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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62022CJ0029

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 10 de setembro de 2024.
KS e o. contra Conselho da União Europeia e o.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política externa e de segurança comum (PESC) — Ação Comum 2008/124/PESC — Missão da União Europeia para o Estado de direito no Kosovo (Eulex Kosovo) — Ação de indemnização — Danos pretensamente sofridos em resultado de vários atos e omissões do Conselho da União Europeia, da Comissão Europeia e do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) no âmbito da execução desta ação comum — Investigações insatisfatórias a respeito da tortura, do desaparecimento e do homicídio de pessoas — Competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para conhecer desta ação — Artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE — Artigo 275.o TFUE.
Processos apensos C-29/22 P e C-44/22 P.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2024:725

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

10 de setembro de 2024 ( *1 )

Índice

 

Quadro jurídico

 

Ação Comum 2008/124

 

Decisão 2014/349/PESC

 

Decisão (PESC) 2018/856

 

Antecedentes do litígio

 

Ação no Tribunal Geral

 

Despacho recorrido

 

Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes nos presentes recursos

 

Quanto aos presentes recursos

 

Quanto à primeira alegação da primeira parte, à segunda e terceira alegações da segunda parte e à terceira parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P, bem como à primeira e segunda partes do primeiro fundamento, à segunda parte do segundo fundamento, ao terceiro fundamento e à segunda parte do quarto fundamento de recurso no processo C‑44/22 P

 

Argumentos das partes

 

Apreciação do Tribunal de Justiça

 

Quanto à segunda alegação da primeira parte e à primeira alegação da segunda parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P, bem como à terceira parte do primeiro fundamento e à primeira parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑44/22 P

 

Argumentos das partes

 

Apreciação do Tribunal de Justiça

 

Quanto à quarta parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P

 

Argumentos das partes

 

Apreciação do Tribunal de Justiça

 

Quanto à primeira parte do quarto fundamento de recurso no processo C‑44/22 P

 

Argumentos das partes

 

Apreciação do Tribunal de Justiça

 

Quanto à ação no Tribunal Geral

 

Quanto às despesas

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política externa e de segurança comum (PESC) — Ação Comum 2008/124/PESC — Missão da União Europeia para o Estado de direito no Kosovo (Eulex Kosovo) — Ação de indemnização — Danos pretensamente sofridos em resultado de vários atos e omissões do Conselho da União Europeia, da Comissão Europeia e do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) no âmbito da execução desta ação comum — Investigações insatisfatórias a respeito da tortura, do desaparecimento e do homicídio de pessoas — Competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para conhecer desta ação — Artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE — Artigo 275.o TFUE»

Nos processos apensos C‑29/22 P e C‑44/22 P,

que têm por objeto dois recursos de um despacho do Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos, respetivamente, em 12 e 19 de janeiro de 2022,

KS,

KD,

representadas por P. Koutrakos, dikigoros, F. Randolph, KC, e J. Stojsavljevic‑Savic, solicitor,

recorrentes (C‑29/22 P),

demandantes em primeira instância (C‑44/22 P),

Comissão Europeia, representada inicialmente por M. Carpus Carcea, L. Gussetti, Y. Marinova e J. Roberti di Sarsina, em seguida por M. Carpus Carcea, L. Gussetti e Y. Marinova e, por último, por M. Carpus Carcea e Y. Marinova, na qualidade de agentes,

recorrente (C‑44/22 P),

demandada em primeira instância (C‑29/22 P),

apoiada por:

Reino da Bélgica, representado por M. Jacobs, C. Pochet e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes,

Grão‑Ducado do Luxemburgo, representado por A. Germeaux e T. Schell, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

República da Áustria, representada por A. Posch, J. Schmoll, M. Meisel e E. Samoilova, na qualidade de agentes,

Roménia, representada por R. Antonie, L.‑E. Baţagoi, E. Gane e L. Ghiţă, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por H. Leppo e M. Pere, na qualidade de agentes,

Reino da Suécia, representado por H. Eklinder, F.‑L. Göransson, C. Meyer‑Seitz, A. Runeskjöld, M. Salborn Hodgson, R. Shahsavan Eriksson, H. Shev e O. Simonsson, na qualidade de agentes,

intervenientes no recurso (C‑44/22 P),

sendo as outras partes no processo:

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por P. Mahnič, R. Meyer e A. Vitro e, em seguida, por P. Mahnič e R. Meyer, na qualidade de agentes,

demandado em primeira instância,

apoiado por:

República Checa, representada por D. Czechová, K. Najmanová, M. Smolek, O. Šváb e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada inicialmente por J.‑L. Carré, A.‑L. Desjonquères, T. Stéhelin e W. Zemamta, em seguida por J.‑L. Carré, T. Stéhelin e W. Zemamta, em seguida por J.‑L. Carré, B. Fodda, E. Leclerc, T. Stéhelin e W. Zemamta, em seguida por J.‑L. Carré, B. Fodda, E. Leclerc, S. Royon, T. Stéhelin e W. Zemamta, em seguida por J.‑L. Carré, M. de Lisi, B. Fodda, E. Leclerc, S. Royon e T. Stéhelin e, por último, por M. de Lisi, B. Fodda, S. Royon, T. Stéhelin e B. Travard, na qualidade de agentes,

intervenientes nos recursos (C‑29/22 P e C‑44/22 P),

Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), representado por L. Havas, S. Marquardt e E. Orgován, na qualidade de agentes,

demandado em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, T. von Danwitz, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, S. Rodin, I. Jarukaitis, A. Kumin (relator), e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de junho de 2023,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 23 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

Com os respetivos recursos, KS e KD, por um lado, e a Comissão Europeia, por outro (a seguir, em conjunto, «recorrentes») pedem a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 10 de novembro de 2021, KS e KD/Conselho e o. (T‑771/20, a seguir despacho recorrido, EU:T:2021:798), através do qual o Tribunal Geral se declarou manifestamente incompetente para conhecer da ação intentada por KS e KD com fundamento no artigo 268.o TFUE, conjugado com o artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, destinada a obter a reparação dos danos que alegam ter sofrido em resultado de vários atos e omissões do Conselho da União Europeia, da Comissão e do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) no contexto da execução da Ação Comum 2008/124/PESC do Conselho, de 4 de fevereiro de 2008, sobre a Missão da União Europeia para o Estado de direito no Kosovo, EULEX KOSOVO (JO 2008, L 42, p. 92), relativos, em particular, às investigações efetuadas durante esta missão a respeito da tortura, do desaparecimento e do homicídio de familiares seus, ocorridos em 1999, em Pristina (Kosovo).

Quadro jurídico

Ação Comum 2008/124

2

O artigo 1.o da Ação Comum 2008/124, com a epígrafe «Missão», prevê, no seu n.o 1:

«A União Europeia estabelece uma Missão da União Europeia para o Estado de direito no Kosovo, [Eulex Kosovo] (a seguir designada “[Eulex Kosovo]”).»

3

Nos termos do artigo 2.o desta ação comum, com a epígrafe «Mandato»:

«A [Eulex Kosovo] apoia as instituições, as autoridades judiciais e os serviços de aplicação da lei do Kosovo nos seus progressos na via da sustentabilidade e da responsabilização, bem como no desenvolvimento e reforço de um sistema judicial independente multiétnico e de uma polícia e um serviço aduaneiro multiétnicos, assegurando que estas instituições não sofram interferências políticas e adiram aos padrões internacionalmente reconhecidos e às melhores práticas europeias.

A [Eulex Kosovo], em plena cooperação com os programas de assistência da Comissão Europeia, executa o seu mandato através de ações de acompanhamento, de orientação e de aconselhamento, mantendo ao mesmo tempo determinadas responsabilidades executivas.»

4

O artigo 3.o da referida ação comum, com a epígrafe «Atribuições», dispõe:

«A fim de executar o mandato enunciado no artigo 2.o, a [Eulex Kosovo]:

[…]

d)

Assegura que os casos de crimes de guerra, terrorismo, criminalidade organizada, corrupção, crimes interétnicos, crimes económicos/financeiros e outros crimes graves sejam objeto, de forma adequada, de investigação, de ação penal e de julgamento, com a devida execução das sentenças correspondentes, em conformidade com a legislação aplicável, designadamente, se for caso disso, por investigadores, procuradores e juízes internacionais, em conjunto com investigadores, procuradores e juízes do Kosovo ou de forma independente, e através de medidas que incluam, se for caso disso, a criação de estruturas de cooperação e de coordenação entre a polícia e as autoridades judiciárias;

[…]

i)

Assegura que todas as suas atividades respeitem os padrões internacionais relativos aos direitos humanos e à igualdade entre homens e mulheres […]»

5

O artigo 12.o desta ação comum, com a epígrafe «Controlo político e direção estratégica», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   O [Comité Político e de Segurança (CPS)] exerce, sob a responsabilidade do Conselho, o controlo político e a direção estratégica da [Eulex Kosovo].

2.   O CPS fica autorizado pelo Conselho a tomar as decisões relevantes para esse efeito, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 25.o [UE]. Esta autorização inclui poderes para alterar o [Plano de Operação (OPLAN)] e a cadeia de comando. Inclui também poderes para tomar decisões subsequentes no que diz respeito à nomeação do chefe de missão. O Conselho, sob recomendação do [Secretário‑Geral/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (SG/AR)], decide sobre os objetivos e o termo da [Eulex Kosovo].»

6

Em outubro de 2009, a União criou, com base no artigo 12.o, n.o 2, da Ação Comum 2008/124 e ao abrigo do procedimento previsto no artigo 25.o, terceiro parágrafo, UE (atual artigo 38.o, terceiro parágrafo, TUE), o Painel de Análise dos Direitos Humanos (a seguir «Painel»), incumbido de analisar as queixas apresentadas a título de violações de direitos humanos cometidas pela Eulex Kosovo no âmbito do exercício do seu mandato executivo. Trata‑se de um órgão de responsabilização externo independente que, após analisar essas queixas, formula uma conclusão na qual refere se aquela missão violou ou não os direitos humanos conforme garantidos no Kosovo. Se o Painel considerar que houve semelhante violação, as suas conclusões podem incluir recomendações não vinculativas para que o chefe da referida missão adote medidas corretivas.

7

Nos termos do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão (PESC) 2023/1095 do Conselho, de 5 de junho de 2023, que altera a Ação Comum 2008/124 (JO 2023, L 146, p. 22), a referida ação comum foi prorrogada até 14 de junho de 2025.

Decisão 2014/349/PESC

8

A Ação Comum 2008/124 foi alterada, nomeadamente, pela Decisão 2014/349/PESC do Conselho, de 12 de junho de 2014 (JO 2014, L 174, p. 42) (a seguir «Ação Comum 2008/124, conforme alterada pela Decisão 2014/349»).

9

O artigo 15.o‑A da Ação Comum 2008/124, conforme alterada pela Decisão 2014/349, tem a seguinte redação:

«A [Eulex Kosovo] tem a capacidade de adquirir serviços e fornecimentos, celebrar contratos e convénios administrativos, contratar pessoal, ser titular de contas bancárias, adquirir e alienar bens, liquidar obrigações e estar em juízo, na medida do que for necessário para dar execução à presente ação comum.»

Decisão (PESC) 2018/856

10

A Ação Comum 2008/124 foi igualmente alterada pela Decisão (PESC) 2018/856 do Conselho, de 8 de junho de 2018 (JO 2018, L 146, p. 5) (a seguir «Ação Comum 2008/124, conforme alterada pela Decisão 2018/856»).

11

O artigo 2.o da Ação Comum 2008/124, conforme alterada pela Decisão 2018/856, dispõe:

«A [Eulex Kosovo] apoia determinadas instituições do Estado de direito no Kosovo na via do reforço da sua eficácia, sustentabilidade, pluralidade étnica e responsabilização, sem interferências políticas e em plena conformidade com as normas internacionais em matéria de direitos humanos e as boas práticas europeias — através de atividades de acompanhamento e funções executivas limitadas, como previsto nos artigos 3.o e 3.o‑A — com vista a confiar as tarefas restantes a outros instrumentos de longo prazo da [União] e eliminar progressivamente as funções executivas residuais.»

12

O artigo 3.o, alíneas d) e e), da Ação Comum 2008/124, conforme alterada pela Decisão 2018/856, enuncia:

«A fim de executar o mandato enunciado no artigo 2.o, a [Eulex Kosovo]:

[…]

d)

Mantém determinadas responsabilidades executivas limitadas nos domínios da medicina legal e da polícia, incluindo operações de segurança e o que falta executar do programa de proteção das testemunhas e a responsabilidade de assegurar a manutenção e a promoção da ordem pública e da segurança, inclusive, se for caso disso, mediante a modificação ou a anulação de decisões operacionais tomadas pelas autoridades competentes do Kosovo;

e)

Assegura que todas as suas atividades respeitem os padrões internacionais relativos aos direitos humanos […]»

Antecedentes do litígio

13

Os antecedentes do litígio, que figuram nos n.os 1 a 11 do despacho recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo para efeitos do presente processo.

