EUR-Lex Acesso ao direito da União Europeia

Voltar à página inicial do EUR-Lex

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019CJ0600

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 17 de maio de 2022.
MA contra Ibercaja Banco SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Provincial de Zaragoza.
Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Princípio da equivalência — Princípio da efetividade — Processo de execução hipotecária — Caráter abusivo da cláusula que fixa a taxa nominal dos juros de mora e da cláusula de vencimento antecipado que figura no contrato de mútuo — Autoridade de caso julgado e preclusão — Perda da possibilidade de invocar o caráter abusivo de uma cláusula do contrato perante um órgão jurisdicional — Poder de fiscalização oficiosa do juiz nacional.
Processo C-600/19.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:394

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

17 de maio de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Princípio da equivalência — Princípio da efetividade — Processo de execução hipotecária — Caráter abusivo da cláusula que fixa a taxa nominal dos juros de mora e da cláusula de vencimento antecipado que figura no contrato de mútuo — Autoridade de caso julgado e preclusão — Perda da possibilidade de invocar o caráter abusivo de uma cláusula do contrato perante um órgão jurisdicional — Poder de fiscalização oficiosa do juiz nacional»

No processo C‑600/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Audiencia Provincial de Zaragoza (Audiência Provincial de Saragoça, Espanha), por Decisão de 12 de julho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de agosto de 2019, no processo

MA

contra

Ibercaja Banco SA,

sendo interveniente:

PO,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Arabadjiev, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, S. Rodin (relator) e I. Jarukaitis, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, F. Biltgen, P. G. Xuereb, N. Piçarra, L. S. Rossi e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de abril de 2021,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Ibercaja Banco SA, por J. Rodríguez Cárcamo e A. M. Rodríguez Conde, abogados,

em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta e J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por C. Colelli e G. Greco, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz, N. Ruiz García e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de julho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe MA à Ibercaja Banco SA a respeito de um pedido de pagamento dos juros devidos à instituição bancária devido à não execução por MA e PO do contrato de mútuo hipotecário celebrado entre estas partes.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O vigésimo quarto considerando da Diretiva 93/13 enuncia que «as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores».

4

O artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

5

Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

Direito espanhol

6

A Ley 1/2000 de Enjuiciamiento Civil (Lei 1/2000 que Aprova o Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000 (BOE n.o 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «LEC»), prevê, no seu artigo 136.o, sob a epígrafe «Preclusão»:

«Findo o prazo ou após a data prevista para a realização de um ato processual, o direito de o realizar caduca e perde‑se a oportunidade de realizar o ato em causa. O secretário confirmará o termo do prazo, ordenará as medidas que lhe compete adotar ou avisará o órgão jurisdicional para que este decida como lhe compete.»

7

Nos termos do artigo 207.o da LEC:

«1.   São definitivas as decisões que põem termo à primeira instância e as que decidem dos recursos interpostos dessas decisões.

2.   As decisões definitivas são aquelas das quais não pode ser interposto recurso, quer porque a lei não o prevê, quer porque, embora o preveja, os prazos legais tenham atingido o respetivo termo sem que nenhuma das partes delas tenha interposto recurso.

3.   As decisões definitivas adquirem autoridade de caso julgado e o tribunal chamado a decidir está, em todo o caso, vinculado pela solução adotada.

4.   Quando os prazos de recurso de uma decisão já tiverem atingido o respetivo termo e esta não tenha sido objeto de recurso, a mesma torna‑se definitiva e adquire autoridade de caso julgado, sendo que o tribunal chamado a pronunciar‑se fica, em todo o caso, vinculado pela solução adotada.»

8

O artigo 222.o da LEC dispõe:

«1.   A autoridade de caso julgado das sentenças finais, que deem ou neguem provimento, exclui, nos termos da lei, um processo posterior cujo objeto seja idêntico ao do processo em que a sentença foi proferida.

2.   A autoridade de caso julgado abrange os pedidos deduzidos na ação principal e na reconvenção, bem como os pontos referidos no artigo 408.o, n.os 1 e 2, da presente lei.

Consideram‑se factos novos e distintos em relação ao fundamento dos referidos pedidos, os factos posteriores ao termo do prazo de apresentação dos articulados no processo em que esses pedidos foram deduzidos.

3.   A autoridade de caso julgado estende‑se às partes do processo em que tenha sido proferida a decisão, aos seus herdeiros e sucessores legítimos, bem como aos que, sem serem parte no processo, sejam titulares de direitos que fundamentem a legitimidade ativa das partes em conformidade com o previsto no artigo 11.o da presente lei.

[…]

4.   A autoridade de caso julgado de uma sentença transitada em julgado que ponha termo ao processo vincula o tribunal a que seja submetido um processo posterior se for o antecedente lógico do seu objeto, quando as partes nos dois processos forem as mesmas ou a decisão transitada em julgado as abranja por disposição legal.»

