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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0253

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 17 de novembro de 2022.
Impexeco NV et PI Pharma NV contra Novartis AG et Novartis Pharma NV.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Hof van beroep te Brussel.
Reenvio prejudicial — Artigos 34.o e 36.o TFUE — Livre circulação de mercadorias — Propriedade intelectual — Marcas — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 9.o, n.o 2 — Artigo 13.o — Diretiva 2008/95 — Artigo 5.o, n.o 1 — Artigo 7.o — Direito conferido pela marca — Esgotamento do direito conferido pela marca — Importação paralela de medicamentos — Medicamento de referência e medicamento genérico — Empresas economicamente ligadas — Reacondicionamento do medicamento genérico — Nova embalagem externa — Aposição da marca do medicamento de referência — Oposição do titular da marca — Compartimentação artificial dos mercados entre Estados‑Membros.
Processos apensos C-253/20 e C-254/20.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:894

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

17 de novembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigos 34.o e 36.o TFUE — Livre circulação de mercadorias — Propriedade intelectual — Marcas — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 9.o, n.o 2 — Artigo 13.o — Diretiva 2008/95 — Artigo 5.o, n.o 1 — Artigo 7.o — Direito conferido pela marca — Esgotamento do direito conferido pela marca — Importação paralela de medicamentos — Medicamento de referência e medicamento genérico — Empresas economicamente ligadas — Reacondicionamento do medicamento genérico — Nova embalagem externa — Aposição da marca do medicamento de referência — Oposição do titular da marca — Compartimentação artificial dos mercados entre Estados‑Membros»

Nos processos apensos C‑253/20 e C‑254/20,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo hof van beroep te Brussel (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica), por Decisões de 25 de maio de 2020, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 9 de junho de 2020, nos processos

Impexeco NV

contra

Novartis AG (C‑253/20),

e

PI Pharma NV

contra

Novartis AG,

Novartis Pharma NV (C‑254/20),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič (relator), I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Impexeco NV e da PI Pharma NV, por F. Cornette, L. Coucke, V. Pede e T. Poels‑Ryckeboer, advocaten,

em representação da Novartis AG e da Novartis Pharma NV, por J. Figys, P. Maeyaert, J. Muyldermans, K. Roox, L. van Kruijsdijk e M. Van Nieuwenborgh, advocaten,

em representação da Comissão Europeia, por É. Gippini Fournier, P.‑J. Loewenthal e F. Thiran, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de janeiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 34.o e 36.o TFUE.

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, o primeiro, a Impexeco NV à Novartis AG e, o segundo, a PI Pharma NV à Novartis e à Novartis Pharma NV, a respeito da comercialização, na Bélgica, de medicamentos genéricos importados paralelamente dos Países Baixos e reacondicionados numa nova embalagem externa, na qual a marca do medicamento genérico de que a Novartis é titular foi substituída pela marca do medicamento de referência de que esta é igualmente titular.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 207/2009

3

O artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da UE (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015 (JO 2015, L 341, p. 21) (a seguir «Regulamento n.o 207/2009»), sob a epígrafe «Direitos conferidos pela marca da UE», previa:

«1.   O registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos.

2.   Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE, o titular dessa marca da UE fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:

a)

Idêntico à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada;

b)

Idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

c)

Idêntico ou semelhante à marca da UE, independentemente de ser utilizado para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, sempre que esta última goze de prestígio na União [Europeia] e que a utilização injustificada do sinal tire indevidamente partido do caráter distintivo ou do prestígio da marca da UE ou lhe cause prejuízo.

3.   Ao abrigo do n.o 2, pode ser proibido, nomeadamente:

a)

Apor o sinal nos produtos ou na respetiva embalagem;

b)

Oferecer os produtos, colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob o sinal;

c)

Importar ou exportar produtos sob o sinal;

[…]»

4

O artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009, sob a epígrafe «Esgotamento do direito conferido pela marca da UE», dispunha:

«1.   A marca da UE não confere ao seu titular o direito de proibir a sua utilização para produtos que tenham sido comercializados no espaço económico europeu [(EEE)] sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.   O n.o 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

Diretiva 2008/95/CE

5

Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2008, L 299, p. 25), sob a epígrafe «Direitos conferidos pela marca»:

«1.   A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)

De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)

De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista um risco de confusão, no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca.

[…]

3.   Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

a)

Apor o sinal nos produtos ou na respetiva embalagem;

b)

Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

c)

Importar ou exportar produtos com esse sinal;

[…]»

6

O artigo 7.o desta diretiva, sob a epígrafe «Esgotamento dos direitos conferidos pela marca», dispunha:

«1.   O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.   O n.o 1 não é aplicável sempre que existam motivos legítimos que justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

Diretiva 2001/83/CE

7

Nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004 (JO 2004, L 136, p. 34):

«1.   Em derrogação da alínea i) do n.o 3 do artigo 8.o e sem prejuízo das leis relativas à proteção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6.o há, pelo menos, oito anos num Estado‑Membro ou na Comunidade.

