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Documento 62021CJ0407

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 8 de junho de 2023.
Union fédérale des consommateurs - Que choisir (UFC - Que choisir) e Consommation, logement et cadre de vie (CLCV) contra Premier ministre e Ministre de l’Économie, des Finances et de la Relance.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (França).
Reenvio prejudicial — Viagens organizadas e serviços de viagem conexos — Diretiva (UE) 2015/2302 — Artigo 12.o, n.os 2 a 4 — Rescisão de um contrato de viagem organizada — Circunstâncias inevitáveis e excecionais — Pandemia de COVID‑19 — Reembolso dos pagamentos efetuados pelo viajante em causa a título de um vale — Reembolso em dinheiro ou reembolso equivalente sob a forma de um vale (a seguir “vale”) — Dever de reembolsar esse viajante até 14 dias após a rescisão do contrato em causa — Derrogação temporária dessa obrigação — Modulação dos efeitos no tempo de uma decisão adotada nos termos do direito nacional e que anula uma regulamentação nacional contrária à referida obrigação.
Processo C-407/21.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:449

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

8 de junho de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Viagens organizadas e serviços de viagem conexos — Diretiva (UE) 2015/2302 — Artigo 12.o, n.os 2 a 4 — Rescisão de um contrato de viagem organizada — Circunstâncias inevitáveis e excecionais — Pandemia de COVID‑19 — Reembolso dos pagamentos efetuados pelo viajante em causa a título de um vale — Reembolso em dinheiro ou reembolso equivalente sob a forma de um vale (a seguir “vale”) — Dever de reembolsar esse viajante até 14 dias após a rescisão do contrato em causa — Derrogação temporária dessa obrigação — Modulação dos efeitos no tempo de uma decisão adotada nos termos do direito nacional e que anula uma regulamentação nacional contrária à referida obrigação»

No processo C‑407/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisão de 1 de julho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de julho de 2021, no processo

Union fédérale des consommateurs — Que choisir (UFC — Que choisir),

Consommation, logement et cadre de vie (CLCV)

contra

Premier ministre,

Ministre de l’Économie, des Finances et de la Relance,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, F. Biltgen, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 1 de junho de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Union fédérale des consommateurs — Que choisir (UFC — Que choisir) e da Consommation, logement et cadre de vie (CLCV), por R. Froger e A. Londoño López, avocats,

em representação do Governo francês, por A. Daniel e A. Ferrand, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por S. Baeyens, P. Cottin e T. Willaert, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por S. Šindelková, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por V. Pasternak Jørgensen e M. Søndahl Wolff, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Severi e M. Cherubini, avvocati dello Stato,

em representação do Governo eslovaco, por E. V. Drugda, S. Ondrášiková e B. Ricziová, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann, I. Rubene e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 15 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o da Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho (JO 2015, L 326, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Union fédérale des consommateurs — Que choisir (UFC — Que choisir) e a Consommation, logement et cadre de vie (CLCV) ao Premier ministre (Primeiro‑Ministro) e ao ministre de l’Économie, des Finances et de la Relance (Ministro da Economia, das Finanças e do Relançamento), a propósito de um pedido de anulação por ilegalidade do Despacho n.o 2020‑315, de 25 de março de 2020, relativo às condições financeiras de resolução de determinados contratos de viagens turísticas e de estadias em caso de circunstâncias inevitáveis e excecionais ou de força maior (JORF de 26 de março de 2020, texto n.o 35) (a seguir «Despacho n.o 2020‑315»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2015/2302

3

Nos termos dos considerandos 5, 31 e 46 da Diretiva 2015/2302:

«(5)

[…] Importa harmonizar os direitos e as obrigações decorrentes dos contratos relativos a viagens organizadas e serviços de viagem conexos, a fim de criar um verdadeiro mercado interno dos consumidores nesse domínio, estabelecendo o bom equilíbrio entre um elevado nível de defesa do consumidor e a competitividade das empresas.

[…]

(31)

Os viajantes deverão também poder rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada, mediante o pagamento de uma taxa de rescisão adequada, tendo em conta as economias de custos previsíveis e justificáveis e as receitas resultantes da reafetação dos serviços de viagem. Deverão ter também o direito de rescindir o contrato de viagem organizada sem o pagamento de uma taxa de rescisão sempre que circunstâncias inevitáveis e excecionais afetem significativamente a execução da viagem organizada. Isso poderá abranger, por exemplo, situações de guerra, outros problemas sérios de segurança como o terrorismo, riscos significativos para a saúde humana como sejam surtos de doenças graves no destino da viagem, ou catástrofes naturais como inundações, terramotos, ou condições meteorológicas que impossibilitem viajar em segurança para o destino acordado no contrato de viagem organizada.

[…]

(46)

Importa igualmente confirmar que os viajantes não podem renunciar aos direitos conferidos pela presente diretiva e que os organizadores ou operadores que facilitam serviços de viagem conexos não se devem eximir às suas obrigações alegando que apenas intervêm enquanto prestadores de serviços de viagem, intermediários ou em qualquer outra qualidade.»

4

O artigo 1.o desta diretiva enuncia:

«O objetivo da presente diretiva é contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e para alcançar um nível de defesa do consumidor elevado e o mais uniforme possível, através da aproximação de determinados aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos celebrados entre viajantes e operadores relativos a viagens organizadas e serviços de viagem conexos.»

5

O artigo 3.o da referida diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

6.

“Viajante”, qualquer pessoa que procure celebrar um contrato ou esteja habilitada a viajar com base num tal contrato, no âmbito da presente diretiva;

[…]

8.

“Organizador”, qualquer operador que combine, venda ou proponha para venda viagens organizadas, diretamente, por intermédio de outro operador ou conjuntamente com outro operador […]

[…]

12.

“Circunstâncias inevitáveis e excecionais”, qualquer situação fora do controlo da parte que a invoca e cujas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis;

[…]»

6

O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Nível de harmonização», prevê:

«Salvo disposição em contrário na presente diretiva, os Estados‑Membros não podem manter nem introduzir no direito nacional disposições divergentes das previstas na presente diretiva, nomeadamente disposições mais ou menos estritas que tenham por objetivo garantir um nível diferente de proteção do viajante.»

