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Documento 62021CJ0804

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 28 de abril de 2022.
C e CD contra Syyttäjä.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus.
Reenvio prejudicial — Processo prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 23, n.o 3 — Exigência de intervenção da autoridade judiciária de execução — Artigo 6.o, n.o 2 — Serviços de polícia — Exclusão — Força maior — Conceito — Obstáculos jurídicos à entrega — Ações legais intentadas pela pessoa procurada — Pedido de proteção internacional — Exclusão — Artigo 23.o, n.o 5 — Expiração dos prazos previstos para a entrega — Consequências — Colocação em liberdade — Obrigação de adotar quaisquer outras medidas necessárias para evitar a fuga.
Processo C-804/21 PPU.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:307

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

28 de abril de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Processo prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 23, n.o 3 — Exigência de intervenção da autoridade judiciária de execução — Artigo 6.o, n.o 2 — Serviços de polícia — Exclusão — Força maior — Conceito — Obstáculos jurídicos à entrega — Ações legais intentadas pela pessoa procurada — Pedido de proteção internacional — Exclusão — Artigo 23.o, n.o 5 — Expiração dos prazos previstos para a entrega — Consequências — Colocação em liberdade — Obrigação de adotar quaisquer outras medidas necessárias para evitar a fuga»

No processo C‑804/21 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia), por Decisão de 20 de dezembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, nos processos relativos à execução de mandados de detenção europeus emitidos contra

C,

CD,

contra

Syyttäjä,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, J. Passer, F. Biltgen, N. Wahl e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de março de 2022,

considerando as observações apresentadas:

em representação de C e CD, por H. Nevala, asianajaja,

em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por J. Langer, na qualidade de agente,

em representação do Governo romeno, por E. Gane e L. Liţu, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e I. Söderlund, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 2, e do artigo 23.o, n.os 3 e 5, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito da execução, na Finlândia, de mandados de detenção europeus emitidos por um órgão jurisdicional romeno contra C e CD, nacionais romenos.

Quadro jurídico

Decisão‑Quadro 2002/584

3

Os considerandos 8 e 9 da Decisão‑Quadro 2002/584 têm a seguinte redação:

«(8)

As decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objeto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado‑Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega.

(9)

O papel das autoridades centrais na execução de um mandado de detenção europeu deve ser limitado a um apoio prático e administrativo.»

4

O artigo 1.o desta decisão‑quadro, sob a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.   Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.»

5

Nos termos do artigo 6.o da referida decisão‑quadro, sob a epígrafe «Determinação das autoridades judiciárias competentes»:

«1.   A autoridade judiciária de emissão é a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão competente para emitir um mandado de detenção europeu nos termos do direito desse Estado.

2.   A autoridade judiciária de execução é a autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução competente para executar o mandado de detenção europeu nos termos do direito desse Estado.

[…]»

6

O artigo 7.o da mesma decisão‑quadro, sob a epígrafe «Recurso à autoridade central», tem a seguinte redação:

«1.   Cada Estado‑Membro pode designar uma autoridade central ou, quando o seu ordenamento jurídico o previr, várias autoridades centrais, para assistir as autoridades judiciárias competentes.

2.   Um Estado‑Membro pode, se a organização do seu sistema judiciário interno o exigir, confiar à sua autoridade central ou às suas autoridades centrais a transmissão e a receção administrativas dos mandados de detenção europeus bem como de qualquer outra correspondência oficial que lhes diga respeito.

[…]»

7

O artigo 23.o da Decisão‑Quadro 2002/584, sob a epígrafe «Prazo para a entrega da pessoa», dispõe:

«1.   A pessoa procurada deve ser entregue o mais rapidamente possível, numa data acordada entre as autoridades interessadas.

2.   A entrega deve efetuar‑se no prazo máximo de 10 dias, a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu.

3.   Se a entrega da pessoa procurada, no prazo previsto no n.o 2, for impossível em virtude de caso de força maior num dos Estados‑Membros, a autoridade judiciária de execução e a autoridade judiciária de emissão estabelecem imediatamente contacto recíproco e acordam uma nova data de entrega. Nesse caso, a entrega deve ser realizada no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.

