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Documento 62022CJ0775
Judgment of the Court (First Chamber) of 5 September 2024.#M.S.G. and Others v Banco Santander SA.#Requests for a preliminary ruling from the Tribunal Supremo.#Reference for a preliminary ruling – Directive 2014/59/EU – Resolution of credit institutions and investment firms – General principles – Article 34(1)(a) and (b) – Bail-in – Write down of capital instruments – Conversion of subordinated obligations into shares and mandatory transfer for no consideration – Effects – Article 38(13) – Article 53(1) and (3) – Article 60(2), first subparagraph, points (b) and (c) – Articles 73 to 75 – Protection of the rights of shareholders and creditors – Purchase of capital instruments – Flawed and incorrect information provided in the prospectus – Action for damages – Action for a declaration of nullity in respect of the agreement for the purchase of capital instruments – Actions brought against the universal successor of the credit institution subject to a resolution decision.#Joined Cases C-775/22, C-779/22 and C-794/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 5 de setembro de 2024.
M.S.G. e o. contra Banco Santander SA.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunal Supremo.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2014/59/UE — Resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Princípios gerais — Artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b) — Resgate interno — Redução dos instrumentos de fundos próprios — Conversão de obrigações subordinadas em ações e transferência obrigatória sem contrapartida — Efeitos — Artigo 38.o, n.o 13 — Artigo 53.o, n.os 1 e 3 — Artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c) — Artigos 73.o a 75.o — Proteção dos direitos dos acionistas e dos credores — Aquisição de instrumentos de fundos próprios — Informação deficiente e incorreta fornecida no prospeto — Ação de indemnização — Ação que tem por objeto a declaração da nulidade do contrato de aquisição dos instrumentos de fundos próprios — Ações intentadas contra o sucessor universal da instituição de crédito objeto de uma decisão de resolução.
Processos apensos C-775/22, C-779/22 e C-794/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 5 de setembro de 2024.
M.S.G. e o. contra Banco Santander SA.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunal Supremo.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2014/59/UE — Resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Princípios gerais — Artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b) — Resgate interno — Redução dos instrumentos de fundos próprios — Conversão de obrigações subordinadas em ações e transferência obrigatória sem contrapartida — Efeitos — Artigo 38.o, n.o 13 — Artigo 53.o, n.os 1 e 3 — Artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c) — Artigos 73.o a 75.o — Proteção dos direitos dos acionistas e dos credores — Aquisição de instrumentos de fundos próprios — Informação deficiente e incorreta fornecida no prospeto — Ação de indemnização — Ação que tem por objeto a declaração da nulidade do contrato de aquisição dos instrumentos de fundos próprios — Ações intentadas contra o sucessor universal da instituição de crédito objeto de uma decisão de resolução.
Processos apensos C-775/22, C-779/22 e C-794/22.
Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2024:679
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
5 de setembro de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Diretiva 2014/59/UE — Resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Princípios gerais — Artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b) — Resgate interno — Redução dos instrumentos de fundos próprios — Conversão de obrigações subordinadas em ações e transferência obrigatória sem contrapartida — Efeitos — Artigo 38.o, n.o 13 — Artigo 53.o, n.os 1 e 3 — Artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c) — Artigos 73.o a 75.o — Proteção dos direitos dos acionistas e dos credores — Aquisição de instrumentos de fundos próprios — Informação deficiente e incorreta fornecida no prospeto — Ação de indemnização — Ação que tem por objeto a declaração da nulidade do contrato de aquisição dos instrumentos de fundos próprios — Ações intentadas contra o sucessor universal da instituição de crédito objeto de uma decisão de resolução»
Nos processos apensos C‑775/22, C‑779/22 e C‑794/22,
que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por Decisões de 15 de dezembro de 2022, que deram entrada no Tribunal de Justiça respetivamente em 20, 22 e 23 de dezembro de 2022, nos processos
M.S.G.,
N.G.S.,
A.G.S. (C‑775/22),
M.C.S. (C‑779/22),
FSC (C‑794/22)
contra
Banco Santander SA,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz (relator), P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,
advogado‑geral: T. Ćapeta,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação de A.G.S., N.G.S. e M.S.G., por J. Madrazo Leal, abogado, e V. Montes Guerra, procuradora, |
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em representação de FSC, por J. Concheiro Fernández, abogado, |
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em representação de Banco Santander SA, por R. García‑Zarco, J. M. Rodríguez Cárcamo e A.M. Rodríguez Conde, abogados, |
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em representação do Governo Espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente, |
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em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato, |
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em representação da Comissão Europeia, por P. Němečková, A. Nijenhuis e D. Triantafyllou, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
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1 |
Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 34.o, n.o 1, alínea a), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190). |
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2 |
Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, respetivamente, os investidores M.S.G., N.G.S. e A.G.S., M.C.S. e FSC ao Banco Santander SA, na sua qualidade de sucessor do Banco Popular Español SA (a seguir «Banco Popular»), a respeito de ações de declaração de nulidade ou de indemnização intentadas por estes investidores em razão de informações deficientes e erradas que lhes foram prestadas no prospeto de emissão na ocasião da aquisição de instrumentos de fundos próprios, posteriormente convertidos em ações do Banco Popular. |
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva 2003/71/CE
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3 |
A Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Diretiva 2001/34/CE (JO 2003, L 345, p. 64), foi revogada, com efeitos a partir de 21 de julho de 2019, pelo Regulamento (UE) 2017/1129 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativo ao prospeto a publicar em caso de oferta de valores mobiliários ao público ou da sua admissão à negociação num mercado regulamentado, e que revoga a Diretiva 2003/71/CE (JO 2017, L 168, p. 12). Todavia, na ocasião dos litígios nos processos principais, as disposições da Diretiva 2003/71 ainda estavam em vigor. |
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4 |
O artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Responsabilidade inerente ao prospeto», previa: «1. Os Estados‑Membros devem assegurar que a responsabilidade pela informação prestada num prospeto incumba, pelo menos, ao emitente ou aos seus órgãos de administração, direção ou fiscalização, ao oferente, à pessoa que solicita a admissão à negociação num mercado regulamentado ou ao garante, consoante o caso. O prospeto deve identificar claramente as pessoas responsáveis, com a indicação dos respetivos nomes e funções ou, no caso das pessoas coletivas, das respetivas denominações e sede estatutária, devendo conter declarações efetuadas pelos mesmos que atestem que, tanto quanto é do seu conhecimento, a informação constante do prospeto [está] de acordo com os factos e que não existem omissões suscetíveis de alterar o seu alcance. 2. Os Estados‑Membros devem assegurar que as suas disposições legislativas, regulamentares e administrativas em matéria de responsabilidade civil sejam aplicáveis às pessoas responsáveis pela informação fornecida num prospeto. […]» |
