o evento em causa no processo principal tinha ocorrido após o fim do horário de trabalho, pelo que não podia ser qualificado de acidente de trabalho. |
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26 |
O Ministério Público do Tribunal de Primeira Instância de Rupea e os sucessores da vítima interpuseram recurso desta sentença na Curtea de Apel Brașov (Tribunal de Recurso de Brașov, Roménia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. |
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27 |
Esse órgão jurisdicional salienta que, em conformidade com o direito romeno, conforme interpretado à luz da jurisprudência da Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional, Roménia), a decisão do órgão jurisdicional administrativo se impõe ao órgão jurisdicional penal devido à sua força de caso julgado. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a questão de saber se o evento que deu origem à morte da vítima constitui um «acidente de trabalho», na aceção da Lei relativa à Segurança e à Saúde no Trabalho, é uma questão prévia, na aceção do artigo 52.o do Código de Processo Penal. |
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28 |
A este respeito, este órgão jurisdicional salienta que a Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional), por Decisão de 17 de fevereiro de 2021, reconheceu o caráter absoluto da força de caso julgado de que gozam as decisões cíveis (lato sensu) que decidam essas questões prévias. |
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29 |
Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio observa que está vinculado pelas conclusões do órgão jurisdicional administrativo, que recusou qualificar o evento em causa no processo principal de acidente de trabalho, na aceção do direito romeno. |
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30 |
Ora, a força de caso julgado dessa qualificação impede‑o de se pronunciar sobre a responsabilidade penal ou civil das partes acusadas, uma vez que a referida qualificação é um elemento constitutivo da infração sobre a qual é chamado a pronunciar‑se. |
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31 |
A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que as partes civis no âmbito do processo penal não foram ouvidas perante o órgão jurisdicional administrativo, uma vez que o procedimento administrativo apenas opôs a Energotehnica à Inspeção do Trabalho. |
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32 |
Tal impossibilidade de decidir quanto à responsabilidade penal ou civil, ainda que as partes ouvidas no âmbito dos dois processos não sejam as mesmas, violaria o princípio da responsabilidade da entidade patronal e o da proteção dos trabalhadores, consagrados no artigo 1.o, n.os 1 e 2, e no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 89/391, lidos à luz do artigo 31.o, n.o 1, da Carta. |
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33 |
Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel Braşov (Tribunal de Recurso de Brașov) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à admissibilidade
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34 |
O Governo Romeno sustenta que as questões prejudiciais são inadmissíveis. |
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35 |
A este respeito, no que diz respeito à primeira questão, este Governo alega que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se sobre um recurso interposto no âmbito de um processo destinado a desencadear a responsabilidade penal de um trabalhador e não da entidade patronal, tendo este último a qualidade de parte civilmente responsável no processo penal. Ora, a Diretiva 89/391 abrange apenas as obrigações das entidades patronais de garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho, bem como a responsabilidade das entidades patronais em caso de incumprimento dessa obrigação. Por conseguinte, a relação jurídica sobre a qual o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se não é abrangida pelo âmbito de aplicação material desta diretiva. Nestas circunstâncias, a primeira questão prejudicial é inadmissível. |
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36 |
Quanto à segunda questão, o Governo Romeno alega que esta não tem caráter autónomo, uma vez que depende da resposta à primeira questão, pelo que também deve ser julgada inadmissível. |
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37 |
A este respeito, importa desde já recordar que o juiz nacional a quem foi submetido o litígio no processo principal tem competência exclusiva para apreciar a necessidade de uma decisão prejudicial e a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça, as quais gozam de uma presunção de pertinência. Assim, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação ou à validade do direito da União, salvo se for manifesto que a interpretação solicitada não tem relação com a realidade ou com o objeto desse litígio, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto ou de direito necessários para dar uma resposta útil a estas questões (Acórdão de 22 de fevereiro de 2024, Unedic, C‑125/23, EU:C:2024:163, n.o 35 e jurisprudência referida). |