9

O artigo 517.o da LEC tem a seguinte redação:

«1.   A ação executiva deve basear‑se num título suscetível de execução coerciva.

2.   Apenas são suscetíveis de execução coerciva os seguintes títulos:

1.o a sentença condenatória irrecorrível;

[…]

9.o as outras decisões processuais e documentos que, ao abrigo da presente lei ou de qualquer outra lei, são suscetíveis de execução coerciva.»

10

O artigo 552.o da LEC dispõe:

«1.   Se o tribunal considerar que os termos e condições exigidos por lei não se encontram preenchidos para efeitos de ordenar a execução, deve emitir um despacho de indeferimento da execução.

O Tribunal fiscaliza oficiosamente se uma cláusula de um dos títulos executivos referidos no artigo 557.o, n.o 1, pode ser qualificada de abusiva. Caso considere que uma das cláusulas pode ser qualificada como tal, ouve as partes no prazo de quinze dias. Ouvidas as partes, o Tribunal pronuncia‑se nos cinco dias úteis seguintes, em conformidade com o previsto no artigo 561.o, n.o 1, ponto 3.

2.   O despacho que nega provimento à ordem de execução é diretamente recorrível, sendo que o recurso só pode ser interposto pelo credor. Se assim pretender, este último pode igualmente requerer a reapreciação do seu pedido no mesmo tribunal, antes de interpor recurso.

3.   Quando o despacho de indeferimento da execução tiver transitado em julgado, o credor só poderá invocar os seus direitos no processo ordinário correspondente se a força de caso julgado do acórdão ou da decisão definitiva em que se baseou o pedido de execução não o impedir.»

11

O artigo 556.o da LEC, com a epígrafe «Oposição à execução de decisões processuais ou arbitrais ou de acordos de mediação», dispõe nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Se o título executivo for uma decisão processual ou arbitral condenatória ou um acordo de mediação, o executado pode, nos dez dias seguintes à notificação do despacho de execução, deduzir oposição por escrito mediante a invocação do pagamento ou do cumprimento do dispositivo do acórdão, da sentença arbitral ou do acordo, e juntando a respetiva prova documental.

É igualmente possível opor a preclusão da ação executiva e os acordos e transações que tenham sido celebrados para evitar a execução, desde que os mesmos figurem em ato notarial.

2.   A oposição deduzida nos casos referidos no n.o 1 não suspende a execução.»

12

Nos termos do artigo 557.o da LEC:

«1.   Quando a execução seja ordenada com base nos títulos referidos no artigo 517.o, n.o 2, pontos 4, 5, 6 e 7, bem como noutros documentos com força executória previstos no artigo 517.o, n.o 2, ponto 9, o executado só pode deduzir oposição, no prazo e na forma previstos no artigo anterior, se invocar um dos fundamentos seguintes:

[…]

7.o O título executivo contém cláusulas abusivas.

2.   Caso a oposição referida no número anterior seja deduzida, a secretaria do tribunal suspenderá a execução mediante medida de organização do processo.»

13

O artigo 695.o da LEC dispõe:

«1.   Nos processos a que se refere este capítulo só será admitida a oposição do executado quando baseada nos seguintes fundamentos:

[…]

4.o

o caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitua o fundamento da execução ou que tenha servido de base à determinação da quantia exequenda.

2.   Deduzida a oposição referida no número anterior, a secretaria do tribunal suspende a execução e convoca as partes para comparecerem no tribunal que proferiu o despacho de execução. Deverá proceder‑se à citação para comparência pelo menos quinze dias antes da realização da audiência em questão. Nessa audiência, o tribunal ouve as partes, examina os documentos apresentados e, no segundo dia, adota a decisão pertinente, sob a forma de despacho.

3.   O despacho que acolha a oposição baseada no primeiro e terceiro fundamentos enunciados no n.o 1 do presente artigo declara a extinção da execução; o despacho que julgue procedente a oposição baseada no segundo fundamento fixará o montante relativamente ao qual há que manter a execução.

Se o quarto fundamento for acolhido, é declarada a extinção da execução quando a cláusula contratual constitua o fundamento da execução. Nos outros casos, a execução prossegue não se aplicando a cláusula abusiva.

4.   Pode ser interposto recurso do despacho que declara a extinção da execução, a não aplicação de uma cláusula abusiva ou a improcedência da oposição pelo fundamento previsto no n.o 1, ponto 4, do presente artigo.

Nos outros casos, os despachos que decidam da oposição referida no presente artigo são irrecorríveis e os seus efeitos limitam‑se exclusivamente ao processo de execução em que são adotados.»