Diretiva 2014/59
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5 |
Os considerandos 45, 49 e 120 da Diretiva 2014/59 têm a seguinte redação:
[…]
[…]
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6 |
Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva: «1. A presente diretiva estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das seguintes entidades: […]
[…]» |
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7 |
O artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva prevê: «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por: […]
[…]
[…]
[…]» |
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8 |
O artigo 34.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Princípios gerais que regem a resolução», dispõe, no n.o 1: «Os Estados‑Membros asseguram que, na aplicação dos instrumentos e no exercício dos poderes de resolução, as autoridades de resolução tomem todas as medidas adequadas para assegurar que as medidas de resolução sejam tomadas de acordo com os seguintes princípios:
[…]
[…]» |
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9 |
O artigo 37.o desta diretiva, sob a epígrafe «Princípios gerais aplicáveis aos instrumentos de resolução», tem a seguinte redação: «[…] 3. Os instrumentos de resolução a que se refere o n.o 1 são:
4. Sob reserva do n.o 5, as autoridades de resolução podem aplicar os instrumentos de resolução isoladamente ou combinados entre si. […]» |
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10 |
Nos termos do artigo 38.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Instrumento de alienação da atividade»: «1. Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades de resolução disponham de poderes para transferir para um adquirente, que não seja uma instituição de transição:
Sob reserva dos n.os 8 e 9 do presente artigo e do artigo 85.o, a transferência referida no primeiro parágrafo é efetuada sem necessidade de obter a aprovação dos acionistas da instituição objeto de resolução ou de qualquer parte terceira para além do adquirente, nem de cumprir os requisitos procedimentais ao abrigo do direito das sociedades ou da legislação relativa aos valores mobiliários, para além dos referidos no artigo 39.o. 2. As transferências feitas nos termos do n.o 1 são efetuadas em condições comerciais, tendo em conta as circunstâncias, e de acordo com o enquadramento da União para os auxílios estatais. 3. Nos termos do n.o 2 do presente artigo, as autoridades de resolução tomam todas as medidas razoáveis para obter condições comerciais para a transferência conformes com a avaliação realizada nos termos do artigo 36.o, tendo em conta as circunstâncias. […] 6. Na sequência da aplicação do instrumento de alienação da atividade, as autoridades de resolução podem exercer, mediante autorização do adquirente, os seus poderes de transferência em relação aos ativos, direitos ou passivos transferidos para o adquirente de modo a voltar a transferir esses ativos, direitos ou passivos para a instituição objeto de resolução, ou as ações ou outros instrumentos de propriedade para o seu titular inicial, sendo a instituição objeto de resolução ou os titulares iniciais obrigados a aceitar a devolução desses ativos, direitos ou passivos, ou ações ou outros instrumentos de propriedade. […] 9. Os Estados‑Membros asseguram que, caso a autoridade competente dessa instituição não tenha concluído a avaliação referida no n.o 8 à data da transferência das ações ou de outros instrumentos de propriedade em aplicação do instrumento de alienação da atividade pela autoridade de resolução, se apliquem as seguintes disposições:
[…] 13. Sem prejuízo do título IV, capítulo VII, os acionistas ou credores da instituição objeto de resolução, e outros terceiros cujos ativos, direitos ou passivos não sejam transferidos, não têm qualquer direito sobre os ativos, direitos ou passivos transferidos, ou em relação aos mesmos.» |
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11 |
O artigo 48.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Sequência da redução e da conversão», dispõe: «1. Os Estados‑Membros asseguram que, ao aplicarem o instrumento de recapitalização interna, as autoridades de resolução exerçam os seus poderes de redução e de conversão, sob reserva das exclusões nos termos do artigo 44.o, n.os 2 e 3, cumprindo os seguintes requisitos:
[…]» |
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12 |
O artigo 53.o da Diretiva 2014/59, sob a epígrafe «Efeito da recapitalização interna», prevê: «1. Os Estados‑Membros asseguram que, nos casos em que uma autoridade de resolução exerça um dos poderes referidos […] no artigo 59.o, n.o 2, e no artigo 63.o, n.o 1, alíneas e) a i), a redução do montante de capital ou do montante em dívida, a conversão ou a extinção produzam efeitos e sejam imediatamente vinculativas para a instituição objeto de resolução e para os credores e acionistas afetados. […] 3. Quando uma autoridade de resolução reduz até zero o montante de capital ou o montante em dívida correspondente a um passivo exercendo os poderes referidos no artigo 63.o, n.o 1, alínea e), esse passivo e quaisquer obrigações ou créditos dele decorrentes não vencidos no momento em que os poderes são exercidos são tratados como exonerados para todos os efeitos, não sendo invocáveis em qualquer processo subsequente contra a instituição objeto de resolução ou contra qualquer entidade sucessora numa posterior liquidação. 4. Quando uma autoridade de resolução reduz em parte, mas não na totalidade, o montante de capital ou o montante em dívida correspondente a um passivo aplicando os poderes referidos no artigo 63, n.o 1, alínea e):
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13 |
O artigo 60.o desta diretiva, sob a epígrafe «Disposições que regem a redução ou a conversão de instrumentos de capital», tem a seguinte redação: «1. Em cumprimento do requisito previsto no artigo 59.o, as autoridades de resolução exercem o poder de redução ou de conversão de acordo com a ordem de prioridade dos créditos em processos normais de insolvência, de forma a produzir os seguintes resultados:
2. Caso o montante de capital de um instrumento de capital relevante seja reduzido: […]
3. A fim de efetuar a conversão de instrumentos de capital relevantes nos termos do n.o 1, alínea b), do presente artigo, as autoridades de resolução podem exigir que as instituições e as entidades a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), emitam instrumentos de fundos próprios principais de nível 1 aos detentores de instrumentos de capital relevantes. […] […]» |
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14 |
Nos termos do artigo 63.o, n.o 1, da referida diretiva, sob a epígrafe «Poderes gerais»: «Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades de resolução disponham de todos os poderes necessários para aplicar os instrumentos de resolução às instituições e entidades a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), que cumpram as condições aplicáveis para a resolução. As autoridades de resolução devem dispor, nomeadamente, dos seguintes poderes de resolução, que podem exercer isoladamente ou em conjunto: […]
[…]» |
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15 |
Em conformidade com o artigo 64.o, n.o 4, alínea b), da mesma diretiva, os poderes auxiliares das autoridades de resolução a que se refere esta disposição não põem em causa «[s]ob reserva dos artigos 69.o, 70.o e 71.o, os direitos de as partes num contrato exercerem os seus direitos contratuais, incluindo o direito de rescisão, quando habilitadas a fazê‑lo nos termos do contrato, em virtude de um ato ou omissão da instituição objeto de resolução antes da transferência relevante, ou do destinatário após essa transferência». |
