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Documento 62022CJ0415
Judgment of the Court (Seventh Chamber) of 16 November 2023.#JD v Acerta - Caisse d'assurances sociales ASBL and Others.#Request for a preliminary ruling from the Tribunal du travail francophone de Bruxelles.#Reference for a preliminary ruling – Officials of the European Union – Staff Regulations of Officials of the European Union – Compulsory affiliation to the social security scheme of the EU institutions – Retired official of the European Union who pursues a professional activity as a self-employed person – Liability for social security contributions under the scheme of the Member State in which that activity is carried out.#Case C-415/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 16 de novembro de 2023.
JD contra Acerta - Caisse d'assurances sociales ASBL e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal du travail francophone de Bruxelles.
Reenvio prejudicial — Funcionários da União Europeia — Estatuto dos Funcionários da União Europeia — Inscrição obrigatória no regime de segurança social das instituições da União Europeia — Funcionário da União Europeia reformado que exerce uma atividade profissional como independente — Sujeição às contribuições para a segurança social imposta pela legislação do Estado‑Membro no qual esta atividade é exercida.
Processo C-415/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 16 de novembro de 2023.
JD contra Acerta - Caisse d'assurances sociales ASBL e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal du travail francophone de Bruxelles.
Reenvio prejudicial — Funcionários da União Europeia — Estatuto dos Funcionários da União Europeia — Inscrição obrigatória no regime de segurança social das instituições da União Europeia — Funcionário da União Europeia reformado que exerce uma atividade profissional como independente — Sujeição às contribuições para a segurança social imposta pela legislação do Estado‑Membro no qual esta atividade é exercida.
Processo C-415/22.
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:881
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)
16 de novembro de 2023 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Funcionários da União Europeia — Estatuto dos Funcionários da União Europeia — Inscrição obrigatória no regime de segurança social das instituições da União Europeia — Funcionário da União Europeia reformado que exerce uma atividade profissional como independente — Sujeição às contribuições para a segurança social imposta pela legislação do Estado-Membro no qual esta atividade é exercida»
No processo C-415/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 9 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de junho de 2022, no processo
JD
contra
Acerta — Caisse d’assurances sociales ASBL
Institut national d’assurances sociales pour travailleurs indépendants (Inasti)
État belge
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),
composto por: F. Biltgen (relator), presidente de secção, N. Wahl e M. L. Arastey Sahún, juízes,
advogado-geral: A. Rantos,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação de JD, por J. Buekenhoudt, advogado, |
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em representação do Governo Belga, por S. Baeyens, C. Pochet e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidos por S. Rodrigues e A. Tymen, advogados, |
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em representação do Governo Checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo Francês, por R. Bénard e A. Daniel, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por T. S. Bohr e D. Martin, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
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1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social, conforme expresso no Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 307/1999 do Conselho, de 8 de fevereiro de 1999 (JO 1999, L 38, p. 1) (a seguir «Regulamento n. n.o 1408/71»), e depois pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1). |
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2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe JD, funcionário reformado da Comissão Europeia, à Acerta — Caisse d’assurances sociales ASBL, ao Institut national d’assurances sociales pour travailleurs indépendants (Inasti) e ao État belge (Estado Belga), a respeito da sujeição obrigatória de JD ao regime de segurança social belga relativamente aos anos 2007 a 2020. |
Quadro jurídico
Direito da União
Protocolo
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3 |