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38 |
No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que os sucessores da vítima constituíram‑se partes civis no órgão jurisdicional penal pedindo a condenação do arguido e da entidade patronal, no pagamento dos danos sofridos pelos sucessores. Por conseguinte, não se pode considerar que o litígio no processo principal não diz respeito à entidade patronal e que o problema suscitado pela primeira questão é hipotético. Por outro lado, a questão de saber se o direito da União se opõe a que um órgão jurisdicional administrativo possa decidir, de forma vinculativa para um órgão jurisdicional penal, sobre a qualificação de um evento como «acidente de trabalho», na aceção do direito romeno, é decisiva para o desfecho do processo no órgão jurisdicional de reenvio. |
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39 |
Daqui resulta que as questões prejudiciais são admissíveis. |
Quanto ao mérito
Quanto à primeira questão
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40 |
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.os 1 e 2, e o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 89/391, lidos em conjugação com o artigo 31.o da Carta e com o princípio da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro, conforme interpretada pelo Tribunal Constitucional desse Estado‑Membro, nos termos da qual a sentença transitada em julgado de um órgão jurisdicional administrativo relativa à qualificação de um evento como «acidente de trabalho» tem força de caso julgado perante o órgão jurisdicional penal, quando esta legislação não permita que os sucessores do trabalhador vítima desse evento sejam ouvidos em nenhum dos processos que decidem da existência de tal acidente de trabalho. |
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41 |
A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituída pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido [Acórdão de 13 de junho de 2024, A. Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy (Custo real da energia),C‑266/23, EU:C:2024:506, n.o 22 e jurisprudência referida]. |
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42 |
Para este efeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal. O Tribunal de Justiça também pode ser levado a tomar em consideração normas desse direito às quais o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão [Acórdão de 25 de abril de 2024, PAN Europe (Closer), C‑308/22, EU:C:2024:350, n.o 86 e jurisprudência referida]. |
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43 |
Assim, no caso em apreço, importa salientar que o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, garantido no artigo 47.o da Carta, também é pertinente para a resposta a dar às questões submetidas. |
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44 |
No que respeita à Diretiva 89/391, resulta do seu artigo 1.o, n.o 1, lido à luz do décimo considerando desta diretiva, que esta tem por objeto a execução de medidas preventivas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, de modo que assegure um melhor nível de proteção. |
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45 |
A referida diretiva contém, como é indicado no seu artigo 1.o, n.o 2, princípios gerais relativos, nomeadamente, à prevenção dos riscos profissionais e à proteção da segurança e da saúde, à eliminação dos fatores de risco e de acidente, assim como linhas gerais para a aplicação destes princípios. |
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46 |
Além disso, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 89/391 enuncia que a entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho. |
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47 |
Como o Tribunal de Justiça precisou no n.o 41 do Acórdão de 14 de junho de 2007, Comissão/Reino Unido (C‑127/05, EU:C:2007:338), esta disposição sujeita a entidade patronal à obrigação de assegurar aos trabalhadores um ambiente de trabalho seguro, cujo conteúdo é definido nos artigos 6.o a 12.o da Diretiva 89/391 e em várias diretivas especiais que preveem medidas de prevenção a serem adotadas em determinados setores de produção específicos. |
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48 |
No entanto, o Tribunal de Justiça declarou que a referida disposição se limita a consagrar uma obrigação geral de segurança que recai sobre a entidade patronal, sem se pronunciar sobre qualquer tipo de responsabilidade (Acórdão de 14 de junho de 2007, Comissão/Reino Unido, C‑127/05, EU:C:2007:338, n.o 42). |
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49 |
Por conseguinte, como o advogado‑geral salientou no n.o 39 das suas conclusões e como sustenta a Comissão Europeia, embora a Diretiva 89/391 faça referência ao princípio da responsabilidade da entidade patronal e estabeleça obrigações de ordem geral relativas à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho, a diretiva não contém nenhuma disposição específica relativa às modalidades processuais das ações destinadas a acionar a responsabilidade das entidades patronais que não tenham cumprido essas obrigações. |