14

Em 11 de março de 2014, KD apresentou uma queixa ao Painel relativa à investigação do rapto e do homicídio do seu marido e do seu filho, a qual foi objeto de uma decisão adotada em 19 de outubro de 2016. Este Painel concluiu que houvera uma violação do artigo 2.o (direito à vida), do artigo 3.o (proibição da tortura) e do artigo 13.o (direito a um recurso efetivo) da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), conjugados com o artigo 2.o desta convenção, e formulou recomendações ao Chefe da Eulex Kosovo para que adotasse medidas corretivas. Por decisão de 7 de março de 2017, o referido Painel, por um lado, declarou que esse chefe tinha implementado apenas parte das suas recomendações e, por outro, decidiu encerrar o dossiê.

15

Em 11 de junho de 2014, KS apresentou uma queixa ao Painel relativa à investigação do desaparecimento do seu marido, a qual foi objeto de uma decisão adotada em 11 de novembro de 2015. Este Painel concluiu que houvera uma violação dos direitos de KS no que respeita à vertente processual do artigo 2.o (direito à vida) e do artigo 3.o (proibição da tortura), bem como do artigo 8.o (direito ao respeito pela vida privada e familiar) e do artigo 13.o (direito a um recurso efetivo) da CEDH, e formulou recomendações ao Chefe da Eulex Kosovo para que adotasse medidas corretivas. Por carta de 29 de abril de 2016, este chefe referiu que tinha informado a Capacidade Civil de Planeamento e Condução (CPCC) e alguns Estados‑Membros dessas recomendações. Por decisões de 19 de outubro de 2016 e de 7 de março de 2017, o referido Painel, por um lado, declarou que aquele chefe não tinha inicialmente implementado as referidas recomendações e que, posteriormente, as tinha implementado apenas parcialmente e, por outro, decidiu encerrar o dossiê.

16

Em resposta a uma carta enviada em 5 de dezembro de 2016 em nome de KS e de KD, na qual alegaram que não tinham sido adotadas medidas corretivas para pôr termo às violações dos direitos humanos em causa, o Conselho e o SEAE referiram, por cartas de 12 de outubro de 2017, que a Eulex Kosovo tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para investigar os atos denunciados nas queixas mencionadas nos n.os 14 e 15 do presente acórdão (a seguir «crimes em causa») e que o Painel é um órgão de responsabilização, que não se destina a ser uma instância judicial.

17

Por petição apresentada ao Tribunal Geral em 19 de julho de 2017 e registada sob o número de processo T‑840/16, KS interpôs um recurso contra o Conselho, a Comissão e o SEAE, em cujo âmbito pediu «a anulação ou [a] alteração da Ação Comum 2008/124 […] e dos atos subsequentes que a alteram, por violação do artigo 13.o da [CEDH] e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia […] [(a seguir «Carta»)], e a declaração de responsabilidade extracontratual, por violação dos artigos 2.o, 3.o, 6.o, 13.o e 14.o da CEDH». O Tribunal Geral negou provimento a esse recurso por Despacho de 14 de dezembro de 2017, KS/Conselho e o. (T‑840/16, EU:T:2017:938), nomeadamente, por ser manifestamente incompetente para dele conhecer.

18

Em 14 de junho de 2018, por considerarem que as recomendações em causa do Painel não tinham sido devidamente monitorizadas e que não tinha sido adotada nenhuma medida corretiva, KS e KD intentaram, juntamente com seis outras pessoas, uma ação de indemnização no High Court of Justice Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do Foro da Rainha, Reino Unido] contra a União, representada pela Comissão ao abrigo do artigo 335.o TFUE, o Conselho, o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e a Eulex Kosovo. Como fundamento dessa ação, KS e KD invocaram violações de direitos protegidos pela CEDH e pela Carta, uma vez que a tortura, o desaparecimento e o homicídio de familiares próximos seus, ocorridos em Pristina em 1999, não foram investigados durante aquela missão. Por Acórdão de 13 de fevereiro de 2019, o referido tribunal declarou‑se incompetente para conhecer dessa ação (a seguir «Acórdão do High Court of Justice»).

Ação no Tribunal Geral

19

Por petição registada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de dezembro de 2020, KS e KD intentaram a ação mencionada no n.o 1 do presente acórdão, no sentido de ser declarada a responsabilidade extracontratual do Conselho, da Comissão e do SEAE ao abrigo do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE (a seguir «ação intentada por KS e KD»).

20

Como fundamento dessa ação, KS e KD alegaram, em substância:

que a Eulex Kosovo violou os artigos 2.o e 3.o da CEDH e os artigos 2.o e 4.o da Carta, uma vez que o desaparecimento e o homicídio de familiares próximos seus não foram devidamente investigados, por falta de recursos necessários e de pessoal idóneo desta missão para exercer o seu mandato executivo, violação que foi identificada pelo Painel em 11 de novembro de 2015 no que respeita a KS e em 19 de outubro de 2016 no que respeita a KD;

uma violação do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 13.o da CEDH, assim como do artigo 47.o da Carta, devido à inexistência de disposições que prevejam um apoio judiciário a favor dos requerentes elegíveis nos processos intentados perante o Painel e pelo facto de este Painel ter sido criado sem poderes para executar as respetivas decisões e sem poderes para disponibilizar uma via de recurso para as violações identificadas;

que não foram adotadas medidas corretivas que permitam remediar, total ou parcialmente, as violações mencionadas no primeiro e no segundo travessões, embora o Chefe da Eulex Kosovo tenha informado a União das conclusões do Painel em 29 de abril de 2016;

que o Conselho e o SEAE cometeram um desvio ou um abuso do poder executivo em 12 de outubro de 2017, por terem afirmado que a Eulex Kosovo tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para investigar o rapto e o presumível homicídio do marido de KS e os homicídios do marido e do filho de KD e que o Painel não se destinava a ser uma instância judicial;

que houve lugar a um desvio ou a uma falta de exercício adequado do poder executivo uma vez que o mandato executivo da Eulex Kosovo foi revogado pela Decisão 2018/856, ao passo que as violações mencionadas no primeiro e no segundo travessões persistiam, e

que houve lugar a um desvio ou a um abuso do poder executivo ou público uma vez que não foi assegurado que o processo de KD, relativo a um crime de guerra, à primeira vista fundado, fosse objeto de uma análise jurídica rigorosa pela Eulex Kosovo e/ou pela Procuradoria Especializada em matéria de investigação e ação penal perante a Câmara Especializada do Kosovo.

21

No âmbito dessa ação, KS e KD pediram, nomeadamente, que o Tribunal Geral se dignasse condenar o Conselho, a Comissão e o SEAE, conjunta ou solidariamente, a pagar‑lhes uma compensação, incluindo o pagamento de juros à taxa e pelo período reputados adequados pelo Tribunal Geral, a título dos danos que alegadamente sofreram devido à violação dos seus«direitos humanos fundamentais» protegidos in casu pelos artigos 2.o, 3.o, 6.o, 8.o e 13.o da CEDH e pelos artigos 2.o, 4.o e 47.o da Carta, no que respeita a KS, e pelos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 13.o da CEDH e pelos artigos 2.o, 4.o e 47.o da Carta no que respeita a KD, em conformidade com o artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

22

Em 9 de fevereiro de 2021, no âmbito de uma medida de organização do processo, o Tribunal Geral solicitou ao Conselho, à Comissão e ao SEAE que se pronunciassem, nas respetivas contestações à referida ação, sobre a questão da competência do Tribunal Geral à luz do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

23

Por carta de 25 de março de 2021, KS e KD pediram a intervenção da Eulex Kosovo na qualidade de demandada no processo que deu origem ao despacho recorrido. Este pedido foi indeferido por decisão de 31 de março de 2021 do presidente da Nona Secção do Tribunal Geral.

24

A Comissão respondeu ao pedido do Tribunal Geral mencionado no n.o 22 do presente acórdão por carta de 18 de maio de 2021, na qual referiu que o Tribunal Geral era competente para conhecer da ação intentada por KS e KD, tendo, contudo, arguido uma exceção de inadmissibilidade na parte em que essa ação era intentada contra si. O Conselho e o SEAE responderam a este pedido, respetivamente, por cartas de 19 de maio de 2021, arguindo uma exceção de incompetência e, a título subsidiário, uma exceção de inadmissibilidade, nomeadamente na parte em que a referida ação era intentada contra eles.

25

Em 5 de junho de 2021, KS e KD apresentaram um pedido de medidas de instrução, ao abrigo do artigo 88.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, no sentido de obterem a versão integral do OPLAN da Eulex Kosovo desde a criação desta missão em 2008 (a seguir «pedido inicial de acesso ao OPLAN da Eulex Kosovo»), que era mencionado na parte da contestação do SEAE relativa às exceções de incompetência e de inadmissibilidade arguidas por este serviço.

26

Em 23 de julho de 2021, KS e KD apresentaram as suas observações a respeito das exceções de incompetência e de inadmissibilidade referidas no n.o 24 do presente acórdão e pediram que estas exceções fossem julgadas improcedentes.

Despacho recorrido

27

Através do despacho recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente a ação intentada por KS e KD por ser manifestamente incompetente para dela conhecer, não tendo examinado os fundamentos de inadmissibilidade apresentados pelo Conselho, a Comissão e o SEAE, nem o pedido inicial de acesso ao OPLAN da Eulex Kosovo.

28

No n.o 28 daquele despacho, o Tribunal Geral observou que essa ação foi motivada por atos ou comportamentos relacionados com questões políticas ou estratégicas ligadas à definição das atividades, das prioridades e dos recursos da Eulex Kosovo, e à decisão de criar um painel no âmbito desta missão, e que, de acordo com a Ação Comum 2008/124, a criação e as atividades da referida missão estão abrangidas pelas disposições do Tratado UE relativas à política externa e de segurança comum (PESC).

29

Por outro lado, nos n.os 29 a 33 do referido despacho, o Tribunal Geral declarou, em substância, que, em aplicação do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e do artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia não dispõe, em princípio, de competência no que diz respeito às disposições relativas à PESC, nem no que diz respeito aos atos adotados com base nessas disposições, e que as exceções a este princípio, previstas nessa primeira disposição e no artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE não eram aplicáveis in casu porque a referida ação não tinha por objeto medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas, na aceção desta última disposição, nem a observância do artigo 40.o TUE.

30

Além disso, o Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 34 a 39 do despacho recorrido, que os factos do processo que deu origem a esse despacho não eram comparáveis aos factos dos processos que conduziram aos Acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), e de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), e ao Acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2018, KF/CSUE (T‑286/15, EU:T:2018:718), e ao Despacho do Tribunal Geral de 10 de julho de 2020, KF/CSUE (T‑619/19, EU:T:2020:337), pois embora estes últimos processos dissessem efetivamente respeito à PESC, tinham por objeto disposições cuja aplicação está abrangida pela competência do juiz da União em sede da fiscalização da legalidade. Do mesmo modo, o Tribunal Geral considerou que a situação do caso em apreço era radicalmente diferente da do processo que deu origem ao Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), dado que a ação intentada por KS e por KD dizia respeito à pretensa ilegalidade de atos ou omissões do Conselho, da Comissão e do SEAE ao abrigo do artigo 24.o, n.o 1, TUE, relativos à definição e à execução da PESC, e não a medidas restritivas individuais adotadas no âmbito desta política.

31

Acresce que o Tribunal Geral referiu, no n.o 40 do despacho recorrido, que as regras dos Tratados UE e FUE que excluem a competência do juiz da União em matéria de PESC obstam a que o Tribunal Geral se declare competente em matéria de indemnização por atos ou comportamentos abrangidos por esta política, como os mencionados no n.o 20 do presente acórdão, apenas porque este reconhecimento seria o único meio de garantir uma proteção jurisdicional efetiva a KS e KD.

32

Assim, no n.o 41 do referido despacho, o Tribunal Geral declarou, aludindo aos n.os 69 e 78 do Acórdão de 25 de março de 2021, Carvalho e o./Parlamento e Conselho (C‑565/19 P, EU:C:2021:252), que, embora as disposições relativas à competência do juiz da União devam ser interpretadas à luz do direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva, essa interpretação não pode ditar o afastamento dos requisitos expressamente previstos no TFUE.

Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes nos presentes recursos

33

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de março de 2022, os processos C‑29/22 P e C‑44/22 P foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e da decisão que ponha termo à instância.

