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Documento 62022CJ0265

Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 13 de julho de 2023.
ZR e PI contra Banco Santander, SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia de Palma de Mallorca.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contratos de mútuo hipotecário — Cláusula que prevê uma taxa de juro variável — Índice de referência baseado nas taxas anuais efetivas globais (TAEG) dos mútuos hipotecários concedidos por instituições de crédito — Índice estabelecido por um ato regulamentar ou administrativo — Indicações que figuram no preâmbulo desse ato — Fiscalização relativa à exigência de transparência — Avaliação do carácter abusivo.
Processo C-265/22.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:578

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

13 de julho de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contratos de mútuo hipotecário — Cláusula que prevê uma taxa de juro variável — Índice de referência baseado nas taxas anuais efetivas globais (TAEG) dos mútuos hipotecários concedidos por instituições de crédito — Índice estabelecido por um ato regulamentar ou administrativo — Indicações que figuram no preâmbulo desse ato — Fiscalização relativa à exigência de transparência — Avaliação do carácter abusivo»

No processo C‑265/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca (Tribunal de Primeira Instância n.o 17 de Palma de Maiorca, Espanha), por Decisão de 19 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de abril de 2022, no processo

ZR

PI

contra

Banco Santander S. A.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, J.‑C. Bonichot e O. Spineanu‑Matei (relatora), juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação de PI e ZR, por F. Fuster‑Fabra Toapanta e A. Rebollo Redondo, abogados,

em representação de Banco Santander S. A., por J. M. Rodríguez Cárcamo e A. M. Rodríguez Conde, abogados,

em representação do Governo Espanhol, por A. Ballesteros Panizo, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por S. Pardo Quintillán e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

tendo em conta a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar o processo sem conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação, por um lado, dos artigos 5.o e 7.o da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO 2005, L 149, p. 22), bem como, por outro, do artigo 3.o, n.o 1, dos artigos 4.o e 5.o, e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe ZR e PI ao Banco Santander S. A. a respeito da validade da cláusula de revisão periódica da taxa de juro aplicável a um mútuo hipotecário concedido a ZR e a PI pelo antecessor jurídico do Banco Santander.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 93/13

3

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

4

O artigo 4.o desta diretiva prevê:

«1.   Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.   A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

5

O artigo 5.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. Em caso de dúvida sobre o significado de uma cláusula, prevalecerá a interpretação mais favorável ao consumidor. Esta regra de interpretação não é aplicável no âmbito dos processos previstos no n.o 2 do artigo 7.o»

Diretiva 2005/29

6

Em conformidade com o artigo 19.o da Diretiva 2005/29, os Estados‑Membros deviam ter aprovado e publicado até 12 de junho de 2007 as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento e informar imediatamente a Comissão Europeia desse facto. Os Estados‑Membros deviam aplicar estas disposições até 12 de dezembro de 2007.

Direito espanhol

7

Nos termos do artigo 1258.o do Código Civil espanhol:

«Os contratos são celebrados mediante simples consenso das partes e obrigam, não apenas ao cumprimento das prestações expressamente acordadas mas também a todas as consequências que, pela sua natureza, sejam conformes à boa‑fé, aos usos e à lei.»

8

A Diretiva 93/13 foi transposta para o direito espanhol pela ley 7/1998, sobre condiciones generales de la contratación (Lei n.o 7/1998, relativa às Condições Contratuais Gerais), de 13 de abril de 1998 (BOE n.o 89, de 14 de abril de 1998, p. 12304).

9

O artigo 7.o desta lei dispõe:

«Não serão incluídas no contrato as seguintes condições gerais:

a)

Aquelas de que o consumidor não tenha efetivamente tido a oportunidade de tomar conhecimento antes da celebração do contrato ou que não tenham sido assinadas, se for caso disso, nos termos do artigo 5.o;

b)

As condições ilegíveis, ambíguas, obscuras e incompreensíveis, exceto, no caso destas últimas, quando o aderente as tenha expressamente aceitado por escrito e quando respeitem a regulamentação específica relativa à transparência das cláusulas contratuais nesse domínio.»

10

Nos termos do artigo 8.o da referida lei:

«1.   São nulas de pleno direito as condições gerais que, em prejuízo do aderente, contrariem as disposições da presente lei ou qualquer outra norma imperativa ou proibitiva, exceto se nelas se estabelecer outra sanção.

