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Documento 62022CJ0632
Judgment of the Court (Fifth Chamber) of 11 July 2024.#AB Volvo v Transsaqui S.L.#Request for a preliminary ruling from the Tribunal Supremo.#Reference for a preliminary ruling – Judicial cooperation in civil and commercial matters – Regulation (EC) No 1393/2007 – Service of judicial and extrajudicial documents – Action for compensation for damage caused by a practice prohibited by Article 101(1) TFEU and by Article 53 of the Agreement on the European Economic Area – Document instituting proceedings served at the seat of a subsidiary of the defendant – Validity of the writ of summons – Charter of Fundamental Rights of the European Union – Article 47 – Right to effective judicial protection.#Case C-632/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 11 de julho de 2024.
AB Volvo contra Transsaqui SL.
Pedido de decisão prejudicial apresentada por Tribunal Supremo.
Reenvio prejudicial – Cooperação judiciária em matéria civil e comercial – Regulamento (CE) n.° 1393/2007 – Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais – Ação de indemnização por danos causados por uma prática proibida pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE e pelo artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Citação da propositura da ação efetuada na sede de uma filial da demandada – Validade da citação – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigo 47.° – Direito a uma proteção jurisdicional efetiva.
Processo C-632/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 11 de julho de 2024.
AB Volvo contra Transsaqui SL.
Pedido de decisão prejudicial apresentada por Tribunal Supremo.
Reenvio prejudicial – Cooperação judiciária em matéria civil e comercial – Regulamento (CE) n.° 1393/2007 – Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais – Ação de indemnização por danos causados por uma prática proibida pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE e pelo artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Citação da propositura da ação efetuada na sede de uma filial da demandada – Validade da citação – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigo 47.° – Direito a uma proteção jurisdicional efetiva.
Processo C-632/22.
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2024:601
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
11 de julho de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 1393/2007 — Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais — Ação de indemnização por danos causados por uma prática proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE e pelo artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu — Citação da propositura da ação efetuada na sede de uma filial da demandada — Validade da citação — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito à tutela jurisdicional efetiva»
No processo C‑632/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por Decisão de 7 de outubro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de outubro de 2022, no processo
Volvo AB
contra
Transsaqui, S. L.,
sendo interveniente:
Ministerio Fiscal,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: E. Regan, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, M. Ilešič (relator), I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,
advogado‑geral: M. Szpunar,
secretário: N. Mundhenke, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 18 de outubro de 2023,
vistas as observações apresentadas:
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em representação da Volvo AB, por N. Gómez Bernardo, abogada, |
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em representação da Transsaqui, S. L., por J. Bonet Martínez, J. Bonet Sánchez, A. Penalba Ferrer, abogados, e F. Pérez Cruz, procurador, |
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em representação do Governo Espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente, |
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em representação do Governo Checo, por A. Edelmannová, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por S. Baches Opi, M. Domecq e S. Noë, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de janeiro de 2024,
profere o presente
Acórdão
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1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), lido em conjugação com o artigo 101.o TFUE, e do artigo 53.o da Carta. |
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2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Volvo AB à Transsaqui, S. L. a respeito dos danos que esta última sofreu em consequência de uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3; a seguir «Acordo EEE»), cometida por vários fabricantes de camiões, entre os quais figura a Volvo. |
Quadro jurídico
Direito da União
Regulamento (CE) n.o 1393/2007
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3 |
Os considerandos 2, 8, 11, 12, 16 e 17 do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho (JO 2007, L 324, p. 79), enunciavam:
[…]
[…]
[…]
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4 |
O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», previa, nos n.os 1 e 2: «1. O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por atos e omissões no exercício do poder público (“acta iure imperii”). 2. O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.» |
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5 |