[…]

2.   Para efeitos do presente artigo entende‑se por:

a)

Medicamento de referência, um medicamento autorizado, nos termos do artigo 6.o, em conformidade com o disposto no artigo 8.o;

b)

Medicamento genérico, um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrada por estudos adequados de biodisponibilidade. Os diferentes sais, ésteres, éteres, isómeros, misturas de isómeros, complexos ou derivados de uma substância ativa são considerados uma mesma substância ativa, a menos que difiram significativamente em propriedades relacionadas com segurança e/ou eficácia, caso em que o requerente deve fornecer dados suplementares destinados a fornecer provas da segurança e/ou da eficácia dos vários sais, ésteres ou derivados de uma substância ativa autorizada. As diferentes formas farmacêuticas orais de libertação imediata são consideradas como uma mesma forma farmacêutica. O requerente pode ser dispensado da apresentação dos estudos de biodisponibilidade, se puder demonstrar que o medicamento genérico satisfaz os critérios pertinentes definidos nas diretrizes pormenorizadas na matéria.

[…]»

Convenção Benelux

8

O artigo 2.20 da Convenção Benelux em matéria de propriedade intelectual (marcas e desenhos ou modelos), de 25 de fevereiro de 2005, assinada em Haia pelo Reino da Bélgica, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e o Reino dos Países Baixos, na versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Convenção Benelux»), sob a epígrafe «Alcance da proteção», previa:

«1.   A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. Sem prejuízo da possível aplicação do direito comum em matéria de responsabilidade civil, o direito exclusivo sobre uma marca permite ao seu titular proibir um terceiro, sem o seu consentimento, de:

a.

usar, na vida comercial, qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b.

usar, na vida comercial, um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão, o qual compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

[…]

2.   Para efeitos da aplicação do n.o 1, entende‑se por utilização de uma marca ou de um sinal semelhante, nomeadamente:

a.

a aposição do sinal nos produtos ou na respetiva embalagem;

b.

a oferta, a comercialização ou a detenção dos produtos para esses fins, ou a oferta ou a prestação de serviços sob o sinal;

c.

A importação ou a exportação de produtos sob esse sinal;

[…]»

9

Nos termos do artigo 2.23, n.o 3, desta convenção:

«O direito exclusivo não implica o direito de oposição ao uso da marca para produtos comercializados na Comunidade Europeia ou no [EEE] sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento, a menos que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização ulterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua comercialização.»

Direito belga

10

Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do arrêté royal du 19 avril 2001 relatif à l’importation parallèle des médicaments à usage humain et à la distribution parallèle des médicaments à usage humain et à usage vétérinaire (Decreto Real de 19 de abril de 2001, relativo à importação paralela de medicamentos para uso humano e à distribuição paralela de medicamentos para uso humano e veterinário (Moniteur belge de 30 de maio de 2001, p. 17954), conforme alterado pelo arrêté royal du 21 janvier 2011 (Decreto real de 21 de janeiro de 2011) (Moniteur belge de 9 de fevereiro de 2011, p. 9864):

«Em derrogação ao disposto no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do arrêté royal du 14 décembre 2006 relatif aux médicaments à usage humain et vétérinaire (Decreto Real de 14 de dezembro de 2006, relativo aos medicamentos para uso humano e veterinário), quem pretender importar paralelamente um medicamento pode obter uma autorização para o efeito, desde que se trate de um medicamento que:

1o

tenha sido objeto de uma autorização de introdução no mercado no Estado‑Membro de proveniência que tenha sido concedida pelas autoridades competentes desse Estado‑Membro;

2o

para o qual existe um medicamento de referência;

3o

que, embora não sendo idêntico em todos os aspetos ao medicamento de referência:

a)

tenha, pelo menos, a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas;

b)

tenha, pelo menos, as mesmas indicações terapêuticas;

c)

seja, pelo menos, equivalente a nível terapêutico;

d)

tenha, pelo menos, a mesma forma farmacêutica.

Se for demonstrado que o medicamento para o qual foi pedida uma autorização de importação paralela e que cumpre o disposto no parágrafo 1, 3.o, alíneas a) e d), tem a mesma composição qualitativa e quantitativa em excipientes, e que é fabricado segundo o mesmo processo, considera‑se que o medicamento satisfaz o disposto no parágrafo 1, 3.o, alínea c).

Se a Agência Federal verificar não ter sido demonstrado que foi cumprido o critério do parágrafo 1, 3.o, alínea c), solicitará às autoridades competentes do Estado‑Membro de proveniência as informações necessárias para poder decidir se este critério foi satisfeito.