O artigo 12.o do Protocolo (n.o 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 266, a seguir «Protocolo»), tem a seguinte redação: «Os funcionários e outros agentes da União [Europeia] ficam sujeitos a um imposto que incidirá sobre os vencimentos, salários e emolumentos por ela pagos e que reverterá em seu benefício, nas condições e segundo o processo estabelecido pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho [da União Europeia], por meio de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta às instituições interessadas. Os funcionários e outros agentes da União ficam isentos de impostos nacionais que incidam sobre os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União.» |
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4 |
O artigo 14.o do protocolo enuncia: «O [Parlamento] e o Conselho, por meio de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta às instituições interessadas, estabelecem o regime das prestações sociais aplicáveis aos funcionários e outros agentes da União.» |
Estatuto
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5 |
O artigo 72.o, n.os 1, 1-A, 2 e 2-A do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na versão aplicável ao litígio (a seguir «Estatuto»), dispõe: «1. Até ao limite de 80 % das despesas efetuadas e com base numa regulamentação estabelecida de comum acordo pelas [instituições da União] após parecer do Comité do Estatuto, o funcionário [[…]] [está coberto] contra os riscos de doença. [[…]] […] 1-A. O funcionário que cesse funções e que prove que não exerce qualquer atividade profissional lucrativa, pode requerer, o mais tardar no mês seguinte ao da cessação de funções, para continuar a beneficiar, durante um período máximo de seis meses após a cessação de funções, da cobertura contra os riscos de doença prevista no n.o 1. A contribuição prevista no n.o 1 é calculada a partir do último vencimento-base do funcionário e suportada até metade por este último. […] 2. O funcionário que permaneça ao serviço da União até à idade de aposentação de idade ou que seja titular de um subsídio de invalidez beneficia, após cessação das suas funções, do disposto no n.o 1. A contribuição é, neste caso, calculada com base na pensão ou no subsídio. […] 2-A. Beneficiam igualmente do disposto no n.o 1, desde que não exerçam qualquer atividade profissional lucrativa:
[…]» |
Regulamentação Comum
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6 |
Para definir as condições de aplicação do artigo 72.o do Estatuto, as instituições adotaram uma Regulamentação Comum relativa à Cobertura dos Riscos de Doença dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Regulamentação Comum»). |
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7 |
O artigo 1.o da Regulamentação Comum dispõe que, nos termos do artigo 72.o do Estatuto, é instituído um regime de seguro de doença comum às instituições da União (RCSD). |
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8 |
O artigo 2.o da Regulamentação Comum prevê: «1. Consideram-se inscritos no presente regime:
[…] 3. Consideram-se inscritos no presente regime:
[…]». |
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9 |
O artigo 4.o da Regulamentação Comum tem a seguinte redação: «Sempre que um funcionário, agente temporário ou agente contratual seja colocado num país onde, por força da legislação nacional, fique sujeito a um regime de seguro obrigatório de riscos de doença, as cotizações devidas serão integralmente pagas por conta do orçamento da instituição de que dependa o interessado, sendo, em tal caso, aplicável o artigo 22.o da presente regulamentação.» |
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10 |
O artigo 22.o da Regulamentação Comum dispõe: «1. Sempre que um inscrito ou uma pessoa segurada em função dele tenham direito ao reembolso de despesas a título de outro seguro de doença legal ou regulamentar, o inscrito deve:
2. O regime comum intervém a título de regime complementar no reembolso das prestações, desde que o outro regime tenha reembolsado previamente as prestações por este cobertas. Se uma prestação não coberta pelo regime primário for coberta pelo regime comum, é este último que intervém a título de regime primário.» |
Regulamentos n.os 1408/71 e 883/2004
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11 |
Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n. n.o 1408/71, este último «aplica‑se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados e aos estudantes que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou vários Estados‑Membros e sejam nacionais de um dos Estados‑Membros, ou sejam apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados‑Membros, bem como aos membros e membros sobrevivos da sua família». |
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12 |
O artigo 13.o, n.o 1, deste regulamento dispunha que «as pessoas às quais se aplica o presente Regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-Membro. Esta legislação é determinada em conformidade com as disposições do presente Título». |
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13 |
O Regulamento n. n.o 1408/71 foi revogado a partir de 1 de maio de 2010, data da entrada em vigor do Regulamento n. n.o 883/2004. |
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14 |