4.   A entrega pode ser temporariamente suspensa por motivos humanitários graves, por exemplo, se existirem motivos válidos para considerar que a entrega colocaria manifestamente em perigo a vida ou a saúde da pessoa procurada. A execução do mandado de detenção europeu deve ser efetuada logo que tais motivos deixarem de existir. A autoridade judiciária de execução informa imediatamente do facto a autoridade judiciária de emissão e acorda com ela uma nova data de entrega. Nesse caso, a entrega deve ser realizada no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.

5.   Se, findos os prazos referidos nos n.os 2 a 4, a pessoa ainda se encontrar detida, deve ser posta em liberdade.»

Direito finlandês

Lei Relativa à Entrega

8

As disposições nacionais adotadas para dar execução à Decisão‑Quadro 2002/584 encontram‑se na laki rikoksen johdosta tapahtuvasta luovuttamisesta Suomen ja muiden Euroopan Unionin jäsenvaltioiden välillä (1286/2003) [Lei Relativa à Entrega, em razão de Infração, entre a Finlândia e os outros Estados‑Membros da União Europeia (1286/2003)], de 30 de dezembro de 2003 (a seguir «Lei Relativa à Entrega»).

9

Em conformidade com os artigos 11.o, 19.o e 37.o da Lei Relativa à Entrega, na Finlândia, as autoridades judiciárias de execução competentes para decidir da entrega e da manutenção em detenção são o Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia, Finlândia) e, enquanto órgão jurisdicional de recurso, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia). Por força do artigo 44.o desta lei, é o Keskusrikospoliisi (Serviço Nacional da Polícia Judiciária, Finlândia) que é competente para a execução de uma decisão de entrega.

10

Por força do artigo 46.o, n.o 1, da referida lei, a pessoa que seja objeto de um mandado de detenção europeu é entregue às autoridades competentes do Estado‑Membro que fez esse pedido o mais rapidamente possível, numa data acordada entre as autoridades em questão. Todavia, a pessoa é entregue, o mais tardar, até dez dias depois de a decisão de entrega se ter tornado definitiva.

11

Segundo o artigo 46.o, n.o 2, da mesma lei, se a entrega dessa pessoa, no prazo previsto no n.o 1, se revelar impossível devem razão de um caso de força maior na Finlândia ou no Estado‑Membro que apresentou o pedido, as autoridades competentes devem acordar uma nova data de entrega. A entrega deve ser realizada nos dez dias que se seguem à nova data acordada.

12

Em conformidade com o artigo 48.o da Lei Relativa à Entrega, se, expirados os prazos previstos nos artigos 46.o e 47.o, a pessoa continuar em detenção, deve ser posta em liberdade.

Lei Relativa aos Estrangeiros

13

As disposições nacionais em matéria de asilo estão contidas na ulkomaalaislaki (301/2004) [Lei Relativa aos Estrangeiros (301/2004)], de 30 de abril de 2004 (a seguir «Lei Relativa aos Estrangeiros»), a qual corresponde às disposições da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], completada pelo Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967. As disposições da Lei Relativa aos Estrangeiros aplicam‑se a todos os cidadãos estrangeiros que residam na Finlândia, incluindo aos cidadãos da União.

14

Ao abrigo do artigo 40.o, n.o 3, da Lei Relativa aos Estrangeiros, um estrangeiro tem o direito de residir no território finlandês durante o período de apreciação do seu pedido, até que tenha sido proferida decisão definitiva sobre este pedido ou até que o estrangeiro tenha sido objeto de uma decisão de afastamento executória.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

C e CD, nacionais romenos, foram objeto de mandados de detenção europeus emitidos, respetivamente, em 19 e 27 de maio de 2015 por uma autoridade judiciária romena, para a execução de penas de prisão de cinco anos e de penas complementares de três anos (a seguir, conjuntamente, «mandados de detenção europeus em causa»). Essas penas foram infligidas por tráfico de estupefacientes de risco e de elevado risco, bem como por participação em associação criminosa organizada.

