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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62021CJ0164

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 13 de outubro de 2022.
« Baltijas Starptautiskā Akadēmija » SIA e « Stockholm School of Economics in Riga » SIA contre Latvijas Zinātnes padome.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Administratīvā rajona tiesa e l'Administratīvā apgabaltiesa.
Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 651/2014 — Artigo 2.o, ponto 83 — Remissão direta e incondicional para o direito da União – Admissibilidade das questões – Auxílios à investigação, ao desenvolvimento e à inovação — Conceito de “organismo de investigação e divulgação de conhecimentos” — Estabelecimento de ensino superior que exerce atividades económicas e não económicas — Determinação do objetivo principal.
Processos apensos C-164/21 e C-318/21.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:785

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de outubro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 651/2014 — Artigo 2.o, ponto 83 — Remissão direta e incondicional para o direito da União — Admissibilidade das questões — Auxílios à investigação, ao desenvolvimento e à inovação — Conceito de “organismo de investigação e divulgação de conhecimentos” — Estabelecimento de ensino superior que exerce atividades económicas e não económicas — Determinação do objetivo principal»

Nos processos apensos C‑164/21 e C‑318/21,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia) (C‑164/21) e pelo Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional, Letónia) (C‑318/21), por Decisões de 12 de março de 2021 e de 11 de maio de 2021, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 12 de março de 2021 e em 21 de maio de 2021, nos processos

«Baltijas Starptautiskā Akadēmija» SIA (C‑164/21),

«Stockholm School of Economics in Riga» SIA (C‑318/21)

contra

Latvijas Zinātnes padome,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei (relatora), juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da «Baltijas Starptautiskā Akadēmija» SIA, por I. Cvetkova,

em representação da «Stockholm School of Economics in Riga» SIA, por E. Balode‑Buraka, D. Driče e L. Rasnačs, advokāti,

em representação do Governo letão, por J. Davidoviča, I. Hūna e K. Pommere, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman, M. Gijzen, J. Hoogveld e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por P. Arenas, C. Kovács e A. Sauka, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de abril de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento (UE) n.o 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] (JO 2014, L 187, p. 1).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a «Baltijas Starptautiskā Akadēmija» SIA (a seguir «BSA») e a «Stockholm School of Economics in Riga» SIA (a seguir «SSE»), estabelecimentos de ensino superior de direito privado, ao Latvijas Zinātnes padome (Conselho Científico letão) a respeito do indeferimento dos pedidos de financiamento de projetos apresentados por estes estabelecimentos no âmbito de convites para projetos de investigação fundamental e aplicada lançados pelo Conselho Científico letão.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 651/2014

3

Os considerandos 45, 47, 48 e 49 do Regulamento n.o 651/2014 têm a seguinte redação:

«(45)

Os auxílios à investigação, ao desenvolvimento e à inovação podem contribuir para o crescimento económico sustentável, para o reforço da competitividade e para o aumento do emprego. A experiência adquirida na aplicação do Regulamento (CE) n.o 800/2008 [da Comissão, de 6 de agosto de 2008, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado comum, em aplicação dos artigos [107.o e 108.o TFUE] (Regulamento geral de isenção por categoria) (JO 2008, L 214, p. 3)] e do [e]nquadramento comunitário dos auxílios estatais à investigação e desenvolvimento e à inovação demonstra que as deficiências de mercado podem impedir que o mercado atinja um nível ótimo de produção e conduzir a ineficiências associadas a externalidades, bens públicos/divulgação de conhecimentos, informações imperfeitas e assimétricas, bem como a problemas de coordenação e de rede.

[…]

(47)

No que respeita aos auxílios a projetos no domínio da investigação e desenvolvimento, a vertente subvencionada do projeto de investigação deve ser inteiramente abrangida pelas categorias de investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental. […]

(48)

São cada vez mais necessárias infraestruturas de investigação de qualidade elevada para a investigação e inovação pioneiras, por atraírem talentos a nível mundial e serem essenciais para apoiar as novas tecnologias de informação e comunicação e as tecnologias facilitadoras essenciais. […]

(49)

As infraestruturas de investigação podem servir para atividades económicas e não económicas. A fim de evitar a concessão de auxílios estatais a atividades económicas através do financiamento público de atividades não económicas, os custos e o financiamento das atividades económicas e não económicas devem ser claramente separados. Sempre que uma infraestrutura for utilizada tanto para atividades económicas como para atividades não económicas, o financiamento através de recursos estatais dos custos relacionados com atividades não económicas da infraestrutura não constitui um auxílio estatal. […]»

4

O artigo 1.o deste regulamento, epigrafado «Âmbito de aplicação», enuncia, no seu n.o 1:

«O presente regulamento deve ser aplicável às seguintes categorias de auxílio:

[…]

d)

Auxílios à investigação e desenvolvimento e inovação;

[…].»

5

O artigo 2.o deste regulamento, epigrafado «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

Definições aplicáveis aos auxílios à investigação e desenvolvimento e à inovação

83. “Organismo de investigação e divulgação de conhecimentos”, uma entidade (tal como universidades ou institutos de investigação, agências de transferência de tecnologia, intermediários de inovação, entidades colaborativas, físicas ou virtuais, orientadas para a investigação), independentemente do seu estatuto jurídico (de direito privado ou de direito público) ou modo de financiamento, cujo objetivo principal consiste em realizar, de forma independente, investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental ou em divulgar amplamente os resultados dessas atividades através do ensino, de publicações ou da transferência de conhecimentos. Caso tal entidade exerça também atividades económicas, o financiamento, os custos e as receitas dessas atividades económicas devem ser contabilizados separadamente. As empresas que podem exercer uma influência decisiva sobre uma entidade deste tipo, na qualidade, por exemplo, de acionistas ou membros, não podem beneficiar de qualquer acesso preferencial aos resultados por ela gerados.»

