Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CC0617

Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 20 de janeiro de 2022.
Processo intentado por T.N. e N.N.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Medidas relativas ao direito das sucessões — Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Artigos 13.o e 28.o — Validade da declaração de repúdio da herança — Herdeiro com residência num Estado‑Membro que não o do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão — Declaração feita no órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual desse herdeiro.
Processo C-617/20.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:49

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 20 de janeiro de 2022 ( 1 )

Processo C‑617/20

T.N.,

N.N.

contra

E.G.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior Hanseático de Bremen, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Aceitação ou repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima — Declaração relativa ao repúdio feita perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro da residência habitual do autor da declaração — Validade»

I. Introdução

1.

Com a adoção do Regulamento (UE) n.o 650/2012 ( 2 ), o legislador da União pretendia eliminar os obstáculos à livre circulação de pessoas que se defrontam com dificuldades para exercerem os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça. Para alcançar esse objetivo, decidiu, nomeadamente, que os herdeiros e os legatários poderão, em princípio, fazer declarações relativas à aceitação ou ao repúdio de uma sucessão, de um legado ou da legítima, ou relativas à limitação da responsabilidade pelas dívidas da herança ( 3 ) na forma prevista pela lei do Estado‑Membro da sua residência habitual. No entanto, não previu nenhuma solução quanto à transmissão dessas declarações a órgãos jurisdicionais competentes em matéria sucessória situados noutro Estado‑Membro. Além disso, num dos considerandos do regulamento, indicou que compete às pessoas que fizeram as declarações delas informar esses órgãos jurisdicionais.

2.

Neste contexto, surgem dúvidas quanto à validade das declarações de aceitação ou repúdio da sucessão feitas perante os órgãos jurisdicionais do Estado da residência habitual do declarante, que não foram transmitidas aos órgãos jurisdicionais com competência geral para decidir em matéria sucessória dentro do prazo fixado, de forma adequada ou em determinada língua. O acórdão do Tribunal de Justiça no presente processo deverá contribuir para o seu esclarecimento.

3.

Na minha opinião, a principal questão, cuja resposta permitirá dissipar as dúvidas supra é a de determinar o alcance dos elementos que formam parte da declaração de aceitação ou repúdio da sucessão. Por outras palavras, trata‑se de delimitar, no contexto do Regulamento n.o 650/2012, o âmbito de aplicação da lei aplicável à sucessão e o da lei aplicável à forma. Como demonstrarei nas minhas conclusões, decidir esta questão permite resolver os problemas de interpretação que o órgão jurisdicional de reenvio enfrenta.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

4.

Os considerandos 7, 32 e 33 do Regulamento n.o 650/2012 esclarecem que:

«(7)

É conveniente facilitar o bom funcionamento do mercado interno suprimindo os entraves à livre circulação de pessoas que atualmente se defrontam com dificuldades para exercerem os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça. No espaço europeu de justiça, os cidadãos devem ter a possibilidade de organizar antecipadamente a sua sucessão. É necessário garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários, das outras pessoas próximas do falecido, bem como dos credores da sucessão.

[…]

(32)

A fim de facilitar as diligências dos herdeiros e legatários que residem habitualmente num Estado‑Membro diferente daquele em que a sucessão está a ser ou será tratada, o presente regulamento deverá autorizar qualquer pessoa habilitada nos termos da lei aplicável à sucessão a fazer declarações relativas à aceitação ou ao repúdio da herança, de um legado ou da legítima, ou relativas à limitação da sua responsabilidade pelas dívidas da herança, na forma prevista pela lei do Estado‑Membro da sua residência habitual perante os órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro. Tal não obstará a que essas declarações sejam feitas perante outras autoridades nesse Estado‑Membro que sejam competentes para receber declarações nos termos do direito nacional. As pessoas que optem por recorrer à possibilidade de fazer declarações no Estado‑Membro da sua residência habitual deverão elas próprias informar o órgão jurisdicional ou a autoridade que trata ou tratará da sucessão acerca da existência de tais declarações, dentro do prazo eventualmente previsto pela lei aplicável à sucessão.

(33)

Não deverá ser possível que uma pessoa que deseje limitar a sua responsabilidade no que respeita às dívidas da herança o faça por meio de uma simples declaração perante os órgãos jurisdicionais ou outras autoridades competentes do Estado‑Membro da sua residência habitual, caso a lei aplicável à sucessão a obrigue a intentar uma ação especial, por exemplo o processo de inventário, perante o órgão jurisdicional competente. A declaração feita nessas circunstâncias por uma pessoa no Estado‑Membro da sua residência habitual, na forma prevista pela lei desse Estado‑Membro, não deverá, por conseguinte, ser válida quanto à forma para efeitos do presente regulamento. De igual modo, não deverão ser consideradas declarações, para efeitos do presente regulamento, os atos que deem início àquela ação especial.»

5.

Nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, intitulado «Aceitação ou repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima»:

«Para além do órgão jurisdicional competente para decidir da sucessão, nos termos do disposto no presente regulamento, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território se situa a residência habitual de qualquer pessoa que, nos termos da lei aplicável à sucessão, possa fazer perante um órgão jurisdicional uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima ou uma declaração destinada a limitar a responsabilidade da pessoa em causa no que respeita às dívidas da herança, são competentes para receber essas declarações sempre que, nos termos da lei desse Estado‑Membro, tais declarações possam ser feitas perante um órgão jurisdicional.»

6.

O artigo 23.o do Regulamento n.o 650/2012, com o título «Âmbito da lei aplicável» dispõe, nomeadamente, que:

«1.   A lei designada nos termos do artigo 21.o ou do artigo 22.o regula toda a sucessão.

2.   Essa lei rege, nomeadamente:

[…]

e)

A transmissão dos bens, direitos e obrigações que compõem a herança aos herdeiros e, consoante o caso, aos legatários, incluindo as condições e os efeitos da aceitação da sucessão ou do legado ou do seu repúdio […].»

7.

Nos termos do artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012, intitulado «Validade quanto à forma da aceitação ou do repúdio»:

«Uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão, de um legado ou da legítima, ou uma declaração destinada a limitar a responsabilidade do autor da declaração, é igualmente válida quanto à forma se respeitar os requisitos:

a)

Da lei aplicável à sucessão por força do artigo 21.o ou do artigo 22.o; ou

b)

Da lei do Estado onde o autor da declaração tem residência habitual.»

B.   Direito alemão

8.

Nos termos das disposições do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil, a seguir «BGB»):

«§ 1942 Aceitação e repúdio da sucessão.

(1) A sucessão é transferida para o herdeiro designado sem prejuízo do direito de a repudiar (transferência da sucessão).

[…]

§ 1943 Aceitação e repúdio da sucessão.

O herdeiro não pode repudiar a sucessão se a tiver aceitado ou se o prazo para a repudiar tiver expirado; uma vez expirado o prazo, considera‑se que a sucessão foi aceite.

§ 1944 Prazo para repudiar a sucessão.

(1) A sucessão só pode ser repudiada no prazo de seis semanas.