16

C e CD foram objeto de processos de execução desses mandados de detenção europeus na Suécia. Por Decisão proferida em 8 de abril de 2020, o Högsta domstolen (Supremo Tribunal, Suécia) ordenou a entrega de C às autoridades romenas e, por Decisão de 30 de julho de 2020, o Svea hovrätt (Tribunal de Recurso com sede em Estocolmo, Suécia) ordenou a entrega de CD às mesmas autoridades. Contudo, C e CD deixaram a Suécia e foram para a Finlândia antes da execução destas decisões de entrega.

17

Em 15 de dezembro de 2020, C e CD foram detidos e colocados em detenção na Finlândia com base nos mandados de detenção europeus em causa.

18

Por Decisões de 16 de abril de 2021, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) ordenou a sua entrega às autoridades romenas. Na sequência do pedido das autoridades romenas, o Serviço Nacional da Polícia Judiciária fixou uma primeira data de entrega em 7 de maio de 2021. O transporte aéreo de C e de CD para a Roménia não podia ser organizado antes dessa data em razão da pandemia da COVID‑19.

19

Em 3 de maio de 2021, C e CD interpuseram recurso para o Korkein oikeus (Supremo Tribunal). Em 4 de maio de 2021, este órgão jurisdicional proibiu provisoriamente a execução das decisões de entrega. Em 31 de maio de 2021, o referido órgão jurisdicional negou provimento aos recursos, o que tornou caduca a decisão provisória que proibia a execução dessas decisões de entrega.

20

Uma segunda data de entrega foi fixada para 11 de junho de 2021. Porém, esta entrega foi de novo adiada, devido à falta de ligação aérea direta para a Roménia e à impossibilidade de organizar um transporte aéreo através de outro Estado‑Membro respeitando o calendário acordado.

21

C e CD apresentaram vários outros pedidos, tendo por objeto a suspensão da execução das decisões de entrega, no Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia) e no Korkein oikeus (Supremo Tribunal). Todos estes pedidos foram indeferidos ou declarados inadmissíveis.

22

Uma terceira data de entrega foi fixada para 17 de junho de 2021, em relação a CD, e para 22 de junho de 2021, em relação a C. Todavia, foi de novo impossível proceder a essa entrega em razão, desta vez, da apresentação, por C e CD, de pedidos de proteção internacional na Finlândia. Por decisões de 12 de novembro de 2021, o Maahanmuuttovirasto (Serviço Nacional de Imigração, Finlândia) indeferiu esses pedidos. C e CD interpuseram no hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo) recurso dessas decisões.

23

C e CD intentaram a seguir uma ação no Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia) destinada, por um lado, à sua colocação em liberdade com o fundamento de que o prazo de entrega tinha expirado e, por outro, ao adiamento da sua entrega em razão dos seus pedidos de proteção internacional. Por decisões de 8 e 29 de outubro de 2021, o Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia) declarou esses recursos inadmissíveis.

24

O processo principal tem por objeto os recursos interpostos por C e CD destas últimas decisões no órgão jurisdicional de reenvio, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal). Em apoio dos seus recursos, C e CD adiantam os mesmos fundamentos que os que foram afastados pelo Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia). Na sua resposta, o syyttäjä (Ministério Público, Finlândia) concluiu pela manutenção dos recorrentes no processo principal em detenção e pelo não adiamento da execução da sua entrega às autoridades romenas.

25

O órgão jurisdicional de reenvio, numa decisão de princípio proferida em 8 de dezembro de 2021, declarou que as pessoas que fossem objeto de uma decisão de entrega têm direito a que o seu pedido relativo à sua manutenção em detenção seja examinado por um juiz. Para evitar qualquer atraso, este órgão jurisdicional avocou diretamente o processo principal.

26

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação do artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, tanto de um ponto de vista processual como material.

27

No que respeita, em primeiro lugar, aos aspetos processuais, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as exigências que decorrem dessa disposição no que respeita à apreciação da existência de um caso de força maior.