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16 |
O artigo 68.o da Diretiva 2014/59, sob a epígrafe «Exclusão de certos termos contratuais na intervenção precoce e na resolução», dispõe, nos n.os 3 e 4: «3. Desde que as obrigações substantivas previstas no contrato, incluindo as obrigações de pagamento e de entrega e a prestação de garantias, continuem a ser realizadas, uma medida de prevenção de crises ou uma medida de gestão de crises, incluindo a ocorrência de factos diretamente ligados à aplicação dessa medida, não permite, por si só, que alguém:
[…] 4. O presente artigo não afeta o direito de uma pessoa tomar as medidas a que se refere o n.o 3 caso esse direito derive de um facto que não seja a medida de prevenção de crises, a medida de gestão de crises ou a ocorrência de um facto diretamente ligado à aplicação dessa medida. […]» |
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17 |
O artigo 73.o desta diretiva, sob a epígrafe «Tratamento dos acionistas e dos credores em caso de transferências parciais e de aplicação do instrumento de recapitalização interna», prevê, na alínea b), que «[o]s Estados‑Membros asseguram que […] em especial, para efeitos do artigo 75.o […] [s]e as autoridades de resolução aplicarem o instrumento de recapitalização interna, os acionistas e os credores cujos créditos tenham sido objeto de redução ou de conversão em capitais próprios não sofram perdas superiores às que teriam sofrido se a instituição objeto de resolução tivesse sido liquidada ao abrigo de processos normais de insolvência […]» |
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18 |
O artigo 74.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Avaliação da diferença de tratamento», precisa, no n.o 1: «A fim de avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência, nomeadamente, mas não exclusivamente, para efeitos do artigo 73.o, os Estados‑Membros asseguram que seja realizada uma avaliação por uma pessoa independente, o mais cedo possível depois de a medida, ou medidas, de resolução produzirem efeitos. […]» |
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19 |
Nos termos do artigo 75.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Salvaguarda para os acionistas e credores»: «Os Estados‑Membros asseguram que, se a avaliação efetuada ao abrigo do artigo 74.o determinar que um acionista ou um credor a que se refere o artigo 73.o […] sofreu prejuízos maiores do que teria sofrido em caso de liquidação ao abrigo dos processos normais de insolvência, o mesmo tem direito ao pagamento da diferença pelos mecanismos de financiamento da resolução.» |
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20 |
O artigo 101.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2014/59 dispõe que os mecanismos de financiamento criados nos termos do artigo 100.o podem ser utilizados pela autoridade de resolução apenas na medida do necessário para assegurar uma aplicação eficaz dos instrumentos de resolução, designadamente para pagar uma indemnização aos acionistas ou aos credores nos termos do artigo 75.o desta diretiva. |
Decisão do Conselho Único de Resolução
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21 |
Na sua Decisão SRB/EES/2017/08, de 7 de junho de 2017, o Conselho Único de Resolução adotou o programa de resolução para o Banco Popular, aprovado pela Comissão Europeia através da Decisão (UE) 2017/1246 (JO 2017, L 178, p. 15). |
Direito espanhol
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22 |
A Decisão do Conselho Único de Resolução SRB/EES/2017/08 foi executada pela Decisão do Fondo de Reestructuración Ordenada Bancaria (Fundo de Reestruturação Ordenada das Instituições Bancárias, Espanha) (a seguir «FROB»), de 7 de junho de 2017 (BOE n.o 155, de 30 de junho de 2017, p. 55470), que adotou as seguintes medidas: «Primeiro. Reduzir o capital social atual do [Banco Popular] através da redução da totalidade das ações atualmente em circulação […] Segundo. Simultaneamente, proceder a um aumento de capital que exclua o direito de preferência na subscrição com vista à conversão da totalidade dos instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1 […] Terceiro. Reduzir o capital social para zero euros (0 euro) através da redução das ações resultante da conversão dos instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1 de acordo com o número anterior […] Quarto. Simultaneamente, proceder a um aumento de capital que exclua o direito de preferência na conversão da totalidade dos instrumentos de fundos próprios de nível 2 em novas ações do Banco Popular […] […] Sexto. Transferir a totalidade das ações do [Banco Popular], emitidas em consequência da conversão dos instrumentos de fundos próprios de nível 2 mencionados no terceiro fundamento jurídico da presente decisão para o [Banco Santander]» |
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23 |
O terceiro fundamento jurídico desta decisão refere: «Quanto ao alcance da medida de redução adotada pela presente decisão, […] trata‑se de uma redução permanente, não sendo paga qualquer indemnização aos detentores [das ações objeto de redução]. Não existe nenhuma obrigação em relação ao detentor das ações objeto de redução, com exceção das obrigações já vencidas ou da responsabilidade que possa decorrer de um recurso interposto contra a legalidade do exercício do poder de redução.» |
Litígios nos processos principais e questões prejudiciais
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24 |
Durante os anos 2010 e 2011, os recorrentes nos processos principais adquiriram, respetivamente, diversos instrumentos de fundos próprios emitidos pelo Banco Popular ou por uma filial deste, a BPE Preference International Ltd. |
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25 |
Durante os anos 2012 e 2014, os instrumentos de fundos próprios em causa nos processos C‑779/22 e C‑794/22 foram convertidos em ações do Banco Popular. |
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26 |
Em 7 de junho de 2017, o Conselho Único de Resolução adotou o programa de resolução para o Banco Popular, que foi aprovado pela Comissão no mesmo dia. |
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27 |
Este programa de resolução foi executado mediante Decisão do FROB, igualmente adotada em 7 de junho de 2017. Através dessa decisão, o FROB, nomeadamente, reduziu a zero o capital social do Banco Popular através da redução do valor da totalidade das ações em circulação. Em consequência dessa decisão, os recorrentes nos processos C‑779/22 e C‑794/22 deixaram de ser os detentores das ações do Banco Popular em que se tinham convertido os seus instrumentos de fundos próprios em 2012 e 2014. |
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28 |
Além disso, o FROB decidiu proceder à conversão dos instrumentos de fundos próprios de nível 2 e transferir para o Banco Santander as novas ações emitidas na sequência dessa conversão, sem o consentimento dos antigos detentores desses instrumentos. Consequentemente, os recorrentes no processo principal C‑775/22 deixaram de ser os titulares das obrigações subordinadas, adquiridas em 2010 e 2011, as quais foram convertidas em ações e transferidas para o Banco Santander, sem receber contrapartida. |
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29 |
Os recorrentes nos processos principais intentaram, respetivamente, por um lado, uma ação de declaração da nulidade da aquisição dos instrumentos de fundos próprios em causa no processo principal, com o fundamento de que nem o Banco Popular nem o BPE Preference International os tinham informado devidamente sobre a natureza, características e riscos desses instrumentos. Por outro lado, intentaram uma ação de indemnização destinada a obter a reparação do prejuízo causado pelo incumprimento por esses bancos das suas obrigações de informação legais no contexto da subscrição desses instrumentos de fundos próprios. |