Comunicação da Comissão de 2014

6

A Comunicação da Comissão Europeia intitulada «Enquadramento dos auxílios estatais à investigação, desenvolvimento e inovação» (JO 2014, C 198, p. 1) (a seguir «Comunicação da Comissão de 2014») prevê, nos seus n.os 17, 19 e 20:

«17.

Os organismos de investigação e divulgação de conhecimentos (“organismos de investigação”) e as infraestruturas de investigação são beneficiários de auxílios estatais se o seu financiamento público preencher as condições do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE]. Tal como explicado na comunicação relativa à noção de auxílio estatal, e em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o beneficiário tem de ser considerado uma empresa, mas essa classificação não depende do seu estatuto jurídico, isto é, se é constituída ao abrigo do direito público ou privado, nem do seu caráter económico, ou seja, se visa fins lucrativos ou não. O elemento decisivo para a sua classificação como empresa é, antes, saber se realiza uma atividade económica que consista em oferecer produtos ou serviços num determinado mercado […].

[…]

19.

A Comissão considera que as atividades a seguir indicadas têm geralmente caráter não económico:

a)

atividades primárias dos organismos de investigação e infraestruturas de investigação, em particular:

a educação a fim de conseguir recursos humanos com mais e melhores qualificações. Em conformidade com a jurisprudência […] e a prática decisória da Comissão […], e tal como explicado na Comunicação relativa à noção de auxílio estatal e na Comunicação SIEG, o ensino público organizado no âmbito do sistema nacional de ensino, predominante ou inteiramente financiado pelo Estado e por ele supervisionado, é considerado uma atividade de natureza não económica […],

as atividades de I&D independentes com vista a mais conhecimentos e maior compreensão, incluindo I&D em colaboração em cujo âmbito o organismo ou infraestrutura de investigação se empenha numa colaboração efetiva […],

ampla divulgação de resultados da investigação numa base não exclusiva e não discriminatória, por exemplo através do ensino, de bases de dados de acesso livre, publicações ou software públicos;

b)

atividades de transferência de conhecimentos, quando efetuadas pelo organismo ou infraestrutura de investigação (incluindo respetivos departamentos ou filiais) ou em conjunto com aquele, ou por conta de outras entidades semelhantes, e quando todos os lucros provenientes dessas atividades forem reinvestidos nas atividades primárias do organismo ou infraestrutura de investigação. O caráter não económico dessas atividades não é prejudicado pela subcontratação da prestação de serviços correspondentes a terceiros mediante a organização de concursos públicos.

20.

Se um organismo de investigação ou uma infraestrutura de investigação forem utilizados tanto para as atividades económicas como para as atividades não económicas, o financiamento público é abrangido pelas regras em matéria de auxílios estatais apenas na medida em que cobrir os custos relacionados com as atividades económicas […]. […]»

Direito letão

7

O Decreto n.o 725 do Conselho de Ministros, de 12 de dezembro de 2017 (Latvijas Vēstnesis, 2017, n.o 248), intitulado «Fundamentālo un lietišótico pētījumu projektu izvērtēšanas un finansējuma administraēšanas kārtība» (Processos de Avaliação dos Projetos de Investigação Fundamental e Aplicada e Modalidades de Gestão do seu Financiamento), enuncia, no seu n.o 2.7:

«[O] proponente é uma instituição científica inscrita no Registo das Instituições Científicas que, independentemente do seu estatuto jurídico (de direito privado ou de direito público) ou modo de financiamento conforme com as disposições regulamentares que regem as suas atividades (estatutos, regulamento interno ou ato constitutivo), exerce atividades principais que não têm natureza económica e corresponde à definição de organismo de investigação tal como figura no artigo 2.o, ponto 83, do [Regulamento n.o 651/2014].»

8

Nos termos do n.o 6 do Decreto n.o 725:

«O proponente executa um projeto não relacionado com a sua atividade económica. Separa de modo claro as atividades principais que não têm natureza económica (e os respetivos fluxos financeiros) das atividades consideradas atividades económicas. São consideradas atividades económicas as atividades exercidas por conta de um empresário, o arrendamento de infraestruturas de investigação e os serviços de consultoria. Quando a instituição científica exerce igualmente outras atividades económicas que não correspondem às atividades principais que não têm natureza económica, separa as suas atividades principais e os respetivos fluxos financeiros, das suas outras atividades e dos fluxos financeiros relativos a estas últimas.»

9

O n.o 12.5 do Decreto n.o 725 dispõe:

«O [Conselho Científico letão] aprecia a conformidade da proposta de projeto com os critérios de admissibilidade administrativa seguintes: o projeto será executado num estabelecimento científico que satisfaça as exigências do presente referido decreto.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

10

Nos dois processos intentados nos órgãos jurisdicionais de reenvio, os recorrentes nos processos principais são estabelecimentos de ensino superior de direito privado que responderam a dois convites para projetos distintos lançados, no decurso dos anos de 2019 e 2020, pelo Conselho Científico letão para o financiamento de projetos de investigação.