Pode ser demonstrado, pelo menos por um dos seguintes estudos ou ensaios, que o critério do primeiro parágrafo, 3.o, alínea c), foi preenchido:

1o

estudos de bioequivalência;

2o

ensaios clínicos;

3o

estudos farmacodinâmicos humanos;

4o

estudos relativos à disponibilidade local do medicamento;

5o

estudos de dissolução in vitro.

Os estudos ou ensaios utilizados, tal como referidos no parágrafo 4, são adaptados às características específicas do medicamento.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

11

A Novartis, sociedade de direito suíço, é a sociedade‑mãe do Grupo Novartis, que se dedica à produção de medicamentos. Este grupo inclui, nomeadamente, as divisões Pharmaceuticals e Sandoz, responsáveis, respetivamente, pelo desenvolvimento dos medicamentos de marca (medicamentos de referência) e pela produção de medicamentos genéricos.

12

A Impexeco e a PI Pharma são duas sociedades de direito belga que operam no comércio paralelo de medicamentos.

Processo C‑253/20

13

A Novartis produziu um medicamento que tem como substância ativa o letrozol, comercializado na Bélgica e nos Países Baixos sob a marca da União Europeia «Femara», de que é titular a Novartis.

14

Este medicamento é comercializado na Bélgica em embalagens de 30 e de 100 comprimidos revestidos de 2,5 mg e, nos Países Baixos, em embalagens de 30 comprimidos revestidos de 2,5 mg.

15

A Sandoz BV e a Sandoz NV comercializam, respetivamente nos Países Baixos e na Bélgica, o medicamento genérico «Letrozol Sandoz 2,5 mg», em embalagens de 30 comprimidos revestidos, no primeiro destes Estados‑Membros, e de 30 e de 100 comprimidos revestidos, no segundo destes Estados‑Membros.

16

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os medicamentos comercializados sob as denominações «Femara» e «Letrozol Sandoz» são idênticos.

17

Por carta de 28 de outubro de 2014, a Impexeco informou a Novartis da sua intenção de importar dos Países Baixos e de colocar no mercado belga, a partir de 1 de dezembro de 2014, o medicamento «Femara 2,5 mg x 100 comprimidos (letrozol)». Resulta da decisão de reenvio que, na realidade, este medicamento era o medicamento «Letrozol Sandoz 2,5 mg», reacondicionado numa nova embalagem externa na qual a Impexeco previa apor a marca «Femara».

18

Por carta de 17 de novembro de 2014, a Novartis opôs‑se à importação paralela pretendida pela Impexeco, alegando que uma remarcação deste último medicamento, por aposição da marca do medicamento de referência produzido pela Novartis, a saber, a marca «Femara», constituía uma violação manifesta do seu direito sobre essa marca e era suscetível de induzir o público em erro.

19

Em julho de 2016, a Impexeco procedeu à comercialização, na Bélgica, do medicamento «Letrozol Sandoz 2,5 mg», reacondicionado numa nova embalagem na qual estava aposta a marca «Femara».

20

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o preço público na Bélgica dos medicamentos «Femara (Novartis) 2,5 mg», «Letrozol Sandoz 2,5 mg» e «Femara (Impexeco) 2,5 mg» é idêntico. Em contrapartida, o preço público do «Letrozol Sandoz 2,5 mg» é claramente inferior nos Países Baixos.

21

Considerando que a comercialização referida no n.o 19 do presente acórdão violava os seus direitos de marca, em 16 de novembro de 2016, a Novartis intentou uma ação contra a Impexeco no stakingsrechter te Brussel (Tribunal de Comércio de Bruxelas, Bélgica).

22

Por carta de 10 de abril de 2017, a Impexeco informou igualmente a Novartis da sua intenção de comercializar na Bélgica o medicamento «Femara 2,5 mg», acondicionado em embalagens de 30 comprimidos revestidos, importadas dos Países Baixos e com nova etiqueta. Resulta da decisão de reenvio que este medicamento era o «Letrozol Sandoz 2,5 mg» e que a Impexeco pretendia apor‑lhe uma nova etiqueta e a marca «Femara».

Processo C‑254/20

23

A Novartis produziu um medicamento que tem como substância ativa o metilfenidato. A Novartis Pharma NV comercializa este medicamento na Bélgica sob a marca nominativa Benelux «Rilatine», de que é titular, nomeadamente em embalagens de 20 comprimidos de 10 mg. Nos Países Baixos, o referido medicamente é comercializado pela Novartis Pharma BV sob a marca «Ritalin», nomeadamente em embalagens de 30 comprimidos de 10 mg.

24

A Sandoz BV comercializa nos Países Baixos o medicamento genérico «Metilfenidato HCl Sandoz 10 mg» numa embalagem de 30 comprimidos.