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30 |
Estas ações, na fase de recurso de cassação, foram submetidas ao Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), a saber, o órgão jurisdicional de reenvio nos presentes processos, devendo precisar‑se que os recursos se limitam, respetivamente, à ação de declaração de nulidade, no que respeita aos processos C‑775/22 e 779/22, e à ação de indemnização, no que respeita ao processo C‑794/22. |
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31 |
Posteriormente à interposição desses recursos, o Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão de 5 de maio de 2022, Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular) (C‑410/20, EU:C:2022:351) [a seguir «Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular)»]. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 34.o, n.o 1, alínea a), o artigo 53.o, n.os 1 e 3, e o artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59 se opõem a que, após a redução total das ações ordenada no âmbito da resolução de uma instituição bancária, possam ser intentadas contra essa instituição ou contra o seu sucessor legal ações de indemnização com fundamento nas informações constantes do prospeto e ações de declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações. |
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32 |
O órgão jurisdicional de reenvio salienta que existe, em Espanha, um número elevado de litígios relativos aos diferentes instrumentos de fundos próprios do Banco Popular, a saber, entre outros, ações, ações preferenciais e obrigações subordinadas. Na maior parte dos casos, os adquirentes desses produtos financeiros intentaram ações destinadas a obter a declaração de nulidade dos contratos de aquisição desses produtos e a restituição do preço pago por essa aquisição e/ou ações de indemnização destinadas a obter uma reparação pelos prejuízos sofridos devido à referida aquisição, nos termos do artigo 6.o da Diretiva 2003/71 ou das regras gerais que regulam os contratos. Todos esses recursos se basearam num vício de consentimento resultante das informações deficientes e erradas fornecidas na comercialização dos referidos produtos financeiros. |
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33 |
O órgão jurisdicional de reenvio precisa que os referidos litígios deram origem a interpretações divergentes das disposições da Diretiva 2014/59 pelos órgãos jurisdicionais nacionais e que as partes nos litígios nele pendentes discordam quanto à questão de saber se a jurisprudência resultante do Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular) é aplicável à situação em causa nos processos principais. |
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34 |
No que respeita, mais especificamente, aos processos C‑779/22 e C‑794/22, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o direito à restituição decorrente da nulidade da aquisição dos instrumentos de fundos próprios em causa no processo principal, convertidos em ações antes da resolução do Banco Popular, e a obrigação de indemnização constituem uma obrigação «já vencida» ou uma obrigação «não vencida», na aceção do artigo 53.o, n.o 3, e do artigo 60.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2014/59. |
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35 |
A este respeito, salienta que, em direito espanhol, o termo «vencido» designa o momento em que surge o direito de reclamar o cumprimento de uma obrigação, ao passo que o termo «data de vencimento» designa o final do período fixado para o cumprimento de uma obrigação no termo do qual esta se torna exigível. Ora, o vencimento das obrigações convertíveis em causa no processo principal teve lugar no próprio dia da sua conversão em ações, portanto, antes da abertura do procedimento de resolução do Banco Popular. Além disso, a decisão judicial que reconhece a responsabilidade por eventuais danos não reveste caráter constitutivo, mas declara a existência dessa responsabilidade e quantifica a indemnização. Ainda que a obrigação de reparação constituísse um «crédito eventual» até à sua declaração definitiva por via judicial, a mesma seria, apesar disso, considerada, já antes dessa declaração, como constituindo um crédito vencido. |
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36 |
Quanto ao processo C‑775/22, o órgão jurisdicional de reenvio refere que os recorrentes no processo principal sustentaram, em primeiro lugar, que a jurisprudência resultante do Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular) não é aplicável à conversão de obrigações subordinadas em ações e à sua posterior transferência, uma vez que o artigo 53.o, n.o 3, e o artigo 60.o, n.o 2, da Diretiva 2014/59 se aplicam unicamente no âmbito de uma medida de redução, mas não no âmbito de uma medida de conversão com transferência posterior. Além disso, as limitações ao direito à tutela jurisdicional efetiva e ao direito de propriedade dos titulares de instrumentos de fundos próprios de uma sociedade objeto de resolução deverão ser interpretadas restritivamente. |
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37 |
Em segundo lugar, invocaram o regime do direito de rescisão contratual resultante do artigo 64.o, n.o 4, alínea b), do artigo 68.o, n.os 3 e 4, e do artigo 71.o desta diretiva. Em caso de conversão, nenhuma norma exclui ou limita o exercício de uma ação de declaração de nulidade do contrato de aquisição de obrigações subordinadas, dado que essa ação não é causada pelas medidas de resolução, mas respeita à transação inicial de subscrição dessas obrigações. |
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38 |
Em terceiro lugar, alegaram que uma privação do direito de intentar ações de declaração de nulidade e de indemnização viola o princípio da proibição do tratamento menos favorável do que no âmbito de um processo normal de insolvência, consagrado no artigo 34.o, n.o 1, alínea g), e no artigo 73.o, alínea b), da Diretiva 2014/59. |
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39 |
Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), no processo C‑775/22, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Devem as disposições conjugadas do artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), e do artigo 64.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2014/59/UE ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, após a conversão em ações e subsequente transferência destas, sem contrapartida efetiva, das obrigações subordinadas (instrumentos de fundos próprios de nível 2) emitidas por uma instituição de crédito objeto de um procedimento de resolução e não vencidas quando foi adotado esse procedimento, as pessoas que tenham adquirido essas obrigações subordinadas antes do início desse procedimento de resolução intentem, contra essa instituição ou contra a instituição que lhe tenha sucedido, uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição dessas obrigações subordinadas pedindo a restituição do preço pago pela subscrição das obrigações subordinadas acrescido de juros a contar da data da celebração desse contrato?» |
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40 |
Nas mesmas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), no processo C‑779/22, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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41 |
Também nas mesmas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), no processo C‑794/22, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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42 |
Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de março de 2023, os processos C‑775/22, C‑794/22 e C‑779/22 foram apensados para efeitos das fases escritas e oral, bem como do acórdão. |
