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Documento 62019CJ0883

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 12 de janeiro de 2023.
HSBC Holdings plc e o. contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Setor dos produtos derivados de taxas de juro em euros — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE — Manipulação das taxas de referência interbancárias da Euribor — Troca de informações confidenciais — Restrição da concorrência por objeto — Qualificação — Tomada em consideração dos efeitos pró‑concorrenciais — Infração única e continuada — “Procedimento híbrido” que conduziu sucessivamente à adoção de uma decisão de transação e de uma decisão no termo de um procedimento ordinário — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 41.o — Direito a uma boa administração — Artigo 48.o — Presunção de inocência.
Processo C-883/19 P.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2023:11

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de janeiro de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Setor dos produtos derivados de taxas de juro em euros — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE — Manipulação das taxas de referência interbancárias da Euribor — Troca de informações confidenciais — Restrição da concorrência por objeto — Qualificação — Tomada em consideração dos efeitos pró‑concorrenciais — Infração única e continuada — “Procedimento híbrido” que conduziu sucessivamente à adoção de uma decisão de transação e de uma decisão no termo de um procedimento ordinário — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 41.o — Direito a uma boa administração — Artigo 48.o — Presunção de inocência»

No processo C‑883/19 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 3 de dezembro de 2019,

HSBC Holdings plc, com sede em Londres (Reino Unido),

HSBC Bank plc, com sede em Londres,

HSBC Continental Europe, anteriormente HSBC França, com sede em Paris (França),

representadas por C. Angeli, avocate, K. Bacon, KC, D. Bailey, barrister, M. Demetriou, KC, M. Giner, avocate, e M. Simpson, solicitor,

recorrentes,

apoiadas por:

Crédit agricole SA,

Crédit agricole Corporate and Investment Bank,

com sede em Montrouge (França), representadas por J. Jourdan, J.‑J. Lemonnier, A. Sieffert‑Xuriguera e J.‑P. Tran Thiet, avocats,

JPMorgan Chase & Co., com sede em Nova Iorque (Estados Unidos),

JPMorgan Chase Bank, National Association, com sede em Columbo, Ohio (Estados Unidos),

representadas por D. Das, N. English, N. French, N. Frey, solicitors, D. Heaton, barrister, A. Holroyd, D. Hunt, solicitors, M. Lester, KC, A. Ojukwu, solicitor, D. Piccinin, barrister, L. Ream, solicitor, D. Rose, KC, e B. Tormey, solicitor,

intervenientes no presente recurso,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por P. Berghe, M. Farley e F. van Schaik, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, M. Safjan, N. Piçarra, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 26 de janeiro de 2022,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de maio de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a HSBC Holdings plc, a HSBC Bank plc e a HSBC Continental Europe, anteriormente HSBC France (a seguir, conjuntamente, «sociedades HSBC»), pedem a anulação parcial do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2019:675), pelo qual este anulou o artigo 2.o, alínea b), da Decisão C(2016) 8530 final da Comissão, de 7 de dezembro de 2016, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39914 – Euro Interest Rate Derivatives (a seguir «decisão controvertida») e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

Antecedentes do litígio

2

Os factos na origem do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 29 do acórdão recorrido. Para efeitos do presente processo, os mesmos podem resumir‑se do seguinte modo.

3

Com a decisão controvertida, a Comissão Europeia declarou que as sociedades HSBC tinham violado o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3; a seguir «Acordo EEE»), ao participarem, de 12 de fevereiro a 27 de março de 2007, numa infração única e continuada que tinha por objeto a alteração do curso normal de fixação dos preços no mercado dos produtos derivados de taxas de juro em euros[Euro Interest Rate Derivatives (EIRD)] ligados à «Euro Interbank Offered Rate» (Euribor) e/ou à «Euro Over‑Night Index Average» (EONIA) e aplicou‑lhes solidariamente uma coima no montante de 33606000 euros.

4

O grupo HSBC (a seguir «HSBC») é um grupo bancário que desenvolve, nomeadamente, a atividade bancária de investimento, de financiamento e de mercado. A HSBC Holdings, sociedade dominante da HSBC, é a sociedade‑mãe da HSBC France, que se tornou HSBC Continental Europe, sendo esta própria a sociedade‑mãe do HSBC Bank. A HSBC France e o HSBC Bank eram responsáveis pela negociação dos EIRD. A HSBC France era responsável pelas comunicações de taxas ao painel da Euribor.

5

Em 14 de junho de 2011, o grupo bancário Barclays, que agrupava o Barclays plc, o Barclays Bank plc, a Barclays Directors Ltd, a Barclays Group Holding Ltd, a Barclays Capital Services Ltd e a Barclays Services Jersey Ltd (a seguir «Barclays») apresentou à Comissão um pedido de concessão de um marco nos termos da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17), informando‑a da existência de um cartel no setor dos EIRD e manifestando a sua intenção de cooperar com essa instituição. Em 14 de outubro de 2011, foi concedida imunidade condicional ao Barclays.

6

Entre 18 e 21 de outubro de 2011, a Comissão efetuou inspeções nas instalações de um certo número de instituições financeiras em Londres (Reino Unido) e em Paris (França), entre as quais as das sociedades HSBC.

7

Em 5 de março e em 29 de outubro de 2013, em aplicação do artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), a Comissão instaurou um processo por infração às sociedades HSBC, Barclays, Crédit agricole SA e ao Crédit agricole Corporate and Investment Bank (a seguir, considerados em conjunto, «sociedades do Crédit agricole»), ao Deutsche Bank AG, à Deutsche Bank Services (Jersey) Ltd e à DB Group Services (UK) Ltd (a seguir, considerados em conjunto, «Deutsche Bank»), à JP Morgan Chase & Co., ao JP Morgan Chase Bank, National Association, e à JP Morgan Services LLP (a seguir, considerados em conjunto, «sociedades JP Morgan»), ao Royal Bank of Scotland plc e ao Royal Bank of Scotland Group plc (a seguir, considerados em conjunto, «RBS») e à Société générale.

8

O Barclays, o Deutsche Bank, a Société générale e o RBS pretenderam participar num procedimento de transação nos termos do artigo 10.o‑A do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o TFUE] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18). As sociedades HSBC, as sociedades do Crédit agricole e as sociedades JP Morgan Chase decidiram não participar neste procedimento de transação.

9

Em 4 de dezembro de 2013, a Comissão adotou em relação ao Barclays, ao Deutsche Bank, à Société générale e ao RBS a Decisão C(2013) 8512 final, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE [Processo AT.39914, Euro Interest Rate Derivatives (EIRD) (Settlement)] (a seguir «decisão de transação»), na qual concluiu que estas empresas violaram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE por terem participado numa infração única e continuada que tinha por objetivo a alteração do curso normal de fixação dos preços no mercado dos EIRD.

Procedimento administrativo

10

Em 19 de março de 2014, a Comissão enviou às sociedades HSBC, às sociedades do Crédit agricole e às sociedades JP Morgan Chase uma comunicação de acusações.

11

As sociedades HSBC tiveram a possibilidade de consultar em DVD as partes acessíveis do processo da Comissão e os seus representantes beneficiaram de um acesso adicional ao processo nas instalações da Comissão. Tiveram igualmente acesso à comunicação de acusações enviada às partes envolvidas no procedimento de transação, às respostas destas partes, assim como à decisão de transação.

12

Em 14 de novembro de 2014, as recorrentes apresentaram as suas observações escritas na sequência da comunicação de acusações e manifestaram‑se na audição que se realizou entre 15 e 17 de junho de 2015.

13

Em 6 de abril de 2016, a Comissão retificou a decisão de transação no que diz respeito à determinação do montante da coima aplicada à Société générale. As sociedades HSBC tiveram acesso a esta decisão retificativa, bem como à correspondência subjacente e aos dados financeiros corrigidos apresentados pela Société générale.

Decisão controvertida

14

Em 7 de dezembro de 2016, a Comissão adotou a decisão controvertida. O artigo 1.o, alínea b), e o artigo 2.o, alínea b), desta decisão têm a seguinte redação:

«Artigo 1.o

As empresas seguintes violaram o artigo 101.o [TFUE] e o artigo 53.o do Acordo EEE por terem participado, durante os períodos indicados, numa infração única e continuada relativa a produtos derivados de taxas de juro em euros. Esta infração, que abrangeu todo o [Espaço Económico Europeu (EEE)], consistiu em acordos e/ou práticas concertadas que tinham por objetivo distorcer o curso normal das componentes dos preços no setor dos derivados de taxas de juro em euros:

[…]

b)

[as sociedades HSBC] de 12 de fevereiro de 2007 a 27 de março de 2007 […]

Artigo 2.o

São aplicadas as seguintes coimas relativamente à infração referida no artigo 1.o:

[…]

b)

[as sociedades HSBC], solidariamente responsáveis: 33606600 EUR.»

Produtos em causa

15

As infrações em causa são relativas aos EIRD, ou seja, aos derivados de taxas de juro em euros indexados à Euribor ou à EONIA.

16

A Euribor é um conjunto de taxas de juro de referência que visa refletir o custo dos empréstimos interbancários frequentemente utilizados nos mercados internacionais de capitais. É definida como um índice da taxa à qual um banco principal oferece depósitos interbancários a prazo em euros a outro banco principal dentro da Zona Euro. A Euribor é calculada com base na média dos preços oferecidos diariamente por um painel, composto durante o período em causa na decisão controvertida por 47 bancos principais – entre os quais os bancos acima referidos no n.o 7 do presente acórdão –, enviados à Thomson Reuters enquanto agente de cálculo da Federação Bancária Europeia (FBE) entre as 10 h 45 e as 11 h 00 da manhã. Os bancos fornecem contribuições para as 15 diferentes taxas de juro da Euribor, que variam, consoante o seu termo, entre uma semana e doze meses. A EONIA cumpre uma função equivalente à da Euribor, mas no que se refere às taxas diárias. É calculada pelo Banco Central Europeu (BCE) com base numa média das taxas para os depósitos interbancários em branco («unsecured») de um painel de bancos idêntico àquele que é utilizado para a fixação da Euribor.

17

Os EIRD mais comuns são os acordos sobre pagamentos, em data futura, de juros («forward rate agreements»), os swaps de taxa de juro («interest rate swaps»), as opções sobre taxas de juro e os contratos de futuros sobre taxas de juro («futuros»).

Comportamentos imputados às sociedades HSBC

18

No considerando 113 da decisão controvertida, a Comissão descreveu o comportamento imputado aos bancos acima referidos no n.o 7 da seguinte forma:

«O Barclays, o Deutsche Bank, [as sociedades JP Morgan Chase], [a] Société générale, [as sociedades do Crédit agricole], [as sociedades HSBC] e a RBS participaram numa série de contactos bilaterais no setor dos EIRD, que consistia essencialmente nas seguintes práticas entre as diferentes partes:

a)

Em determinadas ocasiões, alguns traders ao serviço de diferentes partes comunicaram e/ou receberam preferências relativamente à invariância, à subida ou à descida das taxas Euribor em certos prazos. Estas preferências dependiam das suas posições/exposições de negociação;

b)

Em determinadas ocasiões, alguns traders ao serviço de diferentes partes comunicaram entre si e/ou receberam informações que não eram do conhecimento público/não estavam disponíveis sobre as posições de negociação ou sobre as intenções relativamente a futuras comunicações de taxas Euribor para certos prazos de pelo menos um dos bancos respetivos;

c)

Em determinadas ocasiões, alguns traders exploram igualmente as possibilidades de alinhar as respetivas posições de negociação de EIRD com base em tais informações, conforme referido nas [alíneas] a) ou b);

d)

Em determinadas ocasiões, alguns traders exploram igualmente as possibilidades de alinhar pelo menos uma das futuras comunicações de taxas Euribor do respetivo banco com base em tais informações, conforme referido em conforme referido nas [alíneas] a) ou b);

e)

Em determinadas ocasiões, pelo menos um dos traders envolvidos nessas conversas abordou os responsáveis Euribor do respetivo banco, ou declarou que tal abordagem seria feita, para solicitar uma comunicação ao agente de cálculo da Federação Bancária Europeia numa determinada direção ou a um nível específico;

f)

Em determinadas ocasiões, pelo menos um dos traders envolvidos em tais conversas declarou que informaria, ou [tinha informado], sobre a resposta do responsável Euribor antes da hora a que têm de ser feitas as comunicações Euribor diárias ao agente de cálculo ou, nos casos em que o trader já tinha discutido com o responsável, passou a informação recebida do responsável ao trader de outra parte;

g)

Em determinadas ocasiões, pelo menos um trader de uma parte divulgou a um trader de outra parte informações detalhadas e sensíveis sobre a estratégia de trading e de fixação dos preços dos EIRD do banco.»

19

No considerando 114 da decisão controvertida, a Comissão acrescentou que «[a]lém disso, houve situações em que certos traders ao serviço de diferentes partes discutiram o resultado da fixação da taxa Euribor, incluindo as comunicações de bancos específicos, depois de as taxas Euribor de um dia terem sido fixadas e publicadas.»

20

A Comissão considerou que estes comportamentos faziam parte de uma infração única e continuada.