2.   Em especial, são nulas as condições gerais abusivas nos contratos celebrados com um consumidor […]»

11

A ley 3/1991, de Competencia Desleal (Lei n.o 3/1991, relativa à Concorrência Desleal), de 10 de janeiro de 1991 (BOE n.o 10, de 11 de janeiro de 1991, p. 959), dispõe, no artigo 4.o, n.o 1:

«Considera‑se desleal qualquer comportamento objetivamente contrário às exigências da boa‑fé.

Nas relações com os consumidores e utentes é contrário às exigências de boa‑fé o comportamento de um empresário ou profissional que desrespeita as regras da diligência profissional, entendida como o nível de competência especializada e de cuidados especiais que se pode esperar de um empresário segundo práticas honestas do mercado, que distorça ou seja suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor médio ou do membro médio do grupo destinatário da prática, se se tratar de uma prática comercial destinada a um determinado grupo de consumidores.

Para efeitos da presente lei, entende‑se por comportamento económico do consumidor ou do utente a decisão através da qual o consumidor ou o utente opta por agir ou abster‑se de agir em relação à:

a)

seleção de uma proposta ou de um fornecedor.

b)

aquisição de um bem ou de um serviço, bem como, se for caso disso, as modalidades e as condições dessa aquisição.

c)

pagamento do preço, no todo ou em parte, ou qualquer outra forma de pagamento.

[…]»

12

O artigo 7.o desta lei, sob a epígrafe «Omissões enganosas», tem a seguinte redação:

«1.   É considerada desleal a omissão ou ocultação da informação necessária para que o destinatário tome ou possa tomar uma decisão esclarecida sobre o seu comportamento económico. É também desleal se a informação apresentada for pouco clara, ininteligível, ambígua, tardia, ou se não referir a intenção comercial dessa prática, se esta não se puder depreender do contexto.

2.   Na determinação do caráter enganoso dos atos referidos no número anterior, ter‑se‑á em conta o contexto factual em que ocorrem, nomeadamente todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação utilizado.»

13

O Banco de España (Banco de Espanha) adotou a circular 8/1990, a entidades de crédito, sobre transparencia de las operaciones y protección de la clientela (Circular 8/1990, dirigida às Instituições de Crédito, relativa à Transparência das Operações e à Proteção dos Clientes), de 7 de setembro de 1990 (BOE n.o 226, de 20 de setembro de 1990, p. 27498). Esta foi alterada, nomeadamente, pela circular 5/1994, a entidades de crédito (Circular 5/1994, dirigida às Instituições de Crédito), de 22 de julho de 1994 (BOE n.o 184, de 3 de agosto de 1994, p. 25106). Depois de alterada pela Circular 5/1994, a Circular 8/1990 passou a estabelecer determinados índices ou taxas de referência oficiais para os mútuos hipotecários. Entre estes figuravam diversas taxas médias de mútuos hipotecários de duração superior a três anos, destinados à aquisição de uma habitação cujo preço é livremente fixado (a seguir «IRMH»), entre as quais a relativa aos empréstimos concedidos pelos bancos (a seguir «IRMH dos bancos») e a relativa aos empréstimos concedidos por todas as instituições de crédito (a seguir «IRMH das instituições de crédito»).

14

O preâmbulo da Circular 5/1994, circular modificativa referida no número anterior, continha a seguinte passagem:

«As taxas de referência selecionadas são, em última análise, as [taxas anuais efetivas globais (TAEG)]. As taxas médias dos mútuos hipotecários concedidos pelos bancos e pelo conjunto das instituições para a aquisição de uma habitação cujo preço é livremente fixado constituem, em rigor, as TAEG, uma vez que incluem, além disso, o efeito das comissões. Igualmente, utilizá‑las direta e simplesmente como taxa contratual implicaria colocar a [TAEG] da operação hipotecária acima da taxa praticada no mercado. Para alinhar a TAEG desta operação com a do mercado, seria necessário aplicar um diferencial negativo, cujo valor variaria em função das comissões da operação e da frequência dos pagamentos.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

Em 12 de maio de 2006, ZR e PI, por um lado, e o antecessor jurídico do Banco Santander, por outro, celebraram um contrato de mútuo hipotecário no montante de 197934,54 euros.

16

Em conformidade com o artigo 3.o‑A deste contrato (a seguir «cláusula controvertida»), a taxa de juro é variável, devendo ser determinada uma nova taxa no termo de cada período de 12 meses, para os 12 meses seguintes, até ao termo do referido contrato. A nova taxa de juro é fixada em relação a uma «taxa de referência», a saber, o IRMH das instituições de crédito, majorada de 0,20 ponto percentual, ou a uma «taxa de referência de substituição», a saber, o IRMH dos bancos, majorada de 0,50 ponto percentual.