14

A Ley 1/2013, de medidas para reforzar la protección a los deudores hipotecarios, reestructuración de deuda y alquiler social (Lei 1/2013 Relativa às Medidas que Visam Reforçar a Proteção dos Devedores Hipotecários, a Reestruturação da Dívida e o Arrendamento Social), de14 de maio de 2013 (BOE n.o 116, de 15 de maio de 2013, p. 36373, a seguir «Lei 1/2013»), que figura entre as normas que alteraram a LEC, introduziu, entre os fundamentos de oposição, a possibilidade de invocar o caráter abusivo das cláusulas contratuais, tanto no processo de execução geral como no processo de execução hipotecária. A quarta disposição transitória da Lei 1/2013 enuncia:

«1. As alterações [da LEC] introduzidas pela presente lei, são aplicáveis aos processos de execução em curso à data da sua entrada em vigor, apenas em relação às medidas de execução pendentes.

2. Em todo o caso, nos processos executivos pendentes à data da entrada em vigor da presente lei nos quais o prazo de oposição de dez dias previsto no artigo 556.o, n.o 1, [da LEC], já tenha atingido o seu termo, os executados dispõem de um prazo de preclusão de um mês para deduzir um incidente extraordinário de oposição com base na existência dos novos fundamentos de oposição previstos no artigo 557.o, n.o 1, ponto 7, e no artigo 695.o, n.o 1, ponto 4, [da LEC].

O prazo de preclusão de um mês é contado a partir do dia seguinte à entrada em vigor da presente lei, sendo que a dedução pelas partes do incidente de oposição suspende a instância até decisão quanto ao incidente de oposição, conforme previsto nos artigos 558.o e seguintes e 695.o [da LEC].

Esta disposição transitória é aplicável a todos os processos executivos que não tenham terminado com a atribuição da posse do imóvel ao adquirente conforme prevê o artigo 675.o [da LEC].

3. Do mesmo modo, nos processos executivos pendentes em que, à data da entrada em vigor da presente lei, já tenha começado a correr o prazo de oposição de dez dias previsto no artigo 556.o, n.o 1, [da LEC], os executados dispõem do mesmo prazo de preclusão de um mês previsto no número anterior para deduzirem oposição com base em qualquer um dos fundamentos de oposição previstos nos artigos 557.o e 695.o [da LEC].

4. A publicação da presente disposição tem o valor de comunicação integral e é válida para efeitos da notificação da contagem dos prazos previstos nos n.os 2 e 3 do presente artigo, não sendo em caso nenhum necessária uma decisão expressa para esse efeito. […]»

15

A Ley 5/2019 reguladora de los contratos de crédito imobiliário (Lei 5/2019 sobre os Contratos de Crédito Imobiliário), de 15 de março de 2019 (BOE n.o 65, de 16 de março de 2019, p. 26329), contém uma terceira disposição transitória, relativa ao regime especial dos processos executivos em curso aquando da entrada em vigor da Lei 1/2013. Por força desta disposição, os executados nos processos executivos pendentes à data da entrada em vigor da Lei n.o 5/2019 e nos quais o prazo de oposição de dez dias previsto no artigo 556.o, n.o 1, da LEC tenha chegado a termo à data da entrada em vigor da Lei 1/2013, dispõem de um novo prazo de dez dias para deduzir um incidente extraordinário de oposição com base na existência de cláusulas de caráter abusivo. O direito assim conferido pela referida disposição transitória é aplicável a todos os processos executivos que não tenham culminado na posse do imóvel por parte do seu adquirente, desde que, nomeadamente, o juiz não tenha já verificado oficiosamente o caráter abusivo das cláusulas do contrato.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Por contrato celebrado por escritura de 6 de maio de 2005, a Ibercaja Banco concedeu a PO e a MA um mútuo hipotecário no montante de 198400 euros, reembolsáveis antes de 31 de maio de 2040. Este mútuo estava garantido por uma hipoteca constituída sobre uma habitação unifamiliar, avaliada em 299290 euros.

17

O mútuo foi celebrado à taxa fixa de 2,75 % por ano até 30 de novembro de 2005, e posteriormente a uma taxa variável a partir desta data e até ao fim do contrato. Em conformidade com a cláusula 3 bis desse contrato, a taxa variável resultava da soma da margem constante, ou diferencial constante, à taxa de referência e era fixada para toda a duração do contrato em 0,95 pontos, ou menos, se as condições objetivas de conexão estipuladas estivessem preenchidas. Em todo o caso, foi acordado que o diferencial mínimo aplicado à taxa de referência seria de 0,50 % (a seguir «cláusula de taxa mínima»). A taxa nominal anual dos juros de mora, prevista na cláusula 6 do referido contrato, foi fixada em 19 % (a seguir «cláusula relativa aos juros de mora»). A cláusula 6 bis do mesmo contrato estipulava que a instituição bancária podia reclamar o montante total do mútuo em caso de não pagamento de qualquer montante devido (a seguir «cláusula de vencimento antecipado»).