(2) O prazo começa a correr no momento em que o herdeiro toma conhecimento do seu direito e do título de designação para a herança.

(3) O prazo é de seis meses se o de cujus teve a sua última residência exclusivamente no estrangeiro ou se o herdeiro se encontrava no estrangeiro no momento em que começa a correr o prazo.

§ 1945 Forma de repúdio da sucessão.

(1) O repúdio da sucessão é feito mediante declaração nesse sentido no órgão jurisdicional da sucessão; a declaração é registada em ata ou em documento publicamente autenticado.

[…]»

9.

§ 184 da Gerichtsverfassungsgesetz (Lei da Organização Judiciária), na sua versão de 9 de maio de 1975 ( 4 ), dispõe:

«A língua oficial do tribunal é o alemão […].»

III. Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

10.

O de cujus W.N. faleceu em 21 de maio de 2018, em Bremen (Alemanha). A demandante no processo principal E.G. (a seguir «demandante E.G.») é a viúva do de cujus e os intervenientes no processo principal T.N. e N.N. (a seguir «intervenientes T.N. e N.N.» ou «intervenientes») são os descendentes do irmão do de cujus que faleceu anteriormente.

11.

Em 21 de janeiro de 2019 a demandante E.G. apresentou, por ato notarial, um pedido de certificado sucessório (Erbschein) que atestasse que era herdeira legal de 3/4 da herança do autor da sucessão e os intervenientes T.N. e N.N. de 1/8 cada um a sua aquisição de 3/4 da sucessão e a aquisição de 1/8 por cada um dos intervenientes T.N. e N.N.

12.

Por notificação de 19 de junho de 2019, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen, Alemanha) que é o tribunal da sucessão, informou os intervenientes T.N. e N.N. do pedido de emissão de um certificado sucessório e solicitou a apresentação de alguns documentos.

13.

Em 13 de setembro de 2019, os intervenientes T.N. e N.N. apresentaram perante o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) uma declaração de repúdio da herança do de cujus, que foi inscrita nesse registo sucessório em 30 de setembro de 2019.

14.

Após a apresentação dos documentos pela demandante E.G. o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) notificou, em 22 de novembro de 2019, os intervenientes T.N. e N.N. do pedido e convidou‑os a tomar posição sobre o processo.

15.

Por requerimento de 13 de dezembro de 2019, redigido em neerlandês, os intervenientes T.N. e N.N. transmitiram ao Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) cópias dos documentos produzidos pelo rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia) na sequência das suas declarações de repúdio da sucessão.

16.

Em 3 de janeiro de 2020, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) informou os intervenientes T.N. e N.N. de que os seus requerimentos e documentos não podiam ser tidos em conta por não ter sido apresentada a sua tradução em alemão.

17.

Em resposta, por requerimento de 15 de janeiro de 2020 redigida em alemão, o interveniente N.N. informou o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) que a sucessão tinha sido repudiada e de que a declaração de repúdio da herança tinha sido registada pelo tribunal, nos termos do direito da União, em língua neerlandesa e, por conseguinte, não necessitava de tradução. Em resposta, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) remeteu para a falta de tradução dos documentos e os prazos de repúdio da sucessão.

18.

Por Despacho de 27 de fevereiro de 2020, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) apurou os factos necessários à emissão do certificado sucessório, em conformidade com o § 352e., n.o 1, da Gesetz über das Verfahren in Familiensachen und in den Angelegenheiten der freiwilligen Gerichtsbarkeit (Lei dos Processos de Família e dos Processos de Jurisdição Voluntária,), de 17 de dezembro de 2008 ( 5 ). Considerou que os intervenientes T.N. e N.N. também eram herdeiros do de cujus.

19.

Os intervenientes recorreram deste despacho por requerimento de 19 de março de 2020. Nele pediram a prorrogação do prazo para a apresentação de elementos de prova suplementares. Em 30 de julho de 2020, apresentaram fotocópias a cores dos documentos redigidos pelo rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia), bem como a tradução destes em alemão. Em seguida, apresentaram, em 17 de agosto de 2020, os documentos originais.

20.

Por Despacho de 2 de setembro de 2020, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) remeteu o processo ao Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior Hanseático de Bremen, Alemanha) (órgão jurisdicional de reenvio). Na fundamentação, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) indicou que os intervenientes T.N. e N.N. se tinham tornado (co)herdeiros do de cujus, uma vez que não tinham respeitado o prazo de repúdio da sucessão. Para que a sucessão seja validamente repudiada, não basta nem uma simples invocação do repúdio da sucessão perante o tribunal neerlandês nem o envio de fotocópias de documentos. Esta declaração só se torna válida quando o tribunal da sucessão recebe os documentos originais. Estas só lhe foram apresentadas após o termo do prazo de repúdio da sucessão de seis meses.

21.

O órgão jurisdicional de reenvio observa que há um litígio quanto à validade da declaração de repúdio da herança feita perante o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro diferente daquele em que se encontra o órgão jurisdicional da sucessão. De acordo com um ponto de vista, a simples declaração de repúdio da herança no tribunal da residência habitual do autor da declaração significa que a declaração de repúdio da herança é válida no tribunal da sucessão, ou seja, que tem lugar a chamada substituição. Segundo a opinião contrária, a validade de uma declaração pressupõe que a declaração seja devidamente transmitida ao tribunal da sucessão ou, em todo o caso, que esta lhe seja notificada. Este segundo ponto de vista pode fundamentar‑se no considerando 32 do regulamento, do qual se pode inferir que o legislador pressupôs que a declaração de repúdio da herança, feita perante o órgão jurisdicional da residência habitual do declarante, só deve produzir efeitos jurídicos quando o tribunal da sucessão dela tiver sido informado. Isto é apoiado, nomeadamente, pelo facto de o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, contrariamente à disposição do direito alemão, não prever a obrigação de o órgão jurisdicional da residência do autor da declaração informar o tribunal da sucessão da receção da declaração de repúdio da herança.

22.

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, se se admitisse a opinião prevalecente na doutrina que pressupõe a substituição da declaração de repúdio da herança, esta ter‑se‑ia tornado válida logo a partir da sua apresentação no rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia), em 13 de setembro de 2019. O prazo legal no § 1944, n.o 3, do BGB teria sido respeitado e os intervenientes não se teriam tornado herdeiros. Se, por outro lado, com base no considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012, for aceite que não houve uma substituição completa, a validade do repúdio da sucessão pode depender adicionalmente de o tribunal da sucessão ter dele tomado conhecimento. Neste caso, contudo, coloca‑se a questão de saber quais os requisitos formais a cumprir para que o repúdio de uma sucessão seja considerado válido, em particular se é suficiente notificar simplesmente o tribunal da sucessão, eventualmente apresentar‑lhe fotocópias simples dos documentos, ou também eventualmente apresentar as informações na língua do tribunal da sucessão, ou se é necessário apresentar os documentos originais juntamente com a sua tradução autenticada na língua do tribunal da sucessão.

23.

