Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62021CJ0570

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 8 de junho de 2023.
I.S. e K.S. contra YYY. S.A.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy dla Warszawy-Woli w Warszawie.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contrato com dupla finalidade — Artigo 2.o, alínea b) — Conceito de “consumidor” — Critérios.
Processo C-570/21.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:456

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

8 de junho de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contrato com dupla finalidade — Artigo 2.o, alínea b) — Conceito de “consumidor” — Critérios»

No processo C‑570/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Woli w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Wola, Varsóvia, Polónia), por Decisão de 22 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de setembro de 2021, no processo

I.S.,

K.S.

contra

YYY. S.A.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič, I. Jarukaitis e Z. Csehi (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de I.S. e K.S., por P. Artymionek, A. Citko e M. Siejko, radcowie prawni,

em representação do YYY. S.A., por Ł. Hejmej, M. Przygodzka e A. Szczęśniak, adwokaci,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por S. L. Kalėda, U. Małecka e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de dezembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe I.S. e K.S. ao banco YYY. S.A., a respeito do pagamento de um montante, acrescido de juros, recebido por esse banco ao abrigo de cláusulas que constavam de um contrato de mútuo hipotecário indexado à taxa de câmbio de uma moeda estrangeira.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 93/13

3

Nos termos do décimo considerando da Diretiva 93/13:

«[…] pode obter[‑se] uma proteção mais eficaz dos consumidores através da adoção de regras uniformes em matéria de cláusulas abusivas; […] essas regras devem ser aplicáveis a todos os contratos celebrados entre um profissional e um consumidor; […]»

4

O artigo 1.o desta diretiva dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

“Consumidor”: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional;

c)

“Profissional”: qualquer pessoa singular ou coletiva que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, seja ativa no âmbito da sua atividade profissional, pública ou privada.»

6

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê que «[u]ma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato».

7

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

Diretiva 2011/83/UE

8

O considerando 17 da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64) enuncia:

«A definição de consumidor deverá abranger as pessoas singulares que atuem fora do âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. No entanto, no caso dos contratos com dupla finalidade, se o contrato for celebrado para fins relacionados em parte com a atividade comercial da pessoa e em parte à margem dessa atividade e se o objetivo da atividade for tão limitado que não seja predominante no contexto global do contrato, essa pessoa deverá ser igualmente considerada consumidor.»

9

O artigo 2.o desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

“Consumidor”: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

2)

“Profissional”: qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

[…]»

Diretiva 2013/11/UE

10

O considerando 18 da Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE (Diretiva RAL) (JO 2013, L 165, p. 63), enuncia:

«A definição de “consumidores” deverá abranger as pessoas singulares quando atuem fora do âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. No entanto, se o contrato for celebrado para fins relacionados em parte com a atividade comercial da pessoa e em parte à margem dessa atividade (contratos com dupla finalidade), e se o objetivo da atividade comercial for tão limitado que não seja predominante no contexto global do contrato, essa mesma pessoa deverá ser igualmente considerada como consumidor.»

11

O artigo 4.o desta diretiva dispõe:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Consumidor”, uma pessoa singular quando atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

b)

“Comerciante”, uma pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, quando atue, nomeadamente por intermédio de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, com fins que se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

[…]»

Regulamento (UE) n.o 524/2013

12

O considerando 13 do Regulamento (UE) n.o 524/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução de litígios de consumo em linha, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE (Regulamento RLL) (JO 2013, L 165, p. 1), enuncia:

«A definição de “consumidores” deverá abranger as pessoas singulares quando atuem fora do âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. No entanto, se o contrato for celebrado para fins relacionados em parte com a atividade comercial da pessoa e em parte à margem dessa atividade (contratos com dupla finalidade), e se o objetivo da atividade comercial for tão limitado que não seja predominante no contexto global do contrato, essa mesma pessoa deverá ser igualmente considerada como consumidor.»

13

O artigo 4.o deste regulamento prevê:

«1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

“Consumidor”, um consumidor na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2013/11];

b)

“Comerciante”, um comerciante na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2013/11];

[…]»

Direito polaco

14

O artigo 221 da ustawa — Kodeks cywilny (Lei que aprova o Código Civil), de 23 de abril de 1964 (Dz. U. de 1964, n.o 16), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Civil»), define «consumidor» como «qualquer pessoa singular que celebre com um profissional um negócio jurídico que não esteja diretamente relacionado com a sua atividade profissional».