11

O Conselho Científico letão é uma autoridade administrativa sob a supervisão do Ministro da Educação e da Ciência, cujo objetivo é executar a política nacional de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, assegurando a peritagem, a execução e a supervisão dos programas e dos projetos de investigação científica que são financiados pelo orçamento do Estado, pelos Fundos estruturais da União Europeia e por outros instrumentos financeiros estrangeiros.

Processo C‑164/21

12

A BSA é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada com sede na Letónia, cuja atividade consiste em prestar serviços de ensino superior de caráter académico e não académico. Trata‑se de um estabelecimento de ensino superior reconhecido pelo Estado que está, de resto, inscrito no Registo das Instituições Científicas.

13

Por Decisão de 23 de janeiro de 2020, o Conselho Científico letão aprovou o Regulamento do convite geral para projetos de investigação fundamental e aplicada para 2020, no âmbito da qual a BSA apresentou uma proposta de projeto.

14

Por Decisão de 14 de abril de 2020, o Conselho Científico letão rejeitou a proposta de projeto da BSA por ser inelegível para um financiamento, com o fundamento de que esta não podia ser considerada uma instituição científica, na aceção do Decreto n.o 725, uma vez que não correspondia à definição do conceito de «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos» que figura no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014.

15

Mais precisamente, o Conselho Científico letão indicou que os documentos apresentados pela BSA não continham nenhuma informação que permitisse saber se a realização de investigações independentes constituía a sua atividade principal. A este respeito, salientou que, no ano de 2019, 84 % do seu volume de negócios era constituído por taxas cobradas pela atividade académica que, tendo em conta o tipo de atividade da BSA (sociedade de responsabilidade limitada cujo objetivo principal consiste na obtenção de lucros), correspondiam a uma atividade económica. Por conseguinte, o Conselho Científico letão concluiu que se devia considerar que a atividade principal da BSA tinha natureza comercial.

16

O Conselho Científico letão considerou igualmente que os documentos apresentados pela BSA não continham indicações suficientes quanto ao facto de que as empresas que sobre ela podiam exercer influência, na qualidade, por exemplo, de acionistas ou de membros não poderiam beneficiar de nenhum acesso privilegiado às suas capacidades de investigação nem aos resultados de investigação que esta produz. Por conseguinte, o Conselho Científico letão considerou que a BSA não podia garantir que a execução do projeto e a utilização da sua parte de financiamento estavam em conformidade com o n.o 6 do Decreto n.o 725, que exige que o proponente execute um projeto não relacionado com a sua atividade económica e separe de modo claro as atividades principais que não têm natureza económica (e os fluxos financeiros correspondentes) das atividades que são consideradas constitutivas de atividades económicas.

17

A BSA impugnou a decisão de indeferimento do Conselho da Ciência letão para a Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia), alegando que a investigação independente constitui a sua atividade principal. Segundo a BSA, nem o Regulamento n.o 651/2014 nem o Regulamento do convite para projetos indicam que o proponente não pode exercer uma atividade económica e dela retirar lucro, e também não determinam qual a proporção que deve ser económica e qual a proporção que deve ser não económica. A BSA sustenta ainda que dissocia claramente as atividades principais de natureza não económica daquelas que são económicas, bem como os fluxos financeiros correspondentes.

18

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por conseguinte, sobre a interpretação a dar ao conceito de «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção do artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, para o qual a legislação letã remete, e sobre os critérios que permitem caracterizar esse organismo.

19

Neste contexto, o Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode qualificar‑se de entidade na aceção do artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, um organismo (de direito privado) que tem diversas atividades principais, incluindo a atividade de investigação, mas cujas receitas provêm maioritariamente da prestação de serviços de ensino a título oneroso?

2)

Justifica‑se a aplicação da condição relativa à proporção do financiamento (receitas e despesas) das atividades económicas e não económicas para determinar se a entidade satisfaz a condição prevista no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, segundo a qual o objetivo principal das atividades da entidade deve consistir em realizar, de forma independente, investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental ou em divulgar amplamente os resultados dessas atividades através do ensino, de publicações ou da transferência de conhecimentos? Em caso de resposta afirmativa, qual seria a proporção adequada de financiamento das atividades económicas e não económicas para determinar o objetivo principal das atividades da entidade?

3)

Em conformidade com o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, justifica‑se a aplicação da condição relativa ao facto de as receitas provenientes da atividade principal serem de novo investidas (reinvestir) na atividade principal da entidade em causa e ser necessário avaliar outros aspetos para poder determinar corretamente o objetivo principal das atividades da entidade que propõe o projeto? Tal apreciação seria alterada pela utilização das receitas obtidas (se são reinvestidas na atividade principal ou, por exemplo, no caso de um fundador privado, se são pagas como dividendos aos acionistas), mesmo no caso de a maior parte das receitas consistirem em taxas pagas pelos serviços de ensino?

4)

O estatuto jurídico dos membros da entidade que propõe o projeto em causa é essencial para apreciar se essa entidade corresponde à definição que figura no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, ou seja, se se trata de uma sociedade constituída segundo o direito comercial para o exercício de uma atividade económica (atividade a título oneroso) com fins lucrativos (artigo 1.o do Código Comercial) ou os seus membros ou acionistas são pessoas singulares ou coletivas com fins lucrativos (incluindo a prestação de serviços de ensino a título oneroso) ou foram criadas sem fins lucrativos (por exemplo, uma associação ou uma fundação)?