O artigo 5.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Tradução dos atos», tinha a seguinte redação: «1. O requerente é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a receção do ato se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.o 2. Cabe ao requerente suportar as despesas de tradução que possam ter lugar previamente à transmissão do ato, sem prejuízo de eventual decisão posterior do tribunal ou autoridade competente em matéria de imputação dessas despesas.» |
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6 |
O artigo 8.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Recusa de receção do ato», dispunha, no n.o 1: «A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:
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7 |
O artigo 11.o do Regulamento n.o 1393/2007, sob a epígrafe «Custas da citação ou notificação», previa, no n.o 2, segundo parágrafo: «As custas ocasionadas pela intervenção de um oficial de justiça ou de uma pessoa competente segundo a lei do Estado‑Membro requerido devem corresponder a uma taxa fixa única, estabelecida previamente pelo Estado‑Membro em causa, que respeite os princípios da proporcionalidade e da não discriminação. Os Estados‑Membros devem comunicar as referidas taxas fixas à Comissão [Europeia].» |
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8 |
Nos termos do artigo 14.o deste regulamento: «Os Estados‑Membros podem proceder diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado‑Membro, por carta registada com aviso de receção ou equivalente.» |
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9 |
O artigo 19.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Não comparência do demandado», previa, no n.o 1: «Se tiver sido transmitida uma petição inicial ou ato equivalente a outro Estado‑Membro para citação ou notificação nos termos do presente regulamento, e se o demandado não tiver comparecido, o juiz sobrestará na decisão enquanto não for determinado:
e que, em qualquer destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega, foi feita em tempo útil para que o demandado pudesse defender‑se.» |
Regulamento (UE) n.o 1215/2012
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10 |
O artigo 7.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1), sob a epígrafe «Competências especiais», prevê: «As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro: […]
[…]» |
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11 |
Nos termos do artigo 28.o, n.os 2 e 3, deste regulamento: «2. O tribunal suspende a instância enquanto não se verificar que foi dada ao requerido a oportunidade de receber o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, em tempo útil para providenciar pela sua defesa, ou enquanto não se verificar que foram efetuadas todas as diligências necessárias para o efeito. 3. É aplicável o artigo 19.o do Regulamento [n.o 1393/2007], em vez do n.o 2 do presente artigo, se o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, tiver sido transmitido por um Estado‑Membro a outro por força daquele regulamento.» |
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12 |
O artigo 45.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 dispõe: «A pedido de qualquer interessado, o reconhecimento de uma decisão é recusado se: […]
[…]» |
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13 |
Nos termos do artigo 63.o, n.o 1, deste regulamento: «Para efeitos do presente regulamento, uma sociedade ou outra pessoa coletiva ou associação de pessoas singulares ou coletivas tem domicílio no lugar em que tiver:
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Direito espanhol
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14 |
O artigo 155.o da Ley 1/2000, de Enjuiciamiento Civil (Lei 1/2000, relativa ao Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000 (BOE n.o 7, de 8 de janeiro de 2000), dispõe: «1. Quando as partes não sejam representadas por um procurador ou se trate da primeira notificação ou citação do demandado, os atos de comunicação são remetidos ao domicílio dos litigantes. […] 2. O domicílio do demandante é o indicado no pedido, no requerimento ou na petição inicial. O demandante também designa como domicílio do demandado, para efeitos da primeira notificação ou citação, um ou vários dos locais referidos no número seguinte do presente artigo. Se o demandante designar vários lugares como domicílio, deve indicar a ordem pela qual, em seu entender, a comunicação pode ser efetuada com sucesso. […] 3. Para efeitos de atos de comunicação, pode ser designado como domicílio o que conste do registo municipal ou o que conste oficialmente para outros fins, bem como o que conste no Registo Oficial ou nas publicações das Associações Profissionais, quando se trate, respetivamente, de empresas e de outras entidades ou pessoas que exerçam uma profissão para a qual tenham de estar inscritas. Pode também ser designado como domicílio, para os efeitos referidos, o local onde desenvolvem uma atividade profissional ou laboral não ocasionais. […] Se a ação for dirigida a uma pessoa coletiva, pode também ser indicado o domicílio de quem constar como administrador, gerente ou representante da sociedade comercial, ou presidente, membro ou gestor da direção de qualquer associação que figure num registo oficial. […]» |
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15 |
Nos termos do artigo 510.o, n.o 1, desta lei: «Uma sentença transitada em julgado pode ser revista: […]