21

Para justificar esta qualificação, a Comissão considerou, em primeiro lugar, que os referidos comportamentos prosseguiam um objetivo económico único, constituído pela redução dos fluxos de tesouraria que os participantes teriam de pagar a título dos EIRD ou pelo aumento dos que deviam receber. Em segundo lugar, considerou que os diferentes comportamentos faziam parte de um esquema de comportamento comum, uma vez que no cartel estava envolvido um grupo de pessoas estável, que as partes tinham seguido um esquema bastante semelhante nas suas atividades anticoncorrenciais e que as diversas conversas entre as partes abrangiam temas idênticos ou coincidentes e tinham, assim, um conteúdo idêntico ou parcialmente idêntico. Em terceiro lugar, a Comissão considerou que os traders que participaram nas trocas anticoncorrenciais eram profissionais qualificados e tinham conhecimento ou deviam ter tido conhecimento do alcance geral e das características essenciais do cartel no seu conjunto.

22

A Comissão considerou que as sociedades HSBC tinham participado nesta infração única e continuada, tendo sublinhado que as trocas bilaterais com o Barclays constituíam, em si mesmas, uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

23

No que respeita à duração desta participação, a Comissão considerou como ponto de partida, relativamente ao HSBC, o dia 12 de fevereiro de 2007 e como data de termo o dia 27 de março de 2007.

Cálculo do montante da coima

– Montante de base da coima

24

No que respeita, em primeiro lugar, à determinação do valor das vendas dos bancos que participaram no cartel, na medida em que os EIRD não geram vendas na aceção comum do termo, a Comissão determinou o valor das vendas através de um valor de substituição. Além disso, atendendo às circunstâncias do caso em apreço, considerou que era preferível não tomar em consideração o valor de substituição anualizado, mas basear‑se no valor de substituição correspondente aos meses de participação dos bancos na infração. Recordou que não era obrigada a aplicar uma fórmula matemática e que dispunha de uma margem de apreciação quando determina o montante de cada coima.

25

A Comissão entendeu adequado considerar como valor de substituição as receitas em numerário geradas pelos fluxos de tesouraria que cada banco obteve da sua carteira de EIRD relativos a qualquer prazo Euribor e/ou EONIA e concluídos com contrapartes estabelecidas no EEE às quais foi aplicado um fator de redução uniforme de 98,849 %.

26

Assim, a Comissão tomou como valor das vendas em relação às sociedades HSBC o montante de 192081799 euros.

27

No que respeita, em segundo lugar, à gravidade da infração, a Comissão tomou em consideração um fator de gravidade de 15 %, na medida em que a infração incidiu sobre a coordenação dos preços e dos acordos de fixação de preços. A Comissão acrescentou um fator de gravidade de 3 % devido à circunstância de o cartel ter afetado todo o EEE e de ter incidido sobre as taxas relevantes para todos os EIRD e de as referidas taxas, relativas ao euro, revestirem uma importância fundamental para a harmonização das condições financeiras no mercado interno e para as atividades bancárias nos Estados‑Membros.

28

No que respeita, em terceiro lugar, à duração da infração, a Comissão sublinhou que tomou em consideração a duração da participação de cada participante no cartel em «número de meses arredondados por defeito e numa base proporcional», o que conduziu à aplicação às sociedades HSBC de um coeficiente multiplicador de 0,08 %.

29

Em quarto lugar, a Comissão acrescentou um montante adicional de 18 % do valor das vendas, qualificado de «direito de entrada», por a infração ter consistido numa fixação horizontal dos preços, para dissuadir as empresas de participarem em tais práticas, independentemente da duração da infração.

30

Por conseguinte, a Comissão fixou o montante de base da coima das sociedades HSBC em 37340000 euros.

– Montante final da coima

31

A Comissão considerou que as sociedades HSBC desempenharam um papel mais marginal ou menor na infração que não pode ser comparado ao dos atores principais e concedeu‑lhes uma redução de 10 % do montante de base da coima. Consequentemente, no artigo 2.o, alínea b), da decisão controvertida, aplicou a estas sociedades uma coima no montante final de 33606000 euros.

Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

32

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de fevereiro de 2017, as sociedades HSBC interpuseram um recurso de anulação parcial da decisão controvertida.

33

No âmbito do seu recurso, as sociedades HSBC apresentaram simultaneamente pedidos de anulação do artigo 1.o e do artigo 2.o, alínea b), da decisão controvertida e pedidos de alteração do montante da coima aplicada pelo referido artigo 2.o, alínea b).

34

Em primeiro lugar, em apoio do seu pedido de anulação do artigo 1.o da decisão controvertida e, a título subsidiário, do artigo 1.o, alínea b), desta decisão, as sociedades HSBC invocaram cinco fundamentos.

35

Estes fundamentos diziam respeito, respetivamente:

à qualificação de infração por objeto adotada pela Comissão (primeiro fundamento);

à qualificação de infração única e continuada adotada pela Comissão (segundo a quarto fundamentos), em especial a conclusão desta segunda a qual os acordos colusórios celebrados pelas sociedades HSBC e pelas outras partes se inseriam num plano global que prosseguia um objetivo único (segundo fundamento), a intenção das sociedades HSBC de contribuírem para este objetivo (terceiro fundamento) e o seu conhecimento do comportamento dos outros participantes na infração (quarto fundamento); e

à violação da presunção de inocência e do direito a uma boa administração e dos direitos de defesa das sociedades HSBC, na medida em que a decisão controvertida tinha sido adotada posteriormente a uma decisão de transação na qual a Comissão já tinha tomado posição sobre a participação destas sociedades na infração em causa (quinto fundamento).

36

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes todos os referidos fundamentos.

37

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à qualificação de infração por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, o Tribunal Geral julgou improcedente a primeira parte deste fundamento, contestando esta qualificação aplicada à manipulação da Euribor de 19 de março de 2007. A este respeito, nos n.os 93 e 94 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a Comissão não tinha cometido nenhum erro de direito ou de apreciação ao salientar que todos os comportamentos descritos no considerando 392 da decisão controvertida, incluindo a manipulação de 19 de março de 2007, restringiam a concorrência através da criação de uma assimetria de informação entre os atores do mercado, uma vez que os participantes na infração, por um lado, estavam mais bem colocados para saber antecipadamente com alguma precisão o nível em que a Euribor seria ou devia ser fixada pelos seus concorrentes que atuavam em conluio e, por outro, sabiam se, numa data específica, a Euribor era fixada, ou não, num nível artificial.

38

No que respeita à segunda parte do referido fundamento, relativa à qualificação de infração por objeto aplicada aos outros comportamentos imputados às sociedades HSBC, o Tribunal Geral examinou, num primeiro momento, a justeza desta qualificação relativa às trocas sobre os preços medianos e considerou que a Comissão não tinha cometido um erro ao afirmar que estas trocas contidas nas conversas de 14 e 16 de fevereiro de 2007 tinham um objetivo restritivo da concorrência. Num segundo momento, examinou a acusação que contestava o mérito da qualificação de restrição por objeto aplicada às trocas sobre as posições de trading. O Tribunal Geral declarou, em substância, que a grande maioria das conversas sobre as posições de trading em que os traders das sociedades HSBC participaram, a saber, as de 12, 13 e 28 de fevereiro, bem como a de 19 de março de 2007, apresentavam uma ligação com a manipulação da Euribor de 19 de março de 2007, pelo que a Comissão teve razão ao considerar estar perante uma restrição de concorrência por objeto relativamente a tais sociedades. Em contrapartida, o Tribunal Geral entendeu que não se podia considerar que as conversas de 9 e 14 de março de 2007, individual ou conjuntamente, tinham um objetivo restritivo da concorrência, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, uma vez que, por um lado, estas discussões não tinham tido lugar na perspetiva da manipulação da Euribor de 19 de março de 2007 e, por outro, não tinham atenuado ou suprimido o grau de incerteza no mercado de modo a que a Comissão pudesse daí deduzir uma incidência sobre o curso normal das componentes dos preços no setor EIRD, sem ter examinado os seus efeitos.

39

No que respeita ao segundo a quarto fundamentos, relativos à qualificação de infração única e continuada aplicada pela Comissão, o Tribunal Geral, antes de mais, julgou improcedente o segundo fundamento, contestando a existência de um «plano global» com um objetivo único. Em seguida, examinou o quarto fundamento, contestando o conhecimento, pelas sociedades HSBC, do comportamento ilícito dos outros participantes. A este respeito, há que distinguir entre, por um lado, a manipulação de 19 de março de 2007 e a eventualidade da sua reiteração e, por outro, os outros comportamentos tomados em consideração pela Comissão a título de infração única e continuada. No parágrafo 273 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que a participação do HSBC numa infração única e continuada só podia ser apreciada em relação, por um lado, aos seus comportamentos específicos a título da referida infração e, por outro, dos comportamentos dos outros bancos que se inserem no âmbito da manipulação de 19 de março de 2007 e da sua eventual reiteração. Por último, o Tribunal Geral julgou improcedente o terceiro fundamento, relativo à intenção das sociedades HSBC de participarem na infração única e continuada, uma vez que, no que respeita à manipulação de 19 de março de 2007 e à sua reiteração, a intenção de participar numa infração única e continuada resultava claramente dos elementos de prova apresentados pela Comissão.

40

No que respeita ao quinto fundamento, relativo a um erro de direito e a uma violação de formalidades essenciais no que respeita ao desenrolar do processo, o Tribunal Geral julgou‑o inoperante nos n.os 283 a 293 do acórdão recorrido.

41

Em segundo lugar, as sociedades HSBC formularam um fundamento destinado a contestar a legalidade do artigo 2.o, alínea b), da decisão controvertida, através do qual a Comissão lhes aplicou uma coima devido à sua participação na infração única e continuada. Este fundamento pode ser dividido em quatro partes, uma vez que as recorrentes contestam, primeiro, a utilização das receitas em numerário atualizadas para efeitos da apreciação do valor das vendas, segundo, o fator de gravidade aplicado, terceiro, o montante adicional aplicado e, quarto, a apreciação de circunstâncias atenuantes. As referidas sociedades pediram, a título principal, a anulação do artigo 2.o, alínea b), da decisão controvertida e, a título subsidiário, uma redução do montante da coima que lhes tinha sido aplicada.

42

No âmbito da primeira parte do presente fundamento, as sociedades HSBC acusam a Comissão de ter determinado o valor das vendas com base nas receitas em numerário a título dos EIRD recebidos por si no decurso do período em que durou a infração, às quais foi aplicado um fator de 98,849 %. O Tribunal Geral considerou que esta parte podia ser dividida em três alegações relativas, a primeira, ao caráter errado do recurso às receitas em numerário atualizadas, a segunda, ao caráter errado da tomada em consideração das receitas em numerário decorrentes de contratos celebrados antes do início da participação das sociedades HSBC na infração e, a terceira, ao caráter insuficientemente fundamentado do fator de redução de 98,849 % aplicado pela Comissão.

43

O Tribunal Geral julgou improcedentes a primeira e segunda acusações da referida parte. Em contrapartida, julgou procedente a terceira acusação da mesma parte, relativa ao caráter insuficientemente fundamentado do fator de redução de 98,849 % aplicado pela Comissão e, por conseguinte, anulou o artigo 2.o, alínea b), da decisão controvertida e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

44

Com o presente recurso, as sociedades HSBC pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o n.o 2 do dispositivo do acórdão recorrido;

anular o artigo 1.o, alínea b), da decisão controvertida e, a título subsidiário, este artigo 1.o, alínea b), na medida em que evoca a participação das sociedades HSBC numa infração única e continuada após 19 de março de 2007; e

condenar a Comissão nas despesas efetuadas no âmbito dos processos no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

45

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene as sociedades HSBC na totalidade das despesas.

46

Por Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2020, HSBC Holdings e o./Comissão (C‑883/19 P, EU:C:2020:561), e HSBC Holdings e o./Comissão (C‑883/19 P, não publicado, EU:C:2020:601), foram deferidos os pedidos das sociedades do Crédit agricole e das sociedades JP Morgan Chase para serem admitidas a intervir em apoio dos pedidos das sociedades HSBC.

47

Por Despacho da presidente da Terceira Secção do Tribunal de Justiça de 12 de agosto de 2022, JP Morgan Services LLP, em liquidação, foi suprimido a título de interveniente no litígio. A partir dessa data, as «sociedades JP Morgan Chase» devem ser entendidas no sentido de designarem unicamente a JP Morgan Chase & Co. e o JP Morgan Chase Bank, National Association.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral

48

Na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, as sociedades HSBC requereram, por carta de 8 de julho de 2022, a reabertura da fase oral do processo. Em apoio do seu pedido, estas sociedades alegam que essas conclusões contêm erros factuais ou incidem sobre determinados aspetos do presente processo que necessitam de ser debatidos para que o Tribunal de Justiça se possa pronunciar definitivamente nesse processo.

49

Importa recordar que, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

50

Ora, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir e que estes elementos foram objeto de debate entre as partes.