25

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os medicamentos comercializados sob as denominações «Metilfenidato HCl Sandoz 10 mg comprimidos» e «Ritalin 10 mg comprimidos» são idênticos.

26

Por carta de 30 de junho de 2015, a PI Pharma informou a Novartis Pharma NV da sua intenção de importar dos Países Baixos e de colocar no mercado belga o medicamento «Rilatine 10 mg x 20 comprimidos». Resulta da decisão de reenvio que, na realidade, este medicamento era o medicamento «Metilfenidato HCl Sandoz 10 mg», reacondicionado numa nova embalagem externa na qual a PI Pharma previa apor a marca «Rilatine».

27

Numa carta de 22 de julho de 2015, a Novartis comunicou a sua oposição à importação paralela pretendida pela PI Pharma, alegando que uma nova aposição de marca do medicamento «Metilfenidato HCl Sandoz 10 mg» com a marca do medicamento de referência da Novartis, a saber, a marca «Rilatine», violava manifestamente o seu direito sobre essa marca e era suscetível de induzir o público em erro.

28

Em outubro de 2016, a PI Pharma comercializou, na Bélgica, este medicamento reacondicionado numa nova embalagem na qual estava aposta a marca «Rilatine».

29

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, na Bélgica, o preço público do medicamento «Rilatine 10 mg x 20 comprimidos Novartis» é de 8,10 euros (ou seja, 0,405 euros por comprimido) e o do medicamento «Rilatine 10 mg x 20 comprimidos PI Pharma» é de 7,95 euros (ou seja, 0,398 euros por comprimido), ao passo que, nos Países Baixos, o preço público do medicamento «Metilfenidato HCl Sandoz 10 mg» é de 0,055 euros por comprimido.

30

Considerando que a comercialização referida no n.o 28 do presente acórdão violava os seus direitos de marca, em 28 de julho de 2017, a Novartis intentou uma ação contra a PI Pharma no stakingsrechter te Brussel (Tribunal de Comércio de Bruxelas).

Elementos comuns aos litígios nos processos principais

31

Por duas Sentenças de 12 de abril de 2018, o stakingsrechter te Brussel (Tribunal de Comércio de Bruxelas) considerou procedentes as duas ações referidas nos n.os 21 e 30 do presente acórdão com o fundamento, nomeadamente, de que a prática que consiste em apor as marcas «Femara» e «Rilatine», respetivamente, nos medicamentos genéricos reacondicionados «Letrozol Sandoz 2,5 mg» e «Metilfenidato HCl Sandoz 10 mg», importados dos Países Baixos, respetivamente, viola o direito de marca da Novartis, na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 e do artigo 2.20, n.o 1, alínea a), da Convenção Benelux. Consequentemente, o stakingsrechter te Brussel (Tribuinal de Comércio de Bruxelas) ordenou a cessação desta prática.

32

A Impexeco e a PI Pharma interpuseram respetivamente recurso dessas duas sentenças para o órgão jurisdicional de reenvio.

33

Perante este, alegam que as práticas que consistem em utilizar embalagens diferentes e marcas diferentes para um mesmo produto contribuem ambas para uma compartimentação dos mercados dos Estados‑Membros e, portanto, prejudicam do mesmo modo o comércio na União.

34

Com base nos n.os 38 a 40 do Acórdão de 12 de outubro de 1999, Upjohn (C‑379/97, EU:C:1999:494), a Impexeco e a PI Pharma sustentam que a oposição do titular de uma marca à reaposição de uma marca por um importador paralelo constitui um obstáculo ao comércio intracomunitário que provoca compartimentações artificiais dos mercados entre Estados‑Membros, quando essa reaposição seja necessária para que os produtos em causa possam ser comercializados por este importador no Estado‑Membro de importação. Esta jurisprudência é transponível para uma situação em que se apõe uma nova marca num medicamento genérico através da aposição da marca do medicamento de referência, quando esses medicamentos tenham sido introduzidos no mercado no EEE por empresas economicamente ligadas.

35

A Novartis sustenta que, por força do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 e do artigo 2.23, n.o 3, da Convenção Benelux, só pode haver esgotamento do direito conferido pela marca no que respeita aos produtos comercializados no EEE «sob essa marca» pelo titular ou com o seu consentimento, e não no caso em que um importador paralelo procede à aposição de uma nova marca nos produtos em causa.

36

Nestas circunstâncias, considerando que os litígios que lhe foram submetidos suscitam questões de interpretação do direito da União, o hof van beroep te Brussel (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, formuladas em termos idênticos nos processos C‑253/20 e C‑254/20:

«1)

Devem os artigos 34.o a 36.o TFUE ser interpretados no sentido de que, no caso de um medicamento de marca (medicamento de referência) e um medicamento genérico serem introduzidos no mercado no EEE por sociedades economicamente ligadas, a oposição de um titular de marca à comercialização posterior do medicamento genérico por um importador paralelo após o reacondicionamento deste medicamento genérico através da aposição da marca do medicamento de marca (medicamento de referência) no país da importação pode levar a uma compartimentação artificial dos mercados dos Estados‑Membros?