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Litígio no processo principal e questões prejudiciais
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16 |
Em 19 de julho de 2016, a Comissão adotou a Decisão C(2016) 4673 ( 1 ) relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39824 — Camiões) cujo resumo foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 6 de abril de 2017 (JO 2017, C 108, p. 6). A Volvo figura entre os destinatários desta decisão. |
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17 |
Na referida decisão, a Comissão declarou que quinze fabricantes de camiões, entre os quais a Volvo, tinham participado num cartel sob a forma de infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE, que tinha por objeto acordos colusórios relativos, por um lado, à fixação de preços e ao aumento dos preços brutos de veículos utilitários médios e de veículos pesados no Espaço Económico Europeu (EEE) e, por outro, ao calendário e à repercussão dos custos relativos à introdução de tecnologias em matéria de emissões exigidas pelas normas Euro 3 a 6. |
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18 |
No que respeita à Volvo, esta infração foi declarada relativamente ao período compreendido entre 17 de janeiro de 1997 e 18 de janeiro de 2011. |
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19 |
Em 12 de julho de 2018, a Transsaqui, que tinha adquirido em 2008 dois camiões da marca Volvo, intentou no Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência, Espanha) uma ação de indemnização contra a Volvo, destinada a obter a reparação dos danos por ela alegadamente sofridos em consequência do cartel declarado na Decisão de 19 de julho de 2016, mencionada no n.o 16 do presente acórdão, correspondente ao custo adicional avaliado em 24420,69 euros. |
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20 |
Na sua petição inicial, a Transsaqui indicou que a sede social da Volvo se situava em Gotemburgo (Suécia), especificando que a citação devia ser efetuada na sede da filial desta sociedade em Espanha, a saber, a Volvo Group España, S. A. U. (a seguir «Volvo Espanha»), sediada em Madrid (Espanha). |
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21 |
O Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência) declarou admissível a ação e, para demandar a Volvo a comparecer no processo e responder à petição inicial, procedeu ao envio, para o endereço da sede da Volvo Espanha, de uma carta registada com a cópia da petição inicial e os documentos que a acompanhavam. Esta carta foi recusada e foi‑lhe aposta uma nota manuscrita indicando o endereço da Volvo na Suécia. |
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22 |
Numa audiência realizada neste órgão jurisdicional, a Transsaqui apresentou observações nas quais qualificou a recusa de a Volvo Espanha receber a citação dirigida contra a Volvo de manobra dilatória de má‑fé, alegando que, sendo a Volvo Espanha detida a 100 % pela Volvo, formavam, em conjunto, uma mesma empresa na aceção do direito da concorrência. |
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23 |
Por Decisão de 22 de maio de 2019, o referido órgão jurisdicional aceitou que se procedesse à citação da Volvo, no domicílio da sua filial em Espanha, em conformidade com o princípio da «unidade de empresa». Para proceder a esta citação, o Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência) enviou um pedido de cooperação judiciária aos órgãos jurisdicionais de Madrid. |
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24 |
Em 5 de setembro de 2019, estes tentaram citar a Volvo no endereço da Volvo Espanha. No entanto, um advogado, que se apresentou como representante legal da Volvo Espanha, recusou a citação, alegando que esta devia ser efetuada na sede da Volvo, na Suécia. |
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25 |
Em 30 de outubro de 2019, numa nova tentativa de citação efetuada no domicílio da Volvo Espanha, esta foi efetivamente recebida por uma pessoa que se identificou como pertencendo ao serviço jurídico da Volvo Espanha. |
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26 |
Após cada uma destas tentativas de citação, a Volvo Espanha dirigiu ao Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência) uma carta na qual expunha as razões pelas quais não aceitava receber a citação destinada à Volvo. |
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27 |
Alegava, nomeadamente, que:
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28 |
Considerando que a citação à Volvo tinha sido validamente efetuada e que esta sociedade não tinha comparecido no processo no prazo fixado, o Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência) declarou‑a revel e convocou as partes para a audiência preliminar prevista no direito processual espanhol para esclarecer os termos do litígio e propor a apresentação de provas. Este órgão jurisdicional tentou notificar esta decisão à Volvo no endereço da Volvo Espanha, mas esta recusou novamente a notificação, alegando que a sede social da Volvo se situava na Suécia. |
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29 |
Em 26 de fevereiro de 2020, o referido órgão jurisdicional proferiu uma sentença em que julgou procedente o pedido da Transsaqui e condenou a Volvo no pagamento de uma indemnização de 24420,69 euros, acrescida de juros legais a contar da data da compra dos camiões, bem como no pagamento das despesas (a seguir «Sentença de 26 de fevereiro de 2020»). |