7

O artigo 12.o da Diretiva 2015/2302, sob a epígrafe «Rescisão do contrato de viagem organizada e direito de retratação antes do início da viagem organizada», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que o viajante possa rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada. Caso rescinda o contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante pode ser obrigado a pagar ao organizador uma taxa de rescisão adequada e justificável. […]

2.   Não obstante o disposto no n.o 1, o viajante tem direito a rescindir o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa de rescisão caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino. Em caso de rescisão do contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada mas não tem direito a uma indemnização adicional.

3.   O organizador pode rescindir o contrato de viagem organizada e reembolsar integralmente o viajante dos pagamentos que este tenha efetuado pela viagem organizada, não sendo todavia obrigado a pagar uma indemnização adicional se:

[…]

b)

O organizador for impedido de executar o contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais e notificar o viajante da rescisão do contrato, sem demora injustificada, antes do início da viagem organizada.

4.   O organizador efetua os reembolsos exigidos nos termos dos n.os 2 e 3 ou, no que diz respeito ao n.o 1, reembolsa todos os pagamentos efetuados pelo viajante ou por conta deste para a viagem organizada, deduzidos da taxa de rescisão adequada. Esses reembolsos são efetuados ao viajante sem demora injustificada e, em todo o caso, no máximo no prazo de 14 dias após a rescisão do contrato de viagem organizada.

[…]»

8

O artigo 23.o desta diretiva, sob a epígrafe «Caráter imperativo da diretiva», dispõe:

«[…]

2.   Os viajantes não podem renunciar aos direitos que lhes são conferidos pelas disposições nacionais de transposição da presente diretiva.

3.   Os viajantes não ficam vinculados por disposições contratuais ou declarações suas que, direta ou indiretamente, configurem uma renúncia ou restrição dos direitos que lhes são conferidos pela presente diretiva ou que visem contornar a aplicação da mesma.»

Recomendação (UE) 2020/648

9

A Recomendação (UE) 2020/648 da Comissão, de 13 de maio de 2020, relativa aos vales propostos aos passageiros e viajantes em alternativa ao reembolso de serviços de transporte e de viagens organizadas cancelados no contexto da pandemia de COVID‑19 (JO 2020, L 151, p. 10), enuncia, nos seus considerandos 9, 13 a 15, 21 e 22:

«(9)

A Diretiva [2015/2302] prevê que, caso uma viagem organizada seja cancelada devido a “circunstâncias inevitáveis e excecionais”, os viajantes têm o direito de obter o reembolso total de quaisquer pagamentos efetuados no âmbito dessa viagem, sem demora injustificada e, em todo o caso, no prazo de 14 dias após a rescisão do contrato. Neste contexto, o organizador pode propor o reembolso do viajante na forma de um vale. Todavia, esta possibilidade não priva os viajantes do seu direito ao reembolso em numerário.

[…]

(13)

Os numerosos cancelamentos que a pandemia de COVID‑19 acarretou conduziram a uma situação insustentável de tesouraria e de receitas para os setores dos transportes e das viagens. Os problemas de liquidez dos organizadores são exacerbados pelo facto de terem de reembolsar o preço total da viagem organizada ao viajante, enquanto eles próprios nem sempre recebem no seu devido tempo o reembolso total dos serviços pré‑pagos que fazem parte da viagem organizada, o que pode resultar, de facto, numa partilha injusta do ónus entre os operadores do ecossistema de viagens.

(14)

Se os organizadores e os transportadores se tornarem insolventes, há um risco de muitos viajantes e passageiros não receberem qualquer reembolso, pois as suas reclamações contra organizadores e transportadores não estão protegidas. O mesmo problema pode surgir num contexto intraempresarial, em que os organizadores recebem um vale a título de reembolso de serviços pré‑pagos da parte dos transportadores, que em seguida se tornam insolventes.

(15)

Tornar os vales mais atraentes, como alternativa ao reembolso em numerário, aumentaria a sua aceitação por parte dos passageiros e viajantes, o que ajudaria a resolver os problemas de liquidez dos transportadores e dos organizadores e poderia em última análise conduzir a uma melhor proteção dos interesses dos passageiros e dos viajantes.

[…]

(21)

No que se refere a eventuais necessidades adicionais de liquidez dos operadores nos setores das viagens e dos transportes, em 19 de março de 2020 a Comissão [Europeia] adotou um quadro temporário relativo aos auxílios estatais a fim de apoiar a economia na atual crise da COVID‑19 […], fundamentado no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), [TFUE], para remediar a grave perturbação da economia dos Estados‑Membros. […]

(22)

O quadro temporário aplica‑se em princípio a todos os setores e empresas, incluindo as empresas de transporte e de viagens e reconhece que os transportes e as viagens estão entre os setores mais afetados. Pretende remediar a penúria de liquidez com que as empresas se deparam ao autorizar, por exemplo, os auxílios diretos, os benefícios fiscais, as garantias estatais para empréstimos e os empréstimos públicos subvencionados. […] Neste contexto, os Estados‑Membros podem decidir apoiar os operadores nos setores das viagens e dos transportes a fim de assegurar que os pedidos de reembolso causados pelo surto de COVID‑19 sejam satisfeitos com vista a assegurar a proteção dos direitos dos passageiros e dos consumidores e a igualdade de tratamento dos passageiros e viajantes.»