Contudo, a redação do artigo 2.o, n.o 1, e do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n. n.o 1408/71 é, em substância, idêntica, respetivamente, à do artigo 2.o, n.o 1, e à do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n. n.o 883/2004. |
Direito belga
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15 |
O artigo 1.o do Decreto Real n.o 38, de 27 de julho de 1967, que regula o Estatuto Social dos Trabalhadores Independentes (Moniteur belge de 29 de julho de 1967, p. 8071), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Decreto Real n.o 38/1967»), dispõe: «O presente decreto regula o estatuto social dos trabalhadores independentes e dos cuidadores. Este estatuto social estende-se: […] 2.o às prestações de reforma e de sobrevivência; […]» |
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16 |
O artigo 2.o deste Decreto Real dispõe: «Os trabalhadores por conta própria e os cuidadores estão sujeitos ao presente decreto e devem, a esse título, cumprir as obrigações que este lhes impõe.» |
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17 |
O artigo 3.o, n.o 1, do referido decreto real estabelece: «Para efeitos do presente decreto, considera‑se trabalhador independente qualquer pessoa singular que exerça na Bélgica uma atividade profissional em razão da qual não esteja vinculada por um contrato de trabalho ou estatuto. Presume-se, até prova em contrário, que se encontra nas condições de sujeição referidas no parágrafo anterior qualquer pessoa que exerça na Bélgica uma atividade profissional suscetível de produzir rendimentos […]» |
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18 |
Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, do Decreto Real n.o 38/1967: «A partir do trimestre em que atinge a idade legal da pensão ou obtém o pagamento efetivo de uma pensão de reforma antecipada na qualidade de trabalhador independente ou de trabalhador assalariado, o sujeito passivo não é devedor de qualquer contribuição se os seus rendimentos profissionais na qualidade de trabalhador independente, adquiridos durante o ano de contribuição referido no artigo 11.o, n.o 2, não ascenderem a 811,20 euros mensais. Se os referidos rendimentos ascenderem a, pelo menos, 811,20 euros, o sujeito passivo está obrigado ao pagamento das seguintes contribuições anuais […]» |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
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19 |
JD, nascido em 4 de outubro de 1940, de nacionalidade britânica, foi funcionário da Comissão, em Bruxelas (Bélgica), até 1 de março de 2006, data em que se reformou. |
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20 |
Após esta data, exerceu designadamente atividades de consultoria como trabalhador independente. |
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21 |
Em razão destas atividades, o Inasti aplicou-lhe, a título obrigatório e a partir de 12 de fevereiro de 2007, ao abrigo do artigo 13.o do Decreto Real n.o 38/1967, o estatuto social dos trabalhadores independentes. |
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22 |
Após troca de correspondência infrutífera com a Acerta, JD intentou, em 15 de janeiro de 2021, uma ação no tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), órgão jurisdicional de reenvio, com vista a obter, nomeadamente, o reembolso das contribuições que considera terem sido indevidamente pagas no montante total de 50732,50 euros. Por um lado, alega que o princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social proíbe a sua inscrição obrigatória no regime de segurança social belga. Por outro lado, na medida em que não beneficia de nenhuma prestação social como contrapartida desta inscrição, alega que contribui a fundo perdido desde 2007. |
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23 |
Os demandados no processo principal respondem, em substância, que, se um funcionário aposentado da União, que exerce uma atividade independente na Bélgica, não estivesse sujeito a nenhuma contribuição social no regime de segurança social belga, ficaria quebrada a igualdade de tratamento entre os funcionários da União e qualquer outro funcionário, trabalhador independente ou assalariado a exercer uma atividade na Bélgica, ainda que, segundo a regulamentação nacional, as contribuições sociais sejam consideradas contribuições «solidárias». |
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24 |
Além disso, salientam que a situação dos funcionários em matéria de segurança social está abrangida pelo direito da União em razão da sua relação de emprego com esta, pelo que o princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social só é aplicável quando está em causa uma relação laboral com a União. Ora, como, no caso em apreço, tal relação de emprego com a União não existe desde 2007, há que aplicar, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n. n.o 883/2004, a legislação do local de exercício da atividade em causa, a saber, o direito belga. |