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50 |
Do mesmo modo, embora o artigo 31.o da Carta, ao qual se refere o órgão jurisdicional de reenvio no âmbito desta primeira questão prejudicial, preveja, no seu n.o 1, que «[t]odos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas», não tem nenhuma precisão quanto às modalidades processuais para interpor um recurso quando a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores não esteja assegurada. |
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51 |
Dado que o direito da União não harmoniza os procedimentos aplicáveis à responsabilidade da entidade patronal em caso de incumprimento dos requisitos do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 89/391, estes processos estão abrangidos pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, ao abrigo do princípio da autonomia processual destes, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que os que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., por analogia, Acórdão de 11 de abril de 2024, Air Europa Líneas Aéreas, C‑173/23, EU:C:2024:295, n.o 31 e jurisprudência referida). |
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52 |
Por outro lado, o Tribunal de Justiça também declarou que na falta de regulamentação da União na matéria, as modalidades de aplicação do princípio da autoridade do caso julgado fazem, também, parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, por força do princípio da autonomia processual destes últimos, respeitando, contudo, os princípios da equivalência e da efetividade (Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o., C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 21 e jurisprudência referida). |
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53 |
Em especial, quando os Estados‑Membros definem as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos pela Diretiva 89/391, devem garantir o respeito do direito à ação e a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da tutela jurisdicional efetiva. Assim, os Estados‑Membros devem assegurar que as modalidades concretas de exercício das vias de recurso devido a uma violação das obrigações previstas nesta diretiva não afetam de forma desproporcionada o direito a uma ação perante um tribunal previsto no artigo 47.o da Carta (v., por analogia, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, Nemzeti Adatvédelmi és Információszabadság Hatóság, C‑132/21, EU:C:2023:2, n.os 50 e 51). |
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54 |
Este direito é constituído por diversos elementos, entre os quais figura, nomeadamente, o direito de ser ouvido. A este respeito, Tribunal de Justiça já declarou que é incompatível com o direito fundamental a um recurso judicial efetivo fundar uma decisão judicial em factos e documentos de que as próprias partes, ou uma delas, não puderam tomar conhecimento e sobre os quais, portanto, não estavam em condições de tomar posição [v., neste sentido, Acórdão de 25 de abril de 2024, NW e PQ (Informações classificadas), C‑420/22 e C‑528/22, EU:C:2024:344, n.o 106 e jurisprudência referida]. |
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55 |
Ora, quando um órgão jurisdicional penal é chamado a pronunciar‑se sobre a responsabilidade civil decorrente de factos imputados ao arguido, o direito das partes de ser ouvido que reclamam essa responsabilidade seria violado se lhes fosse impossível tomar posição sobre um requisito necessário para desencadear a referida responsabilidade antes de este requisito ser decidido com caráter definitivo pelo órgão jurisdicional onde foi intentada a ação. Com efeito, neste caso, o facto de essas partes poderem tomar posição perante um órgão jurisdicional sobre a responsabilidade da entidade patronal seria desprovido de qualquer efeito útil. |
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56 |
Seria esse o caso se a solução a adotar quanto a esse requisito fosse decidida, numa decisão que vinculasse o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre esta responsabilidade, por um outro órgão jurisdicional perante o qual as partes não puderam comparecer e não tiveram, pelo menos, a possibilidade efetiva de apresentar os seus argumentos. |
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57 |
Em contrapartida, quando as partes dispuseram desse direito e, nomeadamente, tiveram a possibilidade efetiva de apresentar os seus argumentos, o facto de não terem exercido esse direito é irrelevante. |
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58 |
No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se os sucessores da vítima, partes civis no âmbito do processo perante o juiz penal, dispunham do direito de ser ouvidos no órgão jurisdicional administrativo no que respeita, em especial, à qualificação definitiva do evento em causa no processo principal como «acidente de trabalho». |
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59 |