34

Por Decisões de 16 de maio de 2022 e de 12 de maio de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu, respetivamente, a República Francesa e a República Checa a intervir em apoio dos pedidos do Conselho nos presentes processos apensos.

35

Por Decisões de 27 de abril de 2023 e de 12 de maio de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu os pedidos de intervenção do Reino da Bélgica, do Grão‑Ducado do Luxemburgo, do Reino dos Países Baixos, da República da Áustria, da Roménia, da República da Finlândia e do Reino da Suécia em apoio dos pedidos da Comissão no processo C‑44/22 P.

36

Por Despachos do Tribunal de Justiça de 24 de junho de 2022, KS e KD (C‑29/22 P‑AJ), e de 24 de junho de 2022, KS e KD (C‑44/22 P‑AJ), KS e KD obtiveram assistência judiciária para poderem custear as despesas relativas aos recursos nos presentes processos apensos.

37

Com o seu recurso, KS e KD pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

dar provimento ao recurso, anular o despacho recorrido e decretar as medidas provisórias requeridas no Tribunal Geral;

a título subsidiário, dar provimento ao recurso e remeter o processo ao Tribunal Geral para decisão final, e

condenar o Conselho, a Comissão e o SEAE nas despesas do presente recurso, do processo que correu no Tribunal Geral e dos processos no Painel.

38

Com o seu recurso e a sua contestação no processo C‑29/22 P, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o despacho recorrido;

declarar que as jurisdições da União têm competência exclusiva para conhecer do processo;

remeter o processo ao Tribunal Geral para que este profira decisão quanto à admissibilidade e ao mérito da ação, e

reservar para final a decisão quanto às despesas da instância e da instância conexa anterior.

39

Na sua contestação no processo C‑44/22 P, KS e KD pedem que o Tribunal de Justiça se digne, caso se declare competente para conhecer dos presentes recursos, autorizá‑las a apresentar um pedido de medidas de instrução ao abrigo do artigo 64.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, antes de se pronunciar sobre a questão de saber se este processo deve ser remetido ao Tribunal Geral.

40

O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento aos presentes recursos e

condenar KS, KD e a Comissão nas despesas.

41

O SEAE pede que o Tribunal de Justiça se digne:

caso se declare competente para se pronunciar sobre o recurso e considere que dispõe de elementos suficientes para se pronunciar sobre a ação intentada por KS e KD, julgar essa ação improcedente e negar provimento ao recurso na parte em que dizem respeito ao SEAE, e

condenar KS, KD e a Comissão nas despesas.

Quanto aos presentes recursos

42

No âmbito do seu recurso no processo C‑29/22 P, KS e KD invocam um fundamento único, composto por quatro partes, mediante o qual alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar‑se manifestamente incompetente para conhecer da sua ação de indemnização. Na primeira parte deste fundamento, que está dividida em duas alegações, KS e KD criticam o Tribunal Geral, por um lado, por ter efetuado uma interpretação ampla do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e do artigo 275.o TFUE e, por outro, por ter procedido a uma leitura seletiva e restritiva da jurisprudência que decorre dos Acórdãos de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), e de 25 de junho de 2020, CSUE/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492). A segunda parte do referido fundamento, relativa a uma aplicação errada do Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), está dividida em três alegações. Primeiro, o Tribunal Geral considerou erradamente que os atos e as omissões em causa diziam respeito à definição e à execução da PESC estando, assim, abrangidos pelo artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE apenas por terem ocorrido no contexto dessa política. Segundo, esse tribunal não se pronunciou sobre o lugar da ação de indemnização no quadro do sistema de proteção jurisdicional da União. Terceiro, o referido tribunal devia ter tido em conta o argumento da Comissão segundo o qual a União Europeia é uma união de direito dotada de um sistema coerente e completo de vias de recurso. Na terceira parte do seu fundamento único, KS e KD criticam o Tribunal Geral por ter aplicado erradamente o Acórdão de 25 de março de 2021, Carvalho e o./Parlamento e Conselho (C‑565/19 P, EU:C:2021:252). Na quarta parte deste fundamento, KS e KD alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito por não ter examinado partes essenciais da sua ação e por não ter fundamentado suficientemente o despacho recorrido.

43

A Comissão invoca quatro fundamentos no âmbito do seu recurso no processo C‑44/22 P. No seu primeiro fundamento, que está dividido em três partes, esta instituição alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, primeiro, ao não reconhecer que a exclusão da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia prevista no artigo 24.o TUE e no artigo 275.o TFUE constitui uma derrogação à sua competência geral, segundo, ao não interpretar de forma restritiva esta exclusão, conforme interpretada pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, e, terceiro, ao considerar que a jurisprudência que decorre dos Acórdãos de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), e de 25 de junho de 2020, CSUE/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492), não era aplicável no caso em apreço.

44

O segundo fundamento, que contém duas partes, diz respeito a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao não ter qualificado a ação intentada por KS e KD de ação de indemnização relativa a pretensas violações de «direitos humanos fundamentais». Na primeira parte deste segundo fundamento, a Comissão critica esse tribunal por ter considerado que os atos e as omissões em causa nessa ação se prendem com questões políticas ou estratégicas relacionadas com a missão e que dizem respeito à definição ou à execução da PESC. Na segunda parte do referido segundo fundamento, esta instituição critica o referido tribunal por não ter interpretado o artigo 24.o TUE nem o artigo 275.o TFUE à luz «das liberdades e dos direitos fundamentais da União previstos na Carta e na CEDH, bem como dos valores fundadores da União que são o Estado de direito e o respeito dos direitos humanos». No seu terceiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral interpretou erradamente o Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), e que cometeu um erro de direito ao não considerar a referida ação como uma ação judicial autónoma a respeito da qual nem o artigo 268.o nem o artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE preveem derrogações à competência das jurisdições da União. No seu quarto fundamento, que está dividido em duas partes, a Comissão critica o Tribunal Geral, por um lado, por não ter garantido a autonomia do ordenamento jurídico da União, dado que não estabeleceu a competência exclusiva dessas jurisdições para conhecer daquela ação, e, por outro, por ter privado KS e KD de um recurso efetivo.

Quanto à primeira alegação da primeira parte, à segunda e terceira alegações da segunda parte e à terceira parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P, bem como à primeira e segunda partes do primeiro fundamento, à segunda parte do segundo fundamento, ao terceiro fundamento e à segunda parte do quarto fundamento de recurso no processo C‑44/22 P

Argumentos das partes

45

As recorrentes, apoiadas pelo Reino da Bélgica, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a Roménia, a República da Finlândia e o Reino da Suécia, alegam que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito, nos n.os 29 a 33 e 37 a 42 do despacho recorrido, relativos à interpretação do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE. Com efeito, o Tribunal Geral não teve em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça que resulta, nomeadamente, do n.o 70 do Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025), e do n.o 32 do Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), segundo a qual a competência geral que o artigo 19.o TUE confere ao Tribunal de Justiça da União Europeia deve ser interpretada de forma ampla, ao passo que a derrogação a essa competência, prevista no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, deve ser interpretada de forma restritiva. No entender da Comissão, o Tribunal Geral devia ter procedido a uma interpretação sistemática e teleológica destas disposições, tendo em conta os princípios e os direitos que decorrem do artigo 2.o, do artigo 3.o, n.o 5, e dos artigos 6.o, 19.o, 21.o e 23.o TUE, dos artigos 268.o, 340.o e 344.o TFUE, e do artigo 47.o da Carta.

46

Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter interpretado as limitações à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia, previstas no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, à luz das regras fundamentais do direito primário da União e dos princípios gerais do direito da União, nomeadamente o princípio do Estado de direito e o direito a um recurso efetivo, que se aplicam a todos os domínios do direito da União, incluindo à PESC.

47

Em particular, segundo a Comissão, o Tribunal Geral não interpretou nem aplicou corretamente o artigo 47.o da Carta, conforme interpretado no n.o 74 do Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236), uma vez que não analisou os meios alternativos através dos quais KS e KD poderiam obter proteção jurisdicional nem teve em conta o Acórdão do High Court of Justice. Ao considerar que KS e KD não dispunham de uma via de recurso ao abrigo do direito da União, o Tribunal Geral, por um lado, violou as garantias previstas nos artigos 2.o e 6.o TUE e no artigo 47.o da Carta. Por outro lado, ignorou, desse modo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o sistema jurisdicional da União prevê um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos da União, no cerne do qual se encontra a proteção dos direitos individuais, como resulta, nomeadamente, do n.o 285 do Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461), e do n.o 66 do Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236). Assim, não existe nenhuma disposição nos Tratados que preveja uma derrogação à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de pretensas violações dos direitos humanos com origem num ato, numa ação ou numa omissão imputável à União, pelo que o mesmo tem de interpretar os Tratados no sentido de que preveem vias de recurso para estas violações.

48

Em apoio destes argumentos, a Comissão alega igualmente que os artigos 6.o e 13.o da CEDH, conforme interpretados pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, garantem o direito a um processo equitativo e o direito a um recurso efetivo. Ora, a União e as suas instituições estão obrigadas a respeitar estes artigos em todos os domínios do direito da União, conforme resulta do artigo 6.o, n.o 3, TUE e da Carta. No caso em apreço, a ação intentada por KS e KD denota um litígio real e sério, pelo que, em conformidade com o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 7 de maio de 2021, Xero Flor w Polsce sp. z o. o. c. Polónia (CE:ECHR:2021:0507JUD000490718, § 187), o artigo 6.o, n.o 1, da CEDH é aplicável. Acresce que excluir KS e KD do sistema de proteção jurisdicional da União pelo simples facto de os atos e as omissões em causa se enquadrarem no contexto da PESC viola o princípio da igualdade de tratamento.

49

Por outro lado, a Comissão sustenta que o Tribunal de Justiça já declarou, no n.o 23 do Acórdão de 23 de abril de 1986, Les Verts/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166), que a União é uma comunidade de direito na medida em que nem os seus Estados‑Membros nem as suas instituições escapam à fiscalização da conformidade dos seus atos com os Tratados. Assim, o princípio do Estado de direito, que está consagrado no artigo 2.o TUE e concretizado no artigo 19.o TUE, aplica‑se plenamente no domínio da PESC, por força do artigo 23.o TUE, conjugado com o artigo 21.o, n.o 2, alínea b), TUE, tendo o Tribunal de Justiça apreciado a sua competência à luz deste princípio, nomeadamente no n.o 41 do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), e nos n.os 35 e 36 do Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793).

50

Na audiência, a Comissão, apoiada pela República da Finlândia e pelo Reino da Suécia, acrescentou, em substância, que o Tribunal Geral devia ter‑se declarado competente ao interpretar o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE à luz do artigo 6.o, n.o 2, primeiro período, TUE, que prevê que a União está obrigada a aderir à CEDH. Segundo a Comissão, o facto de esta adesão constituir uma obrigação, e não uma faculdade, decorre nomeadamente do artigo 218.o, n.o 8, TFUE, que reforça a lógica segundo a qual o ordenamento jurídico da União é autónomo e o facto de este ordenamento jurídico ser distinto dos ordenamentos dos Estados‑Membros.

51

Em segundo lugar, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral devia ter‑se declarado competente para conhecer da ação intentada por KS e KD, uma vez que essa ação se baseia em violações de direitos fundamentais. A Comissão salienta a este título que decorre do n.o 4 do Acórdão de 17 de dezembro de 1970, Internationale Handelsgesellschaft (11/70, EU:C:1970:114), dos n.os 97 e 98 do Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi (C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518), e dos n.os 36, 47 e 48 do Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), por um lado, que as disposições dos Tratados relativas à PESC integram o quadro geral do direito da União e a arquitetura constitucional deste último e, por outro, que o ordenamento jurídico da União engloba a proteção dos direitos fundamentais enquanto princípio geral e primordial do direito da União, pelo que todas as disposições deste direito, incluindo as relativas à PESC, estão sujeitas à Carta. De acordo com KS e KD, esta apreciação é corroborada pelo artigo 51.o, n.o 1, da Carta, nos termos do qual a Carta é aplicável quando uma instituição, um órgão ou um organismo da União aplica o referido direito.

52

Na audiência, as recorrentes acrescentaram que a jurisprudência que resulta dos n.os 55 a 60 e 67 do Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE (C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701), confirma que o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para conhecer de qualquer ação ou recurso baseado em violações de direitos fundamentais. Por outro lado, a Comissão referiu que a finalidade do artigo 24.o TUE é proteger as decisões políticas, e não violações de direitos protegidos pela CEDH e pela Carta. Com efeito, essas violações não podem ser qualificadas de «decisões políticas» ou de «decisões estratégicas», uma vez que o respeito e a proteção dos direitos fundamentais constituem obrigações impostas pelo direito primário da União, e não opção políticas.