10

Nos termos do ponto 1 desta recomendação:

«A presente recomendação diz respeito aos vales propostos aos passageiros ou viajantes pelos transportadores ou organizadores, em alternativa ao reembolso em numerário, e sujeitos à aceitação voluntária do passageiro ou do viajante, nas seguintes circunstâncias:

a)

Na eventualidade de cancelamento pelo transportador ou organizador a partir de 1 de março de 2020 por razões ligadas à pandemia de COVID‑19, no contexto das seguintes disposições:

[…]

5)

Artigo 12.o, n.os 3 e 4, da Diretiva (UE) 2015/2302;

[…]»

Direito francês

11

O Despacho n.o 2020‑315 foi adotado com base na competência atribuída ao Governo francês pela loi no 2020‑290, du 23 mars 2020, d'urgence pour faire face à l'épidémie de covid‑19 (Lei de 23 de março de 2020 de Emergência de Medidas de Resposta à Pandemia de COVID‑19) (JORF de 14 de março de 2020, texto n.o 2), com o objetivo declarado de «fazer face às consequências económicas, financeiras e sociais da propagação da epidemia de COVID‑19 e às consequências das medidas tomadas para limitar essa propagação e, nomeadamente, para prevenir e limitar a cessação da atividade das pessoas singulares e coletivas que exercem uma atividade económica e das associações, bem como o seu impacto no emprego».

12

Em conformidade com o artigo 1.o, II, do Despacho n.o 2020‑315, em derrogação das disposições do direito francês que transpõem o artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302, quando um contrato de venda de viagens e estadias é «objeto de resolução» entre 1 de março e 15 de setembro de 2020, o operador ou a agência pode propor, em vez do reembolso da totalidade dos pagamentos efetuados a título do «contrato resolvido», um vale que o cliente pode utilizar em determinadas condições. Este artigo 1.o enuncia as condições em que, na falta de utilização desse vale, o viajante tem direito ao reembolso integral desses pagamentos.

13

Resulta da decisão de reenvio que essa proposta devia ser formulada até 3 meses após a notificação da «resolução» do contrato em causa e que essa proposta era depois válida por um período de 18 meses. Só após decorrido esse prazo de 18 meses e na falta de aceitação, pelo respetivo cliente, de prestação idêntica ou equivalente à prevista no «contrato resolvido» e que lhe tinha sido proposta, é que o profissional em causa era obrigado a reembolsá‑lo na totalidade dos pagamentos efetuados.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

As recorrentes no processo principal, duas associações de defesa dos interesses dos consumidores, apresentaram no órgão jurisdicional de reenvio um pedido de anulação do Despacho n.o 2020‑315, sustentando que as suas disposições violavam o artigo 12.o da Diretiva 2015/2302, que prevê, nomeadamente, o direito de o viajante em causa, em caso de rescisão de um contrato de viagem organizada na sequência da ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», ser reembolsado da totalidade dos pagamentos efetuados a título dessa viagem organizada até 14 dias após essa rescisão, e prejudicava a livre concorrência no mercado único e o objetivo de harmonização prosseguido por essa diretiva.

15

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que as disposições do Despacho n.o 2020‑315 tinham sido adotadas a fim de salvaguardar a tesouraria e a solvabilidade dos prestadores visados por estas disposições, num contexto em que mais de 7000 operadores de viagens e de estadias registados em França, que deviam fazer face, devido à pandemia de COVID‑19, que afetava simultaneamente não só a França e a maior parte dos países da Europa mas também a quase totalidade dos continentes, a um volume de anulações das prestações encomendadas de uma amplitude nunca antes vista e a encomendas quase nulas, encontravam‑se em grande dificuldade, e em que um reembolso imediato da totalidade dos pagamentos relativos às prestações assim anuladas era suscetível, à luz dessas circunstâncias, de pôr em perigo a existência desses operadores e, consequentemente, a possibilidade de os clientes em causa poderem obter um reembolso dos ditos pagamentos.

16

Além disso, esse órgão jurisdicional especifica que o montante total dos vales emitidos pelos profissionais franceses até 15 de setembro de 2020, data do termo do período de aplicação do Despacho n.o 2020‑315, ascendia aos 990 milhões de euros, o que representa 10 % do volume de negócios do setor em causa num ano normal.

17

Nestas circunstâncias, o Conseil d'État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 12.o da [Diretiva 2015/2302] ser interpretado no sentido de que impõe ao organizador de uma viagem organizada, em caso de rescisão do contrato, o reembolso em dinheiro da totalidade dos pagamentos efetuados relativamente à viagem organizada, ou no sentido de que permite um reembolso equivalente, em especial sob a forma de uma nota de crédito de montante igual ao montante dos pagamentos efetuados?

2)

Na hipótese de tais reembolsos serem entendidos como reembolso em dinheiro, a crise sanitária ligada à epidemia de COVID‑19 e as suas consequências para os operadores turísticos, que sofreram, devido a essa crise, uma diminuição do seu volume de negócios que pode ser avaliada entre 50 e 80 %, e que representam mais de 7 % do produto interno bruto da França e, no caso dos organizadores de viagens organizadas, empregam 30000 trabalhadores em França com um volume de negócios de quase 11 mil milhões de euros, são suscetíveis de justificar e, se for caso disso, em que condições e dentro de que limites, uma derrogação temporária da obrigação do organizador de reembolsar o viajante da totalidade dos pagamentos efetuados relativos à viagem organizada, no prazo de catorze dias após a rescisão do contrato, conforme previsto no artigo 12.o, n.o 4, da [Diretiva 2015/2302]?

3)

Em caso de resposta negativa à questão anterior, é possível, nas circunstâncias que acabam de ser recordadas, modular os efeitos no tempo de uma decisão que anula um diploma de direito interno contrário ao artigo 12.o, n.o 4, da [Diretiva 2015/2302]?»

Quanto à primeira questão

18

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que, quando, na sequência da rescisão de um contrato de viagem organizada, o organizador dessa viagem é obrigado, por força desta disposição, a reembolsar o viajante em causa da totalidade dos pagamentos efetuados a título dessa viagem organizada, tal reembolso abrange apenas a restituição desses pagamentos sob a forma de uma quantia em dinheiro ou, pelo contrário, pode igualmente ser efetuado, por iniciativa do referido organizador, sob a forma de um vale igual ao montante dos referidos pagamentos (ou seja, um «vale»).

19

Importa recordar que o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 confere ao viajante o direito de rescindir o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa de rescisão caso se verifiquem «circunstâncias inevitáveis e excecionais» no respetivo local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para esse destino. Em caso de rescisão desse contrato de viagem organizada ao abrigo do n.o 2, esse viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados a título da referida viagem organizada.