5)

Para efeitos da avaliação da natureza económica da atividade da entidade que propõe o projeto, são essenciais a proporção de estudantes nacionais e de Estados‑Membros da União em comparação com a de estudantes estrangeiros (provenientes de Estados terceiros) e o facto de o objetivo da atividade principal realizada por essa entidade consistir em assegurar aos estudantes uma educação superior e uma qualificação competitivas no mercado de trabalho internacional em linha com as exigências internacionais atuais (n.o 5 dos estatutos da recorrente)?»

Processo C‑318/21

20

A SSE é uma sociedade de responsabilidade limitada com sede na Letónia, que tem, designadamente, por objeto o desenvolvimento científico e que, de entre as suas missões, tem uma que consiste em realizar investigação fundamental e aplicada em ciências económicas. Oferece igualmente ensino superior universitário e profissional. O seu membro único é a fundação Rīgas Ekonomikas augstskolas — Stockholm School of Economics in Riga, que está inscrita no registo das associações e das fundações.

21

Por Decisão de 22 de maio de 2019, o Conselho Científico letão aprovou o Regulamento do convite geral à apresentação de projetos de investigação fundamental e aplicada para o ano de 2019, no âmbito do qual a SSE submeteu uma proposta de projeto.

22

Por Decisão de 19 de setembro de 2019, o Conselho Científico letão rejeitou a proposta de projeto da SSE por ser inelegível para um financiamento, com o fundamento de que esta não podia ser considerada uma instituição científica, na aceção do Decreto n.o 725, uma vez que não correspondia à definição do conceito de «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos» que figura no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014.

23

Esta decisão assentava principalmente no facto de resultar da proposta de projeto da SSE que, no decurso do ano de 2018, a proporção do volume de negócios das atividades não económicas da SSE em relação ao das suas atividades económicas era de 34 % contra 66 %.

24

O Conselho Científico letão concluiu daí que a atividade principal da SSE era de natureza comercial e que não se podia considerar que o seu objetivo principal era exercer, com total independência, atividades de investigação fundamental, de investigação industrial ou de desenvolvimento experimental ou de divulgar em larga medida os resultados dessas atividades através do ensino, de publicações ou de transferências de conhecimentos. Considerou igualmente que os documentos apresentados pela SSE também não continham informações que indicassem que todas as receitas da SSE provenientes da sua atividade principal seriam reinvestidas nessa atividade.

25

A SSE impugnou a decisão de recusa do Conselho Científico letão no Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância), alegando, nomeadamente, que satisfazia as exigências impostas pelo Decreto n.o 725, uma vez que estava inscrita no Registo das Instituições Científicas e que a sua atividade principal era de natureza não económica. A este respeito, a SSE apresentou documentos que demonstravam que os fluxos financeiros gerados pela sua atividade principal estavam dissociados das atividades económicas e que os lucros provenientes das suas atividades económicas eram reinvestidos na atividade principal da instituição de investigação.

26

Por Sentença de 8 de junho de 2020, o Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância) negou provimento ao recurso da SSE. Embora admitindo que a atividade científica constituía um dos domínios de atividade da SSE, esse órgão jurisdicional salientou que o relatório relativo ao volume de negócios para 2018 indicava que as atividades económicas da SSE representavam uma parte das receitas e das despesas superior às que provinham das suas atividades não económicas. Daqui deduziu que a SSE não era uma instituição científica suscetível de beneficiar de um financiamento estatal para a realização de investigação fundamental e aplicada.

27

A SSE interpôs recurso desta sentença para o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional, Letónia).

28

Este órgão jurisdicional tem dúvidas quanto às apreciações efetuadas pelo Conselho Científico letão e pelo Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância). Considera que, caso os critérios fixados por estes para a concessão de auxílios a uma instituição científica fossem aprovados, critérios segundo os quais as receitas e as despesas ligadas às suas atividades económicas devem ser inferiores às provenientes de atividades não económicas, os estabelecimentos de ensino superior privados não poderiam beneficiar de auxílios públicos a favor da investigação, o que criaria em detrimento destes uma diferença de tratamento.

29

O Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) considera que o Regulamento n.o 651/2014 não estabelece claramente se se justifica, para efeitos da qualificação de uma entidade como «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», ter em conta a proporção respetiva das receitas e das despesas dessa entidade provenientes das suas atividades económicas e não económicas.

30

Considera que a solução do processo que lhe foi submetido depende da interpretação pelo Tribunal de Justiça do artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014.

31

Nestas circustâncias, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento [n.o 651/2014], ser interpretado no sentido de que uma entidade (como universidades ou institutos de investigação, agências de transferência de tecnologia, intermediários de inovação, entidades colaborativas, físicas ou virtuais, orientadas para a investigação) cujos objetivos de funcionamento incluem a realização, de forma independente, de investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental ou divulgar amplamente os resultados dessas atividades através do ensino, de publicações ou da transferência de conhecimentos, mas cujo financiamento próprio consiste, na sua maior parte, em receitas provenientes de atividades económicas, pode ser considerada um organismo de investigação e divulgação de conhecimentos?