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30 |
Esta sentença foi notificada à Volvo por carta registada com aviso de receção enviada para o endereço da Volvo Espanha, que a aceitou em 10 de março de 2020. No entanto, a Volvo Espanha enviou ao Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência) uma carta na qual contestou o facto de a sentença ter sido, assim, validamente notificada à Volvo, reiterando os argumentos que tinha apresentado anteriormente. |
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31 |
A Transsaqui pediu a este órgão jurisdicional que fixasse as despesas em que a Volvo tinha sido condenada. O referido órgão jurisdicional, que considerou que a sua Sentença de 26 de fevereiro de 2020 tinha transitado em julgado, procedeu à fixação das despesas. |
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32 |
Por carta registada com aviso de receção enviada para o endereço da Volvo Espanha, o Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência) convocou a Volvo para comparecer numa audiência de fixação das despesas a fim de lhe permitir contestar as despesas fixadas. Esta carta foi entregue a uma pessoa presente nesse endereço e que assinou o aviso de receção. |
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33 |
Alguns dias mais tarde, a Volvo Espanha enviou a este órgão jurisdicional uma carta na qual contestou, pelas razões invocadas anteriormente, que a fixação das despesas imputadas à Volvo tivesse sido validamente notificada. |
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34 |
Considerando que a Volvo não tinha contestado as despesas no prazo previsto por lei, o Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência) proferiu uma decisão de aprovação da respetiva fixação no montante de 8310,64 euros. Esta decisão foi notificada à Volvo por carta registada com aviso de receção enviada para o endereço da Volvo Espanha, onde foi aceite por uma pessoa presente nesse endereço e que assinou o aviso de receção. Posteriormente, a Volvo Espanha enviou a este órgão jurisdicional uma carta na qual refutou que a referida decisão tivesse sido validamente notificada à Volvo. |
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35 |
O referido órgão jurisdicional deferiu o pedido de execução da Sentença de 26 de fevereiro de 2020 apresentado pela Transsaqui, e intimou a Volvo a declarar, no prazo de dez dias, os bens e os direitos de que era titular, com vista à sua penhora. As decisões proferidas para o efeito foram notificadas na sede da Volvo Espanha em 17 de março de 2021. |
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36 |
Em 15 de junho de 2021, com fundamento no artigo 510.o, n.o 1, ponto 4, da Lei 1/2000 relativa ao Processo Civil, a Volvo apresentou ao Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio, um pedido de revisão da Sentença de 26 de fevereiro de 2020 transitada em julgado. Em apoio do seu pedido, a Volvo alegou que a Transsaqui tinha obtido a decisão por meio de uma prática fraudulenta. Acrescentou ter tido um conhecimento indireto da existência da referida sentença quando as decisões que ordenavam a respetiva execução foram notificadas na morada da Volvo Espanha em 17 de março de 2021. |
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37 |
Por seu lado, a Transsaqui alega que a Volvo agiu de má‑fé ao adotar uma estratégia processual mal‑intencionada destinada a levá‑la, à semelhança de muitos outros demandantes que se encontram numa situação comparável, a desistir da ação. Alega também que o Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Valencia (Tribunal de Comércio n.o 1 de Valência) aceitou que a citação e as notificações à Volvo fossem efetuadas na morada da Volvo Espanha por razões de economia processual e em conformidade com o princípio da «unidade de empresa». Além disso, a recusa da Volvo Espanha, com o fundamento de que esta e a Volvo são pessoas coletivas distintas, não é procedente, uma vez que estas duas sociedades constituem, em conjunto, uma única empresa para efeitos do direito da concorrência. |
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38 |
O órgão jurisdicional de reenvio, que se baseia na premissa segundo a qual a existência de uma unidade económica entre a sociedade‑mãe e a sua filial pode justificar que os atos destinados à primeira possam ser notificados à segunda, interroga‑se, em substância, sobre se o artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 101.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma citação para comparecer perante um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, destinada a uma sociedade‑mãe com sede noutro Estado‑Membro, seja efetuada no domicílio de uma filial desta situada no Estado‑Membro em que decorre a ação, quando esta última não alega nenhuma circunstância que exclua a existência, entre estas duas sociedades, de uma unidade de empresa para efeitos do direito da concorrência. |
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39 |
De acordo com este órgão jurisdicional, por um lado, exigir, em tais circunstâncias, que a citação ou notificação seja efetuada na sede da sociedade‑mãe implicaria custos elevados de tradução que poderiam complicar, ou mesmo bloquear, o exercício do direito a uma ação judicial efetiva das pessoas lesadas pelas infrações ao direito da concorrência e prejudicar gravemente o efeito útil do artigo 101.o TFUE, uma vez que tal exigência seria suscetível de dissuadir muitas pessoas lesadas de pedir uma indemnização. |