2)

Em caso de resposta afirmativa a esta questão, deve a oposição do titular da marca contra a aposição da nova marca ser analisada à luz dos requisitos [enunciados no n.o 79 do Acórdão de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o. (C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282)]?

3)

É relevante, para a resposta a estas questões, que o medicamento genérico e o medicamento de marca (medicamento de referência) sejam idênticos ou tenham o mesmo efeito terapêutico na aceção do artigo 3.o, § 2, do […] [Decreto Real de 19 de abril de 2001, relativo [à Importação Paralela de Medicamentos para Uso Humano e à Distribuição Paralela de Medicamentos para Uso Humano e Veterinário, conforme alterado pelo Decreto Real de 21 de janeiro de 2011]?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

37

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2020, os processos C‑253/20 e C‑254/20 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

38

O Regulamento n.o 207/2009 foi revogado e substituído, com efeitos a partir de 1 de outubro de 2017, pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1), ao passo que a Diretiva 2008/95 foi revogada e substituída, com efeitos a partir de 15 de janeiro de 2019, pela Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2015, L 336, p. 1).

39

Todavia, tendo em conta as datas dos factos dos litígios nos processos principais, o Regulamento n.o 207/2009 e a Diretiva 2008/95 continuam a ser aplicáveis ratione temporis a estes últimos.

Quanto ao mérito

40

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas [Acórdão de 26 de abril de 2022, Landespolizeidirektion Steiermark (Duração máxima do controlo nas fronteiras internas), C‑368/20 e C‑369/20, EU:C:2022:298, n.o 50 e jurisprudência referida]. Além disso, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 8 de setembro de 2022, RTL Television, C‑716/20, EU:C:2022:643, n.o 55 e jurisprudência referida).

41

No caso em apreço, para responder às questões submetidas, importa ter em consideração as disposições de direito derivado da União previstas no artigo 9.o, n.o 2, e no artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009, bem como no artigo 5.o, n.o 1, e no artigo 7.o da Diretiva 2008/95, uma vez que dizem respeito aos direitos dos titulares de uma marca e à questão do esgotamento dos direitos conferidos por esta.

42

Assim, com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 2, e o artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009, bem como o artigo 5.o, n.o 1, e o artigo 7.o da Diretiva 2008/95, lidos à luz dos artigos 34.o e 36.o TFUE, devem ser interpretados no sentido de que o titular da marca de um medicamento de referência e da marca de um medicamento genérico se pode opor à introdução no mercado de um Estado‑Membro, por um importador paralelo, desse medicamento genérico, importado de outro Estado‑Membro, quando este tenha sido reacondicionado numa embalagem externa sobre a qual foi aposta a marca do medicamento de referência correspondente.

43

A título preliminar, importa recordar que, por força do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, e do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95, o registo de uma marca confere ao seu titular direitos exclusivos, os quais, segundo esse artigo 9.o, n.o 2, alínea a), e esse artigo 5.o, n.o 1, alínea a), o habilitam a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal idêntico a essa marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada.

44

O artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 e o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/95 enumeram, de modo não exaustivo, vários tipos de usos que o titular da marca pode proibir (Acórdão de 25 de julho de 2018, Mitsubishi Shoji Kaisha e Mitsubishi Caterpillar Forklift Europe, C‑129/17, EU:C:2018:594, n.o 38 e jurisprudência referida).

45

Em especial, resulta deste artigo 9.o, n.o 3, e desse artigo 5.o, n.o 3, que o titular pode, nomeadamente, proibir um terceiro de apor o sinal em causa em produtos ou na respetiva embalagem, bem como de importar e comercializar produtos com esse sinal.

46

O direito exclusivo do titular da marca foi atribuído a fim de lhe permitir proteger os seus interesses específicos enquanto titular dessa marca, ou seja, assegurar que esta última possa cumprir as funções que lhe são próprias. Por conseguinte, o exercício desse direito deve ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro prejudica ou é suscetível de prejudicar as funções da marca. Entre essas funções figuram não apenas a função essencial da marca, que consiste em garantir aos consumidores a proveniência do produto ou do serviço, mas igualmente as suas outras funções, como, designadamente, garantir a qualidade desse produto ou desse serviço, ou as funções de comunicação, de investimento ou de publicidade (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Mitsubishi Shoji Kaisha e Mitsubishi Caterpillar Forklift Europe, C‑129/17, EU:C:2018:594, n.o 34 e jurisprudência referida).

47

Segundo jurisprudência constante, o reacondicionamento de um produto que ostente uma marca, efetuado por um terceiro sem a autorização do titular, é suscetível de criar riscos reais para a garantia de proveniência desse produto (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb, C‑642/16, EU:C:2018:322, n.o 23 e jurisprudência referida).