2)

Justifica‑se a aplicação da condição relativa à proporção do financiamento (receitas e despesas) das atividades económicas e não económicas para determinar se a entidade satisfaz a condição prevista no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento [n.o 651/2014], segundo a qual o objetivo principal das atividades da entidade deve consistir na realização, de forma independente, de investigação fundamental, de investigação industrial ou de desenvolvimento experimental ou em divulgar amplamente os resultados dessas atividades através do ensino, de publicações ou da transmissão de conhecimentos?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão prejudicial, qual deve ser a proporção de financiamento das atividades económicas e não económicas para determinar se o objetivo principal da entidade consiste em realizar, de forma independente, investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental ou em divulgar amplamente os resultados dessas atividades através do ensino, de publicações ou da transmissão de conhecimentos?

4)

Deve a regra enunciada no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento [n.o 651/2014], nos termos da qual as empresas que podem exercer uma influência decisiva sobre a entidade que propõe o projeto, na qualidade, por exemplo, de acionistas ou membros desta, não podem beneficiar de acesso preferencial aos resultados por ela gerados, ser entendida no sentido de que os membros ou acionistas dessa entidade podem ser pessoas singulares ou coletivas com fins lucrativos (incluindo a prestação de serviços de ensino a título oneroso) ou entidades sem fins lucrativos (por exemplo, uma associação ou uma fundação)?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

32

Segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 10 de dezembro de 2020, J & S Service, C‑620/19, EU:C:2020:1011, n.o 31 e jurisprudência referida).

33

As questões relativas ao direito da União gozam assim de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o Tribunal não dispuser dos elementos de direito e de facto necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ou quando o problema for hipotético (Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Tiketa, C‑536/20, EU:C:2022:112, n.o 39 e jurisprudência referida).

34

Nos presentes processos, o Tribunal de Justiça é questionado sobre a interpretação a dar ao artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, que define o conceito de «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos». Todavia, foi no âmbito de litígios relativos à aplicação do Decreto n.o 725 e que tinham por objeto a concessão de financiamentos públicos para a investigação fundamental e aplicada pelo Conselho Científico letão que os órgãos jurisdicionais de reenvio formularam os seus pedidos de decisão prejudicial. Como expõem esses órgãos jurisdicionais, o n.o 2.7 do Decreto n.o 725 remete, de modo claro e incondicional, para o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 e precisa que, para serem elegíveis para os financiamentos públicos de investigação fundamental do Conselho Científico letão, os proponentes de projeto devem satisfazer a definição de organismo de investigação prevista no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014. Uma vez que, como os referidos órgãos jurisdicionais expuseram de modo suficiente, a solução dos litígios nos processos principais depende da interpretação desta disposição do Regulamento n.o 651/2014, as respostas do Tribunal de Justiça às questões prejudiciais submetidas afiguram‑se necessárias aos órgãos jurisdicionais de reenvio para poderem proferir a sua decisão.

35

A este respeito, importa igualmente recordar que o Tribunal de Justiça julgou admissíveis pedidos prejudiciais que tinham por objeto disposições do direito da União em situações em que os factos no processo principal se situavam fora do âmbito de aplicação deste direito, mas nas quais as referidas disposições, sem alteração do seu objeto ou do seu alcance, se tornaram aplicáveis por força do direito nacional, em virtude de uma remissão operada por este para o conteúdo daquelas. Além disso, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que, neste tipo de situações, é do interesse manifesto da ordem jurídica da União que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições retomadas do direito da União sejam objeto de interpretação uniforme (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.os 36 e 37; de 24 de outubro de 2019, Belgische Staat, C‑469/18 e C‑470/18, EU:C:2019:895, n.os 21 a 23 e jurisprudência referida; e de 10 de dezembro de 2020, J & S Service, C‑620/19, EU:C:2020:1011, n.os 34, 44 e 45).

36

Resulta dos pedidos de decisão prejudicial que, ao remeter, no n.o 2.7 do Decreto n.o 725, de modo direto e incondicional para o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 no âmbito da definição dos critérios de elegibilidade para os financiamentos públicos da investigação fundamental, as autoridades letãs quiseram garantir a concordância entre o direito nacional e o direito da União pertinente e assegurar a compatibilidade do seu sistema de financiamento público da investigação fundamental com as regras de direito da União relativas aos auxílios de Estado, pelo que a referida remissão não altera o objeto nem o alcance desta disposição.

37

Nestas condições, o Tribunal de Justiça deve responder à primeira a quarta questões submetidas em cada um dos presentes processos, na parte em que têm por objeto a interpretação a dar ao artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014.

38

Todavia, no que respeita à quinta questão no processo C‑164/21, relativa à pertinência da origem dos estudantes que uma entidade acolhe e ao tipo de ensino que oferece enquanto critérios para efeitos da sua qualificação como organismo de investigação e divulgação de conhecimentos, há que constatar que a mesma tem um caráter hipotético uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não expõe com um nível de clareza e de precisão suficiente as razões que o levaram a submeter esta questão e em que medida uma resposta à referida questão é necessária para dirimir o litigio que lhe foi submetido.

39

Com efeito, o pedido de decisão prejudicial, no processo C‑164/21, não indica a razão pela qual os critérios sobre os quais incide esta questão são pertinentes no âmbito do processo principal, por exemplo, na medida em que fundamentaram a decisão do Conselho Científico letão, ou na medida em que foram invocados pela BSA no âmbito do seu recurso no órgão jurisdicional de reenvio. Por conseguinte, a quinta questão no processo C‑164/21 deve ser declarada inadmissível.