Quanto às questões prejudiciais
Quanto às questões prejudiciais nos processos C‑779/22 e C‑794/22
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43 |
Com as suas questões nos processos C‑779/22 e C‑794/22, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições conjugadas do artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, posteriormente à redução total do valor das ações do capital social de uma instituição de crédito objeto de um procedimento de resolução, as pessoas que tenham adquirido instrumentos de fundos próprios que foram convertidos em ações dessa instituição de crédito antes da adoção das medidas de resolução contra a mesma intentem, contra a referida instituição ou contra a entidade que lhe sucedeu, uma ação de indemnização por informações deficientes e erradas fornecidas no prospeto, conforme prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71, ou uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição desses instrumentos de fundos próprios ao abrigo do direito nacional, que, tendo em conta o seu efeito retroativo, levaria à restituição do contravalor dos referidos instrumentos de fundos próprios inicialmente adquiridos, e depois convertidos em ações, acrescido de juros a contar da data da celebração desse contrato. |
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44 |
A título preliminar, há que recordar que, no n.o 51 do Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), o Tribunal de Justiça já declarou que as disposições referidas no número anterior do presente acórdão se opõem a que, após a redução total das ações do capital social de uma instituição de crédito ou de uma sociedade de investimento objeto de um procedimento de resolução, as pessoas que tenham adquirido ações antes do início desse procedimento possam intentar tais ações judiciais. |
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45 |
Ora, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a jurisprudência resultante desse acórdão pode ser transposta para uma ação de declaração de nulidade ou para uma ação de indemnização intentadas por pessoas que, inicialmente, não adquiriram ações de uma instituição ou de uma empresa objeto de um procedimento de resolução, mas outros instrumentos de fundos próprios que foram convertidos em ações antes do início de tal procedimento de resolução. Em especial, interroga‑se sobre se os direitos à restituição ou à indemnização decorrentes de uma declaração de nulidade ou da existência de responsabilidade podem ser considerados vencidos, na aceção do artigo 53.o, n.o 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2014/59, antes da data da adoção da decisão de resolução, apesar de as ações judiciais que estão na origem desses direitos terem sido intentadas após a execução da medida de resolução. |
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46 |
Segundo o artigo 53.o, n.o 3, desta diretiva, quando uma autoridade de resolução reduz até zero o montante de capital ou o montante em dívida correspondente a um passivo, esse passivo e quaisquer obrigações ou créditos dele decorrentes não vencidos no momento da resolução, são tratados como exonerados para todos os efeitos, não sendo invocáveis contra a instituição de crédito ou a empresa de investimento objeto de resolução ou contra qualquer entidade que lhe tenha sucedido, numa posterior liquidação. |
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47 |
O artigo 60.o da referida diretiva, relativo à redução ou à conversão de instrumentos de capital, precisa, no seu n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), que não subsiste qualquer obrigação relativamente ao detentor dos instrumentos de capital objeto de redução, por força da decisão de resolução, no âmbito ou em relação com o montante do instrumento objeto de redução, com exceção das obrigações já vencidas e de qualquer obrigação de indemnização que possa resultar de recurso interposto contra a legalidade do exercício do poder de redução. |
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48 |
Tendo o órgão jurisdicional de reenvio indicado que, por força da legislação nacional pertinente, os direitos à restituição ou à reparação decorrentes de uma declaração de nulidade ou da existência de responsabilidade constituem, nas circunstâncias dos processos principais, obrigações vencidas antes da data de adoção da decisão de resolução, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, decorre tanto das exigências da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem, normalmente, ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme que deve ser procurada não apenas tendo em conta a letra dessa disposição mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a mesma faz parte [Acórdãos de 29 de abril de 2021, X (Mandado de detenção europeu — Non bis in idem), C‑665/20 PPU, EU:C:2021:339, n.o 69, e de 30 de abril de 2024, M.N. (EncroChat), C‑670/22, EU:C:2024:372, n.o 109 e jurisprudência referida]. |
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49 |
Ora, no que respeita aos conceitos de «obrigações vencidas» ou de «créditos vencidos» utilizados nas disposições referidas nos n.os 46 e 47 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça já declarou que os direitos decorrentes de uma ação de indemnização com fundamento nas informações fornecidas no prospeto de venda de valores mobiliários prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71, bem como de uma ação de declaração de nulidade de um contrato de subscrição de ações, não podem ser considerados abrangidos pela categoria das obrigações ou dos créditos «vencidos», na aceção do artigo 53.o, n.o 3, e do artigo 60.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2014/59, quando essas ações são intentadas, contra a instituição de crédito ou a empresa de investimento emitente do prospeto ou contra a entidade que lhe tenha sucedido, após a adoção da decisão de resolução com fundamento nestas últimas disposições [v., neste sentido, Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.os 41, 42 e 44]. |
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50 |
Tal interpretação destes conceitos impõe‑se igualmente quando os direitos decorrem de uma ação de indemnização ou de declaração de nulidade relativa à aquisição de instrumentos de fundos próprios, posteriormente convertidos em ações, tendo em conta o contexto em que se inserem os referidos conceitos e os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2014/59. |
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51 |
Primeiro, importa recordar, por um lado, que o artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2014/59 estabelece o princípio segundo o qual são os acionistas, seguidos dos credores, de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento objeto de resolução, que devem suportar prioritariamente as perdas sofridas em consequência da aplicação desse procedimento. |
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52 |
Por outro lado, quando o procedimento de resolução implica uma «recapitalização interna», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 57, da Diretiva 2014/59, o artigo 48.o, n.o 1, desta prevê que, no exercício dos poderes de redução e de conversão, as autoridades de resolução reduzem, em primeiro lugar, as diferentes categorias de instrumentos de fundos próprios. O artigo 53.o, n.o 1, desta diretiva dispõe que as medidas de redução de capital ou de conversão ou de anulação permitidas pela referida recapitalização interna devem ser imediatamente impostas aos acionistas e aos credores afetados. Afigura‑se, assim, que, no âmbito de uma recapitalização interna, a redução e a conversão dos instrumentos de fundos próprios contribuem diretamente para a realização dos objetivos do procedimento de resolução. |
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53 |