18

Uma vez que MA e PO não pagaram o montante das prestações mensais de reembolso relativas ao período compreendido entre 31 de maio e 31 de outubro de 2014, a Ibercaja Banco apresentou um pedido de execução hipotecária em 30 de dezembro de 2014. Reclamou o montante de 164676,53 euros correspondente ao capital e juros vencidos e não pagos até 5 de novembro de 2014, acrescido do montante de 49402 euros, calculado provisoriamente, sem prejuízo de um ajustamento subsequente dos juros de mora, calculados à taxa nominal anual de 12 % desde o encerramento da conta em 5 de novembro de 2014 até ao pagamento integral.

19

Por Despacho de 26 de janeiro de 2015, o tribunal competente ordenou a execução do título hipotecário detido pela Ibercaja Banco e autorizou a execução de MA e de PO pelo montante reclamado, ordenou que estes procedessem ao respetivo pagamento e concedeu‑lhes o prazo de 10 dias para deduzirem oposição à execução em conformidade com o artigo 695.o da LEC. No mesmo dia, a Secretaria desse tribunal pediu ao Registo de la propiedad (Registo Predial, Espanha) a emissão de uma certidão de propriedade e demais direitos reais, bem como de uma declaração de existência de hipoteca constituída a favor da Ibercaja Banco.

20

O referido despacho e o referido pedido foram notificados a MA e a PO, respetivamente, em 9 de fevereiro de 2015 e em 18 de fevereiro de 2015.

21

Na sequência do falecimento de PO, os seus herdeiros legais, SP e JK, foram reconhecidos como partes no processo por Despacho de 9 de junho de 2016.

22

Por Despacho de 28 de junho de 2016, proferido a pedido da Ibercaja Banco, o tribunal de execução organizou uma venda em hasta pública do imóvel hipotecado, na qual não foram apresentadas propostas. A Ibercaja Banco pediu que o imóvel lhe fosse adjudicado pelo montante de 179574 euros, informando que pretendia ceder os direitos de aquisição do bem à Residencial Murillo SA, com o acordo desta. A Ibercaja Banco forneceu prova de depósito do montante acima referido, que correspondia ao montante da adjudicação.

23

Em 25 de outubro de 2016, a Ibercaja Banco exigiu o pagamento das despesas, avaliadas em 2886,19 euros, e dos juros no montante de 32538,28 euros, montante esse que foi obtido aplicando uma taxa de 12 % em conformidade com as disposições da Lei 1/2013. Esse pedido foi notificado ao executado.

24

Em 9 de novembro de 2016, MA deduziu oposição por escrito ao pedido de pagamento dos juros, invocando o caráter abusivo da cláusula relativa aos juros de mora e à cláusula de taxa mínima.

25

Por Despacho de 8 de março de 2017, o Juzgado de Primera Instancia n.o 2 de Zaragoza (Tribunal de Primeira Instância n.o 2, Saragoça, Espanha), após ter constatado que a cláusula de vencimento antecipado podia ser abusiva, decidiu, no âmbito de uma medida de organização do processo, apreciar o caráter eventualmente abusivo das cláusulas do título executivo. Concedeu às partes um prazo de quinze dias para apresentação de observações a este respeito, bem como sobre uma eventual suspensão do processo.

26

A Ibercaja Banco opôs‑se à suspensão do processo e alegou que o caráter abusivo das cláusulas do contrato já não podia ser declarado, uma vez que os direitos ligados à adjudicação tinham sido cedidos e que as despesas tinham sido tributadas. A Ibercaja Banco recordou que, em todo o caso, não tinha reclamado o pagamento de juros de mora à taxa de 19 % e que não tinham sido pagas várias prestações de reembolso quando a conta foi encerrada.

27

Por Despacho de 20 de novembro de 2017, o Juzgado de Primera Instancia n.o 2 de Zaragoza (Tribunal de Primeira Instância n.o 2, Saragoça) declarou o caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado e ordenou a não execução, sem imputação de despesas. A Ibercaja Banco interpôs recurso desse despacho na Audiencia Provincial de Zaragoza (Audiência Provincial de Saragoça, Espanha).

28

Por Despacho de 28 de março de 2018, o órgão jurisdicional de recurso revogou o Despacho de 20 de novembro de 2017 e ordenou que fosse dado seguimento ao processo de execução, com o fundamento de que já não era possível conhecer do caráter abusivo das cláusulas do contrato de mútuo, uma vez que esse contrato já tinha produzido os seus efeitos, que a garantia hipotecária já tinha sido executada e que o direito de propriedade já tinha sido transferido. O órgão jurisdicional de recurso baseou‑se, assim, no princípio da segurança jurídica das relações de propriedade já constituídas.

29

Por Despacho de 31 de julho de 2018, o Juzgado de Primera Instancia n.o 2 de Zaragoza (Tribunal de Primeira Instância n.o 2 de Saragoça) julgou improcedente a impugnação da determinação do montante dos juros e, por conseguinte, aprovou o montante de 32389,89 euros, com o fundamento de que, uma vez que o processo tinha sido instaurado posteriormente à Lei 1/2013 sem que tivesse sido deduzido incidente de oposição, o caráter eventualmente abusivo das cláusulas já não podia ser apreciado devido à autoridade de caso julgado do Despacho de 26 de janeiro de 2015.