Quanto à primeira e segunda questões no processo C‑164/21, bem como à primeira a terceira questões no processo C‑318/21

40

Com a primeira e segunda questões no processo C‑164/21, bem como com a primeira a terceira questões no processo C‑318/21, que devem ser apreciadas em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 deve ser interpretado no sentido de que uma entidade de direito privado que exerce várias atividades, entre as quais a investigação, mas cujas receitas provêm maioritariamente de atividades económicas, como a prestação de serviços de ensino a título oneroso, pode ser considerada um «organismo de investigação e divulgação» na aceção desta disposição.

41

Deste modo, os órgãos jurisdicionais de reenvio interrogam o Tribunal de Justiça sobre a interpretação a dar ao conceito de «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», conforme definido no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, e sobre os critérios que permitem identificar esse organismo.

42

Segundo jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas igualmente o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia, C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 45 e jurisprudência referida).

43

O artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 define organismo de investigação e divulgação de conhecimentos como «uma entidade (tal como universidades ou institutos de investigação, agências de transferência de tecnologia, intermediários de inovação, entidades colaborativas, físicas ou virtuais, orientadas para a investigação), independentemente do seu estatuto jurídico (de direito privado ou de direito público) ou modo de financiamento, cujo objetivo principal consiste em realizar, de forma independente, investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental ou em divulgar amplamente os resultados dessas atividades através do ensino, de publicações ou da transferência de conhecimentos».

44

Esta disposição precisa, por outro lado, que, caso tal entidade exerça também atividades económicas, o financiamento, os custos e as receitas dessas atividades económicas devem ser contabilizados separadamente. Dispõe ainda que as empresas que podem exercer uma influência decisiva sobre uma entidade deste tipo, na qualidade, por exemplo, de acionistas ou membros, não podem beneficiar de qualquer acesso preferencial aos resultados por ela gerados.

45

Resulta de uma interpretação literal do artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 que o critério central para a qualificação de uma entidade como organismo de investigação e divulgação de conhecimentos é o objetivo principal que prossegue, que deve consistir quer em exercer, de forma independente, investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental quer em divulgar amplamente os resultados dessas atividades através do ensino, de publicações ou de transferências de conhecimentos.

46

Em primeiro lugar, no que respeita ao conceito de «objetivo principal», há que observar que não é definido pelo Regulamento n.o 651/2014. Assim, cabe ao Tribunal de Justiça determinar o seu significado e alcance em conformidade com o sentido habitual que este tem na linguagem comum [v., neste sentido, Acórdão de 5 de fevereiro de 2020, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Entrada ao serviço de marítimos no porto de Roterdão), C‑341/18, EU:C:2020:76, n.o 42 e jurisprudência referida]. Nesta linguagem, a finalidade de uma entidade faz referência ao objetivo que esta se propõe alcançar e o adjetivo «principal» sublinha a importância superior do objetivo em causa e, assim, a sua prevalência sobre os eventuais outros objetivos prosseguidos pela entidade.

47

Deste ponto de vista, a utilização do conceito de «objetivo principal» no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 dá a entender que um organismo de investigação e divulgação de conhecimentos, na aceção desta disposição, pode prosseguir uma pluralidade de fins e exercer diferentes tipos de atividades, desde que, entre esses diferentes fins, o exercício de atividades independentes de investigação ou divulgação ampla dos resultados dessas atividades constitua o objetivo principal, preponderante em relação aos eventuais outros objetivos prosseguidos por esse organismo.

48

Esta interpretação, segundo a qual o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 e o conceito de «objetivo principal» em que esta disposição se baseia não obstam a que um organismo de investigação e divulgação de conhecimentos exerça igualmente outras atividades, eventualmente de natureza económica, como atividades de ensino a título oneroso, desde que essas atividades mantenham um caráter secundário, não preponderante em relação às atividades principais, geralmente de natureza não económica, de investigação independente ou de divulgação dos resultados dessa investigação, é corroborada pelo considerando 49 desse regulamento e pelo n.o 20 da Comunicação da Comissão de 2014, do qual decorre que um organismo de investigação ou uma infraestrutura de investigação pode exercer simultaneamente atividades económicas e atividades não económicas.

49

Em segundo lugar, no que respeita às atividades exercidas na prossecução do objetivo principal da entidade, embora a redação do artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 e a utilização da conjunção coordenativa «ou» deem a entender que os organismos de investigação e divulgação dos conhecimentos não têm necessariamente de realizar cumulativamente atividades de investigação e atividades de divulgação dos resultados, em contrapartida, a expressão «os resultados dessas atividades» pressupõe necessariamente que as atividades de divulgação dos conhecimentos do organismo não possam incidir indistintamente sobre os resultados de qualquer tipo de investigação, mesmo sem ligação nenhuma com a entidade em causa, mas devem, pelo menos em parte, dizer respeito aos resultados das atividades de investigação conduzidas pela própria entidade.

50

Resulta destes elementos que, para ser qualificada de «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção do artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, uma entidade deve exercer atividades independentes de investigação, eventualmente completadas por atividades de divulgação dos resultados dessas atividades de investigação.