48

Dito isto, por força do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95, o direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na União sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento. Estas disposições visam conciliar os interesses fundamentais da proteção dos direitos de marca, por um lado, com os da livre circulação de mercadorias no mercado interno, por outro (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Schweppes, C‑291/16, EU:C:2017:990, n.o 35).

49

Neste contexto, deve recordar‑se que, embora o artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009 e o artigo 7.o da Diretiva 2008/95, redigidos em termos gerais, regulem de modo completo a questão do esgotamento do direito conferido pela marca, e embora, quando esteja prevista a harmonização das medidas necessárias para assegurar a proteção dos interesses referidos no artigo 36.o TFUE, qualquer medida nacional relativa aos mesmos deva ser apreciada à luz das disposições deste regulamento ou desta diretiva e não dos artigos 34.o a 36.o TFUE, o referido regulamento e a referida diretiva devem, como qualquer regulamentação de direito derivado da União, ser interpretados à luz das normas do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias e, designadamente, do artigo 36.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Schweppes, C‑291/16, EU:C:2017:990, n.o 30 e jurisprudência referida).

50

Mais concretamente, decorre do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, e do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2008/95, que a oposição do titular da marca ao reacondicionamento, na medida em que constitui uma derrogação à livre circulação de mercadorias, não pode proceder se o exercício, por parte do titular, do direito conferido pela marca constituir uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros, na aceção da segunda frase do artigo 36.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb,C‑642/16, EU:C:2018:322, n.o 25 e jurisprudência referida). Com efeito, o objeto do direito de marca não é o de permitir aos seus titulares a compartimentação dos mercados nacionais e, desse modo, favorecer a manutenção das diferenças de preços que possam existir entre os Estados‑Membros (Acórdão de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, n.o 46).

51

Constitui tal restrição dissimulada, na aceção do artigo 36.o, segundo período, TFUE, o exercício, por parte do titular de uma marca, do seu direito de se opor ao reacondicionamento se este exercício contribuir para compartimentar artificialmente os mercados entre os Estados‑Membros e, além disso, se o reacondicionamento for feito de modo que os interesses legítimos do titular sejam respeitados, o que implica, designadamente, que o reacondicionamento não afete o estado originário do medicamento ou não seja suscetível de prejudicar a reputação da marca (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de novembro de 2016, Ferring Lægemidler, C‑297/15, EU:C:2016:857, n.o 16 e jurisprudência referida, e de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb, C‑642/16, EU:C:2018:322, n.o 26 e jurisprudência referida).

52

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, dado que a impossibilidade de o titular invocar o seu direito de marca para se opor à comercialização, com a sua marca, de produtos reacondicionados por um importador equivale a reconhecer a este último uma certa faculdade que, em circunstâncias normais, é reservada ao próprio titular, importa, no interesse do titular enquanto proprietário da marca e para o proteger de qualquer abuso, admitir esta faculdade apenas na medida em que o importador também cumpra com certos requisitos (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2011, Orifarm e o., C‑400/09 e C‑207/10, EU:C:2011:519, n.o 26 e jurisprudência referida).

53

Assim, por força de jurisprudência constante, o titular de uma marca pode opor‑se legitimamente à comercialização posterior de um produto farmacêutico que ostente a sua marca e tenha sido importado de outro Estado‑Membro quando o importador tenha reacondicionado esse produto e nele tenha reaposto a marca, a menos que:

se demonstre que a utilização do direito de marca pelo titular desta para se opor à comercialização do produto reacondicionado com essa marca contribuiria para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros;

se demonstre que o reacondicionamento não pode afetar o estado originário do produto contido na embalagem;

sejam indicados claramente na embalagem o autor do reacondicionamento do produto e o nome do fabricante deste;

a apresentação do produto reacondicionado não for feita de modo que possa lesar a reputação da marca e a do seu titular;

o importador avise, antes da colocação à venda do produto reacondicionado, o titular da marca e lhe forneça, a seu pedido, uma amostra deste produto (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, n.o 79; de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 32, e de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb, C‑642/16, EU:C:2018:322, n.o 28 e jurisprudência referida).

54

No que respeita, especialmente, ao primeiro dos requisitos enumerados no número anterior do presente acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que contribui para uma compartimentação artificial dos mercados entre os Estados‑Membros a oposição do titular de uma marca ao reacondicionamento dos medicamentos, quando este seja necessário para que o produto importado paralelamente possa ser comercializado no Estado de importação (Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 18).