15

Nos termos do artigo 3851, n.o 1, do Código Civil:

«As cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor que não tenham sido acordadas individualmente não são vinculativas para o consumidor se estipularem os seus direitos e obrigações de forma contrária aos bons costumes, prejudicando manifestamente os seus interesses (cláusulas contratuais ilícitas). A presente disposição não é aplicável às cláusulas que definem as principais prestações das partes, incluindo preços ou contraprestações, se as mesmas tiverem uma redação inequívoca.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Os demandantes no processo principal, I.S. e K.S. casaram‑se sem convenção antenupcial.

17

Em 28 de fevereiro de 2006, apresentaram um pedido de mútuo hipotecário no montante de 206120 zlótis polacos (PLN) (cerca de 45800 euros) indexado ao franco suíço (CHF), à antecessora legal da demandada no processo principal. Este crédito destinava‑se, por um lado, ao refinanciamento de dívidas de consumo relacionadas com um crédito ao consumo, com uma conta bancária corrente e com um cartão de crédito e, por outro, ao financiamento de obras de renovação de uma habitação.

18

Em 21 de março de 2006, os demandantes no processo principal celebraram um contrato de mútuo hipotecário no montante de 198996,73 PLN (cerca de 44200 euros), indexado ao franco suíço e com a duração de 300 meses, com o antecessor da demandada no processo principal. A primeira parcela deste crédito destinava‑se, por um lado, ao reembolso, numa conta corrente tida em nome de uma sociedade gerida por I.S., de um montante de 70000 PLN (cerca de 15600 euros) a título de um crédito e, por outro, ao pagamento de diversos prémios de seguro no montante de 1216,80 PLN (cerca de 270 euros), de 3979,93 PLN (cerca de 880 euros) e de 3800 PLN (cerca de 840 euros). A segunda parcela do referido crédito destinava‑se, por um lado, ao reembolso de diversos compromissos financeiros dos demandantes no processo principal, correspondentes a montantes de 9720 PLN (cerca de 2200 euros), de 7400 PLN (cerca de 1600 euros) e de 9000 PLN (cerca de 2000 euros), e, por outro, ao financiamento de obras de renovação de uma habitação no montante de 93880 PLN (cerca de 20900 euros).

19

À data do pedido de concessão do mútuo e na data da celebração desse contrato de mútuo, I. S. exercia uma atividade profissional sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada e K. S. trabalhava como serralheiro ao abrigo de um contrato de trabalho.

20

Os demandantes no processo principal intentaram no órgão jurisdicional de reenvio uma ação destinada a obter o reembolso de um montante de 13142,03 PLN (cerca de 2900 euros), acrescido de juros, recebido pelo YYY. ao abrigo das cláusulas do referido contrato de mútuo respeitantes à avaliação do montante das prestações mensais de reembolso do crédito e ao montante da dívida, com o fundamento de que tais cláusulas eram abusivas.

21

Resulta do pedido de decisão prejudicial que YYY. alegou, perante o órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente, que o crédito em causa tinha sido concedido para reembolsar um crédito ligado a uma atividade profissional, pelo que os recorrentes no processo principal não podiam invocar a proteção jurídica prevista no artigo 3851 do Código Civil.

22

Além disso, decorre do referido pedido de decisão prejudicial que, na audiência de 11 de janeiro de 2021 realizada perante o órgão jurisdicional de reenvio, I.S. confirmou que o montante de 70000 PLN (cerca de 15600 euros), concedido no quadro do contrato de mútuo em causa, tinha sido afetado ao pagamento de uma dívida na sua conta profissional e que, após esse pagamento, a referida conta foi encerrada. I.S. também declarou que o referido pagamento era uma condição a que a que a celebração desse contrato estava subordinada.