17

O n.o 3 da cláusula controvertida define a taxa de referência da seguinte forma:

«A taxa de referência é [o IRMH das instituições de crédito], definida como a média simples das taxas de juro médias ponderadas pelo capital das operações de mútuo acompanhadas de uma garantia hipotecária de duração igual ou superior a três anos com vista à aquisição de uma habitação cujo preço é livremente fixado, operações que o conjunto das [entidades, a saber, os] bancos, as caixas económicas e as sociedades de mútuo hipotecário iniciaram ou renovaram durante o mês de referência do índice, tomando como referência a última dessas taxas médias publicada no [BOE] pelo Banco de Espanha antes do início de cada novo período de juros e durante os três meses civis anteriores.»

18

Este n.o 3 define em termos análogos a taxa de referência de substituição, que é aplicável em caso de não publicação da taxa de referência.

19

É também precisado na cláusula controvertida que a taxa de referência e a taxa de referência de substituição são descritas no anexo VIII da Circular 8/1990.

20

Em 13 de fevereiro de 2020, ZR e PI intentaram no Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca (Tribunal de Primeira Instância n.o 17 de Palma de Maiorca, Espanha), órgão jurisdicional de reenvio, uma ação destinada a obter a declaração da nulidade da cláusula controvertida devido ao seu caráter abusivo e a condenação do Banco Santander na reparação do prejuízo eventualmente sofrido em virtude da aplicação desta cláusula.

21

ZR e PI alegam nesse órgão jurisdicional que o facto de a cláusula controvertida remeter, relativamente à revisão anual da taxa de juro do seu contrato de mútuo, para os IRMH, ao mesmo tempo que prevê uma pequena majoração destes, a saber, 0,20 pontos percentuais se se tratar do IRMH das instituições de crédito ou 0,50 pontos percentuais se se tratar do IRMH dos bancos, é enganador. Com efeito, tal apresentação, que consiste numa majoração relativamente limitada, incitaria os candidatos mutuários a celebrarem um contrato de mútuo cuja taxa é passível de revisão por referência a um IRMH e não à taxa média do mercado interbancário europeu (a seguir «índice Euribor»), ao passo que, com uma majoração claramente maior, mesmo na ordem dos 2 %, uma referência ao índice Euribor conduziria à aplicação de uma taxa de juro revista inferior. Isto decorre do facto de, contrariamente ao índice Euribor, os IRMH serem calculados com base em taxas que têm em conta comissões. Segundo os recorrentes no processo principal, o prejuízo que eventualmente sofreram devido à aplicação da cláusula controvertida ascende a 39799,25 euros.

22

A recorrida no processo principal contesta o referido pedido no que respeita tanto à afirmação do caráter abusivo da cláusula controvertida como à avaliação do prejuízo alegado. Sustenta também que esta cláusula foi negociada individualmente e que, por princípio, é legal uma vez que os IRMH constituem índices oficiais e públicos e, portanto, acessíveis aos consumidores, podendo estes, assim, conhecer os dados pertinentes quanto ao seu modo de cálculo e à sua evolução histórica referindo‑se aos dados que figuram no contrato em causa no processo principal.

23

No decurso do processo no órgão jurisdicional de reenvio, os recorrentes no processo principal alegaram, além disso, que a nulidade da cláusula controvertida devia ser declarada pelo facto de que, como designava um IRMH como taxa de referência para as revisões periódicas da taxa de juro do contrato de mútuo em questão, deveria ter previsto a aplicação de um diferencial negativo, como exige a Circular 5/1994, e não de um diferencial positivo.

24

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o preâmbulo da Circular 5/1994 não tem valor normativo. Todavia, considera que demonstra que, para a autoridade administrativa autora desta circular, a comercialização de produtos que incluam uma referência a um IRMH deve ser acompanhada da aplicação de um diferencial negativo.

25

Quanto à formulação da cláusula controvertida, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o contrato em causa no processo principal não menciona as indicações que figuram nesse preâmbulo sobre a aplicação de um diferencial negativo aos IRMH para os alinhar à taxa do mercado.

26

Quanto aos efeitos da cláusula controvertida, esse órgão jurisdicional sublinha que a referência a um IRMH é intrinsecamente desfavorável aos mutuários, uma vez que esse índice é constituído por uma média das taxas de juro do conjunto das operações do mútuo em curso, sendo estas taxas já constituídas em parte por comissões e majorações.