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25 |
O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o conceito de «inscrito» no RCSD deve ser interpretado em sentido amplo e deve abranger, pelo menos, os funcionários que tenham permanecido ao serviço da União até à idade da reforma. |
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26 |
Nestas circunstâncias, o tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «O princípio do direito da União baseado na unicidade do regime de segurança social aplicável aos trabalhadores, por contra própria ou por conta de outrem, no ativo ou reformados, obsta ou não a que um Estado-Membro de residência imponha, como no caso em apreço, a inscrição de um funcionário reformado da Comissão Europeia, que exerce uma atividade por conta própria, no seu regime de segurança social, e o pagamento de contribuições à segurança social de caráter puramente “solidário”, quando esse funcionário reformado está inscrito no regime obrigatório de segurança social da União e não obtém nenhum benefício, sob a forma de prestações contributivas ou não contributivas, do regime nacional no qual foi obrigado a inscrever-se?» |
Quanto à questão prejudicial
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27 |
A título preliminar, cumpre observar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha, na sua questão, referido unicamente o princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer este órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, Crespo Rey, C-2/17, EU:C:2018:511, n.o 41 e jurisprudência referida). |
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28 |
Assim, há que entender a questão submetida no sentido de que, com esta, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 14.o do Protocolo e as disposições do Estatuto, em especial o seu artigo 72.o, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à sujeição obrigatória, pela legislação de um Estado-Membro, ao regime de segurança social deste Estado de um funcionário da União que permaneceu ao serviço de uma instituição da União até à idade da reforma e que exerce uma atividade profissional a título independente no território do referido Estado-Membro. |
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29 |
A este respeito, há que recordar que, no que respeita ao princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social, tal como expresso no artigo 13.o do Regulamento n. n.o 1408/71 e retomado no artigo 11.o do Regulamento n. n.o 883/2004, estes regulamentos instituíram um sistema de coordenação relativo, designadamente, à determinação da legislação ou das legislações aplicáveis aos trabalhadores assalariados e não assalariados que exerçam, em diferentes circunstâncias, o seu direito de livre circulação. O caráter completo deste sistema de normas de conflitos tem por efeito retirar ao legislador de cada Estado‑Membro o poder de determinar como bem entender o âmbito e as condições de aplicação da sua legislação nacional quanto às pessoas que a ela estão sujeitas e quanto ao território no qual as disposições nacionais produzem os seus efeitos (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C-623/13, EU:C:2015:123, n.os 34 a 35 e jurisprudência referida, bem como de 15 de setembro de 2022, Rechtsanwaltskammer Wien, C-58/21, EU:C:2022:691, n.os 43 e 49). |
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30 |
Assim, o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n. n.o 1408/71, e o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n. n.o 884/2004 dispõem expressamente que as pessoas às quais estes regulamentos se aplicam estão sujeitas apenas à legislação de um Estado-Membro, o que exclui, portanto, em princípio, qualquer possibilidade de cumulação de várias legislações nacionais durante um mesmo período. |
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31 |
Ora, o princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social enunciado no Regulamento n. n.o 1408/71 e no Regulamento n. n.o 883/2004 não é aplicável aos funcionários da União, que não estão sujeitos a uma legislação nacional em matéria de segurança social, conforme prevista no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n. n.o 1408/71 e no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n. n.o 883/2004, que definem o âmbito de aplicação pessoal dos referidos regulamentos. Assim, os funcionários da União não podem ser qualificados de «trabalhadores», na aceção dos mesmos regulamentos (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C-690/15, EU:C:2017:355, n.o 35 e jurisprudência referida). |
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32 |
Efetivamente, com exclusão dos Estados-Membros, a União tem competência exclusiva para determinar as regras aplicáveis aos funcionários da União no que respeita às suas obrigações em matéria de segurança social (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C-690/15, EU:C:2017:355, n.o 44). |