23

Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à interpretação do conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, numa situação em que, no âmbito de um contrato de mútuo «misto», uma parte do montante emprestado, a saber, 35 % deste último, que não é nem predominante nem marginal, foi utilizada para reembolsar um crédito relacionado com a atividade profissional de um dos demandantes no processo principal e outra parte desse montante, a saber, 65 % do mesmo, se destinou a fins de consumo estranhos a uma atividade profissional. Esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se a interpretação do conceito de «consumidor», baseada nas regras de competência judiciária em matéria de contratos celebrados pelos consumidores, acolhida no Acórdão de 20 de janeiro de 2005, Gruber (C‑464/01, a seguir «Acórdão Gruber, EU:C:2005:32), no qual o Tribunal de Justiça declarou que, para que uma pessoa que celebrou um contrato relativo a um bem destinado a uma utilização parcialmente profissional e parcialmente estranha à sua atividade profissional possa invocar o benefício dessas regras de competência, a utilização profissional deve ser marginal a ponto de ter um papel insignificante no contexto global da operação em causa, pode ser aplicada, por analogia, à interpretação do conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13.

24

A este respeito, o referido órgão jurisdicional observa que resulta do considerando 17 da Diretiva 2011/83 e do considerando 13 do Regulamento n.o 524/2013 que, para efeitos da definição do conceito de «consumidor» em contratos com dupla finalidade, isto é, contratos celebrados com fins que só parcialmente se enquadram no âmbito da atividade profissional do interessado, o objetivo profissional deve ser a tal ponto limitado que não seja predominante no contexto global do contrato em causa.

25

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre os critérios a tomar em consideração no contexto dessa definição. Pretende nomeadamente saber se o facto de apenas um dos demandantes no processo principal prosseguir um objetivo profissional e de que o empréstimo em causa não teria sido concedido para um objetivo extraprofissional se a dívida da empresa em causa não fosse paga, constituem critérios relevantes a este respeito.

26

Nestas condições, o Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Woli w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Wola, Varsóvia, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Devem o artigo 2.o, alínea b), da [Diretiva 93/13] e os seus considerandos, ser interpretados no sentido de que não se opõem a que a definição de “consumidor” abranja uma pessoa que exerce uma atividade económica, que celebrou com um mutuário que não desenvolve essa atividade um contrato de mútuo indexado a uma moeda estrangeira, destinando‑se o empréstimo, em parte, a uma utilização profissional por um dos mutuários e, em parte, a uma utilização não relacionada com a atividade económica, e não apenas quando a utilização profissional é tão marginal que desempenha apenas um papel despiciendo no contexto global do contrato em questão, independentemente de o aspeto extraprofissional ser dominante?

2.

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, devem o artigo 2.o, alínea b), da [Diretiva 93/13] e os seus considerandos, ser interpretados no sentido de que o conceito de “consumidor”, que figura nessa disposição, também abrange uma pessoa que, no momento da assinatura do contrato, exercia uma atividade económica ao passo que o outro mutuário não exercia de todo essa atividade, tendo ambos celebrado com o banco um contrato de [mútuo] indexado a uma moeda estrangeira cujo capital foi utilizado em parte para fins relacionados com a atividade profissional de um dos mutuários e em parte para fins não relacionados com a atividade profissional económica desenvolvida, numa situação em que a utilização profissional não é marginal e não desempenha apenas um papel despiciendo no contexto global do contrato de [mútuo], sendo no entanto predominante o aspeto extraprofissional do contrato de [mútuo], e quando, sem a utilização do capital de crédito para os fins profissionais económicos, não teria sido possível conceder o crédito para fins extraprofissionais?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

27

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma pessoa que celebrou um contrato de mútuo destinado a uma finalidade em parte ligada à sua atividade profissional e em parte estranha a essa atividade, em conjunto com outro mutuário que não atuou no âmbito da sua atividade profissional, seja qualificada de «consumidor», quando o nexo existente entre o contrato e a atividade profissional dessa pessoa não seja marginal ao ponto de ter um papel negligenciável no contexto global do referido contrato, mas é de tal modo limitado que não é predominante no referido contexto.

28

Segundo jurisprudência constante, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, devem ter‑se em conta não apenas os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que a mesma se integra (Acórdão de 7 de novembro de 2019, Kanyeba e o., C‑349/18 a C‑351/18, EU:C:2019:936, n.o 35 e jurisprudência referida).

29

Quanto à letra do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, importa salientar que, em conformidade com esta disposição, é «consumidor» qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos por esta diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional.