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40 |
Quando o montante da indemnização pedida for pouco elevado e a demandante for uma pequena ou média empresa, tais custos poderão constituir um obstáculo sério ao direito a uma ação judicial efetiva. Isto é tanto mais assim quando, como acontece em Espanha, o direito processual do Estado‑Membro em causa prevê que, em caso de acolhimento parcial do pedido, cada parte suporte as suas próprias despesas e metade das despesas comuns. |
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41 |
Por outro lado, a obrigação de proceder à citação ou à notificação dos atos judiciais noutro Estado‑Membro implicaria uma dilação dos prazos que só se justifica na hipótese de a citação ou notificação para uma morada situada no Estado‑Membro em que decorre o processo judicial impedir o demandado de tomar efetivamente conhecimento do litígio, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto. |
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42 |
O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que seria paradoxal que a pessoa lesada por uma infração ao direito da concorrência pudesse agir contra uma filial e que esta pudesse ser condenada pelo comportamento da sociedade‑mãe, ao passo que a filial não pode ser citada ou notificada dos atos judiciais dirigidos diretamente à sociedade‑mãe com a qual constitui uma única empresa para efeitos do direito da concorrência. |
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43 |
Mesmo considerando que seja conforme com as exigências do direito à ação, garantido no artigo 47.o da Carta e de que também beneficia a demandada, proceder à citação de uma sociedade‑mãe no domicílio da sua filial no Estado‑Membro em que decorre o litígio, este órgão jurisdicional salienta que, por força do artigo 53.o da Carta, nenhuma disposição desta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos humanos e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelas Constituições dos Estados‑Membros. Ora, no âmbito de outros processos relativos a ações de indemnização intentadas por compradores de camiões também vítimas do cartel mencionado no n.o 17 do presente acórdão, o Tribunal Constitucional (Tribunal Constitucional, Espanha), chamado a conhecer de uma ação intentada pela sociedade‑mãe que não tinha conseguido obter a anulação do processo no âmbito do qual os atos judiciais que lhe eram dirigidos tinham sido citados na morada da sua filial, considerou que os direitos e as liberdades fundamentais reconhecidos à demandada pela Constituição espanhola tinham sido violados. |
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44 |
Por conseguinte, o artigo 53.o da Carta pode opor‑se a que, apesar de existir uma unidade económica entre uma sociedade‑mãe e a sua filial, uma citação dirigida a esta sociedade‑mãe, mas efetuada no domicílio da sua filial, seja considerada validamente efetuada, devido precisamente à existência dessa unidade. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esta interpretação do artigo 53.o da Carta não criaria um obstáculo sério ao direito à ação da pessoa lesada pelos acordos, decisões e práticas concertadas, bem como ao efeito útil do artigo 101.o TFUE. |
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45 |
Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
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46 |
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 101.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que a citação de uma sociedade‑mãe contra a qual foi intentada uma ação de indemnização a título dos danos causados por uma infração ao direito da concorrência é validamente efetuada quando tiver sido efetuada na morada da sua filial, domiciliada no Estado‑Membro no qual foi intentada a ação judicial e com a qual forma uma unidade económica. |
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47 |
O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre se, tendo em conta o direito à ação garantido no artigo 47.o da Carta, o facto de se ter verificado, no âmbito da interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, que uma sociedade‑mãe e uma das suas filiais com sede noutro Estado‑Membro formavam, à data dos factos, uma única unidade económica poderia justificar que os atos destinados à primeira fossem notificados na morada em que está domiciliada a segunda, a fim de reduzir os custos de tradução e de notificação dos atos judiciais redigidos pela demandante e evitar uma dilação dos prazos processuais. |
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48 |
A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, é certo, que, no âmbito de uma ação de indemnização que tem por fundamento a existência de uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, declarada numa decisão pela Comissão, uma entidade jurídica que não é designada nesta decisão como tendo cometido a infração ao direito da concorrência pode, no entanto, ser responsabilizada por esse fundamento devido ao comportamento infrator de outra entidade jurídica, quando ambas façam parte da mesma unidade económica e, desse modo, formem uma empresa, que é autora da infração, na aceção do referido artigo 101.o TFUE (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 48). |
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49 |