Tendo em conta tudo o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.os 1 e 2, e o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 89/391, lidos em conjugação com o princípio da efetividade e o artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro, conforme interpretada pelo Tribunal Constitucional desse Estado‑Membro, nos termos da qual a sentença transitada em julgado de um órgão jurisdicional administrativo relativa à qualificação de um evento como «acidente de trabalho» tem força de caso julgado perante o órgão jurisdicional penal chamado a pronunciar‑se sobre a responsabilidade civil decorrente dos factos imputados ao arguido, quando esta legislação não permita que os sucessores do trabalhador vítima desse evento sejam ouvidos em nenhum dos processos que decidem da existência de tal acidente de trabalho. |
Quanto à segunda questão
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Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio do primado do direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual os órgãos jurisdicionais nacionais de direito comum não podem, sob pena da instauração de processo disciplinar contra os seus membros, deixar de aplicar oficiosamente decisões do Tribunal Constitucional desse Estado‑Membro, ainda que considerem, tendo em conta a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, que estas decisões violam os direitos conferidos aos litigantes pela Diretiva 89/391. |
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Antes de mais, importa salientar que o juiz nacional que exerceu a faculdade que lhe confere o artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE deve, se for caso disso, afastar as apreciações de um órgão jurisdicional nacional superior se considerar, tendo em conta a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, que estas não são conformes com o direito da União, eventualmente deixando de aplicar a regra nacional que o obriga a dar cumprimento às decisões desse tribunal superior [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.os 75 e jurisprudência referida]. |
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A este respeito, esta solução é aplicável, nomeadamente, quando um órgão jurisdicional comum está vinculado por uma decisão de um tribunal constitucional nacional que considera contrária ao direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 76 e jurisprudência referida]. |
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Neste contexto, importa recordar que o princípio da interpretação conforme ao direito da União exige que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração o direito interno no seu todo e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena efetividade da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme com a finalidade prosseguida. A exigência de tal interpretação conforme inclui, nomeadamente, a obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais alterarem, sendo caso disso, uma jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874 n.os 59 e 60, e jurisprudência referida). |
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Quanto à eventual responsabilidade disciplinar de um juiz nacional, o Tribunal de Justiça declarou que o direito da União se opõe a uma legislação ou a uma prática nacional que permite desencadear a responsabilidade disciplinar de um juiz nacional por qualquer violação das decisões de um tribunal constitucional nacional [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 87 e jurisprudência referida]. |
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É certo que, no que respeita à responsabilidade disciplinar em que os juízes de direito comum podem incorrer em caso de incumprimento das decisões do tribunal constitucional nacional, a salvaguarda da independência dos órgãos jurisdicionais não pode nomeadamente ter como consequência excluir inteiramente que, em certos casos absolutamente excecionais, a responsabilidade disciplinar desses juízes possa ser acionada devido a decisões judiciais por si proferidas, como condutas graves e totalmente indesculpáveis dos juízes [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 83 e jurisprudência referida]. |
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No entanto, para preservar essa independência, afigura‑se essencial não expor os referidos juízes de direito comum a processos ou a sanções disciplinares por terem exercido a faculdade de recorrer ao Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o TFUE, que é da sua competência exclusiva [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.os 83 a 85 e jurisprudência referida]. |
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Tendo em conta tudo o que precede, há que responder à segunda questão que o princípio do primado do direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual os órgãos jurisdicionais nacionais de direito comum não podem, sob pena da instauração de processo disciplinar contra os seus membros, deixar de aplicar oficiosamente decisões do Tribunal Constitucional desse Estado‑Membro, ainda que considerem, tendo em conta a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, que estas decisões violam os direitos conferidos aos litigantes pela Diretiva 89/391. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: romeno.