Ora, uma interpretação segundo a qual as pessoas que adquiriram instrumentos de fundos próprios antes da resolução podem, posteriormente a esta, intentar ações de indemnização ou de declaração de nulidade para efeitos de reparação ou de restituição até ao montante dos fundos pagos por essa aquisição comportaria precisamente o risco de o montante dos instrumentos de fundos próprios objeto de recapitalização interna ser retroativamente reduzido, o que poderia pôr em causa a realização dos objetivos prosseguidos pela medida de resolução. |
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54 |
Nesta perspetiva, o artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), e n.o 3, da Diretiva 2014/59 prevê que não seja paga qualquer indemnização aos detentores dos instrumentos de fundos próprios relevantes, com exceção dos casos de conversão desses instrumentos previstos no mesmo n.o 3, e que, nesses casos, a indemnização assuma a forma de uma emissão de instrumentos de fundos próprios a esses detentores. Com efeito, ao limitar a indemnização a essa emissão de instrumentos de fundos próprios, estas disposições permitem evitar que a referida indemnização possa reduzir retroativamente o montante dos fundos próprios utilizados para efeitos da resolução. |
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55 |
Segundo, no que respeita aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2014/59, o seu considerando 49 indica que os instrumentos de resolução só deverão ser aplicados, para enfrentar situações de extrema urgência, às instituições de crédito e às empresas de investimento em situação ou em risco de insolvência e apenas quando tal for necessário para a prossecução do objetivo de estabilidade financeira no interesse geral. Por conseguinte, estes instrumentos só deverão ser aplicados se a instituição de crédito ou a empresa de investimento em causa não puder ser liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência sem destabilizar o sistema financeiro. Além disso, o procedimento de resolução, conforme enunciado no considerando 45 da referida diretiva, visa reduzir o risco moral no setor financeiro ao estabelecer que os acionistas são os primeiros a suportar as perdas sofridas devido à liquidação de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, para evitar que essa liquidação prejudique as finanças públicas e a proteção dos depositantes [Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.o 35]. |
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56 |
Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 prevê o recurso, num contexto económico excecional, a um procedimento que pode afetar nomeadamente os direitos dos acionistas e dos credores de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, a fim de preservar a estabilidade financeira dos Estados‑Membros, através da criação de um regime de insolvência derrogatório do direito comum dos processos de insolvência, cuja execução só é autorizada em circunstâncias excecionais e deve ser justificada por um interesse geral superior. O caráter derrogatório desse regime implica que a aplicação de outras disposições do direito da União pode ser afastada, quando estas últimas sejam suscetíveis de privar de efeito útil ou de entravar a execução do procedimento de resolução [Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.o 37]. |
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57 |
A este respeito, no considerando 120 da Diretiva 2014/59, precisa‑se que as derrogações previstas por esta diretiva às regras vinculativas para a proteção dos acionistas e dos credores das instituições abrangidas pelo âmbito de aplicação das diretivas da União relativas ao direito das sociedades, que podem dificultar a ação efetiva e a utilização pelas autoridades competentes de instrumentos e poderes de resolução, devem ser não só adequadas, mas também definidas de forma clara e limitada, a fim de garantir o mais elevado grau de segurança jurídica para as partes interessadas [Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.o 38]. |
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58 |
A Diretiva 2003/71, que tinha como objetivo a proteção dos investidores no momento em que decidem adquirir valores mobiliários de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, figura entre as «diretivas da União relativas ao direito das sociedades» na aceção do considerando 120 da Diretiva 2014/59. Por conseguinte, esta última diretiva admite derrogações às disposições da Diretiva 2003/71, desde que a sua aplicação seja suscetível de privar de efeito útil ou de entravar a execução de um procedimento de resolução [v., neste sentido, Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.os 39 e 40]. |
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59 |
No que respeita tanto à ação de indemnização como à ação de declaração de nulidade, o Tribunal de Justiça salientou que essas ações equivalem a exigir que a instituição de crédito ou a empresa de investimento objeto de resolução, ou o sucessor destas entidades, indemnize os acionistas pelas perdas sofridas em consequência do exercício, por uma autoridade de resolução, do poder de redução e de conversão relativamente a elementos do passivo desse estabelecimento ou dessa empresa, ou a exigir que proceda ao reembolso total das quantias investidas quando da subscrição de ações que foram reduzidas devido a este procedimento de resolução. Tais ações poriam em causa toda a avaliação na qual se baseia a decisão de resolução, uma vez que a composição do capital faz parte dos dados objetivos dessa avaliação e, portanto, seriam suscetíveis de pôr em causa o próprio procedimento de resolução e os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2014/59 [Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.o 43]. |
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60 |
Nestas condições, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 44 do Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), que a aplicação do artigo 34.o, n.o 1, alínea a), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59 exclui a possibilidade de ser intentada uma ação de indemnização, prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71, ou uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações, prevista no direito nacional, contra a instituição de crédito ou a empresa de investimento emitente do prospeto, ou contra a entidade que lhe tenha sucedido, após a adoção da decisão de resolução com fundamento nessas disposições. |
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61 |
No caso em apreço, embora os recorrentes nos processos principais nos processos C‑779/22 e C‑794/22 tenham inicialmente adquirido instrumentos de fundos próprios diferentes de ações do Banco Popular, resulta das indicações prestadas nos pedidos de decisão prejudicial que esses instrumentos já tinham sido convertidos em ações do Banco Popular anteriormente à resolução deste banco, tendo as ações resultantes dessa conversão sido objeto de uma medida de redução e de conversão para efeitos da recapitalização interna do referido banco. Tendo em conta as considerações precedentes, as disposições da Diretiva 2014/59 referidas no número anterior do presente acórdão obstam, por conseguinte, a que os adquirentes desses instrumentos de fundos próprios possam intentar tais ações de indemnização ou de declaração de nulidade do contrato de aquisição dos referidos instrumentos, após a adoção da decisão de resolução. |
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62 |
Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas nos processos C‑779/22 e C‑794/22 que as disposições conjugadas do artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b), do artigo 53.o, n.os 1 e 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, posteriormente à redução total do valor das ações do capital social de uma instituição de crédito objeto de um procedimento de resolução, as pessoas que tenham adquirido instrumentos de fundos próprios que foram convertidos em ações dessa instituição de crédito antes da adoção das medidas de resolução contra a mesma intentem, contra a referida instituição ou contra a entidade que lhe sucedeu, uma ação de indemnização por informações deficientes e erradas fornecidas no prospeto, conforme prevista no artigo 6.o da Diretiva 2003/71, ou uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição desses instrumentos de fundos próprios ao abrigo do direito nacional, que, tendo em conta o seu efeito retroativo, levaria à restituição do contravalor dos referidos instrumentos de fundos próprios inicialmente adquiridos, e depois convertidos em ações, acrescido de juros a contar da data da celebração deste contrato. |
Quanto à questão prejudicial única no processo C‑775/22
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63 |
A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Em consequência, ainda que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação de uma disposição específica do direito da União, essa circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 50 e jurisprudência referida, e de 30 de junho de 2022, Valstybės sienos apsaugos tarnyba e o., C‑72/22 PPU, EU:C:2022:505, n.o 51). |
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64 |
Embora a questão submetida no processo C‑775/22 tenha por objeto, nomeadamente, a interpretação do artigo 53.o, n.o 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), da Diretiva 2014/59, importa salientar que estas disposições regulam unicamente os efeitos de uma medida de redução nos direitos dos acionistas e dos credores de uma instituição de crédito objeto de um processo de resolução. Todavia, as obrigações subordinadas em causa nesse processo só foram convertidas em ações do Banco Popular no âmbito da resolução deste banco e as ações resultantes dessa conversão foram imediatamente transferidas para o Banco Santander, sem terem sido objeto de redução. Ora, os efeitos dessa transmissão de ações regem‑se, nomeadamente, pelo disposto no artigo 38.o desta diretiva. |
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65 |
Nestas circunstâncias, há que entender que, com a sua única questão no processo C‑775/22, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se as disposições da Diretiva 2014/59, nomeadamente o seu artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b), e o seu artigo 38.o, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, após a redução total do valor das ações do capital social de uma instituição de crédito objeto de um procedimento de resolução, as pessoas que tenham adquirido instrumentos de fundos próprios que, no âmbito desse procedimento, foram convertidos em ações dessa instituição de crédito, as quais, em seguida, foram transferidas para outra instituição de crédito, intentem contra esta última instituição uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição dos referidos instrumentos de fundos próprios ao abrigo do direito nacional, que, tendo em conta o seu efeito retroativo, levaria à restituição do contravalor dos referidos instrumentos de fundos próprios, acrescido de juros a contar da data da celebração desse contrato. |
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66 |
A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 37.o, n.o 3, alíneas a) e d), e n.o 4, da Diretiva 2014/59, as autoridades de resolução podem combinar o instrumento de recapitalização interna com o instrumento da alienação da atividade da instituição. Como resulta do artigo 2.o, n.os 57 e 58, desta diretiva, embora o primeiro dos referidos instrumentos inclua os poderes de redução e de conversão, o segundo consiste na transferência, nomeadamente, das ações ou outros instrumentos de propriedade emitidos por uma instituição objeto de resolução para um adquirente diferente de uma instituição de transição. |
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67 |
Ora, decorre do disposto no artigo 38.o, n.os 1, 4 e 6, da referida diretiva que, no âmbito deste segundo instrumento, sendo a propriedade das ações ou de outros instrumentos de propriedade transferida para o adquirente, os proprietários iniciais perdem não só a propriedade mas também a qualidade de «acionista» ou de «credor» da instituição de crédito objeto de resolução. Além disso, o artigo 38.o, n.o 9, alínea a), da mesma diretiva precisa que essa transferência de ações ou de outros instrumentos de propriedade para o adquirente tem efeitos jurídicos imediatos. |
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68 |
Afigura‑se, assim, que os antigos acionistas da instituição de crédito objeto do procedimento de resolução cujas ações foram transferidas no âmbito da resolução já não são acionistas, nem dessa instituição de crédito nem do seu sucessor. Como confirma o artigo 38.o, n.o 13, da Diretiva 2014/59, perdem qualquer direito direto ou indireto sobre os ativos, direitos ou passivos transferidos. |
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69 |
Esta última disposição, à semelhança do artigo 53.o, n.o 3, e do artigo 60.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2014/59, obsta a que os credores e os acionistas possam, com efeito retroativo, pôr em causa o procedimento de resolução e os objetivos prosseguidos por este, intentando, após a resolução, ações de declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações ou de instrumentos de fundos próprios convertidos em ações. |
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70 |
Além disso, tal ação seria suscetível de permitir aos credores e aos acionistas evitar retroativamente as perdas que devem suportar prioritariamente segundo o princípio consagrado no artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b), desta diretiva. A este respeito, o facto de os instrumentos de fundos próprios em causa no processo principal terem sido objeto de conversão e de transferência no âmbito do procedimento de resolução não é suscetível de os distinguir das ações subscritas no processo que deu origem ao Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), as quais foram objeto de redução para efeitos da realização dos objetivos prosseguidos pelo mesmo procedimento de resolução. |
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71 |
A interpretação segundo a qual as disposições da Diretiva 2014/59 se opõem à propositura de tal ação de declaração de nulidade não é posta em causa pelos argumentos dos recorrentes no processo principal, resumidos nos n.os 36 a 38 do presente acórdão. |
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72 |
No que respeita, em primeiro lugar, ao direito de rescindir uma obrigação contratual por razões distintas de uma decisão de resolução, previsto, nomeadamente, no artigo 64.o, n.o 4, alínea b), e no artigo 68.o, n.o 4, da Diretiva 2014/59, decorre da definição legal que figura no artigo 2.o, n.o 1, ponto 82, desta diretiva que um «direito de rescisão» pode pôr termo a um contrato ou alterá‑lo com efeitos ex nunc. |
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73 |
Em contrapartida, uma ação de declaração de nulidade é suscetível de produzir efeitos ex tunc, que comportam o risco de pôr retroativamente em causa as relações contratuais que vinculam a instituição bancária objeto de um procedimento de resolução a esses acionistas e, portanto, de alterar retroativamente a composição do capital social em que se fundamenta a medida de resolução. Em qualquer caso, tanto o exercício de um direito de rescisão como uma ação de declaração de nulidade pressupõem a existência de um contrato que possa ser anulado ou rescindido. Todavia, conforme salientado nos n.os 67 e 68 do presente acórdão, uma transferência de ações e de outros instrumentos de propriedade tem por efeito quebrar os vínculos contratuais que existiam, antes dessa transferência, entre a instituição bancária objeto de um procedimento de resolução e os acionistas, bem como os credores desta. |