Contudo, primeiro, se o conceito de «empresa» e, através dele, o de «unidade económica» implicam de pleno direito uma responsabilidade solidária entre as entidades que compõem a unidade económica no momento da prática da infração, essa empresa é, no entanto, desprovida de personalidade jurídica própria, autónoma em relação às entidades jurídicas que a compõem, pelo que a vítima da prática anticoncorrencial em causa não pode intentar uma ação de indemnização contra a empresa enquanto tal, mas deve necessariamente demandar uma das entidades jurídicas que a compõem (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.os 44 e 51). |
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50 |
Segundo, mesmo que uma filial formasse com a sua sociedade‑mãe uma única unidade económica, na aceção do direito material da concorrência, esta circunstância não implica que a referida filial tenha sido expressamente mandatada ou designada pela sociedade‑mãe como pessoa habilitada a receber em seu nome os atos judiciais que lhe são destinados. Com efeito, essa habilitação não pode ser presumida, sob pena de incorrer no risco de violar os direitos de defesa da referida sociedade‑mãe. |
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51 |
A este respeito, importa salientar que a garantia de uma receção real e efetiva dos atos, ou seja, a citação do demandado, bem como a existência de um lapso de tempo suficiente para permitir a este último preparar a sua defesa, é uma exigência do respeito do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2017, Henderson, C‑354/15, EU:C:2017:157, n.o 72, e de 5 de dezembro de 2019, Centraal Justitieel Incassobureau (Reconhecimento e execução das sanções pecuniárias), C‑671/18, EU:C:2019:1054, n.o 39]. |
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52 |
Por conseguinte, quando, como é o caso no processo principal, a alegada vítima de um cartel que envolve uma unidade económica composta por uma sociedade‑mãe e uma ou várias filiais opta por intentar a sua ação de indemnização contra esta sociedade‑mãe em vez de, como, em princípio, lhe era permitido, contra a filial domiciliada no Estado‑Membro de residência da referida vítima, esta última não pode, em seguida, invocar a existência dessa unidade para citar ou notificar os atos judiciais destinados a esta sociedade‑mãe no endereço da referida filial. |
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53 |
Não obstante as dúvidas expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio, nem o artigo 47.o da Carta, que consagra o direito da alegada vítima de um cartel a um processo equitativo, nem o efeito útil do artigo 101.o, n.o 1, TFUE podem justificar uma solução diferente, ainda que a obrigação de citação ou notificação dos atos judiciais noutro Estado‑Membro crie constrangimentos adicionais para as alegadas vítimas. |
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54 |
A este respeito, importa, em primeiro lugar, salientar que, embora as alegadas vítimas de uma violação do direito da União possam invocar o direito a um processo equitativo, garantido pelo referido artigo 47.o da Carta, este direito também protege o demandado, incluindo quando tenha sido anteriormente declarado que este último violou o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, contrariamente a esta última disposição, que visa as empresas, o direito a um processo equitativo, garantido no artigo 47.o da Carta, protege cada entidade jurídica considerada individualmente. Assim, o contencioso da concorrência não está isento das garantias processuais decorrentes deste artigo, que exigem que os atos judiciais destinados a uma pessoa lhe sejam real e efetivamente entregues. |
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55 |
Em segundo lugar, o legislador da União adotou vários atos que se aplicam aos litígios transfronteiriços em matéria civil e comercial, nomeadamente os Regulamentos n.o 1215/2012 e n.o 1393/2007, que têm por objetivo facilitar a livre circulação das decisões judiciais e melhorar a transmissão entre os Estados‑Membros dos atos judiciais e extrajudiciais para efeitos de citação e notificação, favorecendo assim o acesso à justiça. |
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56 |
Por um lado, o Regulamento n.o 1215/2012 prevê, no artigo 4.o, que, enquanto regra geral, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais deste Estado‑Membro. Em derrogação a esta regra, o artigo 7.o, ponto 2, deste regulamento enuncia que as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas, em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso. O artigo 63.o do referido regulamento dispõe que, para efeitos deste regulamento, uma sociedade ou outra pessoa coletiva ou associação de pessoas singulares ou coletivas tem domicílio no lugar em que tiver a sua sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal. |
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57 |
No caso em apreço, é facto assente que, no processo principal, a demandante em primeira instância, a saber, a alegada vítima do comportamento anticoncorrencial, invocou o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 para intentar a sua ação de indemnização no tribunal do lugar em que ocorreu o facto danoso, a saber, um tribunal espanhol, apesar de o domicílio da demandada, na aceção do artigo 63.o do referido regulamento, se situar na Suécia, onde esta tem a sua sede estatutária. A referida demandante pôde assim, em aplicação do referido regulamento, beneficiar de um acesso facilitado à justiça. |