55

Este requisito de necessidade está preenchido, nomeadamente, quando as circunstâncias prevalecentes no momento da comercialização no Estado de importação impedem a introdução no mercado do medicamento na mesma embalagem em que este é comercializado no Estado‑Membro de exportação, tornando assim o reacondicionamento objetivamente necessário para que o medicamento possa ser comercializado nesse Estado‑Membro pelo importador paralelo (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Ferring Lægemidler, C‑297/15, EU:C:2016:857, n.o 20 e jurisprudência referida).

56

Em contrapartida, o referido requisito não está preenchido se o reacondicionamento do produto for exclusivamente explicado pela procura, pelo importador paralelo, de uma vantagem comercial (Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 37).

57

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, contribui igualmente para uma compartimentação artificial dos mercados entre Estados‑Membros o facto de o titular de uma marca, que comercializa em diferentes Estados‑Membros um medicamento idêntico com marcas diferentes consoante o Estado‑Membro em que esse medicamento é comercializado, se opor à substituição da marca utilizada no Estado‑Membro de exportação pela utilizada por esse titular no Estado‑Membro de importação, quando essa substituição for objetivamente necessária para que o referido medicamento possa ser comercializado neste último Estado‑Membro pelo importador paralelo (v., neste sentido, Acórdão de 12 de outubro de 1999, Upjohn, C‑379/97, EU:C:1999:494, n.os 19 e 38 a 40).

58

Todavia, no caso em apreço, os litígios nos processos principais são caracterizados pela circunstância de os medicamentos objeto do comércio paralelo serem medicamentos genéricos, ao passo que as marcas apostas nas novas embalagens externas desses medicamentos pelos importadores paralelos em causa são as dos medicamentos de referência correspondentes.

59

Nestas circunstâncias, importa, em primeiro lugar, examinar se esses medicamentos podem ser considerados idênticos, na aceção da jurisprudência relativa ao esgotamento do direito da marca, mencionada no n.o 57 do presente acórdão.

60

A este respeito, importa começar por observar que o artigo 10.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/83, conforme alterado pela Diretiva 2004/27, define um medicamento genérico como «um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrada por estudos adequados de biodisponibilidade».

61

Em seguida, há que salientar, como fez o advogado‑geral no n.o 65 das conclusões, que, como resulta da redação deste artigo 10.o, n.o 2, alínea b), segundo e terceiro períodos, a composição do medicamento genérico pode ser diferente da do medicamento de referência no que respeita à forma farmacêutica, à forma química da substância ativa e seus excipientes.

62

Por último, do mesmo modo que o advogado‑geral no n.o 66 das conclusões, importa sublinhar que pode ser contraindicado, por razões médicas, substituir durante o tratamento um medicamento por um medicamento equivalente, quer este seja um medicamento de referência, quer um medicamento genérico. É o caso, em especial, dos medicamentos ditos «de margem terapêutica estreita».

63

Nestas condições, considerar que, se forem equivalentes de um ponto de vista terapêutico, um medicamento de referência e o seu genérico correspondente constituem produtos idênticos, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 57 do presente acórdão, pode induzir em erro os profissionais de saúde e os pacientes quanto à composição exata do medicamento em causa, com consequências potencialmente graves para a saúde destes últimos.

64

Por conseguinte, só um medicamento em tudo idêntico a outro medicamento pode ser objeto de um reacondicionamento numa nova embalagem externa na qual é aposta a marca desse outro medicamento.

65

Esse caso pode verificar‑se, nomeadamente, com um medicamento de referência e um medicamento genérico fabricados pela mesma entidade ou por entidades economicamente ligadas, os quais, na realidade, constituem o mesmo produto comercializado sob dois regimes diferentes.

66

Nesse caso, nem a diferença do regime jurídico aplicável a esses medicamentos nem o modo diferente como são apreendidos pelos profissionais de saúde ou pelos pacientes podem justificar que o titular das marcas em causa se possa opor à substituição da marca que usa no Estado‑Membro de exportação pela que apõe nos medicamentos que comercializa no Estado‑Membro de importação se se demonstrar que essa substituição é objetivamente necessária para que esses medicamentos possam ser comercializados neste último Estado‑Membro. Caso contrário, com efeito, o titular estaria a contribuir para uma compartimentação artificial dos mercados entre Estados‑Membros, comercializando um medicamento idêntico ora como medicamento de referência, ora como medicamento genérico.

67

No caso em apreço, como foi exposto nos n.os 16 e 25 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o medicamento genérico em causa em cada um dos processos principais é idêntico ao medicamento de referência correspondente.

68

Por conseguinte, importa, em segundo lugar, examinar se, em circunstâncias como as dos litígios nos processos principais, a oposição do titular da marca à substituição da marca de um medicamento genérico introduzido no mercado no Estado‑Membro de exportação pela do medicamento de referência correspondente, comercializado no Estado‑Membro de importação, constitui um entrave ao acesso efetivo do medicamento em causa ao mercado deste último Estado‑Membro.