20

Por outro lado, de acordo com o artigo 12.o, n.o 3, alínea b), dessa diretiva, se o operador turístico em causa for impedido de executar um contrato de viagem organizada devido a «circunstâncias inevitáveis e excecionais» e notificar o viajante em causa da rescisão desse contrato, sem demora injustificada, antes do início da viagem organizada, pode rescindir o referido contrato e reembolsar integralmente esse viajante dos pagamentos efetuados para essa viagem organizada, mas não é obrigado a pagar uma indemnização adicional.

21

Além disso, o artigo 12.o, n.o 4, da referida diretiva precisa, nomeadamente, que os reembolsos a favor do referido viajante são efetuados sem demora injustificada e, em todo o caso, no máximo no prazo de 14 dias após a rescisão do mesmo contrato de viagem organizada.

22

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio submete a primeira questão no contexto da adoção, pelo Governo francês, do Despacho n.o 2020‑315, cujo artigo 1.o autorizava os operadores turísticos, no que respeita às «rescisões» notificadas entre 1 de março e 15 de setembro de 2020, a cumprirem a sua obrigação de reembolso propondo ao viajante em causa, o mais tardar 3 meses após a notificação da «rescisão» do contrato de viagem organizada em causa, um vale correspondente a um montante igual aos pagamentos efetuados a título dessa viagem organizada, sendo essa proposta válida por um período de 18 meses.

23

Para responder à questão de saber se esta proposta é suscetível de constituir um «reembolso», na aceção do artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302, há que salientar, antes de mais, que esta diretiva não contém nenhuma definição do conceito de «reembolso».

24

Em seguida, resulta de jurisprudência constante que a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito da União não fornece nenhuma definição deve fazer‑se de acordo com o sentido habitual destes na linguagem comum, tendo em atenção o contexto geral em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 18 de março de 2021, Kuoni Travel, C‑578/19, EU:C:2021:213, n.o 37).

25

Segundo o seu sentido habitual na linguagem corrente, o termo «reembolsar» faz referência ao facto de devolver a uma pessoa uma quantia em dinheiro que esta pagou ou adiantou a outra pessoa e implica, assim, o facto de esta última restituir esse montante à primeira. Tal sentido resulta por outro lado sem ambiguidade da leitura da redação do artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302 no seu conjunto, que especifica que o reembolso integral visa os «pagamentos efetuados» a título de uma viagem organizada, o que dissipa assim qualquer dúvida quanto ao objeto do reembolso, incidindo este último sobre uma quantia em dinheiro.

26

Daqui resulta que o conceito de «reembolso», na aceção do artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302, se entende como uma restituição dos pagamentos efetuados a título de uma viagem organizada sob a forma de uma quantia em dinheiro.

27

Tal interpretação não é infirmada pelo argumento do Governo eslovaco relativo à distinção terminológica que é efetuada, no que respeita a este conceito, nomeadamente nas versões em língua alemã e inglesa do artigo 12.o, n.o 4, da Diretiva 2015/2302, entre, por um lado, uma restituição («reimbursement» em língua inglesa, «Rückzahlung» em língua alemã) dos pagamentos referidos no artigo 12.o, n.o 1, desta diretiva e, por outro, um «reembolso» («refund» em língua inglesa, «Erstattung» em língua alemã) dos mesmos pagamentos referido, designadamente, no artigo 12.o, n.os 2 e 3, da referida diretiva uma vez que, segundo esse Governo, tal reembolso também cobre uma indemnização sob outra forma que não uma quantia em dinheiro.

28

Com efeito, não só essa distinção terminológica é perfeitamente compatível com uma interpretação das referidas disposições que implica uma restituição sob a forma de uma quantia em dinheiro, mas também, mesmo admitindo que assim não fosse, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas, devendo a referida disposição, em caso de disparidade entre as diferentes versões linguísticas de um diploma do direito da União, ser interpretada em função do contexto e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Banca Transilvania, C‑81/19, EU:C:2020:532, n.o 33 e jurisprudência referida).

29

Ora, o contexto do artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302 e o objetivo desta diretiva apenas corroboram a interpretação literal adotada no n.o 26 do presente acórdão.

30

Com efeito, no que respeita, por um lado, ao contexto dessa disposição, o facto de, por força do artigo 12.o, n.o 4, dessa diretiva, o reembolso dever ser efetuado o mais tardar 14 dias após a rescisão do contrato de viagem organizada em causa tende a indicar que esse reembolso deve ser feito sob a forma de uma quantia em dinheiro, na medida em que esse prazo visa garantir que o viajante em causa possa, pouco tempo após a rescisão desse contrato, dispor livremente do montante que pagou para efeitos dessa viagem organizada. Em contrapartida, a imposição de tal prazo seria pouco útil se o referido viajante se limitasse a um vale ou a outra prestação de caráter diferido, de que, em todo o caso, só poderia beneficiar após o termo desse prazo.

31

Por outro lado, como salientou igualmente a advogada‑geral, em substância, no n.o 26 das suas conclusões, o contexto mais amplo em que a Diretiva 2015/2302 se inscreve, ou seja, o do domínio dos direitos dos viajantes e da proteção dos consumidores, evidencia que, quando o legislador da União prevê, num determinado ato legislativo relativo a este domínio, a possibilidade de substituir uma obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro por uma prestação de outra forma, como, designadamente, a proposta de vales, essa possibilidade está expressamente prevista nesse ato legislativo. A inexistência de qualquer referência, na redação do artigo 12.o da Diretiva 2015/2302, a essa possibilidade tende deste modo a confirmar que este artigo visa unicamente reembolsos sob a forma de uma quantia em dinheiro.

32

Por outro lado, no que diz respeito ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2015/2302, resulta do seu artigo 1.o, lido à luz do seu considerando 5, que esse objetivo consiste em contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e a realização de um elevado nível de defesa do consumidor da forma mais uniforme possível [v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, FTI Touristik (Viagem organizada às Ilhas Canárias), C‑396/21, EU:C:2023:10, n.o 29].