30

Assim, a qualidade de «consumidor» da pessoa em causa deve ser determinada à luz de um critério funcional, que consiste em apreciar se a relação contratual em causa se inscreve no âmbito de atividades estranhas ao exercício de uma profissão [Acórdão de 27 de outubro de 2022, S. V. (Imóveis em regime de propriedade horizontal), C‑485/21, EU:C:2022:839, n.o 25 e jurisprudência referida]. Além disso, o Tribunal de Justiça teve ocasião de precisar que o conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, tem caráter objetivo e é independente dos conhecimentos concretos que a pessoa em causa possa ter ou das informações de que essa pessoa realmente dispõe (Acórdão de 21 de março de 2019, Pouvin e Dijoux, C‑590/17, EU:C:2019:232, n.o 24 e jurisprudência referida).

31

A letra do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 não permite, todavia, determinar se, e, em caso de resposta afirmativa, em que casos, uma pessoa que tenha celebrado um contrato com dupla finalidade, que apenas em parte entra no âmbito da sua atividade comercial ou profissional, pode ser considerada um consumidor na aceção desta diretiva.

32

No que respeita ao contexto em que se insere o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, bem como aos objetivos por esta prosseguidos, importa recordar que, como resulta do seu artigo 1.o, n.o 1, e do seu artigo 3.o, n.o 1, esta diretiva se aplica às cláusulas abusivas dos «contratos celebrados entre um profissional e um consumidor» que não tenham «sido objeto de negociação individual» (Acórdão de 15 de janeiro de 2015, Šiba, C‑537/13, EU:C:2015:14, n.o 19 e jurisprudência referida).

33

Como indica o décimo considerando dessa diretiva, as regras uniformes respeitantes às cláusulas abusivas devem, sem prejuízo das exceções enumeradas nesse considerando, ser aplicáveis a «todos os contratos» celebrados entre um profissional e um consumidor, conforme definidos no artigo 2.o, alíneas b) e c), da mesma diretiva [Acórdão de 27 de outubro de 2022, S. V. (Imóveis em regime de propriedade horizontal), C‑485/21, EU:C:2022:839, n.o 22 e jurisprudência referida].

34

É, pois, por referência à qualidade dos contratantes, consoante atuem ou não no quadro da sua atividade profissional, que a Diretiva 93/13 define os contratos a que se aplica (Acórdão de 21 de março de 2019, Pouvin e Dijoux, C‑590/17, EU:C:2019:232, n.o 23 e jurisprudência referida).

35

Esse critério corresponde à ideia em que assenta o sistema de proteção instituído por essa mesma diretiva, a saber, que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, tanto no que respeita ao poder de negociação como ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo (Acórdão de 3 de setembro de 2015, Costea, C‑110/14, EU:C:2015:538, n.o 18 e jurisprudência referida).

36

Atendendo a essa situação de inferioridade, o artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva prevê que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor. Trata‑se de uma disposição imperativa que se destina a substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos cocontratantes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estes últimos (Acórdão de 17 de maio de 2022, Ibercaja Banco, C‑600/19, EU:C:2022:394, n.o 36 e jurisprudência referida).

37

Por outro lado, o Tribunal de Justiça já reconheceu que uma conceção ampla do conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, permite assegurar a proteção concedida por esta diretiva a todas as pessoas singulares que se encontrem numa situação de inferioridade em relação ao profissional (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2019, Pouvin e Dijoux, C‑590/17, EU:C:2019:232, n.o 28).

38

Nestas condições, como o advogado‑geral indicou, no essencial, nos n.os 61 e 66 das suas conclusões, o caráter imperativo das disposições constantes da Diretiva 93/13 e as exigências particulares de proteção do consumidor que lhes estão associadas exigem que seja privilegiada uma interpretação lata do conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta diretiva, a fim de assegurar o efeito útil desta última.

39

Assim sendo, embora, em princípio, as disposições da Diretiva 93/13 só sejam aplicáveis se o contrato em causa tiver por objeto um bem ou um serviço destinado a uma utilização não profissional, a pessoa singular que celebrar um contrato relativo a um bem ou um serviço destinado a uma utilização parcialmente relacionada com a sua atividade profissional, e que, por conseguinte, apenas em parte é estranha a essa atividade, pode, em certos casos, ser qualificada de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta diretiva, e, assim, beneficiar da proteção concedida por esta última.

40

Para garantir o respeito dos objetivos prosseguidos pelo legislador da União Europeia no domínio dos contratos celebrados pelos consumidores e a coerência do direito da União, deve, especialmente, ser tido em conta o conceito de «consumidor» constante de outros instrumentos jurídicos deste direito (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Vapenik, C‑508/12, EU:C:2013:790, n.o 25).