51

Por conseguinte, os estabelecimentos exclusivamente dedicados a atividades de ensino e de formação que divulguem, de maneira geral, o estado atual da ciência, não podem ser qualificados de organismos de investigação e de divulgação de conhecimentos. Esta interpretação é corroborada pela finalidade e pela economia geral do Regulamento n.o 651/2014 e do regime que este estabelece para os auxílios à investigação, ao desenvolvimento e à inovação, que, conforme resulta nomeadamente dos considerandos 45, 47 e 48 deste regulamento, não podem ter por objeto isentar auxílios concedidos a entidades exclusivamente dedicadas ao ensino e à divulgação de conhecimentos gerais, de modo nenhum ligadas a atividades de investigação que, de resto, não exercem.

52

Em terceiro lugar, no que respeita aos critérios segundo os quais a condição essencial do objetivo principal de uma entidade deve ser apreciada para efeitos da sua qualificação como «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção do artigo 2.o, n.o 83, do Regulamento n.o 651/2014, importa, antes de mais, assinalar que os mesmos não são especificados no referido artigo 2.o, ponto 83. Daqui decorre que esta disposição permite, para efeitos da apreciação do objetivo principal de uma entidade, a tomada em consideração de todos os critérios pertinentes, tais como o quadro regulamentar aplicável ou os estatutos da entidade em causa.

53

A este respeito, o Tribunal de Justiça é questionado sobre o caráter determinante da estrutura do volume de negócios de uma entidade e da parte que aí representam as receitas provenientes das suas atividades económicas, para efeitos da apreciação do objetivo principal que aquela prossegue. Mais especificamente, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam se o facto de uma entidade obter mais de metade das suas receitas de tais atividades económicas implica necessariamente que não possa ser qualificada de «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção do artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014.

54

Quanto a este ponto, importa, antes de mais, observar que o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 não enuncia nenhuma exigência quanto à estrutura e à origem do financiamento das atividades da entidade para efeitos da apreciação do seu objetivo principal, e da sua qualificação como «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos». Esta disposição precisa inclusivamente que essa qualificação deve ser feita sem ter em conta o modo de financiamento da entidade ou o seu estatuto jurídico de direito público ou de direito privado.

55

Em seguida, a exigência de contabilidade separada imposta pelo artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 confirma que um organismo de investigação e divulgação dos conhecimentos pode igualmente exercer atividades de natureza económica geradoras de receitas.

56

Por último, como sublinham os governos letão e neerlandês, bem como a Comissão, há que observar que o critério da estrutura do volume de negócios de uma entidade, e da parte respetiva que aí representam as receitas provenientes das atividades económicas dessa entidade e os provenientes das atividades, geralmente não económicas, de investigação e divulgação dos seus resultados, é, se for considerado isoladamente, suscetível de dar uma imagem deformada das atividades reais de uma entidade e do seu objetivo principal, por exemplo, subestimando a importância real de uma atividade que gera receitas apenas reduzidas.

57

Por conseguinte, há que considerar que o critério da estrutura do volume de negócios de uma entidade, e da parte que aí representam as receitas provenientes das atividades económicas dessa entidade, não pode ser utilizado como único critério determinante da apreciação do objetivo principal da referida entidade para efeitos da sua eventual qualificação como organismo de investigação e divulgação de conhecimentos.

58

Todavia, o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 não se opõe a que este critério possa ser tido em conta, no contexto mais amplo de uma análise do conjunto das circunstâncias pertinentes, como um indício, entre outros, do objetivo principal prosseguido por uma entidade.

59

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões no processo C‑164/21 e à primeira a terceira questões no processo C‑318/21 que o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 deve ser interpretado no sentido de que uma entidade de direito privado que exerce várias atividades, entre as quais a investigação, mas cujas receitas provêm maioritariamente de atividades económicas, como a prestação de serviços de ensino a título oneroso, pode ser considerada um «organismo de investigação e divulgação» na aceção desta disposição, desde que seja possível demonstrar que, à luz de todas as circunstâncias do caso em apreço, o seu objetivo principal é realizar, de forma independente, investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental, eventualmente completados por atividades de divulgação dos resultados dessas atividades de investigação, através do ensino, de publicações ou da transferências de conhecimentos. Neste âmbito, não se pode exigir a essa entidade que obtenha uma certa proporção das suas receitas de atividades não económicas de investigação e divulgação de conhecimentos.

Quanto à terceira questão no processo C‑164/21

60

Com a terceira questão no processo C‑164/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 deve ser interpretado no sentido de que, para que uma entidade possa ser considerada um «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção desta disposição, é necessário que essa entidade reinvista as receitas geradas pela sua atividade principal nessa mesma atividade.

61

Antes de mais, há que observar que o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, além da obrigação de contabilizar separadamente o financiamento, os custos e as receitas das eventuais atividades económicas que uma entidade exerce, não impõe, para efeitos da sua qualificação como organismo de investigação e divulgação de conhecimentos, nenhuma exigência relativa à utilização, e ao eventual reinvestimento, por esta, das suas receitas.

62

A este respeito, importa, em seguida, observar, como salientam o Governo neerlandês e a Comissão nas suas observações, que tal exigência de reinvestimento das receitas existia no regime anterior do Regulamento n.o 800/2008, cujo artigo 30.o, n.o 1, dispunha, nomeadamente, que «todos os lucros devem ser reinvestidos nestas atividades [de investigação], na divulgação dos seus resultados ou no ensino», e que esta exigência não foi retomada no Regulamento n.o 651/2014.