53

Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral aplicou erradamente o Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), nos n.os 37 a 39 do despacho recorrido, ao considerar que a situação do caso em apreço é radicalmente diferente da situação do processo que deu origem a esse acórdão. Com efeito, o Tribunal Geral interpretou erradamente aquele acórdão no sentido de que a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para se pronunciar sobre a responsabilidade extracontratual da União está limitada exclusivamente à situação específica de medidas restritivas individuais adotadas pelo Conselho no âmbito da PESC.

54

No entender das recorrentes, resulta do exposto que o Tribunal Geral não teve em conta que, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça se declarou competente para se pronunciar sobre os danos pretensamente sofridos em resultado dessas medidas restritivas devido à coerência necessária do sistema de proteção jurisdicional previsto no direito da União, no sentido de evitar uma lacuna na proteção jurisdicional das pessoas singulares ou coletivas visadas por essas medidas.

55

Além disso, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou, o raciocínio do Tribunal de Justiça que figura nos n.os 32 a 39, 43 e 44 do Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), não se baseou no facto de estarem em causa medidas restritivas nem se limitou a esse facto. Com efeito, aquele raciocínio assenta no facto de a ação de indemnização constituir uma via de recurso autónoma para a qual não está prevista nenhuma derrogação à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia no artigo 268.o nem no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, particularmente, no que respeita à reparação dos danos pretensamente sofridos por pessoas singulares ou coletivas em resultado de decisões abrangidas pela PESC diferentes das medidas restritivas e em aplicação das quais foram alegadamente cometidas violações de direitos garantidos pela CEDH e pela Carta.

56

Por outro lado, no entender da Comissão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao interpretar esse acórdão no sentido de que o Tribunal de Justiça da União Europeia só é competente para apreciar uma ação de indemnização ao abrigo dos artigos 268.o e 340.o TFUE se for competente para se pronunciar sobre um recurso de anulação ou uma ação por omissão instaurados, respetivamente, ao abrigo dos artigos 263.o e 265.o TFUE.

57

Em quarto lugar, as recorrentes criticam o Tribunal Geral por ter interpretado erradamente, no n.o 41 do despacho recorrido, a jurisprudência que decorre dos n.os 69 e 78 do Acórdão de 25 de março de 2021, Carvalho e o./Parlamento e Conselho (C‑565/19 P, EU:C:2021:252). Com efeito, esta jurisprudência não é relevante no âmbito da análise da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia no caso em apreço, visto que diz respeito a um contexto diverso, isto é, ao da interpretação dos requisitos relativos ao reconhecimento da legitimidade processual no âmbito de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Para fundamentar estes argumentos, KS e KD alegam igualmente que não pediram que a jurisprudência do Tribunal de Justiça seja alterada nem que a exclusão dessa competência, prevista no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 275.o TFUE, seja suprimida.

58

Em quinto e último lugar, KS e KD alegam, na sua contestação no âmbito do processo C‑44/22 P, que o artigo 298.o, n.o 1, TFUE e o artigo 41.o da Carta corroboram a premissa de que Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para conhecer da sua ação. Com efeito, uma administração europeia aberta, eficaz e independente devia ter garantido que a Eulex Kosovo e o Painel fossem estabelecidos de um modo que não viole o direito da União. Assim, quando as decisões em causa deste Painel foram notificadas às instituições da União e aos Estados‑Membros, deviam ter sido adotadas medidas para pôr termo às violações de direitos fundamentais em causa.

59

O Conselho e o SEAE, apoiados pela República Francesa e, em parte, pela República Checa, contestam os argumentos das recorrentes.

Apreciação do Tribunal de Justiça

60

Na primeira alegação da primeira parte, na segunda e terceira alegações da segunda parte e na terceira parte do fundamento único do recurso no processo C‑29/22 P, e na primeira e segunda partes do primeiro fundamento, na segunda parte do segundo fundamento, no terceiro fundamento e na segunda parte do quarto fundamento do recurso no processo C‑44/22 P, que devem ser analisadas conjuntamente, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito, nos n.os 29 a 33 e 37 a 42 do despacho recorrido, ao interpretar o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, assim como a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a estas disposições.

61

A este respeito, há que recordar que a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenham em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere, bem como os objetivos e a finalidade que prossegue o ato de que faz parte. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente apresentar elementos pertinentes para a sua interpretação [v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle,C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 135, e de 25 de junho de 2020, A e o. (Turbinas eólicas em Aalter e Nevele), C‑24/19, EU:C:2020:503, n.o 37].

62

Importa igualmente recordar que, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e com o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia não é, em princípio, competente no que respeita às disposições relativas à PESC e aos atos adotados com base nestas disposições. Estas disposições introduzem uma derrogação à regra da competência geral que o artigo 19.o TUE confere a esta instituição para assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados e, por conseguinte, devem ser interpretadas restritivamente (Acórdãos de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho,C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.os 69 e 70; de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o., C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.os 39 e 40; e de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho,C‑134/19 P, EU:C:2020:793, n.os 26 e 32).

63

Além disso, o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE estabelecem expressamente duas exceções a este princípio, isto é, a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia, por um lado, para controlar a observância do artigo 40.o TUE e, por outro, para se pronunciar sobre os recursos interpostos nas condições do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE, relativos à fiscalização da legalidade das decisões do Conselho adotadas ao abrigo de disposições relativas à PESC que estabeleçam medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas (Acórdãos de 28 de março de 2017, Rosneft,C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 60, e de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho,C‑134/19 P, EU:C:2020:793, n.o 27).

64

Ora, no caso em apreço, não é contestado que os atos e as omissões em causa na ação intentada por KS e KD não dizem respeito ao controlo da observância do artigo 40.o TUE nem de semelhantes medidas restritivas individuais.

65

Dito isto, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu erros de direito porque não interpretou o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE nem o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE à luz dos direitos e dos princípios consagrados no artigo 2.o, no artigo 3.o, n.o 5, e nos artigos 6.o, 19.o, 21.o e 23.o TUE, nos artigos 268.o, 340.o e 344.o TFUE, no artigo 47.o da Carta e nos artigos 6.o e 13.o da CEDH.

66

A este respeito, resulta do artigo 3.o, n.o 5, TUE que, nas suas relações com o resto do mundo, a União contribui nomeadamente para a proteção dos direitos do Homem. Além disso, nos termos do artigo 23.o TUE «[a] ação da União na cena internacional ao abrigo do [capítulo 2 do título V do Tratado UE] assenta nos princípios, prossegue os objetivos e é conduzida em conformidade com as disposições gerais enunciadas no capítulo 1 [desse título]». Por outro lado, em conformidade com o artigo 21.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, abrangido por este capítulo 1, «[a] ação da União na cena internacional assenta nos princípios que presidiram à sua criação, desenvolvimento e alargamento, e que é seu objetivo promover em todo o mundo: democracia, Estado de direito, universalidade e indivisibilidade dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade humana, princípios da igualdade e solidariedade e respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional».

67

Acresce que o artigo 51.o, n.o 1, da Carta confirma a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União destinam‑se a ser aplicados em todas as situações reguladas pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson,C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 17 e 19, e de 25 de janeiro de 2024, Parchetul de pe lângă Curtea de Apel Craiova,C‑58/22, EU:C:2024:70, n.o 40).

68

Por conseguinte, cumpre observar, à semelhança da advogada‑geral nos n.os 77, 79 e 80 das suas conclusões, que a inclusão da PESC no quadro constitucional da União significa que os princípios fundamentais da ordem jurídica da União também se aplicam no âmbito desta política. Entre estes figuram, nomeadamente, o respeito pelo Estado de direito e pelos direitos fundamentais, valores enunciados no artigo 2.o TUE e concretizados pelo artigo 19.o TUE, que exigem que tanto as autoridades da União como as autoridades dos Estados‑Membros sejam sujeitas a fiscalização jurisdicional.

69

No entanto, cumpre realçar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, primeiro período, TUE, «[a] [PESC] está sujeita a regras e procedimentos específicos», o qual figura no capítulo 2 do título V do Tratado UE. Ora, o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE, que prevê que o Tribunal de Justiça da União Europeia não dispõe, em princípio, de competência no que diz respeito às disposições relativas à PESC e aos atos adotados com base nessas disposições, faz parte dessas regras específicas.

70

Não obstante, esta limitação da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia pode ser conciliada tanto com o artigo 47.o da Carta como com os artigos 6.o e 13.o da CEDH.

71

A este respeito, primeiro, importa salientar, como o Tribunal de Justiça já declarou no n.o 74 do Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236), que o artigo 47.o da Carta não pode criar uma competência para o Tribunal de Justiça quando os Tratados a excluem. Este artigo também não tem por objeto alterar o sistema de fiscalização jurisdicional previsto pelos Tratados, e designadamente as regras relativas à admissibilidade das ações ou recursos instaurados diretamente no Tribunal de Justiça da União Europeia, como decorre igualmente das anotações relativas ao referido artigo, que devem, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, ser tomadas em consideração na interpretação deste artigo 47.o (Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 97).

72

Por outro lado, cumpre recordar que os princípios da atribuição e do equilíbrio institucional também se aplicam no domínio da PESC. dsxerCom efeito, em conformidade com o artigo 5.o, n.os 1 e 2, TUE, «[a] delimitação das competências da União rege‑se pelo princípio da atribuição», implicando este princípio que «a União atua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados‑Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objetivos fixados por estes últimos[, ao passo que] as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados‑Membros». De resto, uma vez que o artigo 13.o, n.o 2, TUE prevê que «[c]ada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados», esta última disposição traduz o princípio do equilíbrio institucional, característico da estrutura institucional da União, que implica que cada uma das instituições exerce as suas competências com respeito pelas competências das outras [Acórdãos de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade, 9/56, EU:C:1958:7, p. 44; de 22 de maio de 1990, Parlamento/Conselho,C‑70/88, EU:C:1990:217, n.o 22; de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão,C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 64; e de 22 de novembro de 2022, Comissão/Conselho (Adesão ao Ato de Genebra), C‑24/20, EU:C:2022:911, n.o 83].

73

Por conseguinte, a alegação segundo a qual os atos ou omissões objeto de uma ação ou de um recurso de um particular violam os seus direitos fundamentais não basta, em si, para que o Tribunal de Justiça da União Europeia se declare competente para conhecer dessa ação ou desse recurso (v., por analogia, Acórdão de 25 de março de 2021, Carvalho e o./Parlamento e Conselho, C‑565/19 P, EU:C:2021:252, n.o 48), sob pena de retirar parte do efeito útil ao artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e ao artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE e de violar os princípios da atribuição e do equilíbrio institucional.

74

Além disso, ao contrário do que as recorrentes alegaram na audiência, aquela apreciação não é posta em causa pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que decorre dos n.os 55 a 60 e 67 do Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE (C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701), segundo a qual a Carta se dirige às instituições da União, incluindo quando atuam fora do quadro jurídico desta última.

75

A este respeito, cumpre recordar que, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça se pronunciou a respeito de uma ação de responsabilidade extracontratual intentada por várias pessoas singulares e coletivas contra a Comissão e o Banco Central Europeu (BCE) sob o fundamento de que os seus direitos fundamentais tinham sido violados no quadro do Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade, celebrado em Bruxelas em 2 de fevereiro de 2012.

76

Assim, no referido acórdão, estava em causa uma violação de direitos fundamentais num quadro diferente do da PESC, quadro esse não está abrangido pelas disposições dos Tratados a respeito das quais o artigo 24.o TUE e o artigo 275.o TFUE preveem uma limitação da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

77

Segundo, o Tribunal de Justiça deve efetivamente assegurar que a sua interpretação do artigo 47.o da Carta, cujo primeiro e segundo parágrafos correspondem ao artigo 6.o, n.o 1, e ao artigo 13.o da CEDH, garante um nível de proteção que não viola o nível garantido a estas disposições da CEDH, conforme interpretadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 116 e 118 e jurisprudência referida].

78

Ora, por um lado, embora, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, «[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei», este direito não é absoluto e pode ser objeto de restrições legítimas (v. TEDH, 14 de dezembro de 2006, Markovic e o. c. Itália, CE:ECHR:2006:1214JUD000139803, §§ 93 e 99). A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos declarou que não lhe compete imiscuir‑se no equilíbrio institucional entre o poder executivo e os órgãos jurisdicionais nacionais, podendo este equilíbrio institucional refletir‑se numa limitação constitucional das competências dos órgãos jurisdicionais de um Estado quanto a atos que não podem ser dissociados da conduta desse Estado no contexto das suas relações internacionais (v. TEDH, 14 de setembro de 2022, H.F. e o. c. França, CE:ECHR:2022:0914JUD002438419, § 281).