27

Consequentemente, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a falta de informação aos mutuários quanto ao conteúdo do preâmbulo da Circular 5/1994, e, portanto, sobre as características dos IRMH, mas também, mais genericamente, sobre os níveis respetivos dos IRMH e do índice Euribor, pode ser contrária à boa‑fé e geradora de um desequilíbrio em detrimento dos consumidores, o que justifica qualificar a cláusula controvertida de abusiva.

28

Por outro lado, considera que a falta de informação quanto ao conteúdo do preâmbulo da Circular 5/1994, conjugada com a aplicação de um diferencial positivo ligeiramente inferior aos aplicados aos contratos de mútuo cujas taxas são fixadas por referência ao índice Euribor, pode constituir um estratagema comercial que visa dar a impressão de que o encargo com os juros é vantajoso. Pelo contrário, a comunicação aos candidatos mutuários da informação que figura no preâmbulo da Circular 5/1994 permitir‑lhes‑ia tomar uma decisão mais esclarecida.

29

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio prevê a possibilidade de a inclusão da cláusula controvertida no contrato de mútuo em causa no processo principal ser considerada uma prática comercial desleal, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2005/29, uma vez que distorce ou é suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor médio devido à falta de informação sobre a necessidade de aplicar um diferencial negativo quando a taxa de referência é um IRMH. A este respeito, salienta que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a existência de uma prática comercial desleal, na aceção da Diretiva 2005/29, relacionada com uma cláusula contratual constitui um elemento de avaliação do caráter abusivo dessa cláusula.

30

Nestas condições, o Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca (Tribunal de Primeira Instância n.o 17 de Palma de Maiorca) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Tendo em conta que na elaboração do índice de juro variável “taxa média dos mútuos hipotecários, de duração superior a três anos, do conjunto das entidades” são incluídas as comissões e os diferenciais que lhes são aplicados, que são incorporados na taxa de juro, de modo que são mais onerosos para o consumidor do que as outras taxas anuais equivalentes do mercado, e tendo em conta que, na Circular 5/1994 […], que é o critério normativo da autoridade de regulação, se estabelece a necessidade de que esses diferenciais sejam negativos, facto que foi omitido e que não foi cumprido pelas instituições financeiras de maneira generalizada, o afastamento completo do critério normativo da autoridade de regulação é contrário aos artigos 5.o e 7.o da Diretiva [2005/29]?

2)

Caso se demonstre que o afastamento do critério normativo referido se opõe aos artigos 5.o e 7.o da Diretiva [2005/29], em conformidade com a jurisprudência do TJUE no processo C‑689/20, esta prática desleal constitui um indício no âmbito da avaliação e da apreciação do caráter abusivo da cláusula e é contrária aos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 93/13 […]?

3)

Se a Circular 5/1994 […], específica do setor financeiro, mas não do conhecimento geral da população, não foi de todo tida em consideração, e este facto for declarado contrário ao artigo 7.o da Diretiva [2005/29], constitui um indício no âmbito da avaliação do caráter abusivo em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1 da Diretiva 93/13 […], devendo efetuar‑se uma fiscalização da transparência a esse índice composto pelo “índice de referência e diferencial”?

4)

É contrária aos artigos 3.o, n.o 1, 4.o e 5.o da Diretiva [93/13] uma jurisprudência nacional que, à luz da regulação específica do IRPH, [considera que não] constitui uma prática abusiva não aplicar um diferencial negativo[,] apesar da necessidade imposta no preâmbulo da Circular [5/1994] e de, sendo menos vantajoso do que todas as taxas anuais equivalentes existentes, o IRPH ter sido comercializado como se fosse um produto tão vantajoso como a Euribor, sem se ter em consideração a necessidade de se adicionar esse diferencial negativo e, por conseguinte, ser possível a cessação dos contratos por se considerarem nulas as cláusulas em que se prevê a sua aplicação, e que, no futuro, as instituições bancárias se abstivessem de as utilizar, dado que comercializar este serviço com consumidores vulneráveis pode afetar o [seu] comportamento económico, assim como declarar‑se a sua não inclusão nos contratos comerciais por [ser] desleal tê‑lo integrado no preço do juro, o que é contrário à Diretiva [2005/29]?