30

MA interpôs recurso desse despacho na Audiencia Provincial de Zaragoza (Audiência Provincial de Saragoça).

31

Esse órgão jurisdicional explica que, segundo as modalidades processuais do processo de execução hipotecária previstas no direito espanhol, o juiz é obrigado, na primeira fase do processo, a fiscalizar oficiosamente, em aplicação do artigo 552.o da LEC, o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contidas no contrato de mútuo hipotecário que constitui a base do despacho de execução. Essa fiscalização implica uma apreciação negativa, no sentido de que, na decisão que autoriza a execução hipotecária, o juiz não apresenta nenhuma fundamentação expressa quanto às cláusulas que não são consideradas abusivas. Consequentemente, os órgãos jurisdicionais nacionais não podem declarar o caráter abusivo das cláusulas numa fase posterior do processo, sendo que, do mesmo modo, o consumidor que não deduzir oposição à execução no prazo fixado, não pode invocar o caráter abusivo das cláusulas no mesmo processo ou num processo declarativo posterior. Por conseguinte, põe‑se a questão de saber se essas modalidades processuais são conformes ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 e ao princípio da efetividade.

32

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta a partir de que momento se deve considerar encerrado o processo de execução hipotecária no que respeita à fiscalização do caráter abusivo de cláusulas contratuais pelo juiz que atue oficiosamente ou a pedido do executado. Mais precisamente, põe‑se a questão de saber se ocorre o encerramento deste processo quando a garantia hipotecária tiver sido executada, o bem hipotecado tiver sido vendido e os direitos de propriedade sobre esse bem tiverem sido transferidos ou se, pelo contrário, mesmo após a transferência da propriedade, o referido processo não é encerrado, continuando a ser possível proceder à fiscalização do caráter abusivo das cláusulas contratuais até ao momento em que o devedor é expulso do bem, o que pode conduzir à anulação do processo de execução hipotecária ou afetar as condições em que a adjudicação do bem teve lugar.

33

Nestas condições, a Audiencia Provincial de Zaragoza (Audiência Provincial de Saragoça) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É conforme com o [princípio da efetividade] previsto no artigo 6.o, n.o 1, da [Diretiva 93/13], segundo a interpretação da mesma feita pelo Tribunal de Justiça, uma regulamentação [de direito espanhol] da qual se deduz que[,] se uma determinada cláusula abusiva foi objeto de fiscalização judicial oficiosa inicial no despacho de execução [— fiscalização negativa da validade das suas cláusulas —], o mesmo tribunal não pode voltar a analisá‑la oficiosamente, se desde o primeiro momento estavam reunidos os elementos de facto e de direito [que permitiam determinar o caráter abusivo], mesmo que dessa fiscalização inicial não tenha resultado, quer no dispositivo, quer na fundamentação, nenhuma consideração sobre a validade das cláusulas?

2)

A parte executada que não invoca o caráter abusivo de uma cláusula no incidente de oposição previsto por lei para o efeito, apesar de já existirem os elementos de facto [e] de direito que consubstanciam o caráter abusivo de uma cláusula no âmbito da celebração de contratos com consumidores[,] pode, uma vez decidido o incidente [de oposição], deduzir um novo incidente processual, no qual se discuta a questão do caráter abusivo de outra ou outras cláusulas, quando podia tê‑lo feito inicialmente no processo ordinário previsto na lei? Em suma[,] existe um efeito de preclusão que impede o consumidor de voltar a suscitar a questão do caráter abusivo de outra cláusula no mesmo processo executivo e também [num] posterior processo declarativo?

3)

Caso se considere conforme à Diretiva 93/13 […] a conclusão de que a parte [executada] não pode deduzir um segundo ou ulterior incidente de oposição para invocar o caráter abusivo de uma cláusula que podia ter invocado anteriormente, uma vez que os elementos de facto e de direito necessários já estavam definidos anteriormente, pode tal conclusão servir de fundamento para o tribunal, informado do caráter abusivo da cláusula, fazer uso do seu poder de fiscalização oficiosa?