51

Quanto ao argumento das sociedades HSBC segundo o qual as conclusões do advogado‑geral contêm erros factuais, importa recordar que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (Acórdão de 8 de março de 2017, Viasat Broadcasting UK/Comissão, C‑660/15 P, EU:C:2017:178, n.o 13 e jurisprudência referida).

52

Além disso, resulta do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, que cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que requeiram a sua intervenção, entendendo‑se que o Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões nem pela fundamentação das mesmas. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as referidas conclusões, sejam quais forem as questões examinadas nas mesmas, não constitui, por si, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (v. Acórdão de 8 de março de 2017, Viasat Broadcasting UK/Comissão, C‑660/15 P, EU:C:2017:178, n.o 14 e jurisprudência referida).

53

Tendo em conta as considerações precedentes, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto ao recurso

54

Em apoio do seu recurso, as sociedades HSBC, apoiadas pelas intervenientes, invocam seis fundamentos, relativos, em substância, o primeiro, a um erro de direito no que respeita aos efeitos da violação, pela Comissão, da presunção de inocência e dos princípios da boa administração e do respeito dos direitos de defesa, o segundo, a um erro de direito na qualificação do objeto da manipulação de 19 de março de 2007 como infração por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, o terceiro, a um erro de direito na medida em que o Tribunal Geral considerou que as duas discussões sobre preços medianos de 14 e 16 de fevereiro de 2007 constituíram infrações por objetivo, o quarto, a uma distorção da prova ao ter analisado ambas as discussões de 12 e 16 de fevereiro de 2007 como infrações por objetivo sem ter verificado a finalidade das mesmas, o quinto, a erros de direito na apreciação de que os diferentes comportamentos identificados pela Comissão prosseguiam um único objetivo e, o sexto, a um erro de direito na apreciação de que as sociedades HSBC participaram numa infração única e continuada que incluía comportamentos que a decisão controvertida não qualificava como infrações.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

55

As sociedades HSBC, apoiadas pelos intervenientes, alegam que o Tribunal Geral cometeu, nos n.os 287 a 292 do acórdão recorrido, um erro de direito no âmbito da apreciação do seu quinto fundamento de anulação, relativo, em substância, ao facto de a decisão de transação ter sido adotada em violação da presunção de inocência, do seu direito a uma boa administração e dos seus direitos de defesa, nomeadamente do seu direito a serem ouvidas.

56

As sociedades HSBC explicam que o procedimento escalonado seguido pela Comissão conduziu, sem dúvida possível, a antecipar a sua responsabilidade e, deste modo, violou irremediavelmente o seu direito a serem ouvidas. Por este motivo, o Tribunal Geral deveria ter anulado o artigo 1.o, alínea b), da decisão controvertida.

57

Ora, ao declarar, no n.o 289 do acórdão recorrido, que as irregularidades processuais invocadas pelas sociedades HSBC só podiam conduzir à anulação da decisão controvertida se se demonstrasse que, na falta dessas irregularidades, esta decisão teria tido um conteúdo diferente, o Tribunal Geral aplicou um critério errado.

58

Com efeito, em conformidade com a jurisprudência resultante do Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service (C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.o 56), o Tribunal Geral devia ter verificado se a falta de imparcialidade objetiva da Comissão implicava que as sociedades HSBC tinham perdido uma oportunidade, mesmo reduzida, de melhor assegurar a sua defesa. Este mesmo critério deveria ter sido aplicado para examinar se a presunção de inocência e o direito a uma boa administração, consagrados no artigo 41.o, n.o 1, no artigo 47.o, n.o 1, e no artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), tinham sido respeitados.

59

Além disso, o direito que assiste a uma empresa de que os seus processos sejam tratados de maneira imparcial exigiria que a Comissão examinasse com cuidado e imparcialidade todos os elementos do caso em apreço. Se o Tribunal Geral tivesse aplicado corretamente o referido critério no caso em apreço, teria daí deduzido que a falta de imparcialidade objetiva da Comissão durante o procedimento administrativo tinha tido uma influência decisiva na decisão controvertida. Assim, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 289 e 292 do acórdão recorrido.

60

Além disso, contrariamente ao que resulta do n.o 291 do acórdão recorrido, o critério aplicado no n.o 289 desse acórdão não tem apoio na jurisprudência resultante do Acórdão de 16 de dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, a seguir «Acórdão Suiker Unie», EU:C:1975:174).

61

A título subsidiário, as sociedades HSBC consideram que, mesmo admitindo que o Tribunal Geral tivesse aplicado o critério correto ao presente caso, a decisão controvertida teria tido um conteúdo diferente se não existissem as irregularidades processuais alegadas. Tal resulta dos n.os 165 a 195 e 263 a 274 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha cometido erros materiais na decisão controvertida. Esses erros deveriam ter levado à anulação do artigo 1.o, alínea b), dessa decisão.

62

A Comissão considera que o presente fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

63

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral aplicou corretamente o princípio da imparcialidade objetiva ao julgar inoperante o quinto fundamento de anulação das sociedades HSBC.

64

O Tribunal Geral concluiu acertadamente, no n.o 287 do acórdão recorrido, que a questão de saber se uma eventual falta de imparcialidade objetiva da Comissão e uma eventual violação da presunção de inocência em relação às sociedades HSBC devido às declarações públicas do comissário então responsável pela política de concorrência ou à adoção da decisão de transação poderiam ter tido incidência na legalidade da decisão controvertida «confund[ia]‑se com a questão de saber se as conclusões a que chegou na referida decisão [estavam] devidamente sustentadas pelos elementos de prova» que a Comissão apresentou».

65

Consequentemente, como o Tribunal Geral corretamente declarou no n.o 289 desse acórdão, uma irregularidade relativa à imparcialidade objetiva só pode conduzir à anulação da decisão «se for demonstrado que, sem esta irregularidade, a referida decisão teria tido um conteúdo diferente».

66

Antes de mais, estas conclusões estão em conformidade com os princípios resultantes dos n.os 90 e 91 do Acórdão Suiker Unie e nenhum motivo justifica que se afaste desses princípios. Assim, apenas conta o conteúdo das declarações públicas do comissário então responsável pela política de concorrência e não a sua forma. Por conseguinte, o facto de essas declarações terem sido formuladas por esse comissário ou no âmbito da decisão de transação não é pertinente.

67

Em seguida, contrariamente ao que afirmam as sociedades HSBC, o Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service (C‑265/17 P, EU:C:2019:23), não é pertinente no caso em apreço. As sociedades HSBC confundem a violação da imparcialidade objetiva com a existência de um direito distinto das empresas a serem ouvidas antes da adoção de uma decisão final que as afete. No caso em apreço, os direitos de defesa das sociedades HSBC foram plenamente respeitados, uma vez que não é contestado que a Comissão lhes enviou uma comunicação de acusações, tiveram pleno acesso ao processo e tiveram a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista antes da adoção da decisão controvertida.

68

Por último, contrariamente ao que as sociedades HSBC alegam, a questão de saber se a decisão controvertida teria sido diferente na falta da decisão de transação é uma questão factual que não é pertinente para apreciar se o Tribunal Geral aplicou o critério jurídico correto para determinar as consequências de uma pretensa falta de imparcialidade objetiva. Assim, a conclusão que figura no n.o 289 do acórdão recorrido é uma constatação factual que não pode ser posta em causa na fase do presente recurso, pelo que as alegações formuladas pelas sociedades HSBC relativamente a esta conclusão são inadmissíveis. Além disso, a Comissão entende que, em todo o caso, a decisão controvertida não teria sido diferente se não existisse a decisão de transação.

69

Em segundo lugar, a Comissão respeitou tanto a sua obrigação de imparcialidade objetiva como a presunção de inocência das sociedades HSBC quando adotou a decisão de transação antes da adoção da decisão controvertida.

70

Em primeiro lugar, um processo «híbrido» não é, enquanto tal, proibido pelo princípio da presunção de inocência, o que as sociedades HSBC aceitam expressamente no seu recurso. Esta conclusão é, além disso, confirmada pela legislação aplicável e pela jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral. De resto, a decisão de transação não contém nenhuma constatação de responsabilidade nem nenhum elemento que cause prejuízo às sociedades HSBC.

71

Em segundo lugar, as referências às sociedades HSBC na decisão de transação devem ser apreciadas à luz das garantias processuais oferecidas numa fase posterior do procedimento. Ora, essas sociedades beneficiaram de todas as garantias suficientes, entre as quais a presunção de inocência, bem como de um processo equitativo, previamente à adoção da decisão controvertida.

Apreciação do Tribunal de Justiça

72

Com o seu primeiro fundamento, as sociedades HSBC, apoiadas pelas intervenientes, alegam que o Tribunal Geral cometeu, nos n.os 287 a 292 do acórdão recorrido, um erro de direito ao julgar inoperante o seu fundamento relativo a uma violação da presunção de inocência e do direito a uma boa administração e do respeito dos direitos de defesa.

73

Em especial, as sociedades HSBC alegam que o Tribunal Geral aplicou um critério jurídico errado ao declarar, nomeadamente no n.o 289 desse acórdão, que as irregularidades alegadas, em particular as ligadas a uma eventual falta de imparcialidade objetiva da Comissão, só podiam implicar a anulação da decisão controvertida se fosse demonstrado que, sem essas irregularidades, essa decisão teria tido um conteúdo diferente.

74

A título preliminar, há que rejeitar os argumentos da Comissão relativos à inadmissibilidade de certos argumentos invocados em apoio do presente fundamento na medida em que visam contestar apreciações factuais do Tribunal Geral. Com efeito, resulta claramente da formulação deste fundamento e de todos os argumentos invocados em seu apoio que as sociedades HSBC pretendem contestar o critério jurídico que o Tribunal Geral aplicou para julgar improcedente o seu quinto fundamento de anulação, o que constitui uma questão de direito.

75

No que respeita a este quinto fundamento de anulação, há que recordar que, com este, as sociedades HSBC alegaram no Tribunal Geral que a decisão controvertida devia ser objeto de anulação pelo facto de a decisão de transação ter sido adotada pela Comissão em violação, por um lado, da presunção de inocência e, por outro, do direito a uma boa administração e dos direitos de defesa.

76

A este respeito, há que recordar que, durante o procedimento administrativo, a Comissão é obrigada a respeitar os direitos fundamentais das empresas em causa. A este título, o princípio da imparcialidade, que decorre do direito a uma boa administração, deve distinguir‑se da presunção de inocência (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão (C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.os 58 e 59).

77

O direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta, prevê que todas as pessoas têm direito, nomeadamente, a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições da União Europeia de maneira imparcial. Esta exigência de imparcialidade abrange, por um lado, a imparcialidade subjetiva, no sentido de que nenhum membro da instituição em causa encarregada do processo deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal e, por outro, a imparcialidade objetiva, no sentido de que a instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir a este respeito todas as dúvidas legítimas. (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 58 e jurisprudência referida).

78

Por outro lado, a presunção de inocência constitui um princípio geral do direito da União, que hoje está enunciado no artigo 48.o, n.o 1, da Carta. Este princípio aplica‑se, atenta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que lhe estão associadas, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.os 59 e 60 e jurisprudência referida).

79

Em conformidade com o artigo 48.o da Carta, lido à luz do artigo 6.o, n.os 2 e 3, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), que importa ter em conta, por força do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, para efeitos da interpretação deste artigo 48.o, a presunção de inocência é violada se uma decisão judicial ou uma declaração oficial relativa a um arguido contiverem uma declaração clara, proferida na falta de condenação definitiva, segundo a qual a pessoa em causa cometeu a infração em questão. Neste contexto, o Tribunal de Justiça recordou que o TEDH sublinhou a importância da escolha dos termos empregados pelas autoridades judiciais, bem como das circunstâncias especiais em que estes foram formulados e da natureza e do contexto do processo em questão (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.os 61 e 62 e jurisprudência referida).

80

Assim, nos processos penais complexos em que são postos em causa vários suspeitos que não podem ser julgados conjuntamente, pode acontecer que o órgão jurisdicional deva imperativamente, para apreciar a culpabilidade dos arguidos, mencionar a participação de terceiros que serão eventualmente julgados separadamente. Todavia, embora devam ser apresentados factos relativos à participação de terceiros, o órgão jurisdicional em causa deve evitar comunicar mais informações do que as necessárias para a análise da responsabilidade penal das pessoas julgadas perante ele. Além disso, a fundamentação de decisões judiciais deve ser formulada em termos suscetíveis de evitar uma decisão prematura potencial relativa à culpabilidade dos terceiros em causa, suscetível de comprometer a análise equitativa das acusações contra elas deduzidas no âmbito de um processo distinto (Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 63 e jurisprudência referida).

81

No caso em apreço, nos n.os 283 a 286 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou, em substância, o princípio da presunção de inocência e o direito a uma boa administração, em conformidade com a jurisprudência reproduzida nos n.os 77 e 78 do presente acórdão.

82

No n.o 287 do acórdão recorrido, considerou que a questão de saber se uma eventual falta de imparcialidade objetiva da Comissão, que poderia ter resultado de uma violação da presunção de inocência em relação às sociedades HSBC por ocasião da adoção da decisão de transação, podia ter tido incidência na legalidade da decisão controvertida, confundia‑se com a questão de saber se as constatações feitas nesta última decisão estavam devidamente comprovadas pelos elementos de prova apresentados pela Comissão.