33

O direito ao reembolso conferido aos viajantes pelo artigo 12.o, n.os 2 e 3, da referida diretiva responde ao objetivo de proteção dos consumidores, pelo que uma interpretação do conceito de «reembolso», na aceção deste artigo 12.o, segundo a qual o viajante em causa tem direito à restituição dos pagamentos efetuados a título da viagem organizada em causa sob a forma de uma quantia em dinheiro, de que poderá dispor livremente, é mais suscetível de contribuir para a proteção dos seus interesses e, deste modo, para a realização desse objetivo do que a interpretação no sentido de que basta que o operador em causa lhe proponha uma viagem de substituição, um vale ou outra forma de compensação diferida.

34

Tal não prejudica a possibilidade de o viajante parte num contrato de viagem organizada consentir voluntariamente em aceitar, em vez de um reembolso sob a forma de uma quantia em dinheiro, um vale, na medida em que esta possibilidade não o priva do seu direito a esse reembolso, como indicado no considerando 9 da Recomendação 2020/648.

35

Atendendo às considerações que precedem, há que responder à primeira questão, que o artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que, quando, na sequência da rescisão de um contrato de viagem organizada, o operador dessa viagem organizada é obrigado, por força desta disposição, a reembolsar o viajante em causa da totalidade dos pagamentos efetuados a título da referida viagem organizada, esse reembolso significa unicamente uma restituição desses pagamentos sob a forma de uma quantia em dinheiro.

Quanto à segunda questão

36

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual os operadores de viagens organizadas ficam temporariamente libertados, no contexto da eclosão de uma crise sanitária mundial que obsta à execução dos contratos de viagem organizada, da sua obrigação de reembolsar aos viajantes em causa, o mais tardar 14 dias após a rescisão do contrato, a totalidade dos pagamentos efetuados ao abrigo do contrato rescindido, incluindo quando essa regulamentação visa evitar que, devido ao número significativo de pedidos de reembolso esperados, a solvência desses operadores de viagens seja afetada a ponto de pôr em perigo a sua existência e preservar assim a viabilidade do setor em causa.

37

A título preliminar, há que salientar que, tendo em conta a resposta dada à primeira questão, o artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302 impõe aos operadores de viagens organizadas que restituam aos viajantes em causa, sob a forma de uma quantia em dinheiro, a totalidade dos pagamentos efetuados a título do contrato de viagem organizada em causa quando esse contrato de viagem for rescindido devido à ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» que tenham consequências significativas na execução do referido contrato de viagem ou que impeçam a referida execução.

38

Como recordado no n.o 22 do presente acórdão, o artigo 1.o do Despacho n.o 2020‑315 autorizava os operadores turísticos, no que respeita às «resoluções» notificadas entre 1 de março e 15 de setembro de 2020, ou seja, durante um período que começou pouco antes da eclosão da pandemia de COVID‑19 e que terminou alguns meses depois deste, a propor ao viajante em causa, até 3 meses após a notificação da «resolução» do respetivo contrato de viagem organizada, um vale em vez de lhe reembolsar sob a forma de uma quantia em dinheiro os pagamentos efetuados a título desse contrato de viagem, só se tornando obrigatório tal reembolso no termo do período de validade do vale de 18 meses.

39

Na medida em que a segunda questão visa essencialmente permitir ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a compatibilidade dessa disposição nacional com a obrigação de reembolso integral que incumbe ao operador turístico em causa, instituída pelo artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302, esta questão baseia‑se, deste modo, necessariamente na premissa de que as condições de aplicação desta disposição, nomeadamente a relativa à ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», estão preenchidas no caso em apreço.

40

Os Governos checo, italiano e eslovaco alegam que o artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302 não se aplica no contexto de uma crise sanitária à escala mundial como a provocada pela pandemia de COVID‑19, na medida em que tal acontecimento não está abrangido pelo conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta disposição. Por conseguinte, as rescisões ocorridas devido a essa crise não podem dar origem a um direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados a título das viagens organizadas rescindidas.

41

Deste modo, há que examinar, em primeiro lugar, se uma crise sanitária mundial como a pandemia de COVID‑19 pode estar abrangida pelo conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302, pelo que esta disposição é suscetível de se aplicar às rescisões visadas por uma regulamentação nacional como o artigo 1.o do Despacho n.o 2020‑315.

42

A este respeito, há que recordar que este conceito é definido no artigo 3.o, ponto 12, da Diretiva 2015/2302 como «qualquer situação fora do controlo da parte que a invoca e cujas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis».

43

Por outro lado, o considerando 31 dessa diretiva precisa o alcance do referido conceito, indicando que «[i]sso poderá abranger, por exemplo, situações de guerra, outros problemas sérios de segurança como o terrorismo, riscos significativos para a saúde humana como sejam surtos de doenças graves no destino da viagem, ou catástrofes naturais como inundações, terramotos, ou condições meteorológicas que impossibilitem viajar em segurança para o destino acordado no contrato de viagem organizada».

44

Além disso, como é recordado no n.o 19 do presente acórdão, resulta do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 que as «circunstâncias inevitáveis e excecionais» só podem justificar a rescisão pelo viajante em causa, dando‑lhe direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados a título da viagem organizada, quando estas ocorram «no local de destino ou na sua proximidade imediata» e «afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino».

45

Embora, para efeitos da rescisão de um contrato de viagem organizada, a qualificação de uma determinada situação abrangida pelo conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta diretiva, dependa necessariamente das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente dos serviços de viagens concretamente acordados e das consequências desse acontecimento no local de destino previsto, não é menos certo que se deve considerar que uma crise sanitária mundial como a pandemia de COVID‑19, enquanto tal, é suscetível de ser abrangida por este conceito.

46

Com efeito, tal acontecimento escapa manifestamente a qualquer controlo e as suas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Este acontecimento revela, aliás, a existência de «riscos significativos para a saúde humana» referidos no considerando 31 da referida diretiva.

47

A este respeito, não é pertinente o facto de, tal como o artigo 12.o, n.o 2, da mesma diretiva, o referido considerando ilustrar esses termos recorrendo ao exemplo dos «surtos de doenças graves no destino da viagem», uma vez que tal precisão não visa restringir o alcance do conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» a acontecimentos locais, mas sim evidenciar que essas circunstâncias devem, em todo o caso, manifestar‑se nomeadamente no local de destino previsto e, a este título, afetar consideravelmente a execução da viagem organizada em causa.