28

Segundo as explicações do órgão jurisdicional de reenvio, as normas do direito nacional confiam ao Serviço Nacional da Polícia Judiciária as tarefas ligadas à execução da entrega uma vez que a decisão de entrega tomada pelo juiz se tenha tornado definitiva. Na sua decisão, o juiz não dá quaisquer ordens a respeito da data da entrega, mas esta é executada com respeito pelos prazos que foram previstos para esse fim pela Lei Relativa à Entrega, em conformidade com a Decisão‑Quadro 2002/584.

29

Ainda segundo esse órgão jurisdicional, o Serviço Nacional da Polícia Judiciária encarrega‑se da execução prática da decisão de entrega, assegura a ligação com as autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão e acorda uma nova data de entrega quando esta não se tenha verificado no prazo de dez dias, como foi o caso no processo principal.

30

Segundo a jurisprudência do órgão jurisdicional de reenvio, a pessoa detida pode, a qualquer momento, recorrer ao juiz competente para que este examine se a sua manutenção em detenção ainda se justifica. Incumbe então ao juiz apreciar, designadamente, se a falta de entrega é devida a um caso de força maior, na aceção do artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584. Em contrapartida, o Serviço Nacional da Polícia Judiciária e as outras autoridades não submetem sistematicamente a questão da manutenção da detenção à apreciação do juiz competente.

31

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, assim, sobre a compatibilidade desse procedimento nacional com o artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, bem como sobre as consequências de uma eventual incompatibilidade.

32

No que respeita, em segundo lugar, aos aspetos materiais do artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o conceito de força maior é extensivo aos obstáculos jurídicos que têm fundamento na legislação nacional de um Estado‑Membro e que têm por efeito impedir a entrega no prazo inicialmente previsto.

33

Esse órgão jurisdicional salienta que, no Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Vilkas (C‑640/15, EU:C:2017:39), o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de força maior pode ser aplicado a uma situação em que a pessoa detida oferece uma resistência física que impossibilite a sua entrega, desde que, em razão de circunstâncias excecionais, essa resistência não pudesse ser prevista pela autoridade judiciária de execução e pela autoridade judiciária de emissão e que as consequências desta para a entrega não pudessem ser evitadas, apesar de todas as diligências efetuadas por essas autoridades.

34

Ora, no processo principal, embora a pandemia da COVID‑19 tenha complicado a execução prática da entrega e o respeito dos prazos, os principais obstáculos a essa entrega foram a proibição de execução decretada pelo órgão jurisdicional de reenvio durante a apreciação dos recursos interpostos por C e CD, bem como os pedidos de asilo igualmente apresentados por estes últimos. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, por força da legislação nacional, um requerente de asilo tem o direito de ficar no território finlandês durante a apreciação do seu pedido ou até que seja objeto de uma decisão de afastamento.

35

Nestas condições, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)

O artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o artigo 23.o, n.o 5, da mesma decisão‑quadro, exige que, se uma pessoa detida não for entregue nos prazos previstos, a autoridade judiciária de execução referida no artigo 6.o, n.o 2, da decisão‑quadro decide uma nova data de entrega e verifica se existe um caso de força maior, bem como se foram respeitadas as condições exigidas para a detenção, ou também é compatível com a decisão‑quadro um processo no qual o juiz só examina esses factos a pedido das partes? Se se considerar que a prorrogação do prazo exige que a autoridade judiciária intervenha, o facto de essa intervenção não se verificar implica necessariamente que os prazos previstos na decisão‑quadro expiraram, caso em que a pessoa detida deve ser posta em liberdade em aplicação do artigo 23.o, n.o 5, desta mesma decisão‑quadro?

2)

Deve o artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 ser interpretado no sentido de que o conceito de força maior também inclui obstáculos jurídicos à entrega baseados na legislação nacional do Estado‑Membro de execução, como uma proibição de execução que tenha sido decretada durante o processo judicial ou o direito de o requerente de asilo permanecer no Estado de execução até que seja proferida decisão sobre o seu pedido de asilo?»