63

Por último, contrariamente ao que sustenta o Governo letão, tal exigência de reinvestimento não pode ser deduzida do n.o 19, alínea b), da Comunicação da Comissão de 2014, que, contrariamente ao n.o 19, alínea a), desta não tem por objeto qualificar as atividades principais dos organismos de investigação, mas incide apenas sobre a qualificação das atividades de transferência de conhecimentos. É apenas para indicar em que condições estas últimas atividades podem ser qualificadas de «não económicas» que este n.o 19, alínea b), se refere a uma exigência de reinvestimento de receitas nas principais atividades do organismo de investigação.

64

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão no processo C‑164/21 que o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 deve ser interpretado no sentido de que não é necessário, para que uma entidade possa ser considerada um «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção desta disposição, que essa entidade reinvista as receitas geradas pela sua atividade principal nessa mesma atividade principal.

Quanto às quartas questões no processo C‑164/21 e no processo C‑318/21

65

Com as suas quartas questões nos processos C‑164/21 e C‑318/21, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 deve ser interpretado no sentido de que o estatuto jurídico dos membros e dos acionistas de uma entidade, bem como o caráter eventualmente lucrativo das atividades exercidas por estes últimos e dos objetivos que prosseguem, constituem critérios determinantes para efeitos da qualificação da referida entidade como «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção desta disposição.

66

Em primeiro lugar, o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 prevê expressamente que o estatuto legal da entidade (de direito público ou de direito privado) e o seu modo de financiamento são indiferentes para determinar se pode ser qualificada de organismo de investigação e divulgação de conhecimentos. Isto comprova a vontade da Comissão, autora do Regulamento n.o 651/2014, de não ter em conta, para efeitos da qualificação de uma entidade como organismo de investigação e divulgação de conhecimentos, critérios formais ligados ao estatuto jurídico e à organização interna da entidade.

67

Em segundo lugar, a regra, que figura no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014, segundo a qual as empresas que podem exercer uma influência decisiva sobre um organismo de investigação e divulgação de conhecimentos, por exemplo, na qualidade, de acionistas ou membros, não podem beneficiar de um acesso preferencial aos resultados por este gerados, dá a entender que o estatuto jurídico dos membros ou dos acionistas de uma entidade, e o caráter lucrativo ou não das suas atividades ou dos seus objetivos, não podem ser determinantes para efeitos da qualificação da referida entidade como «organismo de investigação», na aceção desta disposição.

68

Além disso, há que salientar que esta regra apenas diz respeito às entidades que podem ser consideradas empresas. Ora, como o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.os 46 e 47, assim como de 11 de junho de 2020, Comissão e República Eslovaca/Dôvera zdravotná poist’ovňa, C‑262/18 P e C‑271/18 P, EU:C:2020:450, n.os 28 e 29), e como o artigo 1.o do anexo I do Regulamento n.o 651/2014, bem como o n.o 17 da Comunicação de 2014 confirmam, constitui uma «empresa», na aceção do direito da União, qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consiste em oferecer produtos ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico ou do caráter lucrativo do objetivo que aquela prossegue. Por conseguinte, e como alegam, nomeadamente, os governos letão e neerlandês, bem como a Comissão, a regra que figura no artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 não implica nenhuma restrição relativa ao estatuto jurídico dos eventuais membros ou acionistas de um organismo de investigação e divulgação de conhecimentos, e ao caráter lucrativo ou não das atividades exercidas por estes últimos e dos objetivos que estes últimos prosseguem.

69

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às quartas questões nos processos C‑164/21 e C‑318/21 que o artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014 deve ser interpretado no sentido de que o estatuto jurídico dos membros e dos acionistas de uma entidade, bem como o caráter eventualmente lucrativo das atividades exercidas por estes últimos e dos objetivos que prosseguem, não constituem critérios determinantes para efeitos da qualificação da referida entidade como «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção desta disposição.

Quanto às despesas

70

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento (UE) n.o 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE],

deve ser interpretado no sentido de que:

uma entidade de direito privado que exerce várias atividades, entre as quais a investigação, mas cujas receitas provêm maioritariamente de atividades económicas, como a prestação de serviços de ensino a título oneroso, pode ser considerada um «organismo de investigação e divulgação» na aceção desta disposição, desde que seja possível demonstrar que, à luz de todas as circunstâncias do caso em apreço, o seu objetivo principal é realizar, de forma independente, investigação fundamental, investigação industrial ou desenvolvimento experimental, eventualmente completados por atividades de divulgação dos resultados dessas atividades de investigação, através do ensino, de publicações ou da transferências de conhecimentos. Neste âmbito, não se pode exigir a essa entidade que obtenha uma certa proporção das suas receitas de atividades não económicas de investigação e divulgação dos conhecimentos.

 

2)

O artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014

deve ser interpretado no sentido de que:

não é necessário, para que uma entidade possa ser considerada um «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção desta disposição, que essa entidade reinvista as receitas geradas pela sua atividade principal nessa mesma atividade principal.

 

3)

O artigo 2.o, ponto 83, do Regulamento n.o 651/2014

deve ser interpretado no sentido de que:

o estatuto jurídico dos membros e dos acionistas de uma entidade, bem como o caráter eventualmente lucrativo das atividades exercidas por estes últimos e dos objetivos que prosseguem, constituem critérios determinantes para efeitos da qualificação da referida entidade como «organismo de investigação e divulgação de conhecimentos», na aceção desta disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: letão.

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