48

A este respeito, como salientou igualmente a advogada‑geral, em substância, no n.o 58 das suas conclusões, se a propagação de uma doença grave no local de destino em causa for suscetível de ser abrangida por este conceito, o mesmo deve ser aplicado, a fortiori, no que diz respeito à propagação de uma doença grave à escala mundial, uma vez que os efeitos desta última também afetam esse local.

49

Além disso, uma interpretação do artigo 12.o, n.o 2, e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302, no sentido de esta disposição se aplica unicamente a acontecimentos de alcance local, com exclusão de acontecimentos de maior alcance, colidiria, por um lado, com a aplicação do princípio da segurança jurídica na medida em que, não havendo nenhum critério de delimitação previsto para esse efeito nesta diretiva, a demarcação entre estas duas categorias de acontecimentos poderia ser difusa e variável, o que teria, em definitivo, por consequência tornar aleatório o benefício da proteção conferida pela referida disposição.

50

Por outro lado, essa interpretação seria incoerente à luz do objetivo de proteção dos consumidores prosseguido pela Diretiva 2015/2302. Com efeito, implicaria que os viajantes que rescindem o seu contrato de viagem organizada invocando o aparecimento de uma doença localmente circunscrita não são obrigados a pagar uma taxa de rescisão, ao passo que os viajantes que rescindam esse contrato devido ao aparecimento de uma doença de dimensão mundial ficam obrigados a pagar essa taxa, pelo que os respetivos viajantes beneficiariam de um nível de proteção menor em caso de ocorrência de uma crise sanitária mundial do que em caso de aparecimento de uma doença localmente circunscrita.

51

Face ao exposto, há que considerar que o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302, é suscetível de abranger a eclosão de uma crise sanitária mundial, podendo assim esta disposição ser aplicada às rescisões de contratos de viagem organizada quando se baseiem nas consequências provocadas por tal acontecimento.

52

Em segundo lugar, o Governo francês alega, todavia, que uma situação como a crise sanitária ligada à pandemia de COVID‑19 é de tal dimensão que constitui igualmente um caso de «força maior», conceito suscetível de abranger casos cujas características ultrapassam as situações previstas aquando da adoção do artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302. Esse Governo deduz daqui que é permitido aos Estados‑Membros derrogar, a este título, a referida disposição no que respeita a essas situações.

53

A este respeito, por um lado, importa recordar, como resulta de jurisprudência constante que, uma vez que o conceito de «força maior» não tem o mesmo conteúdo nos diversos domínios de aplicação do direito da União, o seu significado deve ser determinado em função do quadro jurídico em que se destina a produzir os seus efeitos (Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Vilkas, C‑640/15, EU:C:2017:39, n.o 54).

54

Ora, como o próprio Governo francês admite, o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302, é semelhante ao conceito de «força maior» tal como este foi definido em jurisprudência assente, a saber, no sentido de visar circunstâncias alheias a quem o invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas não obstante todas as diligências desenvolvidas (Acórdão de 4 de março de 2010, Comissão/Itália, C‑297/08, EU:C:2010:115, n.o 85). Assim, apesar de não existir nenhuma referência, nesta diretiva, à força maior, este conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» concretiza o conceito de «força maior» no âmbito da referida diretiva.

55

Por outro lado, como a advogada‑geral salientou igualmente no n.o 55 das suas conclusões, a génese da Diretiva 2015/2302, nomeadamente os trabalhos preparatórios desta última, confirmam que o referido conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» substituiu o conceito de «força maior» que figurava na Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO 1990, L 158, p. 59), que foi revogada e substituída pela Diretiva 2015/2302.

56

Por conseguinte, o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), desta diretiva, constitui uma aplicação exaustiva do conceito de «força maior» para efeitos da referida diretiva.

57

Assim, não há razão para os Estados‑Membros liberarem, por motivo de força maior, e ainda que temporariamente, os operadores de viagens organizadas da sua obrigação de reembolso, prevista no artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302, uma vez que nem esta disposição nem nenhuma outra disposição desta diretiva constituem uma exceção ao caráter imperativo desta obrigação a título de força maior (v., por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2013, ÖBB‑Personenverkehr, C‑509/11, EU:C:2013:613, n.os 49 e 50).

58

Resulta do exposto que, em caso de rescisão de um contrato de viagem organizada na sequência da eclosão de uma crise sanitária mundial, os operadores turísticos em causa são obrigados a reembolsar aos respetivos viajantes a totalidade dos pagamentos efetuados a título da viagem organizada, nas condições previstas no artigo 12.o, n.o 4, desta diretiva.

59

No que respeita, em terceiro lugar, à questão de saber se a Diretiva 2015/2302 permite, não obstante, aos Estados‑Membros, perante uma crise sanitária mundial como a pandemia de COVID‑19, libertar os operadores de viagens organizadas dessa obrigação de reembolso, refira‑se que resulta do artigo 4.o dessa diretiva que, salvo disposição em contrário, a referida diretiva visa uma harmonização completa do domínio previsto, pelo que os Estados‑Membros não podem adotar disposições que se afastem das fixadas na mesma diretiva, nomeadamente disposições mais estritas destinadas a garantir um nível diferente de proteção dos viajantes em causa.

60

Além disso, resulta do artigo 23.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302 que os direitos conferidos aos viajantes em causa ao abrigo desta diretiva têm caráter imperativo.

61

Ora, liberar os operadores turísticos da sua obrigação de reembolsar aos viajantes em causa os pagamentos efetuados a título de uma viagem organizada implica, em violação do artigo 4.o da Diretiva 2015/2302, uma redução do nível de proteção desses viajantes decorrente do artigo 12.o, n.os 2 a 4, desta diretiva.

62

Consequentemente, uma regulamentação nacional que libera os operadores de viagens organizadas da obrigação de reembolso que lhes incumbe por força do artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302 viola esta disposição.