79

Por outro lado, o artigo 13.o da CEDH, que prevê que «[q]ualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na [CEDH] tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional», garante a existência, no direito interno, de um meio processual que permita invocar direitos e liberdades da CEDH, conforme consagrados nesta convenção, pelo que este artigo tem como efeito exigir um meio processual interno que permita analisar o conteúdo de uma «acusação defensável» baseada na CEDH e proporcionar a reparação adequada (TEDH, 10 de julho de 2020, Mugemangango c. Bélgica, CE:ECHR:2020:0710JUD000031015, § 130 e jurisprudência referida).

80

Não obstante, a proteção conferida pelo artigo 13.o da CEDH também não pode ser considerada absoluta, uma vez que o contexto em que se insere a pretensa violação, ou a pretensa categoria de violações, é suscetível de justificar uma limitação dos meios processuais possíveis (v., neste sentido, TEDH, 26 de outubro de 2000, Kudła c. Polónia, CE:ECHR:2000:1026JUD003021096, § 151). De resto, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que o artigo 6.o, n.o 1, da CEDH constitui uma lex specialis relativamente ao artigo 13.o da CEDH (v., neste sentido, TEDH, 9 de março de 2006, Menecheva c. Rússia, ECLI:CE:ECHR:2006:0309JUD005926100, § 105), pelo que este último artigo não pode pôr em causa a faculdade que os Estados têm de justificar limitações legítimas do direito consagrado nesse artigo 6.o, n.o 1, como as referidas na jurisprudência daquele tribunal recordada no n.o 78 do presente acórdão.

81

Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar, em substância, que nem o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE, e o artigo 275.o TFUE, lidos à luz do artigo 47.o da Carta, do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 13.o da CEDH, bem como do artigo 2.o, do artigo 3.o, n.o 5, e dos artigos 6.o, 19.o, 21.o e 23.o TUE, nem a invocação de violações de direitos fundamentais justificam, em si, que o Tribunal Geral se declare competente para conhecer da ação intentada por KS e KD.

82

Neste contexto, há igualmente que rejeitar os argumentos, apresentados nomeadamente pela Comissão, segundo os quais o Tribunal Geral devia ter‑se declarado competente ao interpretar o artigo 24.o, n.o 1, TUE e o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE à luz do artigo 6.o, n.o 2, primeiro período, TUE. A este respeito, basta observar que, em todo o caso, nos termos do artigo 2.o, primeiro período, do Protocolo (n.o 8), relativo ao n.o 2 do artigo 6.o [TUE] respeitante à adesão da União à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, «[o] Acordo [relativo a essa adesão] deve assegurar que a adesão da União não afete as competências da União nem as atribuições das suas instituições». Por conseguinte, este artigo 6.o, n.o 2, não pode ser interpretado no sentido de que tem por efeito alargar as competências do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de PESC.

83

Neste sentido, à luz da jurisprudência exposta no n.o 71 do presente acórdão, há que rejeitar igualmente os argumentos da Comissão segundo os quais, por um lado, a exclusão de KS e KD do sistema de proteção jurisdicional da União viola o princípio da igualdade de tratamento e, por outro, o Tribunal Geral devia ter analisado os meios alternativos através dos quais KS e KD poderiam ter obtido uma proteção jurisdicional efetiva.

84

Consequentemente, ao contrário do que a Comissão alega em substância, também não se pode considerar que o Tribunal Geral devia ter atendido ao facto de um tribunal nacional ter‑se declarado incompetente, através do Acórdão do High Court of Justice.

85

Em segundo lugar, as recorrentes alegam que, nos n.os 37 a 39 do despacho recorrido, o Tribunal Geral aplicou erradamente o Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793). A este título, cumpre recordar que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça se declarou competente para conhecer de uma ação de indemnização na medida em que esta visava obter a reparação dos danos pretensamente sofridos em resultado de medidas restritivas previstas em decisões PESC.

86

Não obstante, ao contrário da situação em causa no processo que deu origem ao referido acórdão, a ação intentada por KS e KD não tem por objeto medidas restritivas individuais. Ora, o Tribunal de Justiça esclareceu que, no que se refere aos atos adotados com fundamento nas disposições relativas à PESC, é a natureza individual desses atos que, em conformidade com o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE, dá acesso às jurisdições da União (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft,C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 103 e jurisprudência referida, e Acórdão hoje proferido, Neves 77 Solutions, C‑351/22, n.o 37).

87

Nestas condições, não se pode acusar o Tribunal Geral de ter considerado, nos n.os 37 a 39 do despacho recorrido, que essa ação dizia respeito uma situação radicalmente diferente da que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), e que a questão da competência do juiz da União em matéria de PESC em termos gerais não tinha sido abordada no referido acórdão.

88

Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos das recorrentes segundo os quais o Tribunal Geral devia ter‑se declarado competente para conhecer da ação intentada por KS e KD com base no referido acórdão uma vez que o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para conhecer de todas as ações de responsabilidade extracontratual ao abrigo dos artigos 268.o e 340.o TFUE, incluindo em matéria de PESC, visto que o artigo 24.o TUE e o artigo 275.o TFUE não preveem derrogações a esta competência geral.

89

A este título, cumpre recordar que, efetivamente, nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, «[e]m matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções». Além disso, nos termos do artigo 268.o TFUE, «[o] Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo e terceiro parágrafos do artigo 340.o [TFUE]».

90

Por outro lado, é jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem competência exclusiva para decidir dos litígios que envolvem a responsabilidade extracontratual da União, com exclusão dos órgãos jurisdicionais nacionais [v., neste sentido, Acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Granaria,101/78, EU:C:1979:38, n.o 16, e de 15 de julho de 2021, OH (Imunidade de jurisdição), C‑758/19, EU:C:2021:603, n.o 22].

91

Não obstante, cumpre esclarecer que nem o caráter exclusivo dessa competência nem a autonomia da ação fundada em responsabilidade extracontratual da União podem determinar o alargamento dos limites da competência conferida a essa instituição pelos Tratados. Ora, o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e o artigo 275.o TFUE fixam esses limites de competência e devem, no que respeita às ações ou recursos em matéria de PESC, ser considerados leges speciales relativamente aos artigos 268.o e 340.o TFUE. Por conseguinte, não se pode admitir que o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e o artigo 275.o TFUE não abrangem as ações de responsabilidade extracontratual da União.

92

Esta conclusão é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE remete para o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE a fim de determinar não o tipo de processo no âmbito do qual o Tribunal de Justiça pode fiscalizar a legalidade de certas decisões, mas o tipo de decisões cuja legalidade pode ser fiscalizada pelo Tribunal de Justiça no âmbito de qualquer processo que tenha por objeto essa fiscalização da legalidade (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft,C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 70).

93

Em terceiro lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter‑se baseado na jurisprudência que resulta dos n.os 69 e 78 do Acórdão de 25 de março de 2021, Carvalho e o./Parlamento e Conselho (C‑565/19 P, EU:C:2021:252), para declarar, no n.o 41 do despacho recorrido, que uma interpretação das disposições dos Tratados relativas à competência do juiz da União à luz do direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva não pode afastar os requisitos expressamente previstos no TFUE.

94

Com efeito, embora aquela jurisprudência diga respeito aos requisitos de admissibilidade de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, cumpre observar, à semelhança da advogada‑geral no n.o 99 das suas conclusões, que o Tribunal Geral podia, com razão, aplicar a referida jurisprudência ao apreciar a sua competência para conhecer da ação intentada por KS e KD, visto que essa jurisprudência exprime um princípio de interpretação aplicável a todas as vias processuais previstas nos Tratados.

95

Em quarto e último lugar, resulta do exposto, em particular do n.o 71 do presente acórdão, que há que rejeitar os argumentos com base nos quais KS e KD alegam, em substância, na sua contestação no processo C‑44/22 P, que o artigo 298.o, n.o 1, TFUE e o artigo 41.o da Carta corroboram a premissa de que o Tribunal Geral devia ter‑se declarado competente para conhecer da sua ação.

96

Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira alegação da primeira parte, a segunda e terceira alegações da segunda parte, bem como a terceira parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P, e a primeira e segunda partes do primeiro fundamento, a segunda parte do segundo fundamento, o terceiro fundamento e a segunda parte do quarto fundamento de recurso no processo C‑44/22 P.

Quanto à segunda alegação da primeira parte e à primeira alegação da segunda parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P, bem como à terceira parte do primeiro fundamento e à primeira parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑44/22 P

Argumentos das partes

97

As recorrentes sustentam, em substância, que, nos n.os 34 a 36 do despacho recorrido, o Tribunal Geral procedeu a uma leitura restritiva e seletiva da jurisprudência que decorre dos Acórdãos de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), e de 25 de junho de 2020, CSUE/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492), visto que restringiu a sua competência aos casos abrangidos por esta jurisprudência, isto é, nomeadamente, de gestão do pessoal de uma missão de política comum de segurança e defesa (a seguir «PCSD»), bem como de adjudicação de contratos públicos que envolvam despesas suportadas pelo orçamento da União. A Comissão alega que, ao proceder deste modo, o Tribunal Geral restringiu a sua análise desta jurisprudência a uma mera comparação dos factos com os que caracterizam o presente processo, e que a referida jurisprudência é aplicável in casu, uma vez que a PESC constitui apenas o contexto em que ocorreram as pretensas violações dos direitos de KS e KD, conforme protegidos pela Carta e pela CEDH.

98

Por outro lado, KS e KD alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, no n.o 39 do despacho recorrido, por ter considerado que qualquer medida adotada pelas instituições da União ao abrigo do artigo 24.o, n.o 1, TUE diz respeito à «definição e execução da PESC» não sendo, por isso, da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Com efeito, os termos «definição» e «execução» figuram não no último período do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, que diz respeito à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia, mas antes no segundo período desta disposição. Assim, o Tribunal Geral ignorou o espírito da referida disposição e a intenção dos seus autores. Além disso, o Tribunal Geral partiu do pressuposto de que os atos e as omissões em questão no presente caso são de natureza puramente política apenas por terem sido adotados ao abrigo da competência da União no domínio da PESC, daí concluindo que estão abrangidos por aquela disposição. KS e KD acrescentaram na audiência que a questão da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia deve ser apreciada caso a caso.

99

Além disso, a Comissão considera que os n.os 23, 28 e 39 do despacho recorrido contêm erros de direito uma vez que o Tribunal Geral considerou, sem fornecer explicações adicionais, que a ação intentada por KS e KD teve origem em atos ou omissões relativos a questões políticas ou estratégicas relacionadas com a Eulex Kosovo e, assim, referentes à definição e à execução da PESC, em vez de qualificar essa ação de ação de indemnização relativa a pretensas violações de «direitos humanos fundamentais». Com efeito, a natureza das pretensas violações do direito da União e os referidos atos e omissões não foram examinados nem qualificados juridicamente pelo Tribunal Geral.

100

Acresce que, segundo a Comissão, o Tribunal Geral não especificou que requisitos devem estar preenchidos para que atos ou omissões possam ser qualificados de «estratégicos» ou de «políticos», nem esclareceu quais seriam as consequências dessa qualificação para a interpretação da exclusão da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de PESC prevista no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE. Ora, é indispensável definir o âmbito de aplicação desta exclusão, que não se pode limitar nem ao critério formalista, segundo o qual a medida em causa é abrangida pelo domínio da PESC, conforme resulta dos n.os 42 e 43 do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), nem à premissa de que esses atos ou omissões são «estratégicos» ou «políticos». A este respeito, o Tribunal Geral adotou um raciocínio circular uma vez que se limitou a aludir aos argumentos apresentados por KS e KD para fundamentar a sua ação. No entender da Comissão, esta ação, embora se enquadre no contexto da PESC, diz respeito a pretensas violações de direitos humanos no âmbito da execução da Missão Eulex Kosovo, pelo que está relacionada com o seu funcionamento administrativo. Ora, ao contrário do que acontece nomeadamente com a criação de uma missão ou com a definição dos seus objetivos e das suas funções, as obrigações em matéria de direitos fundamentais não estão abrangidas pela PESC nem por questões e opções políticas ou estratégicas.

101

Na audiência, a Comissão acrescentou que, a fim de estabelecer a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para analisar pretensas violações de direitos fundamentais, é necessário provar que existe um nexo de causalidade direto entre a pretensa violação dos direitos fundamentais e cada um dos atos e cada uma das omissões em causa. Ora, no caso em apreço, é possível estabelecer esse nexo sem dificuldade atendendo às violações dos direitos humanos em causa que foram identificadas pelo Painel.