Nestas condições, o Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior Hanseático de Bremen, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais para uma interpretação dos artigos 13.o e 28.o do Regulamento n.o 650/2012:

«1)

A declaração de repúdio da herança entregue pelo herdeiro no tribunal competente do Estado‑Membro do lugar da sua residência habitual, de acordo com as exigências de forma aí aplicáveis, substitui a declaração de repúdio da herança que deve ser entregue no tribunal [do] Estado‑Membro que é o tribunal competente para o processo sucessório, de forma que essa declaração, no momento em que é apresentada, se deve considerar eficazmente apresentada (substituição)?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Para a eficácia da declaração de repúdio da herança, é necessário, para além da validade formal da declaração apresentada no tribunal competente do lugar da residência habitual do declarante, que o declarante informe o tribunal competente para o processo sucessório da entrega dessa declaração?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão e de resposta afirmativa à segunda questão:

a)

Para a eficácia da declaração de repúdio da herança, especialmente para o cumprimento do prazo de apresentação dessa declaração […], é necessário que o [tribunal competente para o processo sucessório] seja informado da declaração na sua língua oficial?

b)

Para a eficácia da declaração de repúdio da herança, especialmente para o cumprimento do prazo de apresentação dessa declaração […], é necessário que seja transmitido [ao tribunal competente para o processo sucessório] o original do documento elaborado pelo tribunal da residência do declarante, acompanhado de uma tradução?»

24.

No processo no Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas os Governos espanhol e italiano e a Comissão Europeia. Não foi realizada uma audiência.

IV. Análise

A.   Questões prejudiciais

25.

Como resulta das observações escritas apresentadas pelos Governos espanhol e italiano e pela Comissão Europeia, as questões prejudiciais do órgão jurisdicional de reenvio podem ser lidas de várias maneiras diferentes.

26.

O Governo espanhol parece considerá‑las como sendo relativas não tanto à validade da própria declaração de repúdio da herança, mas antes ao facto de produzirem certos efeitos no processo perante o órgão jurisdicional chamado a decidir no processo sucessório; com efeito, essa declaração, ainda que válida, não produz efeitos se o tribunal chamado a pronunciar‑se no processo sucessório não for informado em tempo útil e na devida forma.

27.

Segundo o Governo italiano, as questões do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à validade da declaração formal de repúdio da herança e, mais precisamente, à questão de saber se esta é válida se não estiver redigida na língua oficial do local onde a sucessão foi aberta.

28.

Em contrapartida, a Comissão, tendo em conta os factos do processo principal, interpreta a primeira e a segunda questões do órgão jurisdicional de reenvio como dizendo respeito à questão de saber se, na hipótese de a lei aplicável à sucessão fixar um prazo para se fazer a declaração de repúdio da herança, se deve considerar que esse prazo foi respeitado no dia da apresentação da declaração perante o órgão jurisdicional competente por força do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 ou no dia em que essa declaração foi notificada ao órgão jurisdicional geralmente competente para decidir sobre a sucessão em questão.

29.

No âmbito do processo previsto no artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, compete ao Tribunal de Justiça dar uma resposta quanto à interpretação das disposições do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional de reenvio no processo que deu origem ao pedido de decisão prejudicial.

30.

Da fundamentação da questão prejudicial decorre que o resultado do processo perante o órgão jurisdicional de reenvio depende de determinar se os intervenientes respeitaram o prazo previsto na lei aplicável à sucessão para repudiar a herança: a) logo no momento da apresentação da declaração de repúdio da herança perante o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia); b) apenas no momento da notificação das declarações feitas ao tribunal da sucessão em Bremen; c) apenas no momento da apresentação neste último tribunal das cópias dos documentos que atestam as declarações feitas, ou d) apenas no momento da apresentação neste último tribunal dos originais desses documentos juntamente com a sua tradução em alemão. O órgão jurisdicional de reenvio classifica a questão jurídica referida na questão prejudicial como um problema de validade da declaração de repúdio da herança e parte do princípio de que a chave para a resolução dessa questão reside na interpretação das disposições dos artigos 13.o e 28.o, alínea b), do Regulamento n.o 650/2012 e na determinação da questão de saber se, no caso previsto no artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, a substituição tem lugar.

31.

Além disso, há que salientar, na senda do que referiu a Comissão, que, segundo o direito alemão, a declaração de repúdio da herança é uma declaração de intenções que requer aceitação pelo seu destinatário («empfangsbedürftig», ou «amtsempfangsbedürftig»). Assim, a doutrina alemã parece considerar que, para ser válida, esta declaração deve ser feita dentro do prazo legal ao tribunal da sucessão ( 6 ), ou seja, o tribunal da residência habitual do de cujus no momento da morte, e que o requisito da sua apresentação no tribunal da sucessão é qualificado de condição para a validade material e não formal desse ato jurídico ( 7 ).

32.

É neste contexto que leio as questões prejudiciais. Por conseguinte, admito que não dizem respeito à forma como o facto de ter sido validamente apresentada uma declaração de repúdio da herança é demonstrado em dado processo judicial ( 8 ). Entendo‑as como dizendo respeito à validade da declaração de repúdio da herança feita perante o órgão jurisdicional do Estado da residência habitual do herdeiro, quando a lei aplicável à sucessão prevê que a validade material dessa declaração está condicionada à apresentação da mesma em tempo útil ao tribunal da sucessão, ou seja, o tribunal da residência habitual do de cujus no momento da morte ( 9 ).

33.

Deduzo do facto de o órgão jurisdicional de reenvio colocar a questão da substituição no centro da primeira questão que esse órgão jurisdicional pressupõe que o requisito, previsto pelo direito alemão, da declaração de repúdio da herança no tribunal da sucessão não constitui um requisito quanto à validade formal da declaração na aceção do artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012. A questão relativa à eventual substituição só será justificada caso esse pressuposto venha a ser confirmado. Com efeito, em primeiro lugar, há que examinar se este requisito é uma condição para a validade formal ou material desse ato ( 10 ).

34.

Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que reformule as questões e determine, em primeiro lugar, se as disposições do artigo 13.o e do artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretadas no sentido de que o requisito, decorrente da lei aplicável à sucessão, da declaração de repúdio da herança no tribunal da sucessão, ou seja, o tribunal da residência habitual do de cujus no momento da morte, deve ser qualificado de condição para a validade formal dessa declaração, na aceção do artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012.

B.   Observações gerais sobre a validade da declaração de aceitação ou de repúdio da sucessão no Regulamento n.o 650/2012

1. Declaração de aceitação ou de repúdio da sucessão

35.

Há já muito tempo que se observa que todos os sistemas jurídicos do mundo estão de acordo quanto ao facto de o herdeiro poder ser a pessoa que sobrevive ao de cujus, porém, aqui se esgota a harmonia em matéria sucessória ( 11 ). Por conseguinte, é conveniente proceder com cautela ao definir conceitos do direito da União relacionados com o direito das sucessões que não tenham sido expressamente definidos pelo legislador da União. A aceitação e o repúdio da herança são conceitos deste tipo.

36.