83

Neste contexto, nos n.os 289 e 291 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou, referindo‑se nomeadamente ao Acórdão Suiker Unie, que a irregularidade relativa a uma eventual falta de imparcialidade objetiva da Comissão só podia conduzir à anulação da decisão controvertida se se demonstrasse que, na falta dessa irregularidade, essa decisão teria tido um conteúdo diferente.

84

No n.o 289 do referido acórdão, considerou que, no caso em apreço, no âmbito do exercício de uma fiscalização plena dos fundamentos pertinentes da referida decisão, com exceção dos aspetos mencionados no n.o 288 do acórdão recorrido, a Comissão fez prova bastante da participação das sociedades HSBC na infração em causa. Por conseguinte, concluiu que nada permitia supor que, na falta da adoção da decisão de transação previamente à adoção da decisão controvertida, o conteúdo desta teria sido diferente e julgou inoperante o fundamento resumido no n.o 75 do presente acórdão.

85

Todavia, tal raciocínio enferma de um duplo erro de direito.

86

Por um lado, o Tribunal Geral ignorou a distinção, recordada no n.o 76 do presente acórdão, que importa operar entre a presunção de inocência e o direito a uma boa administração, visto que, como resulta dos n.os 287 e seguintes do acórdão recorrido, analisou a argumentação das sociedades HSBC relativa à violação da presunção de inocência apenas na perspetiva da falta de imparcialidade objetiva da Comissão. Ora, como resulta do n.o 77 do presente acórdão, a exigência de imparcialidade objetiva constitui apenas um dos aspetos do direito a uma boa administração.

87

Por outro lado, o Tribunal Geral também cometeu um erro de direito ao considerar, em substância, que as irregularidades relativas à presunção de inocência no âmbito da adoção da decisão de transação só podiam implicar a anulação da decisão controvertida se fosse demonstrado que, sem essas irregularidades, a decisão controvertida teria tido um conteúdo diferente.

88

Com efeito, a presunção de inocência, interpretada no sentido recordado nos n.os 79 e 80 do presente acórdão, é igualmente aplicável quando a Comissão, a propósito de um único e mesmo cartel, adota sucessivamente duas decisões com destinatários diferentes, na sequência de dois processos distintos, a saber, por um lado, uma decisão tomada no termo de um procedimento de transação e destinada às empresas que aceitaram a transação e, por outro, uma decisão tomada no termo de um procedimento ordinário e dirigida às outras empresas que participaram no cartel (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 64).

89

Em tal caso, qualificado de procedimento «híbrido», que conduz à adoção de decisões sucessivas, pode, com efeito, ser objetivamente necessário que a Comissão aborde, na decisão que põe termo ao procedimento de transação, certos factos e comportamentos relativos a participantes no cartel alegado que são objeto do procedimento ordinário. Incumbe todavia à Comissão velar, na decisão que põe termo ao procedimento de transação, pela preservação da presunção de inocência das empresas que recusaram a transação e que são objeto de um processo ordinário. (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 65).

90

Para fiscalizar o respeito da presunção de inocência pela Comissão, cabe ao juiz da União analisar a decisão que põe termo ao procedimento de transação e a sua fundamentação no seu conjunto e à luz das circunstâncias específicas em que a mesma foi adotada. Com efeito, qualquer referência expressa, em certas passagens dessa decisão, à inexistência de responsabilidade dos outros participantes no cartel alegado ficaria desprovida de sentido se outras passagens da referida decisão pudessem ser entendidas como uma expressão prematura da sua responsabilidade (Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 66).

91

Daqui resulta que, uma vez que as sociedades HSBC invocavam perante si uma violação da presunção de inocência devido à adoção da decisão de transação, o Tribunal Geral não se podia limitar a julgar estes argumentos inoperantes por não estar demonstrado que, na falta das irregularidades alegadas, a decisão controvertida teria tido um conteúdo diferente.

92

Tendo em conta o que foi recordado no n.o 90 do presente acórdão, o Tribunal Geral estava, portanto, obrigado a analisar a decisão que põe termo ao procedimento de transação e a sua fundamentação no seu todo, à luz das circunstâncias específicas em que este tinha sido adotado, a fim de fiscalizar se, como alegavam as sociedades HSBC, esta decisão era suscetível de ser entendida como uma expressão prematura da sua responsabilidade.

93

Por conseguinte, ao considerar que as irregularidades relativas à presunção de inocência no âmbito da adoção da decisão de transação só podiam conduzir à anulação da decisão controvertida se fosse demonstrado que, sem essas irregularidades, a decisão controvertida teria tido um conteúdo diferente, o Tribunal Geral aplicou um critério errado que o levou a não proceder à análise da questão de saber se a adoção da decisão de transação tinha violado o respeito da presunção de inocência no âmbito do procedimento que conduziu à adoção da decisão controvertida.

94

A este respeito, a Comissão não pode sustentar que a abordagem seguida pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante, nomeadamente, do Acórdão Suiker Unie.

95

Com efeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 60 a 62 das suas conclusões, uma violação, pela Comissão, do princípio da imparcialidade e da presunção de inocência no âmbito do processo «híbrido» em causa no caso em apreço constitui uma violação suficientemente grave que é suscetível de viciar todo o procedimento que levou à adoção da decisão controvertida. Tal irregularidade que tem por efeito violar os direitos fundamentais das empresas em causa garantidos no âmbito desse processo não pode ser comparada com o tipo de erros cuja gravidade é suscetível de ter pouca influência na decisão final, como a que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão Suiker Unie, o qual, de resto, não dizia respeito a um processo «híbrido».

96

Assim, sob pena de privar a presunção de inocência de qualquer conteúdo, o Tribunal Geral não se podia subtrair à obrigação de proceder ao exame da decisão de transação para determinar se essa decisão era conforme com este princípio pelo facto de não estar demonstrado que a decisão controvertida teria tido um conteúdo diferente na falta da decisão de transação.

97

Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar procedente o primeiro fundamento de recurso.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

98

As sociedades HSBC, apoiadas pelas intervenientes, alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que a tentativa de manipulação do prazo Euribor de três meses (Euribor‑3M), em 19 de março de 2007, estava abrangida pela definição de infração por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

99

Em especial, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral declarou erradamente, nos n.os 101 e 102 do acórdão recorrido, que a simples possibilidade de as partes nesta manipulação proporem condições que sejam melhores do que as dos seus concorrentes bastava para concluir que a referida manipulação apresentava um grau suficiente de nocividade para a concorrência que deu origem a uma infração por objeto. A assimetria de informação a que o Tribunal Geral faz referência só podia restringir ou falsear o jogo normal da concorrência nas taxas fixas e/ou variáveis dos EIRD se esta informação conferisse aos traders a capacidade e a vontade de propor taxas mais competitivas. A capacidade teórica de propor taxas mais competitivas não demonstra que a manipulação de 19 de março de 2007 era, em si mesma, prejudicial ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência no setor dos EIRD.

100

Assim, a Comissão não examinou, nem na comunicação de acusações nem na decisão controvertida, a questão de saber se o conhecimento da manipulação de 19 de março de 2007 tinha incitado os traders a propor taxas mais competitivas do que os seus concorrentes.

101

As sociedades HSBC apresentaram um elemento de prova a este respeito, a saber, o relatório pericial das sociedades HSBC, que não foi contestado pela Comissão. A conclusão a que o Tribunal Geral chegou no n.o 101 do acórdão recorrido, segundo a qual este elemento só contém considerações gerais, constitui uma manifesta distorção do referido elemento de prova. Em todo o caso, o Tribunal Geral não dispõe de nenhum elemento de prova que demonstre ou mesmo sugira que os traders envolvidos na manipulação da taxa Euribor‑3M eram incitados a propor taxas mais competitivas. O Tribunal Geral parece presumir, no n.o 103 do acórdão recorrido, que bastava concluir que era do interesse dos traders participantes alterar a sua posição de negociação (trading) à luz do seu conhecimento desta manipulação. Ora, pelo contrário, os traders não foram incentivados a ajustar os seus preços para refletir a referida manipulação.

102

Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, no n.o 111 do acórdão recorrido, ao declarar que a manipulação de 19 de março de 2007 constituía uma restrição por objeto.

103

A Comissão considera que este fundamento é inoperante.

Apreciação do Tribunal de Justiça

104

A título preliminar, há que rejeitar o argumento da Comissão segundo o qual o presente fundamento é inoperante. É certo que este fundamento visa essencialmente os n.os 101 e 102 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral rejeitou alguns dos argumentos formulados pelas sociedades HSBC para contestar a qualificação de restrição de concorrência por objetivo aplicada à manipulação da Euribor de 19 de março de 2007. Todavia, este fundamento refere‑se mais amplamente à questão de saber se o Tribunal Geral podia considerar, no termo da sua apreciação que figura nos n.os 85 e seguintes deste acórdão, que esta manipulação apresentava um grau de nocividade suficiente em relação à concorrência, tendo em conta a circunstância invocada pelas sociedades HSBC que os traders em causa não tinham nenhum interesse em propor taxas mais competitivas do que os seus concorrentes.

105

Com o segundo fundamento, as sociedades HSBC alegam, portanto, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confirmar a qualificação de infração por objeto adotada pela Comissão no que respeita a esta manipulação.

106

A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o critério jurídico essencial para determinar se um acordo comporta uma restrição da concorrência «por objeto» reside na constatação de que esse acordo apresenta, em si mesmo, um grau suficiente de nocividade para a concorrência para considerar que não há que procurar os seus efeitos (Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 20, e de 2 de abril de 2020, Budapest Bank e o., C‑228/18, EU:C:2020:265, n.o 37).

107

Para apreciar se um acordo entre empresas ou uma decisão de associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência «por objetivo» na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, há que atender ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa alcançar, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (Acórdão de 2 de abril de 2020, Budapest Bank e o., C‑228/18, EU:C:2020:265, n.o 51 e jurisprudência referida).

108

No caso em apreço, resulta das constatações de facto efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 85 a 90 do acórdão recorrido que a manipulação de 19 de março de 2007 consistia na apresentação de comunicações baixas da taxa Euribor‑3M com vista a diminuir essa taxa nessa data, com o objetivo de obter um ganho financeiro numa categoria de EIRD, a saber, os contratos a termo («future») de taxas de juro indexadas à Euribor‑3M. Segundo essas constatações, que não são contestadas pelas sociedades HSBC, essa manipulação consistia em adotar progressivamente uma exposição «compradora» muito significativa, para a qual o banco recebe uma taxa fixa e paga a taxa variável, fazendo baixar o nível da taxa variável na data de vencimento, através de uma ação concertada.

109

Nos n.os 92 e 93 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral teve em conta, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 107 do presente acórdão, as constatações efetuadas pela Comissão na decisão controvertida relativas ao funcionamento do mercado dos EIRD e à determinação dos fluxos de tesouraria neste mercado. Assim, afirmou que a taxa da Euribor, sobre a qual tinha incidido a manipulação de 19 de março de 2007, determinava diretamente os fluxos de tesouraria devidos a título da «perna variável» dos EIRD e que era igualmente pertinente para a determinação dos fluxos de tesouraria devidos a título da «perna fixa» dos EIRD.

110

Decorre destes números do acórdão recorrido que a qualificação de infração por objeto adotada pela Comissão relativamente à referida manipulação residia essencialmente numa restrição da concorrência provocada por uma assimetria de informação entre os atores do mercado, uma vez que os participantes na referida manipulação, por um lado, estavam mais bem colocados para saber antecipadamente com uma certa precisão o nível em que a Euribor seria fixada ou deveria sê‑lo pelos seus concorrentes que atuavam em conluio e, por outro, sabiam se, numa data específica, a Euribor era fixada, ou não, num nível artificial.

111

Há que constatar que o Tribunal Geral podia concluir que, por estas razões, a qualificação de restrição por objeto podia ser aceite relativamente à manipulação de 19 de março de 2007.

112

Com efeito, decorre dos n.os 59 a 67 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral se baseou, corretamente, na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às trocas de informações entre concorrentes.

113

Nos termos dessa jurisprudência, os critérios de coordenação e de cooperação constitutivos de uma prática concertada devem ser compreendidos à luz da conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado interno (Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 119 e jurisprudência referida).

114

Embora essa exigência de autonomia não exclua o direito de os operadores económicos se adaptarem inteligentemente ao comportamento verificado ou esperado dos seus concorrentes, opõe‑se, no entanto, rigorosamente a qualquer contacto direto ou indireto entre esses operadores que possa influenciar o comportamento no mercado de um concorrente efetivo ou potencial, isto é, revelar a esse concorrente o comportamento que decidiu ter ou que projeta adotar nesse mercado, quando esses contactos tenham por objetivo ou por efeito levar a condições de concorrência que não correspondam às condições normais do mercado em causa, tendo em conta a natureza dos produtos ou das prestações fornecidas, a importância e o número das empresas e o volume desse mercado (Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 120 e jurisprudência referida).