Quanto ao pedido de aplicação da tramitação prejudicial urgente

36

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

37

No caso em apreço, há que constatar que os requisitos previstos para a aplicação deste procedimento estão preenchidos.

38

Por um lado, o pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584, que faz parte dos domínios visados no título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. Por conseguinte, este pedido é suscetível de ser objeto de tramitação prejudicial urgente, em conformidade com o artigo 23.o‑A, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e com o artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

39

Por outro lado, no que respeita ao critério relativo à urgência, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esse critério está preenchido quando a pessoa em questão no processo principal esteja, à data da apresentação do pedido de decisão prejudicial, privada da sua liberdade e a sua manutenção em detenção dependa da solução do litígio no processo principal (v., designadamente, Acórdãos de 16 de julho de 2015, Lanigan, C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 24, e de 16 de novembro de 2021, Governor of Cloverhill Prison e o., C‑479/21 PPU, EU:C:2021:929, n.o 34 e jurisprudência referida).

40

A este respeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que C e CD estavam efetivamente privados de liberdade à data da apresentação desse pedido.

41

Além disso, as questões prejudiciais têm por objeto a interpretação do artigo 23.o da Decisão‑Quadro 2002/584, cujo n.o 5 prevê, em caso de expiração dos prazos previstos nos n.os 2 a 4 deste artigo, a colocação em liberdade da pessoa procurada. Assim, em função da resposta dada pelo Tribunal de Justiça às questões submetidas, o órgão jurisdicional de reenvio poderia ser levado a ordenar a colocação em liberdade de C e de CD.

42

Nestas condições, a Segunda Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 17 de janeiro de 2022, sob proposta da juíza‑relatora, ouvida a advogada‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial à tramitação prejudicial urgente.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à segunda questão

43

Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de força maior é extensivo aos obstáculos jurídicos à entrega resultantes de ações legais intentadas pela pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu e assentes no direito do Estado‑Membro de execução, sempre que a decisão final sobre a entrega tenha sido adotada pela autoridade judiciária de execução em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, desta decisão‑quadro.

44

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, fixada em diversos domínios do direito da União, que o conceito de força maior deve ser entendido no sentido de circunstâncias alheias a quem o invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências efetuadas (Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Vilkas, C‑640/15, EU:C:2017:39, n.o 53 e jurisprudência referida).

45

Além disso, o conceito de força maior, na aceção do artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, deve ser interpretado de forma estrita, dado que esta disposição constitui uma derrogação à regra estabelecida no artigo 23.o, n.o 2, desta decisão‑quadro (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Vilkas, C‑640/15, EU:C:2017:39, n.o 56).

46

No que respeita aos obstáculos jurídicos à entrega, resultantes de ações legais intentadas pela pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu, há que salientar, é certo, que esses obstáculos são alheios ao comportamento das autoridades do Estado‑Membro de execução e que as suas consequências, a saber, a impossibilidade de entregar essa pessoa no prazo previsto, não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências efetuadas.

47

No entanto, e como acertadamente observaram C e CD, o Governo romeno e a Comissão Europeia, a introdução de ações legais pela pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu, no âmbito de processos previstos pelo direito nacional do Estado‑Membro de execução, com vista a contestar a sua entrega às autoridades do Estado‑Membro de emissão ou que tenham por efeito atrasar essa entrega, não pode ser considerada uma circunstância imprevisível.

48

Por conseguinte, esses obstáculos jurídicos à entrega, resultantes de ações legais intentadas por essa pessoa, não podem ser constitutivos de um caso de força maior na aceção do artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584.

49

Resulta do exposto que os prazos de entrega previstos no artigo 23.o desta decisão‑quadro não podem ser considerados suspensos em razão de processos pendentes no Estado‑Membro de execução, intentados pela pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu, sempre que a decisão final sobre a entrega tenha sido adotada pela autoridade judiciária de execução em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, da referida decisão‑quadro. Por conseguinte, as autoridades do Estado‑Membro de execução continuam, em princípio, obrigadas a entregar essa pessoa às autoridades do Estado‑Membro de emissão nos referidos prazos.