Regra geral, a declaração do herdeiro de aceitação ou repúdio da herança é um ato jurídico unilateral pelo qual o titular de um determinado direito a uma sucessão do de cujus decide se se torna ou não titular dos direitos e obrigações que lhe são conferidos pela sucessão, ou se for caso disso, se se torna titular desses direitos limitando a sua responsabilidade pelas obrigações do de cujus ( 12 ).

37.

Sendo estas declarações de importância considerável não apenas para as pessoas que adquiriram determinados direitos na sequência da abertura da sucessão, mas também para os credores do de cujus, as diferentes ordens jurídicas preveem requisitos específicos para a validade de tais declarações. Considerando que as razões de segurança jurídica e de proteção dos credores justificam, antes de mais, a fixação de um prazo legal dentro do qual essas declarações podem ser feitas pelos herdeiros, o facto de não serem feitas dentro desse prazo tem por efeito, regra geral, a aquisição definitiva da sucessão. Também militam a favor da introdução de requisitos específicos quanto à forma de tais declarações, incluindo a intervenção de um órgão jurisdicional ou de um notário.

38.

As questões prejudiciais do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito às declarações de repúdio da sucessão feitas perante o órgão jurisdicional competente por força do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, às quais o artigo 28.o desse regulamento também é aplicável. Considero que há que concordar com as opiniões expressas na doutrina segundo as quais o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que só se aplica a declarações feitas após a abertura da sucessão ( 13 ), e também que não se aplica quando, para produzir determinados efeitos jurídicos previstos na lei aplicável à sucessão, é necessário que o órgão jurisdicional tome medidas que vão além da mera aceitação da declaração, como, por exemplo, a adoção de uma decisão ou o início de outro processo ( 14 ).

39.

Por conseguinte, há que considerar que o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 se aplica às declarações de aceitação ou de repúdio de uma herança por força da qual uma pessoa que dispõe de um direito sucessório, nos termos da lei aplicável à sucessão, por sua declaração unilateral de intenções, que não exija a aprovação por um tribunal nem a instauração de um processo posterior, se torna titular, definitivamente ( 15 ), ou repudia, também definitivamente, os direitos e obrigações que lhe cabem por força da sucessão, ou, em alternativa, fica sujeita a esses direitos limitando a sua responsabilidade pelas obrigações do de cujus.

2. Validade da declaração de aceitação ou repúdio da sucessão

40.

O cumprimento das condições necessárias para que sejam produzidos os efeitos indicados no número anterior pode ser classificado de várias maneiras nas diferentes ordens jurídicas. Podemos ponderar a questão de saber se o ato que visa alcançar esses efeitos foi praticado, se é válido ou eficaz. Para evitar confusões terminológicas utilizarei a seguir o conceito de validade. Entendo o conceito de validade da declaração de aceitação ou de repúdio da sucessão como o cumprimento das condições previstas pela lei aplicável à sucessão para produzir, através de uma declaração unilateral de intenções, os efeitos indicados no n.o 39 das presentes conclusões sob a forma de uma aceitação definitiva, ou um repúdio definitivo, dos direitos e obrigações conferidos pela sucessão, ou eventualmente a aquisição de direitos com a limitação de responsabilidade pelas obrigações do de cujus.

41.

Tais condições incluem o requisito previsto no direito alemão de que a declaração de repúdio da herança seja apresentada ao tribunal da sucessão.

42.

Entre as condições de validade da declaração de aceitação ou de repúdio da sucessão podemos distinguir as condições de validade material e as condições de validade formal previstos pelo direito sucessório. Quanto às condições de validade material, trata‑se apenas das previstas pelas disposições do direito sucessório e não das regidas por outros estatutos, tais como o estatuto pessoal ( 16 ).

43.

Se tanto a validade material como a formal forem determinadas pela mesma ordem jurídica, a questão de saber quais as condições de validade material e quais as condições de validade formal tem pouco significado prático. A situação é diferente quando nos factos surge um elemento estrangeiro e as regras de conflito de leis do direito internacional privado aplicáveis preveem que as condições de validade material e as condições de validade formal desse ato são determinadas por diferentes ordens jurídicas (estatutos).

44.

Se a validade material de uma declaração de aceitação ou de repúdio de uma sucessão estiver sujeita a um estatuto (estatuto das sucessões) e a sua validade formal estiver sujeita a um segundo estatuto (estatuto da forma), o ato jurídico praticado será válido se estiverem preenchidas as condições de validade material previstas no primeiro estatuto e as condições de validade formal previstas no segundo.

3. Estatuto alternativo da forma da declaração de aceitação ou de repúdio de uma sucessão no âmbito do Regulamento n.o 650/2012

45.

Nos termos do artigo 23.o, n.os 1 e 2, alínea e), do Regulamento n.o 650/2012, a transmissão da herança, e as condições e os efeitos da aceitação da sucessão ou do legado ou do seu repúdio são regulados pela lei designada nos termos do artigo 21.o ou do artigo 22.o do mesmo regulamento.

46.

Ao mesmo tempo, nos termos do artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012, uma declaração relativa à aceitação ou ao repúdio da sucessão é igualmente válida quanto à forma se respeitar uma destas alternativas: a) os requisitos da lei aplicável à sucessão (lex successionis) ou b) os requisitos da lei do Estado onde o autor da declaração tem residência habitual.

47.

Além disso, o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 estabelece uma competência subsidiária para a aceitação ou repúdio da sucessão aos órgãos jurisdicionais do lugar de residência habitual do herdeiro.

48.

A conjugação do artigo 23.o, n.os 1 e 2, alínea e), do Regulamento n.o 650/2012, por um lado, e dos artigos 13.o e 28.o, alínea b), deste regulamento, por outro, implica que, caso a declaração seja feita perante os órgãos jurisdicionais competentes por força do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, será, em princípio, necessário apreciar a sua validade material à luz da lei aplicável à sucessão e apreciar a sua validade formal à luz do direito do lugar de residência habitual do herdeiro, que é também a lei do órgão jurisdicional que recebe a declaração.

4. Delimitação dos elementos relativos à validade material e à validade formal da declaração de aceitação ou de repúdio da sucessão

49.

Em direito internacional privado, o estabelecimento de uma separação entre a forma de um ato jurídico e o aspeto jurídico substantivo de um ato jurídico não é simples, uma vez que os diferentes sistemas jurídicos têm visões diferentes desta questão ( 17 ).

50.

No caso das normas de direito privado internacional harmonizadas no direito da União esta questão deve ser resolvida de forma autónoma. Isto porque segundo a jurisprudência constante do Tribunal da Justiça decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto da disposição e do objetivo prosseguido pela regulamentação em causa ( 18 ).

51.

À falta de remissão expressa para o direito de um Estado‑Membro, é portanto necessário proceder a uma qualificação autónoma e determinar de maneira uniforme o alcance dos elementos relativos à validade material e dos elementos relativos à validade formal do ato jurídico em causa ( 19 ). A classificação efetuada na lei aplicável à sucessão, como no caso do presente reenvio na lei alemã, não é aqui relevante.