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33 |
O regime de segurança social comum às instituições da União foi fixado, em conformidade com o artigo 14.o do Protocolo, pelo Parlamento e pelo Conselho, através do regulamento que estabelece o Estatuto (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C-690/15, EU:C:2017:355, n.o 36). |
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34 |
Com efeito, por um lado, deve considerar-se que o referido artigo 14.o implica a subtração à competência dos Estados-Membros da obrigação de inscrição dos funcionários da União num regime nacional de segurança social e da obrigação, para estes funcionários, de contribuir para o financiamento de tal regime (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C-690/15, EU:C:2017:355, n.os 40 e 41). |
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35 |
Por outro lado, o Estatuto, que reveste todas as características previstas no artigo 288.o TFUE, é obrigatório em todos os seus elementos e é diretamente aplicável em qualquer Estado-Membro, pelo que o respeito das suas disposições também se impõe aos Estados-Membros (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C-690/15, EU:C:2017:355, n.o 42, bem como de 4 de fevereiro de 2021, Ministre de la Transition écologique et solidaire e Ministre de l’Action et des Comptes publics, C-903/19, EU:C:2021:95, n.o 36). |
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36 |
Neste contexto, importa salientar que, nos termos do artigo 72.o, n.o 1, do Estatuto, todos os funcionários e agentes temporários ao serviço de uma instituição da União estão cobertos contra os riscos de doença. |
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37 |
Em conformidade com o artigo 72.o, n.o 2, do Estatuto, o funcionário que permaneça ao serviço da União até à idade de aposentação ou que seja titular de um subsídio de invalidez beneficia da mesma cobertura, sendo a contribuição calculada com base na pensão ou no subsídio. |
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38 |
O artigo 72.o, n.o 2-A, do Estatuto especifica que o funcionário titular de uma pensão de aposentação que tenha deixado de estar ao serviço antes de atingir a idade de aposentação beneficia da mesma cobertura desde que não exerça uma atividade profissional lucrativa. |
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39 |
Do mesmo modo, resulta do artigo 72.o, n.o 1-A, do Estatuto que o funcionário que cesse definitivamente as suas funções e não exerça uma atividade profissional lucrativa pode pedir para continuar a beneficiar, durante um período de seis meses, da cobertura contra os riscos de doença. |
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40 |
Decorre destas disposições que o funcionário cuja relação laboral com a União perdurou até à idade da reforma continua a estar abrangido pelo regime de segurança social da União, por oposição ao funcionário que deixou as instituições antes de ter atingido a idade da reforma para iniciar uma atividade profissional lucrativa num Estado-Membro. Este último deixa de estar abrangido pelo regime de segurança social da União e a legislação que lhe é aplicável em matéria de segurança social é determinada em conformidade com as disposições do Regulamento n. n.o 883/2004. |
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41 |
No caso em apreço, não é contestado que o recorrente no processo principal trabalhou ao serviço da Comissão até à idade da reforma, pelo que, em conformidade com o artigo 72.o, n.o 2, do Estatuto, continuou inscrito no RCSD apesar de ter exercido, depois de reformado, uma atividade profissional lucrativa num Estado-Membro. |
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42 |
Ora, uma regulamentação de um Estado-Membro que sujeita ao regime de segurança social do mesmo Estado um funcionário da União que permaneceu ao serviço de uma instituição até à idade da reforma e que exerce uma atividade profissional a título independente no referido Estado-Membro desrespeita a competência exclusiva atribuída à União, tanto pelo artigo 14.o do Protocolo como pelas disposições pertinentes do Estatuto, para determinar as regras aplicáveis aos funcionários da União no que respeita às suas obrigações em matéria de segurança social. |
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43 |
Com efeito, embora os Estados-Membros mantenham a sua competência para organizar os respetivos sistemas de segurança social, devem, não obstante, no exercício desta competência, respeitar o direito da União, incluindo as disposições do Protocolo e do Estatuto relativas às regras em matéria de segurança social que regulam a situação jurídica dos funcionários da União, tanto durante a sua atividade ao serviço de uma instituição como após a idade de aposentação (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C-690/15, EU:C:2017:355, n.os 34, 38 e 39 e jurisprudência referida). |