115

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que a troca de informações entre concorrentes é suscetível de ser contrária às regras da concorrência quando atenua ou suprime o grau de incerteza quanto ao funcionamento do mercado em causa, tendo por consequência a restrição da concorrência entre empresas (Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 121 e jurisprudência aí referida).

116

Em especial, deve considerar‑se que tem um objetivo anticoncorrencial uma troca de informações suscetível de eliminar incertezas no espírito dos interessados quanto à data, à dimensão e às modalidades da adaptação do comportamento no mercado que as empresas em causa vão pôr em prática (Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 122 e jurisprudência aí referida).

117

No caso em apreço, como declarou o Tribunal Geral nos n.os 95 a 97 do acórdão recorrido, a assimetria de informação resultante da manipulação de 19 de março de 2007 não correspondia às condições normais do mercado em causa na medida em que tinha por objeto uma variável essencial à concorrência no mercado dos EIRD, a saber, a taxa variável pertinente para a determinação dos fluxos de tesouraria neste mercado. Esta manipulação levou, assim, a eliminar incertezas no espírito dos participantes no cartel quanto à data, à dimensão e às modalidades da adaptação do seu comportamento nesse mercado, e isto em detrimento dos seus concorrentes que não estavam informados dessa manipulação. O Tribunal Geral salientou, a este respeito, no que respeita em especial às sociedades HSBC, que, quando os traders negociaram a «perna fixa» dos contratos em causa, estavam em posição de o fazer sabendo que a taxa variável seria baixa.

118

Assim, a referida manipulação atenuou ou suprimiu o grau de incerteza quanto ao funcionamento do mercado em causa, tendo como consequência uma restrição da concorrência entre empresas, pelo que o Tribunal Geral teve razão ao considerar que apresentava um grau suficiente de nocividade para a concorrência para ser qualificada de infração por objeto.

119

Tal conclusão não é posta em causa pelo argumento das sociedades HSBC segundo o qual, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 96 do acórdão recorrido, os participantes no cartel não tinham interesse em propor taxas mais competitivas do que as dos concorrentes quando tinham conhecimento de que os fluxos de tesouraria ligados aos contratos em causa eram positivos.

120

A este respeito, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma prática concertada pode ter um objetivo anticoncorrencial ainda que não tenha uma relação direta com os preços no consumo. Com efeito, a redação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE não permite considerar que só são proibidas as práticas concertadas que tenham um efeito direto sobre o preço pago pelos consumidores finais. Pelo contrário, resulta desse artigo 101.o, n.o 1, alínea a), TFUE que uma prática concertada pode ter um objetivo anticoncorrencial se consistir «em fixar de forma direta ou indireta os preços de compra ou de venda ou outras condições de transação» (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.os 123 e 124 e jurisprudência referida).

121

Seja como for, o artigo 101.o TFUE, à semelhança das outras regras da concorrência enunciadas no Tratado, não se destina apenas a proteger os interesses diretos dos concorrentes ou dos consumidores, mas também a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência enquanto tal. Por conseguinte, a verificação da existência do objetivo anticoncorrencial de uma prática concertada não pode estar sujeita à da sua ligação direta com os preços no consumo (v., por analogia, Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 125 e jurisprudência referida).

122

Ora, no caso em apreço, as sociedades HSBC não contestam que, como o Tribunal Geral constatou nos n.os 100 e 101 do acórdão recorrido, o fluxo de tesouraria no mercado dos EIRD resulta da compensação dos pagamentos devidos a título da «perna fixa» e da «perna variável» dos EIRD. Assim, foi com razão que considerou que o facto de beneficiar de informações privilegiadas sobre a taxa variável aplicável às datas pertinentes colocava os traders dos bancos participantes na infração na posição de determinar a taxa fixa que lhes convinha para lhes garantir a rentabilidade dos EIRD.

123

À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada, nomeadamente, no n.o 116 do presente acórdão, tal constatação bastava para concluir pela existência de um comportamento abrangido pela própria alteração do processo concorrencial no mercado dos EIRD, sem que fosse, a este respeito, pertinente determinar se os traders em causa tinham um interesse comercial em determinar a taxa variável a um nível específico.

124

Com efeito, resulta das constatações do Tribunal Geral não contestadas pelas sociedades HSBC que, tendo em conta o funcionamento do mercado dos EIRD, a fixação em baixa da taxa variável se explicava unicamente pelo interesse comercial dos traders em causa em não entrar em concorrência com base no mérito. Ao entenderem o nível de uma variável suscetível de determinar a taxa fixa dos EIRD, substituíram deliberadamente o risco da concorrência por uma cooperação prática entre eles, o que está abrangido pela qualificação de restrição por objeto.

125

Por conseguinte, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre o argumento de uma desvirtuação pelo Tribunal Geral dos elementos de prova apresentados pelas sociedades HSBC, há que concluir que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar, no n.o 111 do acórdão recorrido, que a manipulação de 19 de março de 2007 constituía uma restrição por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

126

Por conseguinte, o segundo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

127

Com o seu terceiro fundamento, as sociedades HSBC, apoiadas pelas intervenientes, contestam a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral nos n.os 149 a 160 do acórdão recorrido das conversações sobre os preços medianos («mids») que tiveram lugar em 14 e 16 de fevereiro de 2007.

128

O Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nomeadamente nos n.os 154 e 157 a 160 do acórdão recorrido, ao examinar os seus argumentos relativos aos efeitos pró‑concorrenciais das trocas de informações sobre esses preços à luz da chamada doutrina das «restrições acessórias». Com efeito, o Tribunal Geral deveria antes ter‑se referido à jurisprudência relativa ao conceito de «restrição por objeto», o que o levou a analisar os referidos argumentos no contexto económico e jurídico do comportamento em causa.

129

Nem as sociedades HSBC nem a Comissão invocaram no Tribunal Geral esta doutrina, que não é pertinente no caso em apreço. A referida doutrina remete antes para um comportamento que se insere no âmbito de uma operação ou de uma atividade comercial específica num mercado, como a venda de uma empresa ou a celebração de um contrato de franquia. Além disso, a mesma doutrina não constitui o único caso em que é possível apreciar um argumento relativo ao caráter pró‑concorrencial de um dado comportamento.

130

Na sua réplica, as sociedades HSBC alegam que, após a interposição do recurso, o Tribunal de Justiça confirmou, nos Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 103), e de 2 de abril de 2020, Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2020:265, n.os 74, 75, 81 e 82), que, quando as partes num acordo invocam efeitos pró‑concorrenciais associados a este acordo, estes efeitos devem ser devidamente tidos em conta, enquanto elemento do contexto do referido acordo, para efeitos da sua qualificação de restrição por objeto.

131

Assim, as sociedades HSBC acusam o Tribunal Geral de não ter tido em conta os efeitos pró‑concorrenciais das conversas sobre os preços medianos enquanto elemento pertinente do contexto, uma vez que considerou erradamente que estes efeitos eram desprovidos de pertinência no âmbito do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, salvo no âmbito da chamada doutrina das «restrições acessórias».

132

Ora, o relatório de peritagem das sociedades HSBC demonstrou os efeitos pró‑concorrenciais das conversas em causa. Este elemento de prova responde às exigências resultantes do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 103), pelo que foi erradamente que o Tribunal Geral não o examinou. Além disso, o Tribunal Geral não identificou nenhum outro elemento que prove uma experiência sólida e fiável a fim de demonstrar que as trocas sobre os preços medianos eram, por natureza, suficientemente prejudiciais à concorrência.

133

A Comissão sustenta que o Tribunal Geral confirmou acertadamente que as trocas sobre os preços medianos constituem uma infração por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. A argumentação das sociedades HSBC assenta numa leitura parcial e errada do acórdão recorrido.

134

Nos n.os 128 a 139 desse acórdão, o Tribunal Geral respondeu aos argumentos das sociedades HSBC segundo os quais as trocas sobre os preços medianos têm efeitos pró‑concorrenciais e confirmou a constatação da Comissão de que estes preços representam a perceção individual do preço de mercado por parte do trader. Em seguida, nos n.os 128 a 148 do acórdão recorrido, que não são contestados pelas sociedades HSBC, o Tribunal Geral examinou em que medida os preços medianos eram pertinentes para a fixação dos preços no setor dos EIRD e as razões pelas quais as trocas em causa, nomeadamente as de 14 e 16 de fevereiro de 2007, constituíam infrações por objeto. Neste contexto, nos n.os 154 e 157 a 160 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral avaliou essas trocas à luz da chamada doutrina das «restrições acessórias», após ter constatado que as referidas conversas eram abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. As sociedades HSBC não contestam este raciocínio.

135

Os argumentos das sociedades HSBC segundo os quais o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter em conta, no âmbito da sua apreciação do contexto económico e jurídico, os elementos pró‑concorrenciais das trocas controvertidas são, em todo o caso, desprovidos de fundamento. Com efeito, estes argumentos não são suscetíveis de fazer duvidar razoavelmente de que essas conversas tinham um caráter suficientemente nocivo para a concorrência para serem qualificadas de restrição da concorrência por objeto.

136

Na sua tréplica, a Comissão sustenta que os Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), e de 2 de abril de 2020, Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2020:265), não são suscetíveis de sustentar a tese das sociedades HSBC. Além disso, estas últimas referiram‑se em vão ao seu relatório pericial, na medida em que a pertinência deste relatório foi corretamente afastada no n.o 101 do acórdão recorrido. Além disso, contrariamente ao que estas sociedades alegam, a Comissão não procede a uma requalificação das trocas comerciais controvertidas, baseando‑se antes na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às práticas que são suscetíveis de eliminar o grau de incerteza dos concorrentes no mercado. Por último, mesmo que o Tribunal de Justiça conclua que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter em conta os efeitos pró‑concorrenciais, esta conclusão não pode conduzir à anulação do acórdão recorrido. Com efeito, o argumento das sociedades HSBC segundo o qual as trocas são pró‑concorrenciais não permite razoavelmente duvidar da conclusão da Comissão de que as conversas visavam falsear a concorrência.

Apreciação do Tribunal de Justiça

137

Quanto às conversas sobre os preços medianos, que são objeto do presente fundamento, o Tribunal Geral declarou, no n.o 138 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cometido nenhum erro ao salientar que as trocas constantes das conversas de 14 e 16 de fevereiro de 2007 tinham um objetivo restritivo da concorrência.

138

Com o presente fundamento, as sociedades HSBC alegam que o Tribunal Geral aplicou um critério errado para afastar os seus argumentos relativos à existência de efeitos pró‑concorrenciais destas trocas, suscetíveis de pôr em causa a qualificação de restrição por objeto a seu respeito. Criticam, em substância, o Tribunal Geral por se ter baseado na chamada doutrina das «restrições acessórias», resultante nomeadamente dos Acórdãos de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão (42/84, EU:C:1985:327), e de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201).

139

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, sempre que as partes num acordo invoquem os efeitos pró‑concorrenciais que lhes estão associados, tais efeitos devem, enquanto elementos do contexto desse acordo, ser devidamente tidos em conta para efeitos da sua qualificação de «restrição por objetivo», na medida em que são suscetíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficientemente nocivo da prática colusória em causa relativamente à concorrência e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por objetivo» [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 103].

140

Uma vez que a tomada em consideração desses efeitos pró‑concorrenciais não tem como objetivo afastar a qualificação de «restrição da concorrência», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, mas apenas apreender a gravidade objetiva da prática em causa e, consequentemente, definir as formas de a provar, de modo nenhum se opõe à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça de acordo com a qual o direito europeu da concorrência não reconhece nenhuma «regra de razão», por força da qual se deva proceder a uma ponderação dos efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo quando se proceda à sua qualificação como «restrição da concorrência», nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, p. 104 e jurisprudência referida].

141

Decorre desta jurisprudência que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 154 do acórdão recorrido, que, com exceção das restrições acessórias a uma operação principal, só no âmbito da apreciação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE é que eventuais efeitos pró‑concorrenciais podem ser tomados em consideração.

142

Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral aplicou um critério errado ao declarar, no n.o 155 do acórdão recorrido, que cabia, por conseguinte, às sociedades HSBC, demonstrar que as conversas sobre os preços medianos estavam diretamente relacionadas com e eram necessárias ao funcionamento do mercado dos EIRD ou que respondiam aos requisitos do artigo 101.o, n.o 3, TFUE.

143

Tal erro levou‑o a não examinar os argumentos das sociedades HSBC relativos à existência de efeitos pró‑concorrenciais associados às trocas sobre os preços medianos, quando estas últimas tinham sido invocadas por estas sociedades para pôr em causa a qualificação de restrição por objeto adotada relativamente a essas trocas.

144

Por conseguinte, há que julgar procedente o terceiro fundamento.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

145

Com este fundamento, as sociedades HSBC criticam o n.o 164 do acórdão recorrido no qual o Tribunal Geral declarou que a conversa de 12 de fevereiro de 2007 se inseria no âmbito da manipulação de 19 de março de 2007 e, portanto, constituía uma infração ao artigo 101.o TFUE, tal como a conversa de 16 de fevereiro de 2007, na medida em que consistia numa troca sobre os preços medianos. Ao basear‑se apenas neste fundamento para concluir que não era necessário verificar se as discussões de 12 e 16 de fevereiro de 2007 estavam igualmente abrangidas pela qualificação de infração por objeto, o Tribunal Geral desvirtuou manifestamente os elementos de prova que lhe foram apresentados.