5)

É contrário ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva [93/13] não realizar uma fiscalização da inclusão e do caráter abusivo em face de um diferencial imposto de forma oculta tendo em conta que, na proposta apresentada por uma instituição bancária, o diferencial deve ser negativo e que, durante a fase de informação pré‑contratual, o consumidor não tomou conhecimento do comportamento económico do juro aplicado ao seu mútuo, por isso ser contrário à Diretiva [2005/29]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade da primeira a terceira e quinta questões

31

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a compatibilidade com os artigos 5.o e 7.o da Diretiva 2005/29 de um contrato de mútuo de taxa variável celebrado entre um profissional e um consumidor, cuja cláusula que estabelece as modalidades de revisão periódica da taxa de juro toma como referência um índice oficial ao qual é aplicada uma majoração, afastando‑se assim das indicações contidas no ato pelo qual a autoridade competente instituiu esse índice, as quais precisavam, pelo contrário, que, tendo em conta o seu modo de cálculo, era necessário aplicar um diferencial negativo para alinhar a TAEG do contrato de mútuo com a do mercado.

32

Com a segunda e terceira questões, esse órgão jurisdicional pretende obter algumas precisões em caso de resposta negativa à primeira questão.

33

Por último, com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 no contexto da celebração de um contrato de mútuo cuja taxa de juro é apresentada de maneira enganosa, não respeitando as exigências da Diretiva 2005/29.

34

É jurisprudência constante que as questões sobre interpretação do direito da União submetidas por um órgão jurisdicional nacional gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 26 e jurisprudência referida].

35

Para este efeito, para que o Tribunal de Justiça possa fornecer uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional, o pedido de decisão prejudicial deve, em conformidade com o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, conter a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que o mesmo estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal [Acórdão de 26 de janeiro de 2023, Ministerstvo na vatreshnite raboti (Registo de dados biométricos e de dados genéticos pela polícia), C‑205/21, EU:C:2023:49, n.o 55 e jurisprudência referida].

36

A primeira a terceira e quinta questões submetidas pressupõem que a Diretiva 2005/29 seja aplicável ao litígio no processo principal.

37

A este respeito, importa recordar que uma norma jurídica nova é aplicável a partir da entrada em vigor do ato que a instaura e que, embora esta não seja aplicável às situações jurídicas criadas e definitivamente adquiridas ao abrigo da lei anterior, é aplicável aos efeitos futuros das mesmas e às situações jurídicas novas. Só assim não será, e com ressalva do princípio da não retroatividade dos atos jurídicos, se a norma nova for acompanhada de disposições especiais que determinam especialmente as suas regras de aplicação no tempo (Acórdãos de 16 de dezembro de 2010, Stichting Natuur en Milieu e o., C‑266/09, EU:C:2010:779, n.o 32, e de 26 de março de 2015, Comissão/Moravia Gas Storage,C‑596/13 P, EU:C:2015:203, n.o 32).

38

Assim, no que respeita mais especificamente às diretivas, regra geral, só as situações jurídicas adquiridas posteriormente ao termo do prazo de transposição de uma diretiva são abrangidas, ratione temporis, pelo âmbito de aplicação desta (v., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 2019, E.B.,C‑258/17, EU:C:2019:17, n.o 53 e jurisprudência referida).

39

Ora, em conformidade com o artigo 19.o da Diretiva 2005/29, os Estados‑Membros deviam ter aprovado e publicado até 12 de junho de 2007 as disposições necessárias para lhe dar cumprimento e estas disposições deviam ser aplicadas até 12 de dezembro de 2007.

40

Na prática, o Reino de Espanha e a Comissão indicaram na audiência que a Diretiva 2005/29 tinha sido finalmente transposta para o direito espanhol pela ley 29/2009, por la que se modifica el régimen legal de la competencia desleal y de la publicidad para la mejora de la protección de los consumidores y usuarios (Lei n.o 29/2009, que altera o Regime Jurídico da Concorrência Desleal e da Publicidade para Melhorar a Proteção dos Consumidores e dos Utentes), de 30 de dezembro de 2009 (BOE n.o 315, de 31 de dezembro de 2009, p. 112039).

41

Resulta do que precede que a Diretiva 2005/29 não era aplicável à data da celebração do contrato em causa no processo principal, que ocorreu em 12 de maio de 2006.

42

Consequentemente, a interpretação desta diretiva não tem nenhuma relação com a solução do litígio no processo principal, pelo que a primeira a terceira questões e, em parte, a quinta questão, que incidem, direta ou indiretamente, sobre esta interpretação, são inadmissíveis.