50

Nesta última etapa do processo de entrega, regulada pelo artigo 23.o desta mesma decisão‑quadro, todos os elementos jurídicos foram, em princípio, examinados pela autoridade judiciária de execução que já proferiu, por hipótese, uma decisão final sobre a entrega.

51

Esta interpretação é igualmente ditada pelo objetivo de aceleração e simplificação da cooperação judiciária entre os Estados‑Membros que prossegue a Decisão‑Quadro 2002/584. A decisão‑quadro destina‑se, assim, através da instauração de um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de ter infringido a lei penal, a facilitar e a acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, atribuído à União Europeia, de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, baseando‑se no grau de confiança elevado que deve existir entre os Estados‑Membros [v., designadamente, Acórdãos de 29 de janeiro de 2013, Radu, C‑396/11, EU:C:2013:39, n.o 34, e de 17 de março de 2021, JR (Mandado de detenção — Condenação de um Estado terceiro, membro do EEE), C‑488/19, EU:C:2021:206, n.o 71].

52

No caso em apreço, não resulta de nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que as ações legais intentadas por C e CD teriam tido por objeto, ainda que indiretamente, uma violação de um direito fundamental que não teria podido ser invocada por essas pessoas perante a autoridade judiciária de execução ao longo do processo que conduziu à adoção da decisão final sobre a entrega em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584.

53

No que respeita, mais especificamente, aos pedidos de proteção internacional apresentados na Finlândia por C e CD, resulta das observações apresentadas por estes últimos que esses pedidos se baseavam, em grande parte, em argumentos relativos às condições de detenção no Estado‑Membro de emissão, a saber, a Roménia, e relativos à jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça na matéria, nomeadamente dos Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198), de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria) (C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589), e de 15 de outubro de 2019, Dorobantu (C‑128/18, EU:C:2019:857). Ora, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que estes argumentos foram invocados por C e CD perante a autoridade judiciária de execução no decurso do processo que conduziu à adoção das decisões finais sobre a entrega.

54

Além disso, e como indicou a Comissão, o artigo único do Protocolo (n.o 24) relativo ao direito de asilo para os nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia, anexo ao Tratado FUE, indica que, tendo em conta o nível de proteção dos direitos fundamentais e das liberdades fundamentais nos Estados‑Membros da União, considera‑se que estes constituem países de origem seguros uns em relação a todas as questões jurídicas e práticas ligadas aos processos de asilo.

55

Este artigo acrescenta que, consequentemente, qualquer pedido de asilo apresentado por um nacional de um Estado‑Membro só pode ser tomado em consideração ou declarado admissível para efeitos de instrução por outro Estado‑Membro em quatro casos, enumerados de forma exaustiva.

56

Ora, não resulta de nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a situação de C e de CD estaria abrangida por uma destas quatro hipóteses previstas no artigo único do referido protocolo, a respeito do qual o Tribunal de Justiça, aliás, não foi questionado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

57

Por último, importa ainda recordar que um pedido de proteção internacional não constitui um dos motivos de não execução do mandado de detenção europeu enumerados nos artigos 3.o e 4.o da Decisão‑Quadro 2002/584 (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2010, B., C‑306/09, EU:C:2010:626, n.os 43 a 46).

58

Atento o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de força maior não se estende aos obstáculos jurídicos à entrega, que resultem de ações legais intentadas pela pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu e assentes no direito do Estado‑Membro de execução, sempre que a decisão final sobre a entrega tenha sido adotada pela autoridade judiciária de execução em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, da referida decisão‑quadro.