4)

É conforme com o direito da União uma interpretação que permite, uma vez leiloado o imóvel e tendo o mesmo sido adjudicado, potencialmente ao mesmo credor, com transferência da sua propriedade, ou seja, considerando‑se o procedimento executivo terminado por ter sido alcançado o seu objetivo, isto é, a realização da garantia, que o devedor deduza um novo incidente com vista à declaração da nulidade de uma cláusula abusiva com relevância no processo executivo, ou que permite, produzido o efeito de transmissão, que pode ser a favor do credor e com inscrição no Registo [Predial], uma revisão oficiosa que acarrete a anulação de todo o processo executivo ou tenha impacto nos montantes cobertos pela hipoteca, podendo afetar os termos nos quais foram feitas as propostas?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira a terceira questões

34

Com a primeira a terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em razão do efeito da autoridade de caso julgado e da preclusão, não permite ao juiz fiscalizar oficiosamente o caráter abusivo de cláusulas contratuais no âmbito de um processo de execução hipotecária nem ao consumidor invocar, após o termo do prazo para deduzir oposição, o caráter abusivo dessas cláusulas contratuais nesse processo ou no âmbito de um processo declarativo posterior, quando, no momento da abertura do processo de execução hipotecária, o caráter eventualmente abusivo das mesmas já tenha sido objeto de fiscalização oficiosa por parte do juiz, mas, da decisão judicial que autoriza a execução hipotecária, não constar nenhum fundamento, ainda que sumário, que confirme que essa fiscalização foi levada a cabo ou que indique que a apreciação feita pelo juiz na sequência dessa fiscalização já não poderá ser posta em causa se não for deduzida oposição no referido prazo.

35

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade face ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação (v., nomeadamente, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

36

Atendendo a essa situação de inferioridade, o artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva prevê que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor. Trata‑se de uma disposição imperativa que se destina a substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos cocontratantes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre eles (v., nomeadamente, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 41 e jurisprudência aí referida).

37

Neste contexto, o Tribunal de Justiça já considerou reiteradamente que o juiz nacional deve fiscalizar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 e, deste modo, sanar o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para esse efeito (Acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz, C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 46 e jurisprudência aí referida; de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 58, e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 43).

38

Além disso, a Diretiva 93/13 impõe que os Estados‑Membros, como resulta do seu artigo 7.o, n.o 1, lido em conjugação com o seu vigésimo quarto considerando, prevejam os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (Acórdão de 26 de junho de 2019, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2019:537, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

39

Embora o Tribunal de Justiça já tenha enquadrado, em diversas ocasiões e tendo em conta as exigências do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, o modo como o juiz nacional deve assegurar a proteção dos direitos conferidos aos consumidores por esta diretiva, a verdade é que, em princípio, o direito da União não harmoniza os processos aplicáveis à fiscalização do caráter pretensamente abusivo de uma cláusula contratual, e que, por conseguinte, estes últimos são abrangidos pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, por força do princípio da autonomia processual destes últimos, na condição, todavia, de não serem menos favoráveis do que os que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e de não tornarem impossível ou excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos aos consumidores pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., nomeadamente, Acórdão de 26 de junho de 2019, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2019:537, n.o 45 e 46 e jurisprudência aí referida).

40

Nestas condições, há que determinar se estas disposições exigem que o juiz de execução fiscalize o caráter eventualmente abusivo de cláusulas contratuais, apesar de as regras processuais nacionais que aplicam o princípio da autoridade de caso julgado de uma decisão judicial não mencionarem expressamente nenhuma fiscalização a este respeito.

41

A este respeito, cabe começar por recordar a importância que assume o princípio da autoridade de caso julgado, tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais. Com efeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar que, a fim de garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após o esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de terminados os prazos previstos para esses recursos já não possam ser postas em causa (v., nomeadamente, Acórdãos de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, EU:C:2009:615, n.os 35 e 36, e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 46).

42

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça reconheceu que a proteção do consumidor não é absoluta. Em especial, considerou que o direito da União não obriga um órgão jurisdicional nacional a afastar a aplicação das regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permitisse sanar uma violação de uma disposição, seja de que natureza for, contida na Diretiva 93/13 (v., nomeadamente, Acórdãos de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 37, e de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 68), sob reserva, todavia, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 39 do presente acórdão, do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade.

43

No que diz respeito ao princípio da equivalência, há que salientar que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita suscitar dúvidas quanto à conformidade da legislação nacional em causa no processo principal com este princípio. Não decorre dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o direito nacional permite ao juiz de execução reapreciar uma decisão judicial revestida de autoridade de caso julgado, mesmo perante uma eventual violação das regras nacionais de ordem pública.

44

No que se refere ao princípio da efetividade, o Tribunal de Justiça declarou que cada processo em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, a tramitação deste e as suas particularidades, bem como, sendo caso disso, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a boa tramitação do processo (Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 53). O Tribunal de Justiça considerou que o respeito pelo princípio da efetividade não pode no entanto implicar o suprimento integral da passividade total do consumidor em causa (Acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary, C‑32/14, EU:C:2015:637, n.o 62).