41

Como sublinham os demandantes no processo principal, o Governo polaco e a Comissão Europeia nas suas observações escritas, a Diretiva 2011/83 é particularmente importante a este respeito.

42

Além de as definições do termo «consumidor» que figuram no artigo 2.o da Diretiva 93/13 e no artigo 2.o da Diretiva 2011/83 serem amplamente equivalentes, esta última diretiva prossegue o mesmo objetivo que a Diretiva 93/13. Com efeito, a Diretiva 2011/83 tem por objeto os direitos dos consumidores relativos a contratos celebrados com profissionais e visa assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores, garantindo a sua informação e a sua segurança nas transações com os profissionais (v., neste sentido, Despacho de 15 de abril de 2021, MiGame, C‑594/20, EU:C:2021:309, n.o 28).

43

Além disso, como o advogado‑geral sublinhou no n.o 72 das suas conclusões, a Diretiva 2011/83 apresenta uma relação estreita com a Diretiva 93/13, dado que a primeira alterou a segunda e que ambas as diretivas se podem aplicar a um mesmo contrato, desde que esse contrato esteja simultaneamente abrangido pelos respetivos âmbitos de aplicação material. Por outro lado, o legislador da União reforçou recentemente este nexo quando adotou a Diretiva (UE) 2019/2161 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e as Diretivas 98/6/CE, 2005/29/CE e 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho a fim de assegurar uma melhor aplicação e a modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores (JO 2019, L 328, p. 7).

44

Nestas condições, para interpretar o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, há que ter em conta o considerando 17 da Diretiva 2011/83, que explicita a vontade do legislador da União no que respeita à definição do conceito de «consumidor» nos contratos com dupla finalidade e do qual resulta que, se o contrato for celebrado para fins relacionados em parte com a atividade comercial da pessoa e em parte à margem dessa atividade e se o objetivo da atividade for tão limitado que não seja predominante no contexto global do contrato, essa pessoa deverá ser igualmente considerada consumidor.

45

A relevância da interpretação do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 à luz do considerando 17 da Diretiva 2011/83 é corroborada pelo considerando 18 da Diretiva 2013/11 e pelo considerando 13 do Regulamento n.o 524/2013, dos quais consta o mesmo esclarecimento no que diz respeito à definição do conceito de «consumidor» nos contratos com dupla finalidade. Embora a Diretiva 2013/11 e o Regulamento n.o 524/2013 digam respeito à resolução de litígios de consumo e, por conseguinte, a questões diferentes das regidas pelas Diretivas 93/13 e 2011/83 no que diz respeito à proteção dos consumidores, os referidos considerandos demonstram a determinação do legislador da União em conferir um alcance horizontal a esta definição.

46

Desde que os considerandos em causa figurem em atos legislativos que sejam posteriores aos factos do litígio no processo principal, basta recordar que, como foi salientado no n.o 38 do presente acórdão, o caráter imperativo das disposições contidas na Diretiva 93/13 e as exigências particulares de proteção do consumidor que lhes estão associadas exigem que seja privilegiada uma interpretação lata do conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta diretiva, a fim de assegurar o seu efeito útil. Por conseguinte, a interpretação teleológica da Diretiva 93/13 milita a favor da abordagem explicitada pelo legislador da União nos mesmos considerandos, segundo a qual se deve considerar que é consumidor uma pessoa que celebrou um contrato para fins parcialmente abrangidos pelo âmbito da sua atividade profissional quando o objetivo profissional for tão limitado que não é predominante no contexto global desse contrato.

47

A interpretação do conceito de «consumidor» adotada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 31 e 45 do Acórdão Gruber, e confirmada nos n.os 29 a 32 do Acórdão de 25 de janeiro de 2018, Schrems (C‑498/16, EU:C:2018:37), no que respeita à interpretação dos artigos 15.o a 17.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), e nos n.os 87 a 91 do Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Milivojević (C‑630/17, EU:C:2019:123), no que respeita à interpretação dos artigos 17.o a 19.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1), também não obsta a que o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 seja interpretado à luz do considerando 17 da Diretiva 2011/83.