102

Na audiência, o Reino da Bélgica, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria e o Reino da Suécia alegaram, em substância, que a questão de saber se os atos e as omissões em causa revestem natureza política ou estratégica não é relevante no âmbito da análise da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de PESC, dado que esses atos e essas omissões respeitam a violações de direitos fundamentais. Com efeito, nesse caso, a exclusão da competência dessa instituição prevista no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e no artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, não é aplicável.

103

Além disso, a Roménia referiu que os direitos fundamentais devem ser respeitados em todos os domínios do direito da União, incluindo no domínio da PESC. Dito isto, estando a actio popularis excluída, a pessoa em causa deve instaurar, de modo fundamentado, um procedimento de impugnação relativo a um direito reconhecido pelo direito interno e provar que sofreu diretamente os efeitos da medida controvertida, no sentido de estabelecer a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme resulta do Acórdão do TEDH de 7 de maio de 2021, Xero Flor w Polsce sp. z o. c. Polónia (CE:ECHR:2021:0507JUD000490718, § 187), relativo ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH.

104

Por outro lado, a República da Finlândia entende que a exclusão da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de PESC se destina a preservar o equilíbrio institucional. Resulta do que precede que só as medidas relativas à definição desta política, nomeadamente a PCSD, estão abrangidas por essa exclusão, ao passo que esta instituição é competente para fiscalizar os atos e as omissões que ocorram no âmbito da execução prática das referidas políticas, como os que estão em causa no caso em apreço.

105

O Conselho e o SEAE respondem que, ao contrário do que aconteceu nos processos que deram origem aos Acórdãos de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), e de 25 de junho de 2020, CSUE/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492), os atos e as omissões objeto da ação intentada por KS e KD não dizem respeito à pura gestão do pessoal, a conflitos em matéria laboral, nem à execução de um ato que, embora tenha sido adotado para fins operacionais por uma entidade englobada na PESC, se baseia no TFUE. Estes atos e estas omissões são relativos a questões políticas ou estratégicas no domínio desta política, nomeadamente porque se referem ao mandato conferido à Eulex Kosovo e aos recursos que foram alocados a esta missão para executar esse mandato. Resulta do exposto que o Tribunal de Justiça da União Europeia não é competente para conhecer dessa ação ao abrigo do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e do artigo 275.o TFUE.

106

Com efeito, segundo o Conselho, resulta dos n.os 57 a 61 das Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo CSUE/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:220) que o Tribunal de Justiça da União Europeia não é competente em matéria de PESC, ao abrigo dessas disposições, quando um ato da União, por um lado, se baseia formalmente nas disposições relativas a essa política e, por outro, corresponde, dado o seu conteúdo, a uma medida abrangida pela referida política. Assim, a competência desta última instituição não engloba as medidas abrangidas pelo cerne da PESC, nomeadamente da PCSD, tanto no que respeita à legalidade das medidas abrangidas pela definição e pela execução dessas políticas como à responsabilidade extracontratual da União que resulta de ações ou inações nesse domínio.

107

Por outro lado, o Conselho alega que, para preservar o efeito útil do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e do artigo 275.o TFUE, há que encontrar um critério adequado para delimitar a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de PESC. Esse critério pode estar relacionado com a aplicação dos princípios gerais do ordenamento jurídico da União, como o princípio da boa administração, e deve permitir distinguir claramente entre os atos que implicam escolhas discricionárias de natureza política, quer estejam previstos em decisões PESC ou em atos adotados com base na PESC, e os atos administrativos destinados a executar ações concretas. Com efeito, admitir a fiscalização judicial do nível e da repartição das capacidades da Eulex Kosovo significaria que da atuação da União em matéria de PCSD decorre uma obrigação de resultado sempre que a União decida intervir para garantir o respeito dos princípios enunciados no artigo 21.o, n.o 1, TUE, o que não está previsto nos Tratados e é incompatível com o exercício de uma competência que comporta escolhas políticas complexas que dependem, nomeadamente, de ações que emanam de atores externos não sujeitos às regras da União.

108

Na audiência, o Conselho acrescentou que é necessário analisar caso a caso a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de PESC, dado que esta última instituição só tem competência para interpretar ou analisar a legalidade de atos concretos de execução dessa política, e não de atos de alcance geral. No caso em apreço, o Tribunal de Justiça da União Europeia pode ser competente para analisar se a Eulex Kosovo violou os direitos fundamentais de KS e KD no âmbito das investigações efetuadas por esta missão, ao passo que a revogação do mandato executivo da referida missão pela Decisão 2018/856 e a questão de saber se lhe foram alocados recursos suficientes são questões políticas ou estratégicas.

109

Além disso, segundo o SEAE, os atos e as omissões em causa na ação intentada por KS e KD configuram ações operacionais da Eulex Kosovo ou questões políticas ou estratégicas. O facto de esta missão realizar uma investigação ou de se abster de o fazer constitui uma medida abrangida exclusivamente pelo domínio da PESC. Ora, as ações levadas a cabo por esta missão só podem ser objeto de fiscalização judicial se, no âmbito da execução do seu mandato, forem cometidos erros manifestos ou se a mesma agir arbitrariamente. Contudo, tal não se verificou no presente caso.

110

Na audiência, o SEAE acrescentou que a definição das linhas estratégicas, na aceção do artigo 26.o TUE, as decisões relativas às ações operacionais, nos termos do artigo 28.o TUE, a posição da União sobre questões específicas de natureza geográfica, nos termos do artigo 29.o TUE, e a decisão de nomear um representante especial, em conformidade com o artigo 33.o TUE, constituem o cerne da PESC e, como tal, não podem ser objeto de fiscalização judicial. Por outro lado, o artigo 43.o TUE contém uma lista das várias tarefas que devem ser executadas por missões PCSD. Esta lista ilustra o tipo de decisões que não estão sujeitas à fiscalização judicial do Tribunal de Justiça da União Europeia, uma vez que é o Conselho que decide executar, nomeadamente, as missões humanitárias e de evacuação, assim como as missões de aconselhamento e assistência em matéria militar. Em contrapartida, as decisões de execução adotadas com base nos atos do Conselho, nomeadamente pela Comissão ou pela própria missão em causa, como as decisões relacionadas com a contratação de pessoal, na aceção do artigo 15.o‑A da Ação Comum 2008/124, conforme alterada pela Decisão 2014/349, podem ser objeto dessa fiscalização judicial.

111

Na audiência, a República Francesa alegou que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos admitiu, no seu Acórdão de 14 de dezembro de 2006 (Markovic e o. c. Itália, CE:ECHR:2006:1214JUD000139803), que alguns atos de política externa não estão abrangidos pela competência dos tribunais. Assim, há que distinguir entre, por um lado, os atos de pura gestão administrativa que não estão indissociavelmente ligados à PESC e que não têm conotação política e, por outro, os atos que têm por objeto contribuir para a condução, a definição ou a execução da PESC. Ora, no caso em apreço, os atos e as omissões objeto da ação intentada por KS e KD enquadram‑se nesta última categoria de atos e não são dissociáveis desta política, visto que a mesma constitui o cerne dos presentes processos, pelo que apenas os órgãos jurisdicionais nacionais são competentes para examinar esses atos e omissões. Em particular, a decisão de abrir uma investigação enquadra‑se diretamente na condução da Missão Eulex Kosovo. Por conseguinte, não se trata de uma atividade nem de uma decisão de gestão. Além disso, o critério do nexo direto proposto pela Comissão não é relevante, dado que é o conteúdo material do ato impugnado que é decisivo para apreciar a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia, e não os fundamentos invocados.

112

Na audiência, a República Checa alegou que a natureza particular da PESC deve ser protegida e que esta política está sujeita a regras e a procedimentos específicos, incluindo quanto à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Não obstante, é possível encontrar um equilíbrio entre, por um lado, a necessidade de proteger essas regras e esses procedimentos específicos e, por outro, a garantia de uma proteção jurisdicional efetiva dos direitos fundamentais.

Apreciação do Tribunal de Justiça

113

Na segunda alegação da primeira parte e na primeira alegação da segunda parte do fundamento único do recurso no processo C‑29/22 P, bem como na terceira parte do primeiro fundamento e na primeira parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑44/22 P, as recorrentes criticam, em substância, o Tribunal Geral, por um lado, por ter cometido um erro de direito nos n.os 34 a 36 do despacho recorrido, ao ter declarado que a jurisprudência do Tribunal de Justiça que decorre dos Acórdãos de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), e de 25 de junho de 2020, CSUE/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492), não é aplicável ao caso em apreço e, por outro, ao ter‑se declarado incompetente na medida em que a ação intentada por KS e KD se baseia em atos e omissões em matéria política ou estratégica relacionados com a Eulex Kosovo e relativos à definição e execução da PESC. Quanto a este último aspeto, KS e KD consideram que o n.o 39 desse despacho contém um erro de direito, ao passo que a Comissão contesta os n.os 23, 28 e 39 do referido despacho.

114

A título preliminar, cumpre esclarecer que, nesse n.o 23 do despacho recorrido, o Tribunal Geral se limitou a expor os argumentos apresentados por KS e KD no âmbito da sua ação. Ora, visto que a Comissão não alega que esses argumentos foram desvirtuados, há que rejeitar desde logo a primeira parte do segundo fundamento do seu recurso na parte em que respeita ao referido n.o 23, uma vez que resulta de uma leitura errada do despacho recorrido.

115

Por outro lado, cumpre recordar que decorre da jurisprudência mencionada no n.o 63 do presente acórdão que, no âmbito da análise da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para conhecer de uma ação ou de um recurso que tenha por objeto atos ou omissões abrangidos pela PESC, há que verificar, num primeiro momento, se a situação em causa está abrangida por uma das hipóteses previstas no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e no artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE, nas quais esta competência é expressamente admitida.

116

Se assim não for, cumpre, num segundo momento, apreciar se, como resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que decorre do n.o 49 do Acórdão de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), do n.o 55 do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), e do n.o 66 do Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492), a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia se pode basear no facto de os atos e as omissões em causa não estarem diretamente relacionados com as opções políticas ou estratégicas das instituições, dos órgãos e dos organismos da União no âmbito da PESC, nomeadamente da PCSD.

117

Assim, se os atos e as omissões em causa não estiverem diretamente relacionados com essas opções políticas ou estratégicas, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para apreciar a legalidade desses atos ou dessas omissões ou para os interpretar. Pelo contrário, se os referidos atos ou omissões estiverem diretamente relacionados com as referidas opções políticas ou estratégicas, esta instituição deve declarar‑se incompetente.

118

Daqui resulta que, por força do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e do artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia não é competente para apreciar a legalidade ou para interpretar os atos ou as omissões diretamente relacionados com a condução, a definição ou a execução da PESC, nomeadamente da PCSD, isto é, em particular, a identificação dos interesses estratégicos da União, bem como a definição tanto das ações a desenvolver e das posições a tomar pela União como das orientações gerais da PESC, na aceção dos artigos 24.o a 26.o, 28.o, 29.o, 37.o, 38.o, 42.o e 43.o TUE.

119

Conforme resulta dos n.os 62, 68 a 73, 77 a 80 e 91 do presente acórdão, esta conclusão, primeiro, é conforme com a redação dessas disposições, que excluem, em princípio, a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de PESC, segundo, é corroborada pelo contexto em que se inserem, uma vez que permite preservar o efeito útil das referidas disposições, sem, contudo, lesar indevidamente o direito a um recurso efetivo, e, terceiro, corresponde à finalidade prosseguida por essas disposições.

120

Feito este esclarecimento, importa verificar, por um lado, se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 28, 33 a 36 e 39 do despacho recorrido, na medida em que, para se declarar incompetente com fundamento no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e no artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, aplicou o critério que consiste em verificar se os atos e as omissões em causa na ação intentada por KS e KD se enquadram em «questões políticas ou estratégicas relacionadas com a [Eulex Kosovo]» que dizem respeito à «definição e execução da PESC», e, por outro, se a aplicação deste critério no caso em apreço contém um erro.

121

A este respeito, há que proceder a uma análise concreta de cada um dos atos e de cada uma das omissões abrangidos pela PESC, nomeadamente pela PCSD, que são objeto da ação em causa, tendo em conta que o objetivo de segurança jurídica exige que o juiz da União não esteja obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito para estabelecer a sua competência (v., por analogia, Acórdãos de 3 de julho de 1997, Benincasa,C‑269/95, EU:C:1997:337, n.o 27, e de 8 de fevereiro de 2024, Inkreal,C‑566/22, EU:C:2024:123, n.o 27).