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74 |
No que respeita, em segundo lugar, ao objetivo referido no artigo 34.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva 2014/59, importa salientar que, embora esta disposição preveja que nenhum credor deve suportar perdas mais elevadas do que as que teria suportado se a instituição objeto de resolução tivesse sido liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência, decorre dos próprios termos desta disposição que esse objetivo deve ser assegurado «de acordo com as salvaguardas previstas nos artigos 73.o a 75.o [da referida diretiva]». |
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75 |
Nos termos do artigo 73.o, alínea b), da Diretiva 2014/59, é reconhecido aos acionistas e aos credores o direito, num processo de resolução, a um reembolso ou a uma indemnização dos seus créditos que não seja inferior à estimativa do que teriam recuperado se toda a instituição ou a empresa em causa tivesse sido liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência. A este respeito, o artigo 75.o desta diretiva precisa que os acionistas têm direito ao pagamento da diferença entre as perdas sofridas no âmbito da resolução e as perdas que teriam sido sofridas no âmbito de uma liquidação normal [v., neste sentido, Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.os 48 e 50]. |
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76 |
Segundo o artigo 74.o, n.o 1, da referida diretiva, a aplicação das medidas de salvaguarda referidas no número anterior do presente acórdão está subordinada à realização de uma avaliação por uma pessoa independente que proceda, o mais cedo possível após a execução da medida de resolução, a uma comparação a posteriori do tratamento efetivamente dado aos acionistas e aos credores, bem como do tratamento que teriam recebido ao abrigo de um procedimento normal de insolvência. |
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77 |
Ora, a circunstância de a Diretiva 2014/59 prever tal regime específico de salvaguarda dos interesses dos acionistas e dos credores de um banco em resolução exclui que esses acionistas ou esses credores possam intentar, posteriormente à execução do procedimento de resolução, ações de declaração de nulidade destinadas a obter, independentemente do resultado da avaliação prevista no referido artigo 74.o, a restituição das quantias pagas para a aquisição dos instrumentos de fundos próprios em causa. |
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78 |
No caso em apreço, isto tem ainda mais sentido tendo em conta que a restituição em causa no processo principal é pedida ao sucessor da instituição de crédito objeto de um procedimento de resolução, quando o pagamento previsto no artigo 75.o, em conjugação com o artigo 101.o, n.o 1, alínea e), desta diretiva, não é suportado por esse sucessor, mas pelo mecanismo de financiamento da resolução. |
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79 |
Além disso, os recorrentes nos processos principais invocaram, em substância, uma limitação do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva no que respeita ao seu direito de intentarem uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações ou de instrumentos de fundos próprios convertidos em ações. |
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80 |
A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito à proteção jurisdicional garantido no artigo 47.o da Carta não é um direito absoluto e o seu exercício pode comportar restrições justificadas por objetivos de interesse geral prosseguidos pela União. Por conseguinte, como resulta do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, podem ser introduzidas restrições a este direito fundamental, na condição de essas restrições corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos e não constituírem, tendo em conta o objetivo prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido [Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Deutsche Umwelthilfe, C‑752/18, EU:C:2019:1114, n.o 44, e Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.o 47]. |
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81 |
Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, embora exista um claro interesse geral em assegurar, em toda a União, uma proteção forte e coerente dos investidores, não se pode considerar que esse interesse prevaleça, em todas as circunstâncias, sobre o interesse geral que consiste em garantir a estabilidade do sistema financeiro [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 91; de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.o 54, e Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.o 36]. |
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82 |
Ora, como foi recordado no n.o 55 do presente acórdão, ao fazer os acionistas suportar prioritariamente as perdas sofridas por uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, a Diretiva 2014/59 visa assegurar a estabilidade do sistema financeiro da União. Além disso, resulta do artigo 32.o, n.os 1 e 5, desta diretiva, à luz do seu considerando 49, que tal procedimento só se deve aplicar em circunstâncias económicas excecionais e de extrema urgência, quando a instituição de crédito ou a empresa de investimento em causa não puder ser liquidada segundo um procedimento normal de insolvência sem desestabilizar o sistema financeiro da União. |
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Embora as disposições da Diretiva 2014/59 impeçam os recorrentes no processo C‑775/22 de intentar, após a adoção da decisão de resolução, uma ação de declaração de nulidade para obter a restituição dos montantes pagos no momento da aquisição dos instrumentos de fundos próprios em causa no processo principal, os mesmos podem, todavia, pedir um reembolso ou uma indemnização ao abrigo do mecanismo de salvaguarda previsto nos artigos 73.o a 75.o desta diretiva e intentar, para esse efeito, uma ação judicial. Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que a avaliação prevista, para esse efeito, no artigo 74.o da referida diretiva pode ser impugnada independentemente da decisão de proceder a uma resolução [Acórdão Banco Santander (Resolução Bancária Banco Popular), n.o 49]. |
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Além disso, a medida de resolução, conforme resulta da decisão da Comissão que aprova um programa de resolução, pode ser objeto de um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2024, Comissão/CUR, C‑551/22 P, EU:C:2024:520, n.o 96). Esse recurso contribui para a proteção jurisdicional efetiva dos acionistas e dos credores, também na medida em que uma eventual anulação da medida de resolução permitiria intentar uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição de ações ou de instrumentos de fundos próprios convertidos em ações. |
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Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à única questão submetida no processo C‑775/22 que as disposições da Diretiva 2014/59, nomeadamente o seu artigo 34.o, n.o 1, alíneas a) e b), e o seu artigo 38.o, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, posteriormente à redução total das ações do capital social de uma instituição de crédito objeto de um procedimento de resolução, as pessoas que tenham adquirido instrumentos de fundos próprios que, no âmbito desse procedimento, foram convertidos em ações dessa instituição de crédito, as quais, em seguida, foram transferidas para outra instituição de crédito, intentem contra esta última instituição uma ação de declaração de nulidade do contrato de subscrição dos referidos instrumentos de fundos próprios ao abrigo do direito nacional, que, tendo em conta o seu efeito retroativo, levaria à restituição do contravalor dos referidos instrumentos de fundos próprios, acrescido de juros a contar da data da celebração desse contrato. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: espanhol.