48

Com efeito, no Acórdão Gruber, o Tribunal de Justiça interpretou os artigos 13.o a 15.o da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), alterada pelas sucessivas Convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»).

49

Como resulta nomeadamente dos n.os 32, 33 e 43 desse acórdão, o mesmo dizia respeito à interpretação das regras de competência em matéria de contratos celebrados com os consumidores previstas pela Convenção de Bruxelas, que derrogam a regra de competência geral prevista por esta última, a saber, a da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território o demandado tem o seu domicílio, e que, enquanto regras de competência derrogatórias da referida regra de competência geral, são de interpretação estrita, no sentido de que não podem dar lugar a uma interpretação que vá além das hipóteses expressamente previstas por esta convenção.

50

Foi portanto neste contexto específico, e tendo igualmente em conta outros elementos pertinentes no âmbito da interpretação das regras de competência previstas na referida convenção, como as exigências de segurança jurídica e de previsibilidade do órgão jurisdicional competente, bem como o objetivo de proteção adequada do consumidor prosseguido pelas disposições da secção 4 do título II da mesma convenção (v., neste sentido, Acórdão Gruber, n.os 34 e 45), que o Tribunal de Justiça declarou que uma pessoa que tenha celebrado um contrato destinado a uma utilização que parcialmente se reporta à sua atividade profissional, e que, por conseguinte, só parcialmente é estranha a essa atividade, não pode invocar as regras de competência específicas em matéria de contratos celebrados com os consumidores previstas na Convenção de Bruxelas, salvo se a utilização profissional for marginal a ponto de ter um papel negligenciável no contexto global da operação em causa (ver, neste sentido, Acórdão Gruber, n.os 39 e 54).

51

Assim, uma vez que o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 não é uma disposição que deva ser objeto de interpretação estrita e tendo em conta a ratio legis desta diretiva que visa proteger os consumidores em caso de utilização de cláusulas contratuais abusivas, a interpretação estrita do conceito de «consumidor» adotada no Acórdão Gruber, para efeitos da determinação do âmbito das regras de competência derrogatórias previstas nos artigos 13.o a 15.o da Convenção de Bruxelas no caso de um contrato com dupla finalidade, não pode ser alargada, por analogia, ao conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13.

52

Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, importa igualmente salientar que, no âmbito de um contrato de mútuo celebrado com um profissional, a pessoa singular que está na situação de codevedora é abrangida pelo conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, uma vez que atua com fins que não se enquadram no âmbito da sua atividade profissional, sendo que deve, se se encontrar numa situação análoga à do devedor relativamente a esse profissional, beneficiar, juntamente com este último, da proteção prevista por esta diretiva. (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, Bucura, C‑348/14, não publicado, EU:C:2015:447, n.os 35 a 39).

53

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «consumidor», na aceção desta disposição, uma pessoa que tenha celebrado um contrato de mútuo destinado a uma utilização em parte ligada à sua atividade profissional e em parte estranha a essa atividade, conjuntamente com outro mutuário que não atuou no âmbito da sua atividade profissional, quando o objetivo profissional for tão limitado que não é predominante no contexto global desse contrato.

Quanto à segunda questão

54

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, que sejam esclarecidos os critérios que permitem determinar quem está abrangido pelo conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, e, mais especificamente, determinar se o objetivo profissional de um contrato de mútuo celebrado por essa pessoa é tão limitado que não é predominante no contexto global desse contrato.

55

Decorre da jurisprudência que o juiz nacional que conhece de um litígio que tem por objeto um contrato suscetível de entrar no âmbito de aplicação desta diretiva deve verificar, tendo em conta todos os elementos de prova e, designadamente, os termos desse contrato, se a pessoa em causa, enquanto parte do referido contrato, pode ser qualificada de «consumidor», na aceção da referida diretiva. Para tal, o juiz nacional deve ter em conta todas as circunstâncias do caso concreto, e nomeadamente a natureza do bem ou do serviço que é objeto do contrato em causa, suscetíveis de demonstrar para que fim esse bem ou esse serviço são adquiridos. (ver, neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2015, Costea, C‑110/14, EU:C:2015:538, n.os 22 e 23, e de 21 de março de 2019, Pouvin e Dijoux, C‑590/17, EU:C:2019:232, n.o 26).