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44 |
Esta interpretação não é posta em causa por nenhum dos argumentos invocados por JD ou pelos interessados, na aceção do artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que apresentaram observações escritas. |
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45 |
Antes de mais, o argumento segundo o qual o princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social, conforme precisado no Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter (C-623/13, EU:C:2015:123), está ligado ao requisito da existência de uma relação laboral com a União pode ser afastado na medida em que resulta dos n.os 37 a 40 do presente acórdão que é precisamente devido à relação laboral com uma instituição da União até à idade da reforma que o funcionário continua a estar abrangido, em conformidade com o artigo 72.o, n.o 2, do Estatuto, pelo RCSD. |
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46 |
Em seguida, o facto de os funcionários da União, em atividade ou reformados, estarem abrangidos pelo RCSD não é suscetível de constituir uma situação discriminatória em relação aos outros trabalhadores do Estado-Membro em causa, relativamente aos quais o Regulamento n. n.o 883/2004 determina que a legislação aplicável é a do Estado-Membro em que o interessado exerce a sua atividade profissional. Mesmo que o direito da União possa ter como consequência colocar o funcionário da União numa situação alegadamente mais vantajosa, tal situação não apresenta, no entanto, um caráter discriminatório em relação aos trabalhadores residentes, uma vez que os funcionários da União não se encontram numa situação comparável à dos referidos trabalhadores. |
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47 |
Quanto à circunstância de a regulamentação nacional qualificar de «puramente solidárias» as contribuições em causa no processo principal, há que sublinhar que o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente, por um lado, que a circunstância de uma imposição ser qualificada, nomeadamente, de «imposto» por uma legislação nacional não exclui que se possa considerar que esta imposição está abrangida pela regra da não cumulação de legislações sociais aplicáveis, desde que se trate de uma contribuição social (v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2016, Hoogstad, C-269/15, EU:C:2016:802, n.o 29 e jurisprudência referida). Por outro lado, a existência ou a inexistência de contrapartida em termos de prestações é irrelevante no âmbito da questão de saber se a imposição em causa está abrangida pelo regime de segurança social (Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C-623/13, EU:C:2015:123, n.o 26). |
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48 |
Por último, importa recordar que existe uma clara distinção entre as obrigações em matéria de segurança social dos funcionários da União, quer estejam em atividade ou reformados, e as obrigações fiscais destes funcionários, que apenas beneficiam, por força do artigo 12.o do Protocolo, de uma isenção dos impostos nacionais sobre os seus vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União. Embora estes vencimentos, salários e emolumentos estejam exclusivamente sujeitos, quanto à sua eventual tributação, ao direito da União, os outros rendimentos dos funcionários continuam sujeitos à tributação dos Estados-Membros (v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2015, Pazdzieg, C-349/14, EU:C:2015:338, n.o 15 e jurisprudência referida). |
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49 |
Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 14.o do Protocolo e as disposições do Estatuto, em especial o seu artigo 72.o, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à sujeição obrigatória, pela legislação de um Estado-Membro, ao regime de segurança social deste Estado de um funcionário da União que permaneceu ao serviço de uma instituição da União até à idade da reforma e que exerce uma atividade profissional a título independente no território do referido Estado-Membro. |
Quanto às despesas
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50 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara: |
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O artigo 14.o do Protocolo (n.o 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia e as disposições do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, em especial o seu artigo 72.o, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à sujeição obrigatória, pela legislação de um Estado-Membro, ao regime de segurança social deste Estado de um funcionário da União que permaneceu ao serviço de uma instituição da União até à idade da reforma e que exerce uma atividade profissional a título independente no território do referido Estado-Membro. |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: francês.