43

Quanto à quinta questão, uma vez que tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, o pedido de decisão prejudicial não fornece os elementos exigidos pelo artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo, destinados a permitir ao Tribunal de Justiça responder utilmente ao órgão jurisdicional de reenvio, porquanto este pedido não expõe as razões que conduziram esse órgão jurisdicional a interrogar‑se sobre a interpretação da referida disposição.

44

Por conseguinte, a quinta questão é também integralmente inadmissível.

Quanto à quarta questão

45

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, e os artigos 4.o e 5.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual não é abusiva uma cláusula de um contrato de mútuo de taxa variável que toma como índice de referência um IRMH aplicando‑lhe uma majoração, apesar das indicações que figuram no preâmbulo da Circular 5/1994.

46

A título preliminar, importa salientar que, primeiro, a decisão de reenvio não contém informações quanto ao conteúdo preciso da jurisprudência nacional referida nessa questão, pelo que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos necessários para formular uma resposta em função dessa jurisprudência.

47

Segundo, resulta dos desenvolvimentos contidos na decisão de reenvio que a referida questão diz respeito não só ao facto de a cláusula controvertida não prever a aplicação ao IRMH de um diferencial negativo designado como índice de referência para ter em conta os efeitos do modo de cálculo do IRMH conforme descritos no preâmbulo da Circular 5/1994, mas também à falta de informação dada aos mutuários durante a fase pré‑contratual quanto à existência e ao conteúdo dessas indicações, o que é corroborado nomeadamente pela menção do artigo 5.o da Diretiva 93/13, disposição que tem por objeto a exigência de transparência.

48

Por último, terceiro, resulta também destes desenvolvimentos que, por um lado, a cláusula controvertida remete para a Circular 8/1990, uma vez que esta descreve os IRMH no seu anexo VIII e, por outro, que o preâmbulo que contém as indicações relativas aos efeitos do modo de cálculo dos IRMH não figura nesta circular, mas na Circular 5/1994, tendo ambas as circulares sido objeto de publicação oficial.

49

À luz do que precede, há que considerar que, com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, e os artigos 4.o e 5.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que é pertinente para avaliar a transparência e o carácter eventualmente abusivo de uma cláusula de um contrato de mútuo hipotecário de taxa variável que designa como índice de referência, para a revisão periódica da taxa de juro aplicável a esse mútuo, um índice fixado numa circular que foi objeto de publicação oficial, ao qual é aplicada uma majoração, o teor das informações contidas noutra circular, que indicam a necessidade de aplicar a esse índice, tendo em conta o seu modo de cálculo, um diferencial negativo com vista a alinhar a referida taxa de juro com a taxa de mercado.

50

Importa precisar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a competência deste na matéria tem por objeto a interpretação dos conceitos da Diretiva 93/13, assim como os critérios que o juiz nacional pode ou deve aplicar quando examina uma cláusula contratual à luz das disposições desta, entendendo‑se que incumbe ao referido juiz pronunciar‑se, tendo em conta os referidos critérios, sobre a qualificação concreta de uma cláusula contratual particular em função das circunstâncias próprias do caso em apreço. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça se deve limitar a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações que este deve ter em conta para apreciar o caráter abusivo da cláusula em causa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2014, Constructora Principado,C‑226/12, EU:C:2014:10, n.o 20 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 52 e jurisprudência referida).

51

No que respeita, em primeiro lugar, à exigência de transparência das cláusulas contratuais, conforme resulta do artigo 4.o, n.o 2, e do artigo 5.o da Diretiva 93/13, importa recordar que a informação, antes da celebração do contrato, sobre as cláusulas contratuais e as consequências da referida celebração é de importância fundamental para o consumidor. É, nomeadamente, com base nesta informação que este último decide se deseja vincular‑se às condições previamente redigidas pelo profissional (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.o 48 e jurisprudência referida).

52

Consequentemente, e dado que o sistema de proteção instituído por esta diretiva assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade face ao profissional, no que respeita designadamente ao nível de informação, esta exigência de redação clara e compreensível das cláusulas contratuais e, portanto, de transparência, imposta pela mesma diretiva, deve ser entendida de maneira extensiva (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.o 44 e jurisprudência referida).

53

Concretamente, o requisito segundo o qual uma cláusula contratual deve ser redigida de maneira clara e compreensível pressupõe que, no caso dos contratos de crédito, as instituições financeiras devam prestar aos mutuários informação suficiente que os habilite a tomar decisões prudentes e fundamentadas (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.o 51). A este respeito, incumbe ao juiz nacional, quando analisa as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, verificar se, no processo em causa, foram comunicados ao consumidor todos os elementos suscetíveis de ter incidência no alcance do seu compromisso que lhe permitam avaliar, designadamente, o custo total do seu empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.o 47 e jurisprudência referida).