52.

A eventual constatação de que a condição de validade em causa diz respeito à forma de um ato acarreta automaticamente a sua exclusão do conjunto das condições de validade material. Com efeito, o mesmo elemento não pode ser apreciado à luz de dois estatutos diferentes (neste caso, o estatuto sucessório e o estatuto formal).

C.   Requisito da declaração de repúdio da herança perante o tribunal como condição para a validade da mesma

1. Âmbito das presentes conclusões

53.

O âmbito das presentes conclusões é determinado pelo âmbito das questões prejudiciais do órgão jurisdicional de reenvio e pelo objeto do litígio no processo principal. Os limites da questão jurídica que é objeto destas conclusões são definidos por duas questões: o tipo de declaração feita e a condição da sua validade prevista no direito alemão. Mais precisamente, as questões prejudiciais do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à declaração de repúdio da herança feita pelos herdeiros e à condição para a validade da declaração de repúdio da herança resultante do direito alemão, a saber, a apresentação de tal declaração no prazo legal ao tribunal da sucessão, ou seja, o tribunal da residência habitual do de cujus no momento da morte.

54.

Por este motivo, no resto da minha análise, cingir‑me‑ei a considerações sobre a declaração do herdeiro de repúdio da sucessão e sobre a condição de validade da mesma, decorrente do direito nacional, relativa à obrigação de declaração no tribunal da sucessão ( 20 ).

55.

A resposta às questões prejudiciais depende, portanto, de uma interpretação autónoma do conceito de «forma» utilizado pelo legislador no artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012 e, mais precisamente, da questão de saber se o requisito que consiste em fazer uma declaração de repúdio da herança no tribunal da sucessão constitui uma condição de validade formal desse ato jurídico.

56.

No Regulamento n.o 650/2012, o legislador fez expressamente essa qualificação autónoma das condições de validade no seu artigo 26.o, n.o 1, e 27.o, n.o 3, determinando, no que respeita às disposições de bens por morte, que elementos desses atos dizem respeito à validade material e quais se referem à validade formal. Em contrapartida, o Regulamento n.o 650/2012 não contém uma disposição que determine quais os elementos relativos à validade da declaração material de aceitação ou de repúdio da sucessão e quais dizem respeito à sua validade formal. Trata‑se, portanto, de uma questão que deve ser resolvida através da interpretação do regulamento.

2. Qualificação do requisito de apresentação de uma declaração de repúdio da herança ao tribunal da sucessão como condição para a validade formal dessa declaração

57.

Regra geral, o conceito de «forma» de um ato jurídico é entendido como a forma exigida por lei para a pessoa em questão manifestar a sua vontade de produzir efeitos jurídicos, e cuja inobservância implica que esses efeitos não serão produzidos ( 21 ). A declaração feita perante o órgão jurisdicional constitui um modo de o declarante dar a conhecer as suas intenções. Em regra, porém, considera‑se que o próprio requisito de que a declaração chegue ao seu destinatário não é um elemento de forma. ( 22 ) Este seria um argumento contra a qualificação do referido requisito do direito alemão como condição da validade de uma declaração.

58.

O ponto de partida para uma interpretação autónoma é a redação da disposição, o seu contexto e a sua finalidade. A redação do artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012 não dá uma resposta unívoca à questão da qualificação do referido requisito. O artigo 28.o do regulamento está, porém, estreitamente relacionado com o seu artigo 13.o, mesmo que o seu âmbito de aplicação não se limite às declarações feitas perante o tribunal competente por força desta última disposição. A disposição do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 dispõe que a condição para a competência do órgão jurisdicional do Estado‑Membro em cujo território se situa a residência habitual do herdeiro é a de que na lei aplicável à sucessão vigente no Estado da residência habitual do herdeiro esteja prevista a possibilidade de fazer perante um órgão jurisdicional uma declaração relativa ao repúdio da sucessão. Daqui resulta que a competência do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 pressupõe a existência paralela de duas ordens jurídicas que comportem, no essencial, a mesma solução que consiste em confiar aos tribunais a receção das declarações de repúdio da sucessão.

59.

A disposição do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 remete, portanto, diretamente para a lei do Estado do tribunal do lugar da residência habitual do herdeiro, ainda que o faça para determinar os fundamentos da competência do tribunal. Tal constitui uma indicação de que a determinação do alcance do ato que deve ser praticado perante o órgão jurisdicional deve acontecer sob o prisma da lei do Estado do tribunal do lugar da residência habitual do herdeiro. A solução adotada no artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012, do qual resulta que o alcance dos atos que devem ser praticados perante o órgão jurisdicional em relação à apresentação da declaração é determinado, em alternativa, pela lei aplicável à sucessão ou pela lei da residência habitual do herdeiro, é, pois, coerente. Daqui resulta que todos os atos que devem ser praticados perante o órgão jurisdicional devem ser determinados ou por uma ou por outra ordem jurídica. Na medida em que estes atos dizem respeito à forma como é expressa e consolidada a vontade do herdeiro repudiar a sucessão, definem a forma da declaração de repúdio. A intervenção do órgão jurisdicional nesses atos deve ser tratada como um elemento dessa forma.

60.

Quanto ao objetivo do regulamento, este resulta diretamente da primeira parte do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2102. Trata‑se de facilitar as diligências dos herdeiros e legatários permitindo‑lhes fazer declarações relativas à aceitação ou ao repúdio da herança na forma prevista pela lei do Estado‑Membro da sua residência habitual perante os órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro.

61.

Para alcançar este objetivo o legislador da União previu, no artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, uma competência adicional para os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território se situa a residência habitual de uma pessoa nomeada para a sucessão para receber uma declaração relativa ao repúdio da sucessão. Em seguida, no artigo 28.o, alínea b), deste regulamento, declarou que uma declaração relativa ao repúdio da sucessão é igualmente válida quanto à forma se respeitar os requisitos da lei do Estado onde o autor da declaração tem residência habitual ( 23 ).

62.

Em caso de declaração de repúdio de uma sucessão feita perante o tribunal competente nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, as disposições do artigo 28.o, alínea b), deste regulamento asseguram que a faculdade específica de que dispõe a pessoa habilitada para fazer a declaração prevista no considerando 32 do regulamento, exercida mediante a atribuição de uma competência especial nos termos do artigo 13.o deste regulamento, não é ilusória. Ao pedir ao órgão jurisdicional do Estado da sua residência habitual a aceitação de uma declaração de repúdio da herança, a pessoa designada para a sucessão tem a garantia de que a validade formal do ato praticado nesse órgão jurisdicional não está sujeita aos requisitos formais para tal declaração, previstos na lei aplicável à sucessão ( 24 ).

63.