45

Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que a obrigação de os Estados‑Membros garantirem a efetividade dos direitos conferidos às partes pelo direito da União implica, designadamente para os direitos decorrentes da Diretiva 93/13, uma exigência de tutela jurisdicional efetiva, reiterada no artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva e também consagrada no artigo 47.o da Carta, que se aplica, entre outros, à definição das regras processuais relativas às ações judiciais baseadas nesses direitos (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

46

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, na falta de fiscalização eficaz do caráter potencialmente abusivo das cláusulas do contrato em causa, o respeito dos direitos conferidos pela Diretiva 93/13 não pode ser garantido (Acórdão de 4 de junho de 2020, Kancelaria Medius, C‑495/19, EU:C:2020:431, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

47

Daqui resulta que as condições fixadas pelos direitos nacionais, a que se refere o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, não podem prejudicar a substância do direito dos consumidores de não estarem vinculados por uma cláusula considerada abusiva, direito esse que lhes é conferido por esta disposição (Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 71, e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 51).

48

No processo principal resulta da decisão de reenvio que, no momento da abertura do processo de execução, como já salientado em parte no n.o 31 do presente acórdão, o tribunal competente apreciou oficiosamente a questão de saber se uma das cláusulas do contrato em causa podia ser qualificada de abusiva. Depois de considerar que não era esse o caso, o tribunal em causa ordenou a execução, sem no entanto mencionar expressamente, na sua decisão, a fiscalização oficiosa que tinha levado a cabo. Resulta igualmente dessa decisão que, no termo de um prazo de dez dias para deduzir oposição à execução, que corre a contar da notificação da decisão, o demandado não pode contestar a execução, incluindo por motivos relativos ao caráter potencialmente abusivo de cláusulas de um contrato celebrado com um profissional.

49

Uma vez que a decisão na qual o tribunal ordenou a abertura do processo de execução hipotecária não continha nenhum fundamento que demonstrasse que tinha sido levada a cabo uma fiscalização do caráter abusivo das cláusulas do título que estava na origem desse processo, o consumidor não foi informado da existência dessa fiscalização, nem, ainda que de forma sumária, dos fundamentos com base nos quais o tribunal considerou que as cláusulas em causa não tinham caráter abusivo. Por conseguinte, não pôde apreciar com pleno conhecimento de causa se havia que interpor recurso dessa decisão.

50

Como salientou o advogado‑geral no n.o 63 das suas conclusões, o dever de conhecimento oficioso do caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais por parte do juiz nacional é justificado pela natureza e importância do interesse público subjacente à proteção que a Diretiva 93/13 confere aos consumidores. Ora, não pode ser garantida uma fiscalização eficaz do caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais, conforme exigida pela Diretiva 93/13, se a autoridade de caso julgado também se aplicar às decisões judiciais que não mencionarem essa fiscalização.

51

Em contrapartida, há que considerar que essa proteção é assegurada se, na hipótese referida nos n.os 49 e 50 do presente acórdão, o juiz nacional indicar expressamente, na sua decisão que autoriza a execução hipotecária, que procedeu a uma fiscalização oficiosa do caráter abusivo das cláusulas do título que está na origem do processo de execução hipotecária, que essa fiscalização, ainda que fundamentada de forma sumária, não revelou a existência de nenhuma cláusula abusiva e que, na falta de oposição deduzida no prazo fixado pelo direito nacional, o consumidor será impedido de invocar o caráter eventualmente abusivo dessas cláusulas.

52

Resulta do acima exposto que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em razão do efeito da autoridade de caso julgado e da preclusão, não permite ao juiz fiscalizar oficiosamente o caráter abusivo de cláusulas contratuais no âmbito de um processo de execução hipotecária nem ao consumidor invocar, após o termo do prazo para deduzir oposição, o caráter abusivo dessas cláusulas contratuais nesse processo ou no âmbito de um processo declarativo posterior, quando, no momento da abertura do processo de execução hipotecária, o caráter eventualmente abusivo das mesmas já tenha sido objeto de fiscalização oficiosa por parte do juiz, mas, da decisão judicial que autoriza a execução hipotecária, não constar nenhum fundamento, ainda que sumário, que confirme que essa fiscalização foi levada a cabo ou que indique que a apreciação feita pelo juiz na sequência dessa fiscalização já não poderá ser posta em causa se não for deduzida oposição no referido prazo.

Quanto à quarta questão

53

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que não autoriza um órgão jurisdicional nacional, atuando oficiosamente ou a pedido do consumidor, a examinar o caráter eventualmente abusivo de cláusulas contratuais quando a garantia hipotecária tiver sido executada, o bem hipotecado tiver sido vendido e os direitos de propriedade relativos ao bem que é objeto do contrato em causa tiverem sido transferidos para um terceiro.