69

Como decorre dos n.os 55 e 57 do presente acórdão, seria esse o caso se o medicamento em causa não pudesse ser comercializado no Estado‑Membro de importação sob a sua marca de origem, tornando assim objetivamente necessária a substituição desta última para garantir a livre circulação desse medicamento no mercado interno.

70

Nessa situação, o titular de uma marca não se pode opor à substituição dessa marca por um importador paralelo se este último conseguir demonstrar que as circunstâncias prevalecentes no momento da comercialização do produto em causa tornam objetivamente necessária a substituição da marca de origem pela do Estado‑Membro de importação para efeitos da introdução no mercado desse produto nesse Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 12 de outubro de 1999, Upjohn, C‑379/97, EU:C:1999:494 n.os 42 e 43) e se, por outro lado, essa substituição for feita de modo que os interesses legítimos do titular sejam respeitados (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2011, Orifarm e o., C‑400/09 e C‑207/10, EU:C:2011:519, n.o 24 e jurisprudência referida), ou seja, em conformidade com os requisitos enunciados nos Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o. (C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282), de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249) e de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb (C‑642/16, EU:C:2018:322).

71

Inversamente, quando o importador paralelo está em condições de comercializar o referido produto sob a sua marca de origem adaptando, se for caso disso, a embalagem para cumprir as exigências do mercado do Estado‑Membro de importação, o requisito de necessidade referido no n.o 55 do presente acórdão não está preenchido. Com efeito, nesse caso, a livre circulação de mercadorias, que, como resulta dos n.os 48 e 50 do presente acórdão, está subjacente à regra do esgotamento do direito de marca no comércio entre os Estados‑Membros, não é ameaçada na sua substância e não pode, portanto, prevalecer sobre os interesses legítimos do titular da marca.

72

Além disso, importa recordar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 73 das suas conclusões, que um Estado‑Membro não pode, em princípio, recusar conceder uma autorização de importação paralela de um medicamento genérico quando o medicamento de referência correspondente disponha de uma autorização de introdução no mercado nesse Estado‑Membro, a menos que essa recusa seja justificada por razões relativas à proteção da saúde e da vida das pessoas (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2019, Delfarma, C‑387/18, EU:C:2019:556, n.os 26, 29 e 41). Por conseguinte, o requisito de necessidade referido no n.o 55 do presente acórdão não está preenchido quando um medicamento genérico corresponde, em todos os aspetos, ao medicamento de referência que beneficia dessa autorização, dado que, nesse caso, se deve considerar que o importador paralelo está em condições de comercializar o medicamento genérico sob a sua marca de origem.

73

Por último, como decorre do n.o 56 do presente acórdão, o direito do titular de uma marca de se opor à comercialização, sob essa marca, de produtos reacondicionados por um importador paralelo não pode ser limitado quando a substituição da marca de origem por outra marca do titular for exclusivamente motivada pela prossecução de uma vantagem económica, como é o caso, nomeadamente, quando um operador económico procura beneficiar do prestígio da marca de um medicamento de referência ou posicionar um produto numa categoria mais remuneradora.

74

Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 9.o, n.o 2, e o artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009, bem como o artigo 5.o, n.o 1, e o artigo 7.o da Diretiva 2008/95, lidos à luz dos artigos 34.o e 36.o TFUE, devem ser interpretados no sentido de que o titular da marca de um medicamento de referência e da marca de um medicamento genérico se pode opor à introdução no mercado de um Estado‑Membro, por um importador paralelo, desse medicamento genérico, importado de outro Estado‑Membro, quando este tenha sido reacondicionado numa embalagem externa sobre a qual foi aposta a marca do medicamento de referência correspondente, a menos que, por um lado, os dois medicamentos sejam idênticos em todos os aspetos e, por outro, a substituição da marca cumpra todos os requisitos enunciados no n.o 79 do Acórdão de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o. (C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282), no n.o 32 do Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249), e no n.o 28 do Acórdão de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb (C‑642/16, EU:C:2018:322).

Quanto às despesas

75

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 9.o, n.o 2, e o artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, bem como o artigo 5.o, n.o 1, e o artigo 7.o da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, lidos à luz dos artigos 34.o e 36.o TFUE,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

o titular da marca de um medicamento de referência e da marca de um medicamento genérico se pode opor à introdução no mercado de um Estado‑Membro, por um importador paralelo, desse medicamento genérico, importado de outro Estado‑Membro, quando este tenha sido reacondicionado numa embalagem externa sobre a qual foi aposta a marca do medicamento de referência correspondente, a menos que, por um lado, os dois medicamentos sejam idênticos em todos os aspetos e, por outro, a substituição da marca cumpra todos os requisitos enunciados no n.o 79 do Acórdão de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o. (C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282), no n.o 32 do Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249), e no n.o 28 do Acórdão de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb (C‑642/16, EU:C:2018:322).

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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