56

Sucede o mesmo, por um lado, no que respeita a um contrato de mútuo parcialmente relativo à atividade profissional do mutuário e parcialmente relativo a fins estranhos a essa atividade, para efeitos da apreciação da dimensão de cada uma destas duas partes no contexto global desse contrato e, por outro, do objetivo predominante do referido contrato.

57

A este respeito, a repartição do capital emprestado entre a atividade profissional e a atividade extraprofissional pode constituir um critério quantitativo relevante. Todavia, os critérios não quantitativos também podem revelar ser relevantes, como a circunstância de, caso existam vários mutuários, apenas um deles prosseguir, através do contrato de mútuo em causa, um objetivo profissional, ou, sendo caso disso, o facto de o mutuante ter feito depender a concessão do crédito, inicialmente apenas destinado a fins de consumo, de uma afetação parcial do montante emprestado ao reembolso de dívidas ligadas a uma atividade profissional.

58

Estes critérios não são exaustivos nem taxativos, pelo que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar todas as circunstâncias que rodeiam o contrato em causa no processo principal e apreciar, com base nos elementos de prova objetivos de que dispõe, em que medida o objetivo profissional ou não profissional desse contrato é predominante no contexto global deste último.

59

Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se uma pessoa está abrangida pelo conceito de «consumidor», na aceção desta disposição, e, mais especificamente, se o objetivo profissional de um contrato de mútuo celebrado por essa pessoa é tão limitado que não é predominante no contexto global desse contrato, o órgão jurisdicional de reenvio tem de tomar em consideração todas as circunstâncias relevantes que rodeiam esse contrato, quer quantitativas quer qualitativas, como, nomeadamente, a repartição do capital emprestado entre uma atividade profissional e uma atividade extraprofissional, bem como, no caso de existirem vários mutuários, o facto de apenas um deles prosseguir um objetivo profissional ou de o mutuante ter feito depender a concessão de um crédito ao consumo de uma afetação parcial do montante emprestado ao reembolso de dívidas ligadas a uma atividade profissional.

Quanto à limitação dos efeitos do presente acórdão no tempo

60

Nas suas observações escritas, a demandada no processo principal pediu, no essencial, que o Tribunal de Justiça limitasse no tempo os efeitos do seu acórdão, caso não interpretasse o conceito de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, à luz do Acórdão Gruber. Em apoio do seu pedido, invocou os princípios da segurança jurídica e da não retroatividade.

61

A este respeito, há que recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, só a título verdadeiramente excecional pode o Tribunal de Justiça, aplicando o princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Para que tal limitação possa ser decidida, é necessário que estejam preenchidos dois requisitos essenciais, a saber, a boa‑fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (Acórdão de 11 de novembro de 2020, DenizBank, C‑287/19, EU:C:2020:897, n.o 108 e jurisprudência referida).

62

Todavia, no caso vertente, a demandada no processo principal limita‑se a invocar argumentos de ordem geral sem fornecer elementos concretos e precisos suscetíveis de demonstrar a procedência do seu pedido à luz destes dois critérios.

63

Por conseguinte, não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

Quanto às despesas

64

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

deve ser interpretado no sentido de que:

está abrangida pelo conceito de «consumidor», na aceção desta disposição, uma pessoa que tenha celebrado um contrato de mútuo destinado a uma utilização em parte ligada à sua atividade profissional e em parte estranha a essa atividade, conjuntamente com outro mutuário que não atuou no âmbito da sua atividade profissional, quando o objetivo profissional for tão limitado que não é predominante no contexto global desse contrato.

 

2)

O artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13

deve ser interpretado no sentido de que:

para determinar se uma pessoa está abrangida pelo conceito de «consumidor», na aceção desta disposição, e, mais especificamente, se o objetivo profissional de um contrato de mútuo celebrado por essa pessoa é tão limitado que não é predominante no contexto global desse contrato, o órgão jurisdicional de reenvio tem de tomar em consideração todas as circunstâncias relevantes que rodeiam esse contrato, quer quantitativas quer qualitativas, como, nomeadamente, a repartição do capital emprestado entre uma atividade profissional e uma atividade extraprofissional, bem como, no caso de existirem vários mutuários, o facto de apenas um deles prosseguir um objetivo profissional ou de o mutuante ter feito depender a concessão de um crédito ao consumo de uma afetação parcial do montante emprestado ao reembolso de dívidas ligadas a uma atividade profissional.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

Início