63

No entanto, o Governo eslovaco alega que os Estados‑Membros podem, no contexto da aplicação da Diretiva 2015/2302, invocar a força maior para efeitos da adoção dessa regulamentação, quando a situação desfavorável ligada a uma crise sanitária mundial como a pandemia de COVID‑19, nomeadamente as consequências financeiras daí decorrentes para o setor do turismo, os impedirem de cumprir a sua obrigação de aplicação desta diretiva.

64

A este respeito, há que sublinhar desde logo que decorre da constatação que figura no n.o 62 do presente acórdão que essa regulamentação nacional é suscetível de constituir uma violação da obrigação que incumbe a cada um dos Estados‑Membros destinatários da Diretiva 2015/2302 de adotar, na sua ordem jurídica nacional, todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia desta, em conformidade com o objetivo que esta diretiva prossegue (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.o 69).

65

Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que o receio de dificuldades internas não pode justificar a não aplicação correta do direito da União por parte de um Estado‑Membro (Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Azelvandre, C‑552/07, EU:C:2009:96, n.o 50 e jurisprudência referida).

66

É certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida no âmbito de ações por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE que, quando um Estado‑Membro não cumpriu as suas obrigações decorrentes do direito da União, não está excluído que este possa invocar a força maior no que respeita a essa não conformidade.

67

A este respeito, segundo jurisprudência constante, ainda que o conceito de «força maior» não pressuponha uma impossibilidade absoluta, exige, no entanto, que o incumprimento em causa seja devido a circunstâncias alheias a quem o invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas apesar de todas as diligências desenvolvidas, só podendo uma situação de força maior, além disso, ser invocada pelo período necessário para remediar essas dificuldades (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 2001, Comissão/França, C‑1/00, EU:C:2001:687, n.o 131 e jurisprudência referida, e de 4 de março de 2010, Comissão/Itália, C‑297/08, EU:C:2010:115, n.o 85 e jurisprudência referida).

68

Ora, ainda que se admita que esta jurisprudência possa ser interpretada no sentido de que permite aos Estados‑Membros alegar utilmente, nos tribunais nacionais, que a desconformidade de uma regulamentação nacional com as disposições de uma diretiva se justifica por motivo de força maior para, assim, conseguir que essa regulamentação possa continuar a aplicar‑se durante o período necessário, há que observar que uma regulamentação nacional como o artigo 1.o do Despacho n.o 2020‑315 não preenche de forma evidente os requisitos que regem a invocação da força maior, tal como resultam da referida jurisprudência.

69

A este respeito, primeiro, embora uma crise sanitária de uma dimensão como a da pandemia de COVID‑19 seja alheia ao Estado‑Membro em causa, bem como anormal e imprevisível, uma regulamentação nacional que libera, de forma generalizada, todos os operadores de viagens organizadas da sua obrigação de reembolso, prevista no artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302, no que respeita às rescisões notificadas durante um período predefinido de vários meses, não pode, pela sua própria natureza, ser justificada pelas restrições resultantes desse acontecimento e cumprir assim os requisitos que regem a invocação da força maior.

70

Com efeito, ao conduzir, de facto, a uma suspensão provisória generalizada dessa obrigação de reembolso, a aplicação da referida regulamentação não se limita apenas aos casos em que tais limitações, nomeadamente financeiras, se tenham realmente manifestado, estendendo‑se antes a todos os contratos rescindidos durante o período de referência, sem ter em conta a situação financeira concreta e individual dos operadores turísticos em causa.

71

Segundo, não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que as consequências financeiras a que o dispositivo do artigo 1.o do Despacho n.o 2020‑315 se destinava a fazer face não podiam ter sido evitadas de outro modo que não fosse através da violação do artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302, nomeadamente através da adoção, em benefício dos operadores turísticos em causa, de certas medidas de auxílio de Estado suscetíveis de serem autorizadas ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, possibilidade a que outros Estados‑Membros recorreram, como expôs a advogada‑geral nos n.os 82 a 84 das suas conclusões.

72

Neste contexto, embora vários governos tenham insistido no facto de a adoção de tais medidas de auxílio de Estado ter sido rodeada, para muitos Estados‑Membros, de especiais dificuldades, uma vez que a possibilidade de adotar essas medidas a curto prazo depende, nomeadamente, das estruturas existentes da organização do setor das viagens organizadas, bem como do tempo necessário para tal adoção, em conformidade com os seus procedimentos internos, há que recordar a este respeito que, nos termos da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um Estado‑Membro não pode invocar dificuldades de ordem interna para justificar a inobservância das obrigações resultantes do direito da União (Acórdãos de 25 de junho de 2013, Comissão/República Checa, C‑241/11, EU:C:2013:423, n.o 48 e jurisprudência referida, e de 6 de novembro de 2014, Comissão/Bélgica, C‑395/13, EU:C:2014:2347, n.o 51).

73

Também não pode ser acolhido, neste contexto, o argumento invocado, nomeadamente, pelo Governo checo, de que a solução que consiste na concessão de auxílios de Estado deveria ser um «último recurso». Com efeito, basta salientar a este respeito que o direito da União permite aos Estados‑Membros, desde que cumpram os requisitos previstos para o efeito, preverem certas formas de auxílios de Estado, nomeadamente as que possam ser consideradas compatíveis com o mercado interno nos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, quando esse direito não lhes permite precisamente deixar de cumprir a sua obrigação de adotar, na sua ordem jurídica nacional, todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia de uma diretiva, neste caso da Diretiva 2015/2302.

74

Refira‑se ainda que os Estados‑Membros tinham igualmente a possibilidade de instituir dispositivos destinados, não a impor, mas sim a encorajar ou a facilitar a aceitação, pelos viajantes em causa, de vales de valor equivalente em vez de um reembolso sob a forma de uma quantia em dinheiro, podendo tais soluções também contribuir para atenuar os problemas de liquidez dos operadores turísticos em causa, conforme assinalado na Recomendação 2020/648, nomeadamente no seu considerando 15.