122

Em primeiro lugar, no caso em apreço, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 28, 33 a 36 e 39 do despacho recorrido, que a ação intentada por KS e KD não se enquadra nas hipóteses a respeito das quais o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e o artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE preveem expressamente que o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente em matéria de PESC, o que não é contestado no âmbito dos presentes recursos.

123

Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou, em substância, que os atos e as omissões que são objeto dessa ação estão diretamente relacionados com aquela política, tendo em conta a sua natureza política e estratégica, assim como a sua relação com a definição e a execução da PESC.

124

Nestas condições, cumpre apreciar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 28 e 39 do despacho recorrido, ao ter‑se declarado incompetente para conhecer da ação intentada por KS e KD com o fundamento de que cada um dos atos e das omissões objeto dessa ação, mencionados no n.o 20 do presente acórdão, estão diretamente relacionados com a definição e a execução das opções políticas ou estratégicas da PESC.

125

Primeiro, KS e KD invocaram, como fundamento da sua ação, que a Eulex Kosovo violou os artigos 2.o e 3.o da CEDH e os artigos 2.o e 4.o da Carta, por não ter efetuado investigações adequadas devido à falta de recursos necessários e de pessoal idóneo desta missão para exercer o seu mandato executivo.

126

No que respeita à pretensa falta de recursos necessários, cumpre salientar que os meios alocados a uma missão PESC e, nomeadamente, a uma missão PCSD, com base no artigo 28.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, estão diretamente relacionados com as opções políticas ou estratégicas tomadas no âmbito da PESC, conforme considerou, em substância, o Tribunal Geral.

127

Em contrapartida, no que se refere à pretensa falta de pessoal idóneo da Missão Eulex Kosovo, a capacidade desta missão para contratar pessoal, que resulta do disposto no artigo 15.o‑A da Ação Comum 2008/124, conforme alterada pela Decisão 2014/349, constitui um ato de gestão quotidiana que se inscreve no âmbito da execução do mandato da referida missão. Assim, cabe esta última garantir, no quadro dos recursos que lhe são alocados, que o pessoal que contrata é idóneo.

128

Ora, contrariamente à alegação relativa à falta de recursos necessários, as decisões tomadas pela Eulex Kosovo quanto à seleção do pessoal que contrata não estão diretamente relacionadas com as opções políticas ou estratégicas tomadas pela referida missão no âmbito da PESC. Resulta do que precede que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a pretensa falta de pessoal idóneo se enquadra em questões políticas ou estratégicas relativas à definição e à execução da PESC.

129

Segundo, KS e KD invocaram, como fundamento da sua ação, uma violação dos artigos 6.o, n.o 1, e 13.o da CEDH e do artigo 47.o da Carta, devido à inexistência de disposições que prevejam um apoio judiciário no âmbito dos processos instaurados no Painel e uma via de recurso contra as violações identificadas, bem como de disposições que permitam a este Painel executar as respetivas decisões.

130

Quanto à inexistência de disposições que prevejam apoio judiciário no âmbito dos processos instaurados no Painel, há que observar que esta parte da ação intentada por KS e KD incide sobre as regras processuais deste Painel, que, conforme resulta do n.o 6 do presente acórdão, está incumbido de examinar as queixas por violações de direitos humanos cometidas pela Eulex Kosovo. Ora, estas regras puramente processuais não estão diretamente relacionadas com as opções políticas ou estratégicas tomadas no âmbito da PESC. Por conseguinte, os n.os 28 e 39 do despacho recorrido contêm erros de direito na parte em que dizem respeito à inexistência de semelhantes disposições processuais.

131

Do mesmo modo, no que respeita à falta de poderes de execução conferidos ao Painel ou de vias de recurso para as violações identificadas por este Painel, cumpre salientar que, em conformidade com os artigos 1.o e 2.o da Ação Comum 2008/124, a Missão Eulex Kosovo foi criada para apoiar as instituições do Kosovo, as autoridades judiciais e os serviços de aplicação da lei nos seus progressos na via da sustentabilidade e da responsabilização, bem como no desenvolvimento e reforço de um sistema judicial independente multiétnico e de uma polícia e um serviço aduaneiro multiétnicos, assegurando que estas instituições não sofram interferências políticas e adiram aos padrões internacionalmente reconhecidos e às melhores práticas europeias. Assim, a decisão de submeter ou não os atos e as omissões dessa missão a um mecanismo de fiscalização que cumpra essas normas não está diretamente relacionada com as opções políticas ou estratégicas relativas à referida missão, estando apenas relacionada com um aspeto da sua gestão administrativa. Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 28 e 39 do despacho recorrido, ao considerar que esta parte da ação intentada por KS e KD está diretamente relacionada com essas opções.

132

Terceiro, KS e KD invocam, como fundamento da sua ação, que não foram adotadas medidas corretivas que permitam remediar as violações de direitos fundamentais identificadas pelo Painel. Além disso, alegaram que houve um desvio ou um abuso de poder, por um lado, devido às afirmações do Conselho e do SEAE segundo as quais a Eulex Kosovo tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para investigar os crimes em causa e o Painel não se destina a ser uma instância judicial e, por outro, pelo facto de o processo de KD, relativo a um crime de guerra, não ter sido objeto de uma análise jurídica rigorosa por esta missão nem pela Procuradoria Especializada em matéria de investigação, nem de um processo na Câmara Especializada do Kosovo.

133

A este respeito, cumpre salientar que a ausência tanto dessas medidas corretivas como de uma análise jurídica rigorosa do processo prende‑se com o facto de não terem sido adotadas medidas individuais relativas às situações concretas de KS e de KD e não está diretamente relacionada com as opções políticas ou estratégicas tomadas no âmbito da PESC. O mesmo é válido quanto à afirmação do Conselho e do SEAE segundo a qual esta missão tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para investigar os crimes em causa.

134

No que respeita à afirmação de que o Painel não se destina a ser uma instância judicial, cumpre observar que se trata de um ato não vinculativo.

135

Nestas condições, os atos e as omissões referidos no n.o 132 do presente acórdão não podem ser associados diretamente às opções políticas ou estratégicas tomadas no âmbito da PESC, pelo que os n.os 28 e 39 contêm um erro de direito uma vez que o Tribunal Geral considerou que esses atos e essas omissões dizem respeito a questões políticas ou estratégicas relativas à definição e à execução dessa política.

136

Quarto, a decisão de revogar o mandato executivo de uma missão PESC, nomeadamente de uma missão PCSD, está relacionada com essas opções, na aceção do artigo 28.o, n.o 1, e do artigo 43.o, n.o 2, TUE. Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao ter‑se declarado incompetente para se pronunciar sobre as alegações relativas à revogação do mandato executivo da Eulex Kosovo pela Decisão 2018/856, que suprimiu a obrigação desta missão, consagrada no artigo 3.o, alínea d), da Ação Comum 2008/124, de assegurar que certos crimes «sejam objeto, de forma adequada, de investigação, de ação penal e julgamento, com a devida execução das sentenças correspondentes».

137

À luz das considerações que precedem, há que julgar procedente a segunda alegação da primeira parte e a primeira alegação da segunda parte do fundamento único do recurso no processo C‑29/22 P, bem como a terceira parte do primeiro fundamento e a primeira parte do segundo fundamento do recurso no processo C‑44/22 P e, por conseguinte, anular o despacho recorrido, uma vez que, nos n.os 28 e 39 do mesmo, o Tribunal Geral se declarou manifestamente incompetente para conhecer da ação intentada por KS e KD por esta dizer respeito a questões políticas ou estratégicas relativas à definição e à execução da PESC, na parte em que essa ação tem por objeto:

uma violação dos artigos 2.o e 3.o da CEDH e dos artigos 2.o e 4.o da Carta, cometida pela Eulex Kosovo, por o desaparecimento e o homicídio de familiares próximos seus não terem sido devidamente investigados, por falta de pessoal idóneo desta missão para exercer o seu mandato executivo, violação que foi identificada pelo Painel em 11 de novembro de 2015 no que respeita a KS e em 19 de outubro de 2016 no que respeita a KD;

uma violação do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 13.o da CEDH, assim como do artigo 47.o da Carta, devido à inexistência de disposições que prevejam um apoio judiciário a favor dos requerentes elegíveis nos processos intentados perante o Painel e pelo facto de este último ter sido criado sem poderes para executar as respetivas decisões e sem uma via de recurso para as violações de direitos humanos cometidas pela Eulex Kosovo;

a não adoção de medidas corretivas que permitam remediar, total ou parcialmente, as violações mencionadas no primeiro e no segundo travessões, embora o Chefe da Eulex Kosovo tenha informado a União das conclusões do referido Painel em 29 de abril de 2016;

um desvio ou um abuso do poder executivo cometido pelo Conselho e pelo SEAE em 12 de outubro de 2017, por terem afirmado que a Eulex Kosovo tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para investigar os crimes em causa de que foram vítimas familiares de KS e de KD e que o Painel não se destinava a ser uma instância judicial, e

um desvio ou um abuso do poder executivo ou público uma vez que não foi assegurado que o processo de KD, relativo a um crime de guerra, fosse objeto de uma análise jurídica rigorosa pela Eulex Kosovo e/ou pela Procuradoria Especializada em matéria de investigação e ação penal perante a Câmara Especializada do Kosovo.

138

Quanto ao restante, há que rejeitar a segunda alegação da primeira parte e a primeira alegação da segunda parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P, bem como a terceira parte do primeiro fundamento e a primeira parte do segundo fundamento de recurso no processo C‑44/22 P.

Quanto à quarta parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P

Argumentos das partes

139

Na quarta parte do seu fundamento único, KS e KD alegam, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito uma vez que não examinou partes essenciais da sua ação e não fundamentou suficientemente a sua conclusão de que é manifestamente incompetente para conhecer dessa ação. Com efeito, nenhum elemento demonstra que o Tribunal Geral abordou os princípios jurídicos enunciados no Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), ou que teve em conta o argumento da Comissão de que é inconcebível que o ordenamento jurídico da União permita que uma ação da União seja interpretada no sentido de que viola os seus princípios fundamentais, sem que os particulares, que suportam o ónus dessa violação, sejam protegidos. Além disso, o Tribunal Geral devia ter respondido aos argumentos detalhados apresentados pela Comissão a respeito da relevância da Carta e da CEDH para se pronunciar sobre a sua competência. Acresce que o Tribunal Geral não teve em conta o Acórdão do High Court of Justice nem as consequências do despacho recorrido para KS e KD. Esta falta de fundamentação é particularmente grave atendendo à gravidade das violações de direitos fundamentais que constituem o objeto da referida ação.

140

Em segundo lugar, KS e KD sustentam que o Tribunal Geral interpretou erradamente os seus argumentos visto que, nos n.os 23 e 28 do despacho recorrido, fez referência a «questões políticas ou estratégicas». Com efeito, KS e KD não pretenderam, com base nesses argumentos, contestar as opções políticas ou estratégicas da União de criar a Eulex Kosovo, mas antes contestar o mandato executivo confiado a esta missão, nomeadamente no que se refere à realização de uma investigação que não está intrinsecamente abrangida pela PESC e que pode ocorrer noutro contexto.

141

Em terceiro lugar, KS e KD alegam que, ao contrário do que resulta do n.o 40 desse despacho, não sustentaram que o Tribunal Geral devia ter‑se declarado competente para conhecer da sua ação apenas porque este reconhecimento é o único meio de lhes garantir uma proteção jurisdicional efetiva.

142

A Comissão adere aos argumentos de KS e de KD, ao passo que o Conselho e o SEAE os contestam.

Apreciação do Tribunal de Justiça

143

Uma vez que, na quarta parte do seu fundamento único, KS e KD acusam, em primeiro lugar, o Tribunal Geral de não ter respondido a alguns dos seus argumentos e de ter violado o seu dever de fundamentação, importa recordar, por um lado, que, no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objeto, nomeadamente, verificar se o Tribunal Geral respondeu de forma juridicamente suficiente a todas as alegações invocadas pelos recorrentes e, por outro, que o fundamento baseado na falta de resposta do Tribunal Geral às alegações invocadas em primeira instância equivale, em substância, a invocar uma violação do dever de fundamentação. O dever de fundamentação não impõe ao Tribunal Geral que faça uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio, podendo assim a fundamentação do Tribunal Geral ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão,C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.os 185 e 186 e jurisprudência referida).

144

No caso em apreço, dado que KS e KD sustentam que o Tribunal Geral não abordou os princípios jurídicos enunciados no Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho (C‑134/19 P, EU:C:2020:793), cumpre observar que, nos n.os 37 a 39 do despacho recorrido, o Tribunal Geral referiu claramente os motivos pelos quais considera que a jurisprudência que resulta, nomeadamente, do n.o 39 desse acórdão, não é relevante no caso em apreço.