146

Assim, as sociedades HSBC alegam que a conversa de 12 de fevereiro de 2007 abrangia duas conversas distintas entre os dois traders em causa, razão pela qual estas sociedades, no seu recurso de anulação, distinguiram estas duas conversas. Se o Tribunal Geral tivesse tratado corretamente a primeira conversa como sendo distinta da segunda, teria necessariamente concluído que esta primeira conversa não constituía uma violação do artigo 101.o TFUE.

147

Quanto à conversa de 16 de fevereiro de 2007, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e de apreciação semelhante ao evocado no número anterior, uma vez que se realizaram duas conversas distintas nesse dia, a saber, por um lado, uma primeira sobre os preços médios e, por outro, uma segunda sobre uma transação passada isolada e uma posição de trading atual. Como o próprio Tribunal Geral reconheceu no n.o 124 do acórdão recorrido, a primeira conversa foi objeto da primeira alegação feita no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento de anulação e a segunda conversa foi contestada no âmbito da segunda alegação desta parte. Pelas razões que figuram no recurso de anulação, esta segunda discussão não é suscetível de restringir ou falsear a concorrência.

148

A Comissão considera que o presente fundamento é inoperante e, em todo o caso, improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

149

Com o presente fundamento, as sociedades HSBC criticam o n.o 164 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral declarou, em substância, que as conversas de 12 e 16 de fevereiro de 2007 estavam relacionadas com a manipulação de 19 de março de 2007 ou eram relativas aos preços medianos, o que justificava o facto de a Comissão ter corretamente considerado a qualificação de restrição por objeto a respeito destas conversas. Alegam que esta conclusão está viciada por uma desvirtuação dos elementos de prova.

150

A este respeito, há que observar que, como sustenta a Comissão, o presente fundamento é inoperante.

151

Com efeito, mesmo admitindo que, como alegam as sociedades HSBC, as conversas de 12 e 16 de fevereiro de 2007 deveriam ser entendidas no sentido de que abordaram vários assuntos, alguns dos quais não incidiam sobre a manipulação de 19 de março de 2007 ou sobre os preços medianos, estas sociedades não contestam que estas conversas tinham, pelo menos em parte, um objetivo anticoncorrencial relacionado com esta manipulação.

152

Por conseguinte, este fundamento não pode conduzir à anulação do acórdão recorrido e deve, portanto, ser julgado inoperante.

Quanto ao quinto fundamento

Argumentos das partes

153

Com este fundamento, as sociedades HSBC, apoiadas pelas intervenientes, contestam os n.os 214 a 229 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral considerou que os diferentes comportamentos identificados pela Comissão prosseguiam um objetivo único.

154

As sociedades HSBC reconhecem que, como o Tribunal Geral declarou corretamente no n.o 216 deste acórdão, o conceito de «objetivo único» não pode ser determinado por uma referência geral à distorção da concorrência num determinado setor, uma vez que tal interpretação privaria o conceito de «infração única e continuada» de uma parte do seu sentido. De igual modo, as sociedades HSBC não contestam a conclusão que figura no n.o 217 do referido acórdão, segundo a qual apenas as restrições de concorrência em relação às quais foi demonstrado que tinham por objeto falsear o curso normal da taxa fixa ou da taxa variável dos EIRD podem estar abrangidas pelo objetivo único considerado pela Comissão.

155

No entanto, o Tribunal Geral apreciou erradamente a questão de saber se o comportamento das sociedades HSBC estava relacionado com a manipulação de 19 de março de 2007, na medida em que esta manipulação tinha por objeto as comunicações da Euribor, as outras trocas sobre as posições de trading, bem como as intenções e a estratégia em matéria de preços dos EIRD, prosseguiam um objetivo único.

156

Em primeiro lugar, se o Tribunal de Justiça julgar procedente o segundo fundamento do presente recurso, daí decorre que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, nos n.os 219 e 220 do acórdão recorrido, que a manipulação de 19 de março de 2007 prosseguia o objetivo anticoncorrencial único identificado pelo Tribunal Geral no n.o 217 desse acórdão.

157

Em segundo lugar, em todo o caso, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 221 a 225 do referido acórdão, ao considerar que o objetivo anticoncorrencial da conversa de 27 de março de 2007 não era contestado.

158

Com efeito, as sociedades HSBC nunca admitiram tal objetivo anticoncorrencial e a Comissão também não efetuou tal constatação na decisão controvertida. Pelo contrário, a única parte da discussão de 27 de março de 2007 que esta decisão identificou como fazendo parte da infração única e continuada é a troca de informações sobre a dimensão da posição de negociação (trading) por parte do trader do Barclays com vista à manipulação de 19 de março de 2007. Assim, ainda que o Tribunal Geral tenha considerado corretamente, no n.o 225 do acórdão recorrido, que diferentes manipulações das taxas de referência podem, em princípio, integrar o mesmo objetivo único, substituiu a fundamentação da Comissão pela sua e, assim, excedeu os limites da sua fiscalização ao considerar que a conversa de 27 de março de 2007 prosseguia esse objetivo único.

159

Em terceiro lugar, no que respeita às trocas sobre as posições de negociação (trading) e sobre as intenções e a estratégia em matéria de preços, o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 228 do acórdão recorrido, que as conversas de 14 e 16 de fevereiro de 2007, relativas aos preços medianos, tinham por objetivo comum falsear o curso normal da taxa fixa ou variável dos EIRD. Com efeito, nada nos n.os 139 a 161 do acórdão recorrido indica que as discussões sobre os preços medianos prosseguiam tal objetivo. Embora, contrariamente ao que as sociedades HSBC alegam no âmbito do terceiro fundamento de recurso, o Tribunal Geral tenha tido razão ao considerar que o objeto destas conversas era anticoncorrencial, o objetivo destas não foi o de uma distorção do curso normal da taxa fixa ou variável dos EIRD, como foi descrito no n.o 217 do acórdão recorrido. O mecanismo descrito nos n.os 139 a 161 deste acórdão remete para uma situação diferente da que consiste em falsear os preços dos EIRD.

160

Segundo as sociedades HSBC, o n.o 228 do acórdão recorrido assenta, portanto, num erro de direito. O Tribunal Geral devia ter concluído que, se as duas conversas sobre os preços medianos devessem ser consideradas restritivas da concorrência pelo seu objeto, o que estas sociedades contestam no terceiro fundamento de recurso, essas conversas teriam, no entanto, prosseguido um objetivo diferente do da manipulação de 19 de março de 2007.

161

A Comissão sustenta que o presente fundamento deve ser julgado inadmissível, uma vez que equivale a pedir ao Tribunal de Justiça que proceda a uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova. Em todo o caso, segundo a Comissão, considerados individualmente, os argumentos das sociedades HSBC em apoio do referido fundamento são inadmissíveis, inoperantes ou improcedentes.

Apreciação do Tribunal de Justiça

162

Com o presente fundamento, as sociedades HSBC põem em causa as apreciações do Tribunal Geral que o levaram a concluir que alguns dos seus comportamentos estavam abrangidos pelo objetivo único considerado pela Comissão, conforme descrito no n.o 217 do acórdão recorrido, enquanto elemento constitutivo de uma infração única e continuada.

163

Em primeiro lugar, no que respeita à conversa de 27 de março de 2007 relativa à possibilidade de uma futura manipulação das taxas de referência, as sociedades HSBC consideram, por um lado, que o Tribunal Geral se baseou numa premissa errada no n.o 222 do acórdão recorrido, ao afirmar que o objetivo restritivo da concorrência prosseguido por esta conversa não era contestado por estas sociedades.

164

Na fase do presente recurso, as sociedades HSBC limitam‑se a sustentar que nunca admitiram que a referida conversa tenha tido tal objeto. Todavia, como salientou o Tribunal Geral no n.o 222 do acórdão recorrido, é pacífico que não formularam nenhum fundamento de anulação destinado a contestar a circunstância de o termo do período da infração que lhes foi imputado ter sido fixado em 27 de março de 2007, ou seja, na data da discussão controvertida. Ora, à luz das considerações do Tribunal Geral que figuram nos n.os 216 e 217 deste acórdão, que não são contestados pelas sociedades HSBC, tal constatação implicava necessariamente que esta conversa prosseguia um objetivo restritivo da concorrência.

165

A este respeito, importa salientar que não podem ser apresentados fundamentos novos, não apresentados no recurso para o Tribunal de Justiça, como decorre do artigo 127.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 190.o deste regulamento, pelo que a argumentação das sociedades HSBC é inadmissível (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2000, British Steel/Comissão, C‑1/98 P, EU:C:2000:644, n.o 47 e jurisprudência referida).

166

Por outro lado, ao sustentar, com a sua argumentação, que a conclusão que figura no n.o 222 do acórdão recorrido vai contra as constatações que figuram na decisão controvertida, as sociedades HSBC acusam, em substância, o Tribunal Geral de ter desvirtuado essa decisão.

167

Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando o recorrente invoca uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, primeiro parágrafo, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Por outro lado, a desvirtuação deve resultar manifestamente dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 99 e jurisprudência aí referida).

168

No caso em apreço, não resulta manifestamente dos elementos apresentados pelas sociedades HSBC que o Tribunal Geral procedeu, no n.o 222 do acórdão recorrido, a uma desvirtuação dos considerandos 339, 358 e 491 da decisão controvertida.

169

Por conseguinte, a argumentação das sociedades HSBC relativa à conversa de 27 de março de 2007 é inadmissível.

170

Em segundo lugar, no que respeita às conversas de 14 e 16 de fevereiro de 2007 relativas aos preços medianos, importa referir que, com a sua argumentação, as sociedades HSBC contestam as apreciações factuais que o Tribunal Geral efetuou a respeito do objetivo prosseguido por essas conversas.

171

Ora, tal argumentação é inadmissível em sede de recurso.

172

Tendo em conta o exposto, importa, portanto, declarar inadmissível o quinto fundamento do recurso principal.

Quanto ao sexto fundamento

Argumentos das partes

173

Com este fundamento, as sociedades HSBC contestam a conclusão do Tribunal Geral que figura nos n.os 255 a 262 do acórdão recorrido, segundo a qual estas sociedades sabiam que participavam numa infração única e continuada que englobava não só a manipulação de 19 de março de 2007 mas igualmente as conversas de 19 e 27 de março de 2007 sobre a possibilidade de reiterar essa manipulação.

174

Precisam que o referido fundamento, cujo tratamento não depende inteiramente do que foi reservado ao quinto fundamento, tem por objeto o conhecimento que essas sociedades tinham de uma infração única e continuada que se prolongava até 27 de março de 2007, independentemente da questão de saber se a discussão relativa à reiteração de uma manipulação nessa data prosseguia o objetivo único identificado pelo Tribunal Geral.

175

Tendo em conta os princípios aplicáveis ao conceito de «infração única e continuada» que, segundo as sociedades HSBC, foram corretamente recordados nos n.os 198, 260 e 261 do acórdão recorrido, a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual estas sociedades participaram numa infração única e continuada que se prolongou até 27 de março de 2007 assenta na premissa de que a referência feita em 27 de março de 2007 à perspetiva de reiterar a manipulação constitui, por um lado, uma infração na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e, por outro, uma «medida positiva específica» na aceção da jurisprudência invocada pelo Tribunal Geral.

176

Ora, a decisão não indica em parte alguma que qualquer discussão sobre a «eventual reiteração» da manipulação de 19 de março de 2007 devia ser considerada um comportamento ilícito na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

177

Neste contexto, na opinião das sociedades HSBC, o Tribunal Geral não podia concluir, sem substituir ilegalmente a fundamentação da Comissão pela sua própria fundamentação, que a sua participação na infração única e continuada prosseguiu até 27 de março de 2007, unicamente com base na referência, feita no âmbito da reunião que teve lugar nessa data, à perspetiva de reiterar a manipulação.

178

Além disso, a troca de informações de 27 de março de 2007 relativa às posições de trading também não pode ser considerada uma «medida positiva particular», na aceção da jurisprudência resultante do Acórdão de 10 de novembro de 2017, Icap e o./Comissão (T‑180/15, EU:T:2017:795, n.o 223), que justifique que se considere que a infração decorreu para além de 19 de março de 2007. Embora esta troca de informações tenha ocorrido em 27 de março de 2007, não teve nenhum efeito além dos da manipulação de 19 de março de 2007.

179

Daqui resulta que a conclusão que figura no n.o 273 do acórdão recorrido, segundo a qual a participação das sociedades HSBC numa infração única e continuada pode ser imputada aos comportamentos dos outros bancos que se inserem no âmbito da manipulação de 19 de março de 2007 e da sua eventual reiteração, assenta num erro de direito.

180

Além disso, esta conclusão baseia‑se numa divisão e numa violação, não permitida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, das conclusões da decisão controvertida, o que constitui, em si mesmo, um erro de direito.