54

Há que recordar que, no n.o 50 do Acórdão de 7 de dezembro de 2017, Banco Santander (C‑598/15, EU:C:2017:945), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não são aplicáveis a um processo instaurado pelo adjudicatário de um bem imóvel na sequência de uma execução extrajudicial da garantia hipotecária sobre esse bem, autorizada por um consumidor a favor de um credor profissional, e que tem por objeto a proteção de direitos reais legalmente adquiridos por esse adjudicatário, uma vez que, por um lado, esse processo é independente da relação jurídica entre o credor profissional e o consumidor e, por outro, que a garantia hipotecária foi executada, o bem imóvel foi vendido e os respetivos direitos reais foram transmitidos sem que o consumidor tivesse utilizado as vias de recurso previstas nesse contexto. Especialmente, o Tribunal de Justiça sublinhou, no n.o 44 desse acórdão, que o processo em causa não dizia respeito à execução coerciva da garantia hipotecária e não assentava no contrato de mútuo hipotecário.

55

Em contrapartida, como salientou o advogado‑geral no n.o 71 das suas conclusões, o presente processo inscreve‑se no âmbito de um processo de execução hipotecária relativo à relação jurídica existente entre o consumidor e o credor profissional que celebraram um contrato de mútuo hipotecário.

56

Como resulta da resposta dada à primeira a terceira questões, se tiver sido proferida uma decisão judicial que autoriza a execução hipotecária, quando o caráter eventualmente abusivo das cláusulas do título que está na origem desse processo já tenha anteriormente sido objeto de fiscalização oficiosa por parte do juiz, mas, da decisão judicial que autoriza a execução hipotecária, não constar nenhum fundamento, ainda que sumário, que confirme que essa fiscalização foi levada a cabo ou que indique que a apreciação feita pelo juiz na sequência dessa fiscalização já não poderá ser posta em causa se não for deduzida oposição no prazo previsto para esse efeito, nem a autoridade de caso julgado nem a preclusão poderão ser opostas ao consumidor com vista a privá‑lo da proteção contra as cláusulas abusivas que lhe é conferida pelo artigo 6.o, n.o 1, e pelo artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 em fases posteriores desse processo, como a do pedido de pagamento de juros devidos à instituição bancária em razão da não execução, pelo consumidor, do contrato de mútuo hipotecário em causa ou a de um processo declarativo posterior.

57

Dito isto, numa situação como a do processo principal, em que o processo de execução hipotecária foi encerrado e os direitos de propriedade sobre esse bem foram transferidos para um terceiro, o juiz, atuando oficiosamente ou a pedido do consumidor, já não pode proceder a uma fiscalização do caráter abusivo de cláusulas contratuais que levaria à anulação dos atos de transferência da propriedade e poria em causa a segurança jurídica dessa transferência de propriedade para um terceiro, já operada.

58

Não obstante, em tal situação, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, e com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lidos à luz do princípio da efetividade, o consumidor deve poder invocar em processo posterior distinto o caráter abusivo das cláusulas do contrato de mútuo hipotecário a fim de poder exercer plena e efetivamente os seus direitos ao abrigo desta diretiva com vista a obter a reparação do prejuízo financeiro causado pela aplicação dessas cláusulas.

59

Por conseguinte, há que responder à quarta questão, que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que não autoriza um órgão jurisdicional nacional, atuando oficiosamente ou a pedido do consumidor, a examinar o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais quando a garantia hipotecária tiver sido executada, o bem hipotecado tiver sido vendido e os direitos de propriedade relativos ao bem que é objeto do contrato em causa tiverem sido transferidos para um terceiro, desde que o consumidor cujo bem foi objeto de um processo de execução hipotecária possa invocar os seus direitos num processo posterior com vista a ser ressarcido, ao abrigo desta diretiva, das consequências financeiras resultantes da aplicação de cláusulas abusivas.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em razão do efeito da autoridade de caso julgado e da preclusão, não permite ao juiz fiscalizar oficiosamente o caráter abusivo de cláusulas contratuais no âmbito de um processo de execução hipotecária nem ao consumidor invocar, após o termo do prazo para deduzir oposição, o caráter abusivo dessas cláusulas contratuais nesse processo ou no âmbito de um processo declarativo posterior, quando, no momento da abertura do processo de execução hipotecária, o caráter eventualmente abusivo das mesmas já tenha sido objeto de fiscalização oficiosa por parte do juiz, mas, da decisão judicial que autoriza a execução hipotecária, não constar nenhum fundamento, ainda que sumário, que confirme que essa fiscalização foi levada a cabo ou que indique que a apreciação feita pelo juiz na sequência dessa fiscalização já não poderá ser posta em causa se não for deduzida oposição no referido prazo.

 

2)

O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que não autoriza um órgão jurisdicional nacional, atuando oficiosamente ou a pedido do consumidor, a examinar o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais quando a garantia hipotecária tiver sido executada, o bem hipotecado tiver sido vendido e os direitos de propriedade relativos ao bem que é objeto do contrato em causa tiverem sido transferidos para um terceiro, desde que o consumidor cujo bem foi objeto de um processo de execução hipotecária possa invocar os seus direitos num processo posterior com vista a ser ressarcido, ao abrigo desta diretiva, das consequências financeiras resultantes da aplicação de cláusulas abusivas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

Início