54

Têm um papel decisivo nesta apreciação, por um lado, a questão de saber se as cláusulas estão redigidas de maneira clara e compreensível, de modo que permitam a um consumidor médio, ou seja, um consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, avaliar esse custo e, por outro, a circunstância ligada à falta de menção, no contrato de crédito, de informações consideradas essenciais, à luz da natureza dos bens ou dos serviços objeto desse contrato (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.o 47 e jurisprudência referida).

55

No que respeita mais especificamente a uma cláusula que prevê, no âmbito de um contrato de mútuo hipotecário, uma remuneração desse mútuo através de juros calculados com base numa taxa variável, a referida exigência deve, por conseguinte, ser entendida no sentido de que impõe não só que a cláusula em causa seja inteligível para o consumidor nos planos formal e gramatical, mas também que um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, esteja em condições de compreender o funcionamento concreto do modo de cálculo dessa taxa e avaliar assim, com base em critérios precisos e inteligíveis, as consequências económicas, potencialmente significativas, dessa cláusula nas suas obrigações financeiras (Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch,C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 51 e jurisprudência referida).

56

Entre os elementos pertinentes que incumbe ao juiz nacional tomar em consideração quando efetua as verificações necessárias a este respeito figuram não só o conteúdo da informação fornecida pelo mutuante no âmbito da negociação do contrato de mútuo em causa mas também a circunstância de os elementos principais relativos ao cálculo do índice de referência estarem facilmente acessíveis, devido à sua publicação (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch,C‑125/18, EU:C:2020:138, n.os 52, 53 e 56).

57

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, por um lado, o índice de referência em causa no processo principal foi estabelecido pela Circular 8/1990, que foi objeto de publicação no Boletín Oficial del Estado. Por outro lado, precisa‑se na cláusula controvertida que este índice é descrito no anexo VIII desta circular e que esta emana do Banco de Espanha.

58

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar‑se de que as informações assim fornecidas eram suficientes para permitir a um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, tomar efetivamente conhecimento das modalidades de cálculo do índice de referência visado na cláusula controvertida.

59

Quanto à questão de saber se o conhecimento efetivo das modalidades de cálculo do índice de referência visado na cláusula controvertida, que figuram no anexo VIII da Circular 8/1990, era suficiente para permitir que um consumidor médio as compreendesse e apreendesse as suas consequências económicas sem que também lhe fossem comunicadas as informações que figuram no preâmbulo da Circular 5/1994, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta a importância, para esse consumidor, destas informações para avaliar corretamente as consequências económicas da celebração do contrato de mútuo hipotecário em causa no processo principal. A este respeito, constitui um indício pertinente da utilidade dessas informações para o consumidor o facto de a instituição autora da Circular 5/1994 ter considerado oportuno, através deste preâmbulo, chamar a atenção das instituições de crédito para o nível dos IRMH em relação à taxa do mercado e à necessidade de aplicar um diferencial negativo para os alinhar com essa taxa.

60

É também pertinente para a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio a circunstância de essas informações, apesar de publicadas no Boletín Oficial del Estado, constarem do preâmbulo da Circular 5/1994, e não da circular que estabelece o índice de referência contratual, para a qual remete a cláusula controvertida, a saber, a Circular 8/1990. Cabe, em especial, a esse órgão jurisdicional verificar se a obtenção das referidas informações pressupõe a realização de uma diligência que, podendo já considerar‑se uma pesquisa jurídica, não se podia razoavelmente esperar de um consumidor médio.

61

Em segundo lugar, no que respeita à avaliação do carácter eventualmente abusivo de uma cláusula como a cláusula controvertida, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe que uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato.

62

A este respeito, há que salientar, a título preliminar, que resulta da decisão de reenvio que a recorrida no processo principal sustenta que a cláusula controvertida foi objeto de negociação individual. Incumbe, por isso, ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre esta questão, tendo em consideração as regras relativas à repartição do ónus da prova previstas no artigo 3.o, n.o 2, primeiro e terceiro parágrafos, da Diretiva 93/13, as quais preveem, nomeadamente, que, se o profissional sustentar que uma cláusula normalizada foi objeto de negociação individual, caber‑lhe‑á o ónus da prova.