181

A Comissão considera que o tratamento do presente fundamento depende inteiramente do tratamento do quinto fundamento e que o presente fundamento deve, portanto, ser rejeitado pelas mesmas razões.

Apreciação do Tribunal de Justiça

182

Com o presente fundamento, as sociedades HSBC criticam as apreciações do Tribunal Geral que figuram nos n.os 255 a 262 do acórdão recorrido, relativas à conversa de 27 de março de 2007.

183

Na réplica, esclarecem que este fundamento não incide sobre a questão de saber se esta discussão prosseguia o objetivo único identificado pelo Tribunal Geral.

184

Todavia, cumpre referir que a argumentação que as sociedades HSBC desenvolvem em apoio do referido fundamento tende, em substância, a alegar que o Tribunal Geral considerou erradamente que esta conversa prosseguia um objetivo anticoncorrencial.

185

Por conseguinte, há que considerar que o presente fundamento é inadmissível pelos mesmos motivos que justificaram a inadmissibilidade do quinto fundamento.

Conclusão quanto ao recurso

186

Uma vez que o primeiro e terceiro fundamentos do recurso foram julgados procedentes, há que anular o acórdão recorrido na parte em que nega provimento, no n.o 2 do seu dispositivo, ao recurso das sociedades HSBC destinado à anulação do artigo 1.o da decisão controvertida e, a título subsidiário, ao artigo 1.o, alínea b), desta decisão. Todavia, o acórdão recorrido subsiste na parte em que anula, no n.o 1 desse dispositivo, o artigo 2.o, alínea b), da referida decisão.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

187

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

188

Como resulta do n.o 42 do acórdão recorrido, no âmbito do seu recurso, as sociedades HSBC apresentaram, por um lado, pedidos de anulação do artigo 1.o da decisão controvertida e, a título subsidiário, do artigo 1.o, alínea b), desta decisão. Por outro lado, apresentaram pedidos de anulação do artigo 2.o, alínea b), da referida decisão, bem como pedidos de alteração do montante da coima aplicada ao abrigo deste artigo.

189

No que respeita aos pedidos de anulação do artigo 1.o da decisão controvertida e, a título subsidiário, do artigo 1.o, alínea b), desta decisão, as sociedades HSBC alegam, como resumiu o Tribunal Geral nos n.os 48 a 51 do acórdão recorrido, cinco fundamentos relativos:

à qualificação de infração por objeto adotada pela Comissão (primeiro fundamento);

à qualificação de infração única e continuada adotada pela Comissão (segundo a quarto fundamentos);

À violação da presunção de inocência, do direito a uma boa administração e dos direitos de defesa (quinto fundamento).

190

Tendo em conta, nomeadamente, a circunstância de esses fundamentos terem sido objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e de a sua análise não necessitar de adotar nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução, o Tribunal de Justiça considera que o recurso no processo T‑105/17 está em condições de ser julgado no que respeita a esses fundamentos e que há que decidir definitivamente sobre o mesmo (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 108).

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à qualificação de infração por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE

Quanto à primeira parte do fundamento, que contesta a qualificação de restrição de concorrência por objeto aplicada à manipulação da Euribor de 19 de março de 2007

191

Pelos mesmos motivos que figuram nos n.os 85 a 114 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Justiça visa adotar, e tendo em conta os n.os 104 a 126 do presente acórdão, há que julgar improcedente esta primeira parte.

Quanto à segunda parte do fundamento, relativa à qualificação de infração por objeto aplicada aos outros comportamentos imputados às sociedades HSBC

192

O Tribunal Geral concluiu no n.o 124 do acórdão recorrido que a argumentação das recorrentes pode ser dividida em duas acusações consoante diga respeito ao mérito da qualificação de restrição por objeto aplicada pela Comissão nas conversas que descreveu, por um lado, como as trocas sobre os preços medianos e, por outro, como as trocas sobre as posições de negociação.

– Quanto à acusação que contesta o mérito da qualificação de restrição por objeto aplicada às trocas comerciais sobre os preços medianos

193

As sociedades HSBC contestam o mérito da qualificação de restrição por objeto aplicada às trocas sobre os preços medianos, a saber, as conversas de 14 e 16 de fevereiro de 2007. Com efeito, por um lado, essas trocas comerciais não restringem a concorrência, na medida em que os preços medianos não constituem o preço ou uma componente de um preço de um derivado de uma taxa de juro. Por outro lado, essas trocas permitiam propor condições mais favoráveis aos clientes. A decisão controvertida padece, a este respeito, de erros manifestos de apreciação e falta de fundamentação.

194

A Comissão conclui pela improcedência da presente alegação.

195

Quanto aos argumentos relativos à inexistência de restrição da concorrência das trocas sobre os preços medianos, tendo em conta a natureza desses preços, o Tribunal de Justiça, subscrevendo os fundamentos que figuram nos n.os 139 a 148 do acórdão recorrido, considera que a Comissão não cometeu um erro ao salientar que essas trocas prosseguiam um objetivo restritivo da concorrência.

196

Quanto à argumentação relativa ao caráter pretensamente pró‑concorrencial das referidas trocas comerciais, decorre dos n.os 139 e 140 do presente acórdão que a tomada em consideração dos efeitos pró‑concorrenciais de uma dada prática não tem por objetivo afastar a qualificação de «restrição da concorrência», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Esses efeitos devem, no entanto, ser devidamente tidos em conta enquanto elemento do contexto dessa prática para efeitos da sua qualificação de «restrição por objetivo», na medida em que são suscetíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficientemente nocivo da prática colusória em causa relativamente à concorrência.

197

Todavia, o Tribunal de Justiça declarou que esta tomada em consideração pressupõe que os efeitos pró‑concorrenciais sejam não só comprovados e pertinentes, mas também específicos do acordo em causa. Além disso, a mera presença de tais efeitos pró‑concorrenciais não pode, enquanto tal, conduzir a afastar a qualificação de «restrição por objetivo». Admitindo que são comprovados, relevantes e específicos do acordo em causa, devem ser suficientemente significativos, de modo a suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência do acordo de resolução amigável em causa e, por conseguinte, do seu objetivo anticoncorrencial [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 105 a 107].

198

A este respeito, importa salientar que a argumentação das sociedades HSBC assenta na afirmação de que é do interesse dos clientes de um banco criador de mercado (market maker) que este reduza a incerteza quanto ao nível do «mid» do mercado a fim de reduzir a diferença comprador/vendedor. Tal redução da incerteza permitiria, assim, aos traders propor preços mais favoráveis a estes clientes.

199

Ora, ainda que assim fosse, tal afirmação é insuficiente para permitir razoavelmente duvidar do caráter suficientemente nocivo em relação à concorrência das trocas comerciais em causa.

200

Com efeito, as próprias sociedades HSBC reconhecem que os «mids» refletem as negociações bilaterais e privadas entre os criadores do mercado e que a redução da incerteza quanto aos preços medianos que daí resulta permite reduzir os riscos que os traders tomam devido à sua atividade de criação de mercado (market making).

201

No considerando 395 da decisão controvertida, a Comissão sublinhou, a este propósito, que as trocas em causa excediam em muito uma troca de informações que eram do domínio público e tinham por objetivo aumentar a transparência entre as partes e, por conseguinte, reduzir significativamente as incertezas normais inerentes ao mercado, em benefício das partes e em detrimento dos outros operadores do mercado. Considerou que os bancos que participaram no cartel tinham assim revelado informações relativas aos aspetos fundamentais da sua estratégia e do seu comportamento no mercado, o que teria reduzido significativamente as incertezas inerentes a um mercado no qual a gestão do risco e das incertezas constitui um dos parâmetros chave da concorrência.

202

Ora, como foi recordado nos n.os 113 e 114 do presente acórdão, a exigência de autonomia inerente ao artigo 101.o TFUE opõe‑se rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos direto ou indireto entre esses operadores suscetível de influenciar o comportamento no mercado de um concorrente atual ou potencial, ou de revelar a esse concorrente o comportamento que decidiu adotar ou que tenha previsto adotar nesse mercado, quando esses contactos tenham por objetivo ou efeito conduzir a condições de concorrência normais do mercado em causa.

203

Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 116 do presente acórdão, deve considerar‑se que uma troca de informações suscetível de eliminar incertezas no espírito dos interessados quanto à data, à amplitude e às modalidades da adaptação do comportamento no mercado que as empresas em causa vão pôr em prática prossegue um objetivo anticoncorrencial independentemente dos efeitos diretos sobre os preços pagos pelos consumidores finais.

204

Na medida em que a Comissão concluiu que as trocas sobre os preços medianos reduziram significativamente as incertezas inerentes a um mercado no qual a gestão do risco e das incertezas constitui um dos parâmetros‑chave da concorrência, esta conclusão bastava para reconhecer que essas trocas implicavam uma restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

205

Neste contexto, o argumento das sociedades HSBC segundo o qual estas trocas permitiram propor preços mais favoráveis aos clientes dos bancos em causa não permite razoavelmente duvidar do caráter nocivo destas trocas relativamente à concorrência no mercado em causa.

206

Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar improcedente a alegação que contesta a justeza da qualificação de restrição por objeto aplicada às trocas sobre os preços medianos.

– Quanto à acusação que contesta o mérito da qualificação de restrição por objeto aplicada às trocas sobre as posições de trading

207

Pelos mesmos motivos que figuram nos n.os 162 a 164 do acórdão recorrido e tendo em conta os n.os 151 e 152 do presente acórdão, há que rejeitar os argumentos das sociedades HSBC relativos à qualificação, por um lado, das discussões de 13 e 28 de fevereiro, bem como de 19 de março de 2007 e, por outro, de 12 e 16 de fevereiro de 2007.

208

Não tendo os n.os 165 a 195 do acórdão recorrido sido contestados no âmbito do presente recurso, há que considerar que as apreciações do Tribunal Geral relativas a esta acusação adquiriram força de caso julgado.

Quanto ao segundo a quarto fundamentos, relativos à qualificação de infração única e continuada aplicada pela Comissão

209

Há que examinar o segundo a quarto fundamentos pela mesma ordem que o Tribunal Geral no acórdão recorrido.

210

O segundo fundamento pelo qual as sociedades HSBC contestam a existência de um «plano de conjunto» que dispõe de um objetivo único deve ser julgado improcedente pelos mesmos motivos que figuram nos n.os 209 a 237 do acórdão recorrido e tendo em conta os n.os 162 a 172 do presente acórdão.

211

No que respeita ao quarto fundamento pelo qual as sociedades HSBC contestam o conhecimento por estas do comportamento ilícito dos outros participantes, há que distinguir, à semelhança do Tribunal Geral no n.o 247 do acórdão recorrido, entre, por um lado, a manipulação de 19 de março de 2007 e a eventualidade da sua reiteração e, por outro, os outros comportamentos tidos em conta pela Comissão a título da infração única e continuada.

212

Em primeiro lugar, os argumentos das sociedades HSBC relativos à manipulação de 19 de março de 2007 e à eventualidade da sua reiteração devem ser afastados pelos mesmos motivos que figuram nos n.os 248 a 262 do acórdão recorrido e tendo em conta os n.os 182 a 185 do presente acórdão.

213

Em segundo lugar, uma vez que os fundamentos que figuram nos n.os 263 a 274 do acórdão recorrido não foram contestados no âmbito do presente recurso, há que considerar que as apreciações do Tribunal Geral relativas ao conhecimento, pelas sociedades HSBC, da participação de outros bancos nos outros comportamentos abrangidos pela infração única e continuada adquiriram força de caso julgado.

214

Por último, no que respeita ao terceiro fundamento, relativo à intenção das sociedades HSBC de participarem na infração única e continuada, os motivos que figuram nos n.os 275 a 280 do acórdão recorrido não foram contestados no âmbito do presente recurso e, por conseguinte, adquiriram força de caso julgado.

Quanto ao quinto fundamento, relativo a uma violação da presunção de inocência, do direito a uma boa administração e dos direitos de defesa

Argumentos das partes

215

As sociedades HSBC alegam que a decisão de transação presumiu que o HSBC era responsável e prejudicou irremediavelmente o seu direito de serem ouvidas. Daqui deduzem que a decisão controvertida deve ser anulada por violação, por um lado, da presunção de inocência e, por outro, dos princípios da boa administração e do respeito pelos direitos de defesa. Referem‑se igualmente às declarações do Comissário então responsável pela política da concorrência a respeito dos resultados do inquérito sobre os EIRD e anteriores à adoção da decisão controvertida. Além disso, sublinham que não tiveram a possibilidade de apresentar observações sobre a comunicação de acusações enviada às partes que decidiram participar na transação.

216

A Comissão pede que o presente fundamento seja julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

– Quanto à violação da presunção de inocência e dos direitos de defesa

217

As sociedades HSBC alegam que a adoção da decisão de transação no âmbito do processo híbrido conduziu a uma violação da presunção de inocência na medida em que esta decisão antecipou a sua responsabilidade e irremediavelmente violou o seu direito de serem ouvidas.