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58 |
Por outro lado, o Regulamento n.o 1393/2007 estabelece um conjunto de normas que regulam as modalidades de transmissão e de citação ou notificação de atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial. De acordo com o seu artigo 1.o, n.o 1, este regulamento é aplicável quando um ato deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação, com o objetivo de, em conformidade com o enunciado nos seus considerandos 2 e 11, facilitar essa transmissão e, consequentemente, assegurar o bom funcionamento do mercado interno. |
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59 |
Em especial, resulta de uma leitura conjugada do artigo 1.o, n.o 2, e do considerando 8 do Regulamento n.o 1393/2007 que o legislador da União só previu duas circunstâncias nas quais a citação e a notificação de um ato judicial entre Estados‑Membros não estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, a saber, por um lado, quando o domicílio ou o paradeiro habitual do destinatário seja desconhecido e, por outro, quando este último tenha nomeado um representante no Estado‑Membro no qual o processo corre os seus termos (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Alder e Alder, C‑325/11, EU:C:2012:824, n.o 24). |
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60 |
Fora destes dois casos, sempre que o destinatário de um ato judicial tenha domicílio noutro Estado‑Membro, a citação ou a notificação desse ato estão necessariamente abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1393/2007 e, por conseguinte, devem, como prevê o artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento, ser efetuadas segundo as modalidades previstas no referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Alder e Alder, C‑325/11, EU:C:2012:824, n.o 25). |
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No caso em apreço, uma vez que, como foi salientado no n.o 57 do presente acórdão, o domicílio do destinatário dos atos judiciais se situa na Suécia, ao passo que o processo judicial decorre em Espanha, esses atos deveriam ter sido transmitidos de um Estado‑Membro para outro, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007. Além disso, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a situação em causa no processo principal não está abrangida pelas hipóteses enunciadas no n.o 59 do presente acórdão, pelo que se aplicam as modalidades de citação ou de notificação dos atos judiciais entre Estados‑Membros previstas no Regulamento n.o 1393/2007. |
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Ora, várias disposições do Regulamento n.o 1393/2007 visam expressamente conciliar a eficácia e a rapidez da transmissão dos atos judiciais com a exigência de assegurar uma proteção adequada dos direitos de defesa dos destinatários, e isto através, nomeadamente, da garantia de uma receção real e efetiva destes atos (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Alder e Alder, C‑325/11, EU:C:2012:824, n.o 36). |
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Assim, no que respeita às custas resultantes da citação ou notificação do ato judicial no Estado‑Membro requerido, importa salientar que, em conformidade com o considerando 16 e com o artigo 11.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1393/2007, estas custas devem, a fim de facilitar o acesso à justiça, corresponder a uma taxa fixa única, estabelecida previamente pelo Estado‑Membro em causa, que respeite os princípios da proporcionalidade e da não discriminação. |
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No que respeita às eventuais despesas de tradução prévias à transmissão do ato, é facto assente que resulta do artigo 5.o, n.o 2, deste regulamento que cabe ao requerente suportá‑las. Por outro lado, os artigos 5.o e 8.o do referido regulamento, lidos em conjugação com o considerando 12 do mesmo, permitem ao destinatário recusar a receção do ato a citar ou a notificar se este não estiver redigido numa língua que ele compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação. |
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Contudo, o Regulamento n.o 1393/2007 não exige que seja realizada, em qualquer circunstância, uma tradução do ato a citar ou a notificar, dado que, como resulta do artigo 8.o deste regulamento, o destinatário do ato só pode recusar recebê‑lo se não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa língua que ele compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido. A este respeito, o Tribunal de Justiça indicou que, quando o ato em causa é acompanhado de anexos constituídos por documentos justificativos que não estão redigidos na língua do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que o destinatário compreenda, este não tem o direito de recusar a receção desse ato quando o mesmo permita a esse destinatário invocar os seus direitos no âmbito de um processo judicial no Estado‑Membro de origem e estes anexos tenham unicamente uma função probatória e não sejam indispensáveis para compreender o objeto do pedido e a causa de pedir (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2008, Weiss und Partner, C‑14/07, EU:C:2008:264, n.o 78). |
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Além disso, a assunção das despesas de tradução pelo demandante não prejudica uma eventual decisão posterior do órgão jurisdicional ou da autoridade competente sobre as modalidades de repartição das despesas geradas pelo processo. |