Importa chamar a atenção para a situação particular das pessoas que repudiam uma herança. Ao contrário do que acontece no caso de aceitação da sucessão, essas pessoas, em princípio, não têm de contar com a necessidade de praticar atos suplementares no futuro. Com a sua declaração, pretendem repudiar definitivamente o direito que lhes assiste à sucessão e libertar‑se das obrigações que lhes incumbem a esse título. Muitas vezes são pessoas que não tiveram contacto com o de cujus em vida e, portanto, não desejam herdar dele preferindo a sua segurança jurídica (sem risco de responsabilidade por possíveis dívidas do de cujus) a eventuais vantagens materiais (resultantes da aquisição do património herdado) ( 25 ).

64.

O objetivo do Regulamento n.o 650/2012 ao permitir aos herdeiros fazer declarações de repúdio da sucessão no Estado da sua residência habitual implica que estes, dirigindo‑se ao tribunal com uma competência especial para receber as suas declarações, ao praticarem o ato perante esse órgão jurisdicional e cumprirem assim os requisitos formais previstos pela lei aplicável no lugar em que o ato é praticado, não tenham posteriormente de praticar outros atos perante os órgãos jurisdicionais de outros Estados para que esse ato seja válido.

65.

Interpretá‑lo de outra forma implicaria que uma pessoa que repudia uma sucessão tivesse de praticar uma série de atos para determinar a lei aplicável à sucessão, incluindo determinar a última residência habitual do de cujus (artigo 21.o do Regulamento n.o 650/2012 ( 26 )), e se este escolheu a lei aplicável à sucessão (artigo 22.o do Regulamento n.o 650/2012). Seguidamente, seria necessário determinar que tribunal do Estado‑Membro teria competência territorial para receber a declaração, traduzir os documentos relevantes para a língua oficial do tribunal da sucessão e enviá‑los para esse tribunal. Todos estes atos teriam de ser realizados antes do termo do prazo previsto na lei aplicável à sucessão. O ónus a este título seria totalmente desproporcionado no caso de uma pessoa que não deseja herdar do de cujus, seja qual for a lei aplicável à sucessão ( 27 ).

66.

Não se pode discordar da Comissão quando afirma que, tendo em conta o alcance limitado da competência do tribunal a que se refere o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, considerar que a declaração que lhe é feita não é suficiente significaria que o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 não teria qualquer utilidade para os herdeiros. De facto, parece que o exercício da possibilidade prevista nessa disposição, em vez de encurtar o tempo de resolução do processo sucessório pelo herdeiro que repudie essa sucessão, antes o prolongaria. Existe mesmo o risco de o artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 criar no herdeiro uma convicção errada quanto à validade dos atos praticados perante o tribunal do lugar da sua residência habitual, expondo‑o assim a um prejuízo. Por conseguinte, não só os objetivos do Regulamento n.o 650/2012, referidos nos seus considerandos 7 e 32, ficariam por alcançar, como ocorreria o contrário: o regulamento estaria a contribuir para aumentar a insegurança quanto à situação jurídica do herdeiro.

67.

Tendo em conta o objetivo do legislador da União de facilitar as diligências dos herdeiros, há que considerar que decorre da atribuição, no artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012, de uma competência suplementar aos órgãos jurisdicionais do lugar de residência habitual do herdeiro que esse herdeiro deve ter a possibilidade de repudiar definitivamente os seus direitos sucessórios praticando um ato exclusivamente perante o órgão jurisdicional do seu lugar de residência habitual. Por conseguinte, não pode ser condição para se obter o repúdio dos direitos sucessórios do herdeiro a prática de outro ato perante um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro.

68.

Estas considerações militam a favor de se considerar que o requisito de a declaração de repúdio da herança ser feita no tribunal da sucessão previsto na lei aplicável à mesma deve ser qualificado de condição da validade formal dessa declaração. Isto é exigido pela eficácia (effet utile) das disposições que permitem que as declarações de repúdio de uma sucessão sejam feitas perante o tribunal da residência habitual do herdeiro ( 28 ).

69.

Neste regime, o prazo para a apresentação da declaração de repúdio da herança fixado pela lei aplicável à sucessão é respeitado se, antes do termo do mesmo, forem praticados no tribunal do Estado da residência habitual do herdeiro todos os atos exigidos pela lei desse Estado, a serem praticados perante o tribunal para que se considere que a declaração foi efetuada. Não é necessário que uma declaração seja feita num tribunal da sucessão situado noutro Estado‑Membro para que tal requisito seja cumprido quando esse requisito apenas decorre da lei aplicável à sucessão.

3. Significado do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012

70.

Neste contexto surge uma dúvida que está, de resto, na origem das questões do órgão jurisdicional de reenvio, que é a de saber como deve ser entendida última frase do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012. Dele resulta expressamente que as pessoas que fazem uma declaração de aceitação ou repúdio da sucessão no Estado‑Membro da sua residência habitual deverão elas próprias informar o órgão jurisdicional ou a autoridade que trata ou tratará da sucessão acerca da existência de tais declarações, dentro do prazo eventualmente previsto pela lei aplicável à sucessão.

71.

O significado da última frase do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012 é controvertido na doutrina. Indica‑se que nem as disposições deste regulamento, entre as quais, nomeadamente, os seus artigos 13.o e 28.o, instituem o dever de informar tribunais de outro Estado‑Membro de que a declaração de repúdio da herança foi feita, nem a obrigação de transmitir essas declarações. Essa obrigação, especialmente se a sua execução fosse condição para a validade da declaração, não pode decorrer do próprio considerando do regulamento ( 29 ).

72.

Com efeito, os considerandos do regulamento não constituem, em si mesmos, uma fonte de direitos e obrigações para os particulares ( 30 ). Desempenham um papel importante no processo de interpretação das disposições contidas na parte dispositiva, indicam os objetivos prosseguidos pelo legislador e também, em linhas gerais, os meios para os realizar. No entanto, esses meios, enquanto tais, são determinados pela parte dispositiva do regulamento.

73.

O facto de a obrigação de informar o órgão jurisdicional a que se refere a última frase do considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012 não ser expressamente mencionada na parte dispositiva desse regulamento não significa, porém, que essa obrigação não exista. A disposição do artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012 figura no capítulo III deste regulamento, intitulado «Lei aplicável», que contém as regras de conflitos de leis. Nos termos do artigo 23.o, n.os 1 e 2, alínea e), do regulamento, a transmissão da herança e as condições e os efeitos da aceitação da sucessão ou do legado ou do seu repúdio é regida pela lei aplicável à sucessão, determinada em conformidade com os artigos 21.o e 22.o do mesmo regulamento. A validade material da declaração de repúdio da sucessão está, assim, sujeita à lei aplicável à sucessão. Se, nessa lei, a obrigação de notificar ao tribunal da sucessão a declaração feita fosse uma condição para a validade material da declaração, poderia sustentar‑se que a última frase do considerando 32 se refere à obrigação decorrente da lei aplicável à sucessão referida nos artigos 21.o e 22.o do Regulamento n.o 650/2012. Esta seria a situação se a qualificação da forma da declaração de repúdio da herança ao abrigo da lei alemã fosse aplicada — a fonte da obrigação seria então o artigo 21.o do Regulamento n.o 650/2012, em conjugação com o § 1945 do BGB ( 31 ).

74.