218

Como foi recordado no n.o 90 do presente acórdão, para fiscalizar o respeito da presunção de inocência pela Comissão no âmbito de um processo híbrido, cabe ao juiz da União analisar uma decisão que põe termo ao procedimento de transação e a sua fundamentação no seu conjunto e à luz das circunstâncias particulares em que foi adotada.

219

Em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 79 e 80 do presente acórdão, há que verificar, por um lado, se a Comissão tomou as precauções de redação suficientes na decisão de transação a fim de evitar uma decisão prematura quanto à participação das sociedades HBSC no cartel e, por outro, se as referências a essas sociedades que figuram nessa decisão eram necessárias.

220

Em primeiro lugar, no que respeita às precauções de redação que a Comissão estava obrigada a tomar, a decisão de transação continha, como aliás salientou a Comissão no considerando 529 da decisão controvertida, diversas reservas explícitas a fim de evitar imputar qualquer responsabilidade às partes que não celebraram transação, em particular das sociedades HSBC.

221

Assim, no considerando 3 da decisão de transação, a Comissão precisou que esta decisão se baseava nos factos reconhecidos unicamente pelas partes na transação nessa fase do procedimento e que a referida decisão não estabelecia a responsabilidade das partes que não concluíram transações por qualquer participação numa violação do direito da concorrência da União no processo em causa. Esta precisão foi reiterada no considerando 40 da mesma decisão.

222

Do mesmo modo, na nota de rodapé 4 da decisão de transação, a Comissão indicou que os comportamentos visados nessa decisão que diziam respeito às partes que não concluíram a transação foram exclusivamente evocados para demonstrar a responsabilidade das partes que concluíram uma transação para a violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE.

223

Tendo em conta estes elementos, há que considerar que a Comissão tomou precauções de redação suficientes ao salientar o facto de não ter sido chamada a decidir sobre a participação das sociedades HSBC no cartel alegado.

224

Ao fazê‑lo, a Comissão evitou qualquer juízo antecipado, ou mesmo definitivo, relativo à responsabilidade dessas sociedades. Do mesmo modo, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 80 do presente acórdão, absteve‑se de exprimir qualquer juízo, ainda que potencial, sobre essa responsabilidade (v., por analogia, Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 76).

225

Em segundo lugar, no que respeita à questão de saber se as referências feitas às sociedades HSBC na decisão de transação eram necessárias, importa recordar que, no âmbito de um processo híbrido que conduz à adoção de decisões sucessivas, a Comissão deve, sob a fiscalização do juiz da União, evitar comunicar mais informações relativas à implicação de um terceiro do que é necessário para a qualificação da responsabilidade dos destinatários desta decisão. (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 77 e jurisprudência referida).

226

A este respeito, decorre dos considerandos 3, 36, 37 e 40 e da nota de rodapé 4 da decisão de transação que a descrição dos acontecimentos que figura nessa decisão limitou a menção das partes que não concluíram transações ao estritamente necessário para as necessidades da boa compreensão dos factos do caso em apreço.

227

Do mesmo modo, na apreciação jurídica, não foi feita nenhuma referência individual às partes que não concluíram uma transação, individual ou conjuntamente. Além disso, tendo em conta as precauções de redação tomadas pela Comissão, a decisão de transação não formulou nenhuma conclusão relativamente a estas partes.

228

Como a Comissão sublinhou no considerando 533 da decisão controvertida, neste contexto, as raras referências feitas na decisão de transação à participação de intervenientes diferentes das partes na transação não podem permitir chegar a qualquer conclusão relativamente às partes que não concluíram uma transação.

229

Nestas condições, há que concluir que essas referências eram estritamente necessárias à compreensão e ao apuramento dos factos, pelo que eram compatíveis com a presunção de inocência.

230

Tal constatação não é posta em causa pelos argumentos das sociedades HSBC relativos ao facto de, na nota de rodapé 4 da decisão de transação, a Comissão ter definido o termo «partes» como «todas as empresas objeto do processo» e de esta se ter referido, nomeadamente no considerando 36 desta decisão, aos contactos bilaterais entre o Barclays e estas sociedades na descrição das práticas em causa.

231

Com efeito, as referências às partes que não transitaram, incluindo às sociedades HSBC, são pouco numerosas e, contrariamente ao que estas últimas sugerem, não constam da secção 5 da decisão de transação, intitulada «Apreciação jurídica». Além disso, como resulta das considerações enunciadas nomeadamente no n.o 226 do presente acórdão, essas referências têm apenas caráter descritivo e não implicam nenhuma apreciação, explícita ou implícita, da situação jurídica dessas sociedades. No âmbito de um processo híbrido que conduziu à adoção sucessiva de duas decisões, as referidas referências revelam‑se objetivamente necessárias para determinar a responsabilidade das partes na transação.

232

Por conseguinte, há que julgar improcedentes os argumentos das sociedades HSBC relativos ao facto de a decisão de transação conter elementos que levaram a uma violação da presunção de inocência.

233

Há que rejeitar igualmente os argumentos relativos ao facto de essa decisão ter violado os direitos de defesa dessas sociedades, uma vez que não é contestado que a Comissão lhes dirigiu uma comunicação de acusações, tiveram acesso ao processo e a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista antes da adoção da decisão controvertida.

– Quanto à violação do direito a uma boa administração

234

Em primeiro lugar, as sociedades HSBC alegam que as declarações públicas do comissário então responsável pela política de concorrência feitas durante os anos de 2012 e 2014 conduziram a uma violação, pela Comissão, do direito a uma boa administração.

235

A este respeito, importa recordar que as instituições, os órgãos e os organismos da União estão obrigados a respeitar os direitos fundamentais garantidos pelo direito da União, entre os quais figura o direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta. O primeiro parágrafo deste artigo estabelece, nomeadamente, que todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de maneira imparcial.

236

A exigência de imparcialidade visa garantir a igualdade de tratamento que está na base da União. Esta exigência visa, nomeadamente, evitar possíveis situações de conflitos de interesses de funcionários e agentes que atuam por conta das instituições, órgãos e organismos. Atendendo à importância fundamental da garantia da independência e da integridade no que diz respeito tanto ao funcionamento interno como à imagem externa das instituições, órgãos e organismos da União, a exigência de imparcialidade abrange todas as circunstâncias que o funcionário ou agente chamado a pronunciar‑se sobre um processo deve razoavelmente entender como sendo, aos olhos de terceiros, suscetível de afetar a sua independência na matéria (Acórdão de 27 de março de 2019, August Wolff e Remedia/Comissão, C‑680/16 P, EU:C:2019:257, n.o 26 e jurisprudência referida).

237

Como foi recordado no n.o 77 do presente acórdão, incumbe às instituições, órgãos e organismos da União respeitar a exigência de imparcialidade nas suas duas componentes que são, por um lado, a imparcialidade subjetiva, por força da qual nenhum membro da instituição em causa encarregada do processo deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, e, por outro, a imparcialidade objetiva, em conformidade com a qual esta instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima quanto a um eventual juízo antecipado.

238

Na medida em que as sociedades HSBC põem em causa as declarações públicas do comissário então responsável pela política da concorrência, há que considerar que a sua alegação tem essencialmente por objeto a primeira componente do princípio da imparcialidade.

239

A este respeito, há que distinguir entre as declarações efetuadas durante o ano de 2012, ocorridas antes da adoção da decisão de transação, e as efetuadas em 2014, ocorridas posteriormente à sua adoção.

240

No que respeita, por um lado, às declarações efetuadas durante o ano de 2012, há que constatar que estas declarações foram de natureza genérica, pelo que não podem ser consideradas a expressão de uma ideia preconcebida ou de um juízo antecipado de culpabilidade do comissário então responsável pela política da concorrência face às sociedades HSBC.

241

No que respeita, por outro lado, às declarações efetuadas durante o ano de 2014, as sociedades HSBC alegam que o comissário então responsável pela política da concorrência proferiu publicamente afirmações que deixavam entender que já tinha chegado a uma conclusão antes do encerramento do inquérito.

242

É certo que algumas dessas declarações testemunham uma linguagem que não corresponde à circunspeção que se esperava do membro da Comissão encarregado da política da concorrência no âmbito de um processo em curso. Todavia, estas declarações não são suscetíveis de suscitar dúvidas sobre a imparcialidade com que a Comissão conduziu o seu inquérito sobre a infração em causa. Portanto, as referidas declarações não viciam, por si só, a legalidade da decisão controvertida adotada pelo colégio dos membros da Comissão.

243

Com efeito, resulta destas declarações que o comissário então responsável pela política da concorrência se limitou a informar o público sobre um inquérito em curso, indicando que este assunto prosseguia após a adoção da decisão de transação. Neste contexto, as referidas declarações não divulgavam informações que não figuravam nessa decisão. O facto de essas declarações revelarem que a Comissão preparava uma comunicação de acusações em relação às partes que não tinham participado na transação não permite concluir, tendo em conta a natureza provisória desse documento, que a Comissão tinha chegado a uma conclusão quanto à sua responsabilidade antes do encerramento do inquérito. Também não é suscetível de sugerir a existência, no âmbito deste comissário, de uma ideia preconcebida ou de um juízo antecipado de culpa relativamente às sociedades HSBC.

244

Por último, há que rejeitar o argumento das sociedades HSBC segundo o qual o Provedor de Justiça Europeu constatou um caso de má administração relativamente ao comissário então responsável pela política da concorrência devido às declarações públicas referidas no n.o 234 do presente acórdão.

245

Com efeito, importa recordar que as conclusões do Provedor de Justiça Europeu que declaram a existência de um «ato de má administração» não vinculam o juiz da União e só podem constituir um simples indício da violação, pela instituição em causa, do princípio da boa administração. Com efeito, o processo no Provedor de Justiça Europeu, que não tem poder para tomar decisões vinculativas, é uma via alternativa extrajudicial para os cidadãos da União à via do recurso para o juiz da União, que responde a critérios específicos e não tem necessariamente o mesmo objetivo que o de uma ação judicial (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2007, Komninou e o./Comissão, C‑167/06 P, não publicado, EU:C:2007:633, n.o 44).

246

Ora, tendo em conta os motivos que figuram nos n.os 240 a 243 do presente acórdão, as conclusões do Provedor de Justiça Europeu relativas às declarações públicas referidas no n.o 234 desse acórdão não são suscetíveis, por si só ou apreciadas conjuntamente com os outros elementos do processo, de demonstrar a existência de uma violação do direito a uma boa administração.

247

Tendo em conta o exposto, há que julgar improcedentes os argumentos das sociedades HSBC relativos a uma violação do direito a uma boa administração e, por conseguinte, o quinto fundamento.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

248

É negado provimento ao recurso das sociedades HSBC, na parte em que tem por objeto a anulação do artigo 1.o da decisão controvertida e, a título subsidiário, do artigo 1.o, alínea b), desta decisão.

Quanto às despesas

249

Em conformidade com o artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

250

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

251

No caso em apreço, as sociedades HSBC pediram a condenação da Comissão nas despesas relativas aos processos de primeira instância e de recurso e esta foi vencida nos seus pedidos em segunda instância e, parcialmente, nos seus pedidos em primeira instância. As sociedades HSBC foram parcialmente vencidas em primeira instância.

252

Nestas condições, há que condenar a Comissão nas despesas relativas ao presente recurso. Quanto às despesas relativas ao recurso no Tribunal Geral, cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

253

Por outro lado, por força das disposições conjugadas do artigo 140.o, n.o 3, e do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que um interveniente suporte as suas próprias despesas.

254

As sociedades do Crédit agricole e as sociedades JP Morgan Chase, na qualidade de intervenientes no recurso, suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675), é anulado na parte em que nega provimento, no n.o 2 do seu dispositivo, ao recurso interposto no processo T‑105/17 pela HSBC Holdings plc, pela HSBC Bank plc e pela HSBC France, atual HSBC Continental Europe, destinado a obter a anulação do artigo 1.o da Decisão C(2016) 8530 final da Comissão, de 7 de dezembro de 2016, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39914 51 — Euro Interest Rate Derivatives), e, a título subsidiário, do artigo 1.o, alínea b), dessa decisão.

 

2)

É negado provimento ao recurso interposto no processo T‑105/17 pela HSBC Holdings plc, pela HSBC Bank plc e pela HSBC France, atual HSBC Continental Europe, destinado a obter a anulação do artigo 1.o da Decisão C(2016) 8530 final e, a título subsidiário, do artigo 1.o, alínea b), dessa decisão.

 

3)

A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas da HSBC Holdings plc, da HSBC Bank plc e da HSBC Continental Europe, anteriormente HSBC France, relativas ao presente recurso bem como a suportar as suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância.

 

4)

A HSBC Holdings plc, a HSBC Bank plc e a HSBC Continental Europe, anteriormente HSBC France, são condenados a suportar as suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância.

 

5)

A Crédit agricole SA e o Crédit agricole Corporate and Investment Bank suportarão as suas próprias despesas relativas ao presente recurso.

 

6)

A JP Morgan Chase & Co. e o JP Morgan Chase Bank, National Association, suportarão as suas próprias despesas relativas ao presente recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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