75

Terceiro, como a advogada‑geral também salientou no n.o 80 das suas conclusões, uma regulamentação nacional como o artigo 1.o do Despacho n.o 2020‑315, na medida em que prevê liberar os operadores de viagens organizadas da sua obrigação de reembolso durante um período que pode ir até 21 meses a contar da notificação da «resolução» do contrato de viagem organizada em causa, não foi manifestamente concebida de forma que limite os seus efeitos ao período necessário para sanar as dificuldades causadas pelo acontecimento suscetível de se enquadrar num caso de força maior.

76

Atendendo a todas as considerações expostas, há que responder à segunda questão, que o artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302, lido em conjugação com o artigo 4.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual os operadores de viagens organizadas ficam temporariamente liberados, no contexto da eclosão de uma crise sanitária mundial que impede a execução dos contratos de viagem organizada, da sua obrigação de reembolsar aos viajantes em causa, o mais tardar 14 dias após a rescisão de um contrato, a totalidade dos pagamentos efetuados ao abrigo do contrato rescindido, incluindo quando essa regulamentação visa evitar que, devido ao número significativo de pedidos de reembolso esperados, a solvabilidade desses operadores seja afetada a ponto de pôr em perigo a sua existência e preservar assim a viabilidade do setor em causa.

Quanto à terceira questão

77

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que permite a um órgão jurisdicional nacional, chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de anulação de uma regulamentação nacional contrária ao artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302, modular os efeitos no tempo da sua decisão que anula essa regulamentação nacional.

78

Há que recordar que incumbe às autoridades do Estado‑Membro em causa adotar todas as medidas gerais ou especiais adequadas a assegurar o cumprimento do direito da União no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2007, Jonkman e o., C‑231/06 a C‑233/06, EU:C:2007:373, n.o 38).

79

A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, por força do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, os Estados‑Membros são obrigados a eliminar as consequências ilícitas de uma violação do direito da União, incumbindo essa obrigação, no âmbito das suas competências, a cada órgão do Estado‑Membro em causa, incluindo aos órgãos jurisdicionais aos quais sejam submetidos recursos contra um ato nacional constitutivo dessa violação (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Inter‑Environnement Wallonie e Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen, C‑411/17, EU:C:2019:622, n.os 170 e 171 e jurisprudência referida).

80

Daqui resulta que, quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a conhecer de um recurso de anulação que tem por objeto uma regulamentação nacional que considera contrária ao direito da União, é obrigado, em conformidade com as modalidades processuais aplicáveis a esses recursos previstas na sua ordem jurídica interna e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade, a proceder à anulação dessa regulamentação.

81

É verdade que o Tribunal de Justiça reconheceu aos órgãos jurisdicionais nacionais, em circunstâncias excecionais, a faculdade de adaptarem os efeitos das suas decisões de anulação de uma regulamentação nacional considerada incompatível com o direito da União.

82

Assim, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um órgão jurisdicional nacional pode, tendo em conta a existência de considerações imperiosas ligadas à proteção do ambiente ou relacionadas com a necessidade de afastar uma ameaça real e grave de rutura do abastecimento em eletricidade do Estado‑Membro em causa, excecionalmente e caso a caso, ser autorizado a aplicar uma disposição nacional que lhe permita manter certos efeitos de um ato nacional anulado, desde que as condições especificadas nessa jurisprudência sejam cumpridas (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Inter‑Environnement Wallonie e Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen, C‑411/17, EU:C:2019:622, n.os 178 e 179).

83

Contudo, no caso em apreço, por um lado, como a advogada‑geral também salientou no n.o 101 das suas conclusões, por mais graves que tenham sido as consequências financeiras geradas pela pandemia de COVID‑19 para o setor das viagens organizadas, às quais o órgão jurisdicional de reenvio faz referência no âmbito da sua terceira questão, há que constatar que essa ameaça dos interesses económicos dos operadores ativos no referido setor não é comparável com as considerações imperiosas ligadas à proteção do ambiente ou ao abastecimento em eletricidade do respetivo Estado‑Membro que estavam em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 57).

84

Por outro lado, há que salientar que, na audiência, o Governo francês indicou que o eventual prejuízo resultante, sendo caso disso, da anulação pelo órgão jurisdicional de reenvio do Despacho n.o 2020‑315 teria uma «importância limitada». Assim, em todo o caso, não se afigura que a anulação da regulamentação nacional em causa no processo principal venha a ter consequências prejudiciais para o setor das viagens organizadas de tal dimensão que a manutenção dos seus efeitos seja necessária para proteger os interesses financeiros dos operadores desse setor.

85

Nestas condições, há que responder à terceira questão, que o direito da União, nomeadamente o princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que não permite que um órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer de um recurso de anulação de uma regulamentação nacional contrária ao artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302 module os efeitos no tempo da sua decisão que anula essa regulamentação nacional.

Quanto às despesas

86

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho,

deve ser interpretado no sentido de que:

quando, na sequência da rescisão de um contrato de viagem organizada, o operador dessa viagem organizada é obrigado, por força desta disposição, a reembolsar o viajante em causa da totalidade dos pagamentos efetuados a título da referida viagem organizada, esse reembolso significa unicamente uma restituição desses pagamentos sob a forma de uma quantia em dinheiro.

 

2)

O artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302, lido em conjugação com o artigo 4.o desta diretiva,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual os operadores de viagens organizadas ficam temporariamente liberados, no contexto da eclosão de uma crise sanitária mundial que impede a execução dos contratos de viagem organizada, da sua obrigação de reembolsar aos viajantes em causa, o mais tardar 14 dias após a rescisão de um contrato, a totalidade dos pagamentos efetuados ao abrigo do contrato rescindido, incluindo quando essa regulamentação visa evitar que, devido ao número significativo de pedidos de reembolso esperados, a solvabilidade desses operadores turísticos seja afetada a ponto de pôr em perigo a sua existência e preservar assim a viabilidade do setor em causa.

 

3)

O direito da União, nomeadamente o princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE,

deve ser interpretado no sentido de que:

não permite que um órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer de um recurso de anulação de uma regulamentação nacional contrária ao artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302 module os efeitos no tempo da sua decisão que anula essa regulamentação nacional.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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