À aplicação desta qualificação opõem‑se, porém, como resulta das presentes conclusões, as disposições do Regulamento n.o 650/2012. Em tal situação e na ausência de um sistema uniforme da União para receber as declarações de repúdio de sucessões que preveja a transmissão das declarações relativas à sucessão do de cujus em causa para um único tribunal sucessório, a última frase do considerando 32 deve ser entendida no sentido de que indica a necessidade de a pessoa que fez a declaração de repúdio da herança tomar medidas para que o tribunal que trata da sucessão tenha conhecimento da apresentação de uma declaração válida. A adoção destas medidas permitirá evitar o risco de que seja proferida uma decisão com base na conclusão errada de que não foi feita uma declaração de repúdio da sucessão. A falta de realização desses atos e de informação do órgão jurisdicional chamado a conhecer do processo não podem, contudo, implicar a invalidade da declaração feita.

4. Proposta de resposta

75.

Tendo em conta as considerações precedentes, considero que as disposições dos artigos 13.o e 28.o do Regulamento n.o 650/2012 devem ser interpretadas no sentido de que o requisito, previsto pela lei aplicável à sucessão, de uma declaração de repúdio da herança no tribunal da sucessão, ou seja, o tribunal da residência habitual do de cujus no momento da morte, é uma condição de validade formal da declaração. Assim, numa situação em que a validade da declaração feita é avaliada, quanto à forma, à luz da lei referida no artigo 28.o, alínea b), do Regulamento n.o 650/2012, o não cumprimento desse requisito não implica a nulidade da declaração feita perante o órgão jurisdicional competente nos termos do artigo 13.o desse regulamento.

D.   Comprovativo de apresentação da declaração de repúdio da herança num processo perante um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro

76.

A questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio pode igualmente ser entendida no sentido de que diz respeito à necessidade e à forma de provar, nos processos judiciais tramitados noutro Estado‑Membro, o facto de que foi feita uma declaração válida de repúdio da sucessão perante o tribunal competente nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012. Uma parte significativa das observações tecidas por escrito pelo Governo espanhol prende‑se com esta problemática.

77.

Isto constitui um problema significativo de grande importância prática. Com efeito, de que serve o herdeiro fazer uma declaração válida de repúdio da herança se esta não for tomada em consideração no momento em que o tribunal de outro Estado‑Membro adota a sua decisão relativa ao incumprimento dos requisitos processuais aplicáveis, nomeadamente, em matéria de prova do facto em questão?

78.

No entanto, à luz da fundamentação da substância da questão prejudicial, há que considerar que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o problema do incumprimento dos requisitos processuais pelos intervenientes T.N. e N.N. no processo principal não se coloca no presente processo. Isto porque o órgão jurisdicional de reenvio não tem dúvidas de que os participantes realizaram, dentro do prazo previsto pelo direito neerlandês, todos os atos necessários para repudiar a sucessão. Também não há dúvida de que todos os documentos solicitados pelo tribunal da sucessão acabaram por lhe ser apresentados, juntamente com uma tradução para a língua oficial desse órgão jurisdicional. Por último, tendo em conta o conteúdo da decisão de reenvio, há que considerar que o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen) proferiu o despacho impugnado não devido ao facto de T.N. e N.N. não terem provado adequadamente o repúdio da sucessão no rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia) ou ao incumprimento das obrigações processuais impostas, mas por não terem tomado as medidas necessárias à validade das suas declarações de repúdio da sucessão perante o tribunal de sucessões no prazo previsto no § 1944 do BGB.

79.

Considero, nesta situação, que não há que ter em conta, a fim de dar ao tribunal de reenvio uma resposta útil para tomar uma decisão sobre a questão, as circunstâncias relativas à necessidade, no âmbito de um processo judicial num Estado‑Membro, de apresentar cópias, originais e traduções de documentos elaborados noutro Estado‑Membro, para provar que foi feita uma declaração válida de repúdio da sucessão.

V. Conclusão

80.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Hanseatisches Oberlandesgericht in Bremen (Tribunal Regional Superior Hanseático de Bremen, Alemanha) do seguinte modo:

As disposições dos artigos 13.o e 28.o do Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, devem ser interpretadas no sentido de que o requisito previsto na lei aplicável à sucessão, de uma declaração de repúdio da herança num tribunal sucessório, ou seja, o tribunal da residência habitual do de cujus no momento da morte, é uma condição de validade formal dessa declaração. Assim, quando a validade da declaração feita é avaliada, quanto à forma, à luz da lei referida no artigo 28.o, alínea b), desse regulamento, o não cumprimento desse requisito não implica a nulidade da declaração feita perante o órgão jurisdicional competente nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012.


( 1 ) Língua original: polaco.

( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107).

( 3 ) Por uma questão de simplicidade, no restante das presentes conclusões utilizarei o termo «declarações de aceitação ou repúdio da herança» quando me referir a todas estas declarações.

( 4 ) BGBl. I, p. 1077.

( 5 ) BGBl. I, p. 2586.

( 6 ) Najdecki, D. W., BGB § 1945 Form der Ausschlagung, in Burandt, W., Rojahn, D. (red.), Erbrecht, Aufl. 3, Beck, C. H., Munique, 2019, Nb. 2; Heinemann, J., BGB § 1945 Form der Ausschlagung, em: beck‑online.GROSSKOMMENTAR, Beck, C. H., Munique, de 15.07.2021, Nb. 10.

( 7 ) V., por exemplo, Dutta, A., EuErbVO Artikel 28 Formgültigkeit einer Annahme‑ oder Ausschlagungserklärung, em: Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, Aufl. 8, Beck, C. H., Munique, 2020, Nb. 5; Schmidt, J. P., EuErbVO Artikel 28 Formgültigkeit einer Annahme‑ oder Ausschlagungserklärung, in Dutta, A., Weber, J. (Hrsg.), Internationales Erbrecht, Aufl. 2, Beck, C. H., Munique, 2021, Nb. 16. A fim de sublinhar a especificidade acima referida, no restante das presentes conclusões, quando me referir ao requisito ao abrigo do direito alemão, indicarei que se trata de uma declaração de repúdio da herança feita num tribunal (de acordo com o § 1945 BGB) e não perante um tribunal (de acordo com a redação do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012).

( 8 ) Abordarei este ponto na secção D da presente análise.

( 9 ) Embora se afigure que, no estado de direito aplicável ao processo principal, a declaração de repúdio da herança no tribunal da sucessão podia ter sido feita não apenas no tribunal da sucessão territorialmente competente em razão da residência habitual do de cujus na Alemanha no momento da morte, mas também no tribunal competente da residência habitual do declarante na Alemanha. Este último tribunal seria, no entanto, obrigado a transmitir a declaração ao tribunal territorialmente competente em razão da residência habitual do de cujus no momento da morte. V., a este respeito, artigo § 344, n.o 7, da Lei dos Processos de Família e dos Processos de Jurisdição Voluntária.

( 10 ) V. Lagarde, P., Article 28, in Bergquist, U., Damascelli, D., Frimston, R., Lagarde, P., Odersky, F., Reinhartz, B., Commentaire du règlement européen sur les successions, Dalloz, Paris, 2015, n.o 4, p. 140.