63

No âmbito da avaliação do caráter abusivo de uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual, cabe ao órgão jurisdicional nacional avaliar, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, à luz de todas as circunstâncias do processo, num primeiro momento, o possível desrespeito da exigência de boa‑fé e, num segundo momento, a existência de um eventual desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, na aceção desta disposição (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C‑621/17, EU:C:2019:820, n.o 49 e jurisprudência referida).

64

Para precisar estes conceitos, importa recordar, por um lado, quanto à questão de saber em que circunstâncias foi criado esse desequilíbrio «a despeito da exigência de boa‑fé», que, atendendo ao considerando 16 da Diretiva 93/13, o juiz nacional deve verificar, para o efeito, se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que este aceitasse essa cláusula na sequência de uma negociação individual (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus,C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 60 e jurisprudência referida).

65

Por outro lado, para saber se uma cláusula cria, em detrimento do consumidor, um «desequilíbrio significativo» entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, há que ter em conta, designadamente, as regras de direito nacional aplicáveis na falta de acordo das partes nesse sentido. É através de uma análise comparativa deste tipo que o juiz nacional poderá avaliar se e, sendo caso disso, em que medida o contrato coloca o consumidor numa situação jurídica menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus,C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 59). No que respeita a uma cláusula relativa ao cálculo dos juros relativos a um contrato de mútuo, é igualmente pertinente comparar o método de cálculo da taxa dos juros ordinários prevista nesta cláusula e o montante efetivo da taxa daí resultante com os métodos de cálculo normalmente utilizados, a taxa de juro legal e as taxas de juro praticadas no mercado à data da celebração do contrato em causa no processo principal para mútuos de valor e de duração equivalentes aos do contrato de mútuo em causa (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus,C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 65).

66

Importa também recordar que carácter transparente de uma cláusula contratual, conforme exigido pelo artigo 5.o da Diretiva 93/13, constitui um dos elementos a ter em conta no âmbito da avaliação do carácter abusivo dessa cláusula (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C‑621/17, EU:C:2019:820, n.o 49). Em contrapartida, decorre do artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva que a circunstância de uma cláusula não estar redigida de maneira clara e compreensível não é, por si só, suscetível de lhe conferir um caráter abusivo (v., neste sentido, Despacho de 17 de novembro de 2021, Gómez del Moral Guasch,C‑655/20, EU:C:2021:943, n.o 37).

67

Por último, há que ter em conta o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, na medida em que este indica que o carácter abusivo de uma cláusula contratual é avaliado, nomeadamente, em função de todas as outras cláusulas do contrato. A este respeito, uma vez que, nos termos do preâmbulo da Circular 5/1994, os IRMH incluem o efeito das comissões, pode ser pertinente examinar a natureza das comissões eventualmente estipuladas noutras cláusulas do contrato em causa no processo principal, para verificar se existe um risco de dupla remuneração de certas prestações do mutuante.

68

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a situação em causa no processo principal tendo em conta as indicações mencionadas nos n.os 51 a 67 do presente acórdão, depois de ter verificado os elementos que fazem parte do quadro factual desse processo e do quadro jurídico nacional.

69

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à quarta questão que o artigo 3.o, n.o 1, e os artigos 4.o e 5.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que é pertinente para avaliar a transparência e o carácter eventualmente abusivo de uma cláusula de um contrato de mútuo hipotecário de taxa variável que designa como índice de referência, para a revisão periódica da taxa de juro aplicável a esse mútuo, um índice fixado numa circular que foi objeto de publicação oficial, ao qual é aplicada uma majoração, o teor das informações contidas noutra circular, que indicam a necessidade de aplicar a esse índice, tendo em conta o seu modo de cálculo, um diferencial negativo com vista a alinhar esta taxa de juro com a taxa de mercado. É também pertinente a questão de saber se essas informações são suficientemente inteligíveis para um consumidor médio.

Quanto às despesas

70

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

O artigo 3.o, n.o 1, e os artigos 4.o e 5.o da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

é pertinente para avaliar a transparência e o carácter eventualmente abusivo de uma cláusula de um contrato de mútuo hipotecário de taxa variável que designa como índice de referência, para a revisão periódica da taxa de juro aplicável a esse mútuo, um índice fixado numa circular que foi objeto de publicação oficial, ao qual é aplicada uma majoração, o teor das informações contidas noutra circular, que indicam a necessidade de aplicar a esse índice, tendo em conta o seu modo de cálculo, um diferencial negativo com vista a alinhar esta taxa de juro com a taxa do mercado. É também pertinente a questão de saber se essas informações são suficientemente inteligíveis para um consumidor médio.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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