145

Além disso, não se pode acusar o Tribunal Geral de não ter tido em conta o argumento da Comissão segundo o qual é inconcebível que o ordenamento jurídico da União não confira nenhuma proteção aos particulares cujos direitos fundamentais são violados. Com efeito, no n.o 40 do despacho recorrido, o Tribunal Geral considerou, em substância, que o raciocínio que figura nos n.os 29 a 39 desse despacho não pode ser posto em causa apenas porque o reconhecimento da sua competência é o único meio de garantir uma proteção jurisdicional efetiva a KS e KD.

146

Por outro lado, cumpre observar que, no n.o 41 do despacho recorrido, o Tribunal Geral respondeu ao argumento da Comissão relativo à relevância da Carta e da CEDH no contexto da apreciação da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

147

Além disso, quando KS e KD criticam o Tribunal Geral por não ter tido em conta o Acórdão do High Court of Justice nem as consequências do despacho recorrido para ambas, trata‑se de críticas relacionadas com a apreciação do Tribunal Geral relativa à sua competência e que, por isso, devem ser rejeitadas, tendo em conta o que resulta dos n.os 83 e 84 do presente acórdão.

148

Em segundo lugar, quando KS e KD sustentam, em substância, que o Tribunal Geral desvirtuou ou deturpou os seus argumentos ao ter feito referência a «questões políticas ou estratégicas», nos n.os 23 e 28 do despacho recorrido, importa recordar que, quando um recorrente alega uma desvirtuação dos seus próprios argumentos deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar com precisão os elementos que considera terem sido desvirtuados pelo Tribunal Geral e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, terão conduzido o Tribunal Geral a essa desvirtuação (Acórdão de 13 de julho de 2023, Comissão/CK Telecoms UK Investments,C‑376/20 P, EU:C:2023:561, n.o 212 e jurisprudência referida).

149

Ora, tendo em conta o que resulta dos n.os 27 e 28 da petição no processo que deu origem ao despacho recorrido, cumpre observar que, nos n.os 23 e 28 desse despacho, o Tribunal Geral não deturpou nem desvirtuou os argumentos de KS e de KD.

150

Em terceiro lugar, KS e KD alegam, em substância, que o Tribunal Geral desvirtuou os seus argumentos uma vez que resulta do n.o 40 do despacho recorrido que KS e KD sustentaram que o Tribunal Geral devia ter‑se declarado competente para conhecer da sua ação apenas porque esse reconhecimento é o único meio de lhes garantir uma proteção jurisdicional efetiva. A este respeito, basta verificar que, atento o exposto no n.o 145 do presente acórdão, estes argumentos resultam de uma leitura errada do despacho. Com efeito, não resulta do n.o 40 do despacho que KS e KD apresentaram esse motivo somente para estabelecer essa competência, mas antes que o facto de o Tribunal Geral se ter declarado incompetente, conforme resulta dos n.os 29 a 39 do referido despacho, não pode ser posto em causa apenas por não existir outro meio de garantir uma proteção jurisdicional efetiva de KS e KD.

151

Por conseguinte, há que julgar improcedente a quarta parte do fundamento único de recurso no processo C‑29/22 P.

Quanto à primeira parte do quarto fundamento de recurso no processo C‑44/22 P

Argumentos das partes

152

Na primeira parte do seu quarto fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral devia ter estabelecido que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem competência exclusiva para conhecer da ação intentada por KS e KD em conformidade com os artigos 268.o, 340.o e 344.o TFUE e com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que decorre, nomeadamente, do n.o 14 do Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Granaria (101/78, EU:C:1979:38), e do n.o 17 do Acórdão de 29 de julho de 2010, Hanssens‑Ensch (C‑377/09, EU:C:2010:459). Por outro lado, é necessário tanto garantir a coerência do sistema de proteção jurisdicional e a aplicação uniforme dos atos da União como assegurar a unidade da ordem jurídica da União, bem como preservar a sua autonomia e o primado do direito da União, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que decorre, nomeadamente, do n.o 166 do Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454), e dos n.os 66, 78 e 80 do Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236).

153

Além disso, conforme resulta do Acórdão do High Court of Justice, só o Tribunal de Justiça da União Europeia pode oferecer um recurso efetivo quando, como no caso em apreço, a legalidade de ações pretensamente imputáveis à União é contestada por particulares no âmbito de uma ação de indemnização, uma vez que os órgãos jurisdicionais nacionais não estão preparados para disponibilizar todas as vias processuais necessárias para assegurar, relativamente às ações no âmbito da PESC, o respeito do artigo 13.o da CEDH.

154

KS e KD aderem aos argumentos da Comissão, ao passo que o Conselho e o SEAE os contestam.

Apreciação do Tribunal de Justiça

155

Na primeira parte do seu quarto fundamento, a Comissão critica, em substância, o Tribunal Geral por não ter estabelecido que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem competência exclusiva para conhecer da ação intentada por KS e KD.

156

Dito isto, por um lado, tendo em conta o que resulta dos n.os 126 e 136 do presente acórdão, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao ter‑se declarado incompetente para conhecer dessa ação na parte em que esta tinha por objeto uma pretensa falta de recursos da Eulex Kosovo e a revogação do mandato executivo desta missão pela Decisão 2018/856. Assim, a fortiori, o Tribunal Geral não podia ter estabelecido uma competência exclusiva para decidir a este respeito.

157

Por outro lado, no que concerne aos restantes atos e omissões abrangidos pela referida ação, basta observar que, como resulta do n.o 137 do presente acórdão, o Tribunal Geral cometeu erros de direito na parte em que se declarou incompetente pelo facto de esses atos e essas omissões dizerem respeito a questões políticas ou estratégicas relativas à definição e à execução da PESC, sem que seja necessário analisar se o Tribunal Geral se devia ter declarado exclusivamente competente para conhecer da referida ação na parte em que respeitava aos referidos atos e omissões.

158

Nestas condições, há que julgar improcedente a primeira parte do quarto fundamento de recurso no processo C‑44/22 P.

Quanto à ação no Tribunal Geral

159

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

160

KS e KD pedem que o Tribunal de Justiça se digne decidir definitivamente a sua ação tendo em conta a sua idade e o seu estado de saúde. No entanto, na sua contestação no processo C‑44/22 P, pediram que o Tribunal de Justiça se digne dar‑lhes a possibilidade de apresentar um novo pedido de acesso ao OPLAN da Eulex Kosovo antes de decidir sobre as exceções de inadmissibilidade arguidas pelo Conselho, pela Comissão e pelo SEAE. Uma vez que o Tribunal Geral não se pronunciou sobre o pedido inicial de acesso ao OPLAN da Eulex Kosovo, KS e KD foram lesadas no âmbito do processo no Tribunal Geral, em violação do artigo 41.o da Carta e do artigo 298.o, n.o 1, TFUE. Na audiência, acrescentaram que, contrariamente ao processo que deu origem ao Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.os 65 a 68), o Tribunal de Justiça só estaria em condições de decidir definitivamente sobre a admissibilidade da sua ação depois de ser tomada uma decisão relativa a esse novo pedido. A título subsidiário, KS e KD pedem que o Tribunal de Justiça se digne remeter o processo ao Tribunal Geral.

161

A Comissão considera que, quanto à admissibilidade e ao mérito da ação intentada por KS e KD, o litígio não está em condições de ser julgado. Com efeito, os presentes processos distinguem‑se do processo que deu origem ao Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.os 65 a 68), no qual o Tribunal de Justiça dispunha efetivamente, em sede de recurso, de todos os elementos para poder decidir sobre a admissibilidade do recurso relativamente aos diferentes recorridos em primeira instância.

162

O Conselho e o SEAE referiram, nomeadamente, na audiência, que o processo deveria ser remetido ao Tribunal Geral para que este aprecie as exceções de inadmissibilidade em causa, bem como, se for o caso, a procedência da ação intentada por KS e KD.

163

No caso em apreço, importa recordar que, com as exceções de inadmissibilidade em causa, cada um dos demandados em primeira instância, a saber, o Conselho, a Comissão e o SEAE, alegou que a ação intentada por KS e KD era inadmissível na parte em que era dirigida contra si. Ora, cumpre observar que, para decidir sobre estas exceções de inadmissibilidade, há que responder a questões complexas quanto à responsabilidade relativa às diferentes violações alegadas, questões às quais não é possível responder descurando totalmente a análise do mérito dessa ação. Por outro lado, esse exame, que o Tribunal Geral não efetuou, implica algumas apreciações de natureza factual. Ora, a referida ação não foi debatida quanto ao mérito no âmbito dos presentes processos de recurso.

164

Neste contexto, há que observar que, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre as referidas exceções de inadmissibilidade nem sobre a procedência da ação intentada por KS e KD.

165

Além disso, no que respeita ao pedido inicial de acesso ao OPLAN da Eulex Kosovo, cumpre observar que não há que decidir sobre este pedido dado que não é objeto dos presentes recursos. Com efeito, por um lado, KS e KD não contestaram formalmente o despacho recorrido na parte em que o Tribunal Geral não se pronunciou sobre este pedido. Por outro lado, no âmbito dos presentes recursos, não apresentaram um novo pedido de acesso ao OPLAN dessa missão, tendo apenas exprimido a sua vontade de poder apresentar esse pedido antes de o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre as exceções de inadmissibilidade em causa. Ora, conforme resulta do número anterior, os presentes processos apensos não estão em condições de ser julgados no que respeita a essas exceções.

166

Resulta do exposto que há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie quanto à admissibilidade e, se for o caso, quanto ao mérito da ação intentada por KS e KD, bem como sobre o pedido inicial de acesso ao OPLAN da Eulex Kosovo.

Quanto às despesas

167

Uma vez que o processo é remetido ao Tribunal Geral, reserva‑se para final a decisão quanto às despesas relativas aos presentes recursos.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

O Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 10 de novembro de 2021, KS e KD/Conselho e o. (T‑771/20, EU:T:2021:798), é anulado na parte em que o Tribunal Geral se declarou manifestamente incompetente para conhecer da ação intentada por KS e KD por esta dizer respeito a questões políticas ou estratégicas relativas à definição e à execução da política externa e de segurança comum (PESC), na parte em que essa ação tem por objeto:

uma violação dos artigos 2.o e 3.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, bem como dos artigos 2.o e 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cometida pela Missão Eulex Kosovo, por o desaparecimento e o homicídio de familiares próximos de KS e de KD não terem sido devidamente investigados, por falta de pessoal idóneo desta missão para exercer o seu mandato executivo, violação que foi identificada, em 11 de novembro de 2015 no que respeita a KS, e em 19 de outubro de 2016 no que respeita a KD, pelo Painel de Análise dos Direitos Humanos criado ao abrigo da Ação Comum 2008/124/PESC do Conselho, de 4 de fevereiro de 2008, sobre a Missão da União Europeia para o Estado de direito no Kosovo, EULEX KOSOVO;

uma violação do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 13.o da Convenção, assim como do artigo 47.o da Carta, devido à inexistência de disposições que prevejam um apoio judiciário a favor dos requerentes elegíveis nos processos intentados perante aquele Painel e pelo facto de este último ter sido criado sem poderes para executar as respetivas decisões e sem uma via de recurso para as violações de direitos humanos cometidas pela Eulex Kosovo;

a não adoção de medidas corretivas que permitam remediar, total ou parcialmente, as violações mencionadas no primeiro e no segundo travessões, embora o Chefe da Eulex Kosovo tenha informado a União Europeia das conclusões do referido Painel em 29 de abril de 2016;

um desvio ou um abuso do poder executivo cometido pelo Conselho da União Europeia e pelo Serviço Europeu para a Ação Externa em 12 de outubro de 2017, por terem afirmado que a Eulex Kosovo tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para investigar crimes cometidos de que foram vítimas familiares de KS e de KD e que aquele Painel não se destinava a ser uma instância judicial, e

um desvio ou um abuso do poder executivo ou público uma vez que não foi assegurado que o processo de KD, relativo a um crime de guerra, fosse objeto de uma análise jurídica rigorosa pela Eulex Kosovo e/ou pela Procuradoria Especializada em matéria de investigação e ação penal perante a Câmara Especializada do Kosovo.

 

2)

É negado provimento aos recursos quanto ao restante nos processos C‑29/22 P e C‑44/22 P.

 

3)

O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia para que este se pronuncie quanto à sua admissibilidade e, se for o caso, quanto ao mérito da ação intentada por KS e por KD, bem como ao seu pedido de medidas de instrução destinado a obter a versão integral do Plano de Operação (OPLAN) da Eulex Kosovo desde a criação desta missão.

 

4)

Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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