( 11 ) Ludwiczak, W., Międzynarodowe prawo prywatne (Direito Privado Internacional), 5.a Edição, Ars boni et aequi, Poznań 1996, p. 280.

( 12 ) Na literatura em língua francesa, esta habilitação é designada de «option de l’héritier». V. Wautelet, P., Article 28. — Validité quant à la forme de la déclaration concernant l’acceptation ou la renonciation, in Bonomi, A., Wautelet, P., Le droit européen des successions, 2.a Edição., Bruylant, Bruxelas, 2016, n.o 5, p. 478.

( 13 ) V., por exemplo, Wautelet, P., Article 13. — Acceptation de la succession, d’un legs ou d’une réserve héréditaire, ou renonciation à ceux‑ci, in A. Bonomi, Wautelet, P., Le droit européen des successions, Aufl. 2, Bruylant, Bruxelas, 2016, ponto 3, p. 258; Lein, E., EuErbVO Artikel 13 Annahme oder Ausschlagung der Erbschaft, eines Vermächtnisses oder eines Pflichtteils, in Dutta, A., Weber, J., (Hrsg.), Internationales Erbrecht, 2.a Edição, Beck, C. H., Munique, 2021, Nb. 9.

( 14 ) V., por exemplo, Wautelet, P., Article 13 […], op.cit., p. 258‑259; Lein, E., EuErbVO Artikel 13 […], op.cit., Nb. 5. Isto é igualmente confirmado pelo considerando 33 do Regulamento n.o 650/2012.

( 15 ) Sem prejuízo da eventual possibilidade de se eximir aos efeitos da entrega da declaração, sempre que a lei aplicável à sucessão o preveja.

( 16 ) Por exemplo, a validade de um ato depender da idade do declarante.

( 17 ) Ludwiczak, W., op.cit., p. 175.

( 18 ) V. Acórdão de 23 de maio de 2019, WB (C‑658/17, EU:C:2019:444, n.o 50 e jurisprudência aí referida).

( 19 ) O mesmo se aplica ao artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6), Loacker, L. D., The Rome I Regulation. Article 11. Formal validity, in Calliess, G.‑P., Renner, M. (eds.), Rome Regulations: Commentary, 3.a Edição, Wolters Kluwer, Alphen aan den Rijn, 2020, Nb. 29, p. 302.

( 20 ) Não excluo que os desenvolvimentos e as conclusões que se seguem também sejam válidos em relação a outros tipos de declaração. No entanto, nas presentes conclusões não farei sobre isso juízos prévios.

( 21 ) V., por exemplo, o Relatório sobre a Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, elaborado por Mario Giuliano, professor na Universidade de Milão, e Paul Lagarde, professor na Universidade de Paris I (JO 1980, C 282, p. 1), bem como os comentários ao artigo 9.o desta convenção.

( 22 ) V. Loacker, L. D., op.cit., Nb. 30, p. 303.

( 23 ) Observo, a este respeito, que o artigo 28.o do Regulamento n.o 650/2012 não se aplica unicamente às declarações feitas perante o órgão jurisdicional competente nos termos do artigo 13.o deste regulamento.

( 24 ) Em princípio, o incumprimento das condições formais só poderia ocorrer caso o órgão jurisdicional competente por força do artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 violasse as suas próprias regras processuais.

( 25 ) As razões podem evidentemente ser de vários tipos, também de natureza puramente moral, tais como a convicção de que a sucessão deve ser inteiramente atribuída a outro herdeiro.

( 26 ) O que não tem necessariamente de ser óbvio mesmo para os herdeiros que conheciam melhor o de cujus. Basta referir o extenso considerando 23 do Regulamento n.o 650/2012, relativo à interpretação do conceito de residência habitual, segundo o qual, a fim de determinar a residência habitual, a autoridade que trata da sucessão deverá proceder a uma avaliação global das circunstâncias da vida do falecido durante os anos anteriores ao óbito e no momento do óbito, tendo em conta todos os elementos factuais pertinentes, em particular a duração e a regularidade da permanência do falecido no Estado em causa, bem como as condições e as razões dessa permanência. A residência habitual assim determinada deverá revelar uma relação estreita e estável com o Estado em causa tendo em conta os objetivos específicos do referido regulamento.

( 27 ) Obviamente a lei aplicável à sucessão determina se existe a possibilidade de repudiar a sucessão na aceção dos artigos 13.o e 28.o do Regulamento n.o 650/2012. Por conseguinte, mesmo quem repudie a sucessão tem de fazer algumas presunções quanto à lei aplicável à sucessão do de cujus. Também porque é condição para a competência subsidiária prevista no artigo 13.o do Regulamento n.o 650/2012 a possibilidade de fazer uma declaração de repúdio da herança perante um tribunal decorrente da lei aplicável à sucessão. Contudo, a validade da declaração feita perante um tribunal não dependerá da questão de saber se a convicção do declarante tinha fundamento, mas se a lei finalmente designada como aplicável à sucessão prevê a possibilidade de repudiar a herança através de uma declaração feita perante um tribunal. Além disso, no caso de uma declaração de repúdio de uma herança, existe uma forte probabilidade de a declaração de um determinado conteúdo poder produzir o mesmo efeito nas diferentes ordens jurídicas.

( 28 ) V. minhas Conclusões no processo Mahnkopf (C‑558/16, EU:C:2017:965, n.o 114).

( 29 ) No entanto, as opiniões na doutrina dividem‑se. Pronunciaram‑se contra a existência desta obrigação autores alemães como Dutta, A., EuErbVO Artikel 28 Formgültigkeit einer Annahme‑ oder Ausschlagungserklärung, in Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, Aufl. 8, Beck, C H., Munique, 2020, Nb. 13, que se refere a «deveres» (Sollerfordernis); Schmidt, J. P., Der Erwerb der Erbschaft in grenzüberschreitenden Sachverhalten unter besonderer Berücksichtigung der EuErbVO, Zeitschrift für Erbrecht und Vermögensnachfolge, 2014, 455, p. 460. Uma visão mais favorável da existência de tal obrigação de comunicar a declaração parece ser a de Wautelet, P., Article 13 […], op.cit., n.o 20, p. 264, com a ressalva, porém, de que o incumprimento da obrigação não pode implicar uma sanção de invalidade da declaração. No entanto, pronunciaram‑se a favor de uma sanção de invalidade em caso de incumprimento da obrigação Odersky, F., Article 13, in Bergquist, U., Damascelli, D., Frimston, R., Lagarde, P., Odersky, F., Reinhartz, B., Commentaire du règlement européen sur les successions, Dalloz, Paris, 2015, Nb. 2, p. 84.

( 30 ) V., em particular, Acórdão de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão (C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.os 64 a 67).

( 31 ) A diferença é que o considerando 32 do Regulamento n.o 650/2012 menciona a notificação da declaração feita e não a transmissão dessa declaração ao tribunal competente no processo sucessório.

Início