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De resto, dado que estão relacionadas com o facto de, nos termos das normas nacionais relativas à atribuição das despesas, um demandante só poder recuperar as despesas processuais em que incorreu para intentar a sua ação se esta for julgada totalmente procedente, as dúvidas expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à questão de saber se a impossibilidade, para a alegada vítima de uma prática anticoncorrencial, de notificar ou citar os atos judiciais destinados à sociedade‑mãe no domicílio da filial desta, situado no mesmo território que ela, viola o direito desta última a um processo equitativo, garantido pelo artigo 47.o da Carta, ou mesmo o efeito útil do artigo 101.o TFUE, devido aos custos de tradução e de notificação ou citação dos atos judiciais, há que sublinhar que uma eventual incompatibilidade das referidas normas nacionais relativas apenas às custas com o direito da União não pode, enquanto tal, ter a consequência de tornar inaplicáveis as disposições que regulam a citação ou a notificação dos atos judiciais. |
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Do mesmo modo, no que respeita à dilação dos prazos judiciais, é certo que o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta consagra o direito de toda a pessoa a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável. Contudo, mesmo considerando que, apesar do Regulamento n.o 1393/2007, a obrigação de citar ou de notificar atos judiciais noutro Estado‑Membro seja suscetível de implicar uma dilação significativa dos prazos processuais, tal dilação não implicaria, por si só, uma violação desta disposição, uma vez que o caráter razoável de um prazo de julgamento deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt – Duales System Deutschland/Comissão, C‑385/07 P, EU:C:2009:456 n.o 181) e, por conseguinte, tendo em conta, se for caso disso, o caráter transfronteiriço do litígio. |
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Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 101.o, n.o 1, TFUE no sentido de que, quando uma sociedade‑mãe e a sua filial formam uma unidade económica, a vítima de uma prática anticoncorrencial cometida por essa empresa pode intentar, indiferentemente, uma ação de indemnização contra a sociedade‑mãe que foi sancionada por essa prática numa decisão pela Comissão ou contra a sua filial, ainda que esta última não seja visada por essa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 51). Por conseguinte, em princípio, a alegada vítima de tal prática que pretenda fazer valer os direitos que lhe são conferidos pelo referido artigo 101.o, n.o 1, pode intentar a sua ação de indemnização contra a filial cuja sede se situa no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, o que lhe permite evitar eventuais despesas de tradução ou de citação dos atos judiciais noutro Estado‑Membro. |
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70 |
Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 47.o da Carta e o artigo 101.o TFUE, lidos em conjugação com o Regulamento n.o 1393/2007, devem ser interpretados no sentido de que a citação de uma sociedade‑mãe contra a qual foi intentada uma ação de indemnização a título dos danos causados por uma infração ao direito da concorrência não é validamente efetuada quando a referida citação tenha sido efetuada no domicílio da sua filial domiciliada no Estado‑Membro no qual foi intentada a ação judicial, ainda que a sociedade‑mãe constitua uma unidade económica com esta filial. |
Quanto à segunda questão
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71 |
Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 53.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que permite a um Estado‑Membro exigir que a citação de uma petição inicial seja efetuada na sede social da sociedade destinatária deste ato, e não no domicílio de uma filial da referida sociedade. |
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72 |
Como resulta da redação da segunda questão, esta só é submetida em caso de o Tribunal de Justiça responder afirmativamente à primeira questão. |
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73 |
Ora, como se concluiu no n.o 70 do presente acórdão, deve ser dada uma resposta negativa à primeira questão. |
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74 |
Por conseguinte, atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão. |
Quanto às despesas
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75 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara: |
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O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 101.o TFUE, lidos em conjugação com o Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, devem ser interpretados no sentido de que a citação de uma sociedade‑mãe contra a qual foi intentada uma ação de indemnização a título dos danos causados por uma infração ao direito da concorrência não é validamente efetuada quando a referida citação tenha sido efetuada no domicílio da sua filial domiciliada no Estado‑Membro no qual foi intentada a ação judicial, ainda que a sociedade‑mãe constitua uma unidade económica com esta filial. |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: espanhol.
( 1 ) No resumo do JO de 2017, não consta «final».