Quanto à primeira questão

59

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, por um lado, se o artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que a exigência de uma intervenção da autoridade judiciária de execução, referida nesta disposição, está satisfeita quando o Estado‑Membro de execução confia a um serviço de polícia o cuidado de verificar a existência de um caso de força maior e o respeito das condições exigidas para a manutenção da detenção da pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu e de decidir, se for caso disso, que a pessoa em causa tem o direito de recorrer, a qualquer momento, à autoridade judiciária de execução a de que esta se pronuncie sobre os elementos acima mencionados. Por outro lado, esse órgão jurisdicional pergunta se o artigo 23.o, n.o 5, desta decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido devem ser considerados como tendo expirado os prazos previstos nos n.os 2 a 4 deste artigo 23.o, com a consequência de a referida pessoa dever ser posta em liberdade, na hipótese de se dever considerar que a exigência de uma intervenção da autoridade judiciária de execução, prevista no artigo 23.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro, não foi satisfeita.

60

Na hipótese de um caso de força maior que obste à entrega no prazo previsto no artigo 23.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, resulta da redação do artigo 23.o, n.o 3, desta decisão‑quadro que cabe às autoridades judiciárias de execução e de emissão em questão contactar imediatamente uma com a outra e acordar uma nova data de entrega.

61

O Tribunal de Justiça já precisou que o conceito de «autoridade judiciária de execução», na aceção do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, visa, à semelhança do conceito de «autoridade judiciária de emissão», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, quer um juiz ou um órgão jurisdicional, quer uma autoridade judiciária, como o Ministério Público de um Estado‑Membro, que participe na administração da justiça desse Estado‑Membro e que goze da independência exigida em relação ao poder executivo [Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 54].

62

Em contrapartida, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os serviços de polícia de um Estado‑Membro não são abrangidos pelo conceito de «autoridade judiciária», na aceção do artigo 6.o da Decisão‑Quadro 2002/584 [v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 42 e jurisprudência referida].

63

Daqui resulta que a intervenção da autoridade judiciária de execução exigida no artigo 23.o, n.o 3, desta decisão‑quadro, para apreciar a existência de um caso de força maior e, sendo caso disso, fixar uma nova data de entrega, não pode ser confiada a um serviço de polícia do Estado‑Membro de execução, como o Serviço Nacional da Polícia Judiciária no litígio no processo principal.

64

É certo que o artigo 7.o, n.o 1, da referida decisão‑quadro autoriza os Estados‑Membros a designar uma ou mais «autoridades centrais», para prestar assistência às autoridades judiciárias competentes. Além disso, é pacífico que os serviços de polícia de um Estado‑Membro podem ser abrangidos pelo conceito de «autoridades centrais», na aceção deste artigo 7.o (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Poltorak, C‑452/16 PPU, EU:C:2016:858, n.o 42).

65

No entanto, resulta do referido artigo 7.o, lido à luz do considerando 9 da Decisão‑Quadro 2002/584, que a intervenção dessa autoridade central deve permanecer limitada à assistência prática e administrativa das autoridades judiciárias competentes. Por conseguinte, a possibilidade prevista no mesmo artigo 7.o não pode ser alargada a ponto de permitir aos Estados‑Membros substituir por essa autoridade central as autoridades judiciárias competentes, no que respeita à apreciação da existência de um caso de força maior, na aceção do artigo 23.o, n.o 3, desta decisão‑quadro, bem como, sendo caso disso, à fixação de uma nova data de entrega (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Poltorak, C‑452/16 PPU, EU:C:2016:858, n.o 42).

66

Com efeito, como sublinhou a advogada‑geral nos n.os 73 a 76 das suas conclusões, a apreciação da existência de um caso de força maior, na aceção desta disposição, bem como, sendo caso disso, a fixação de uma nova data de entrega, constituem decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu, que incumbem à autoridade judiciária de execução por força do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido à luz do considerando 8 desta. A este título, e como admite igualmente o órgão jurisdicional de reenvio, tais decisões excedem o âmbito da simples «assistência prática e administrativa» que pode ser confiada a serviços de polícia por força do artigo 7.o desta decisão‑quadro, lido à luz do considerando 9 desta.

67

No que respeita às consequências que há que retirar da falta de intervenção da autoridade judiciária de execução, há que observar, em primeiro lugar, que os prazos previstos no artigo 23.o, n.os 2 a 4, da Decisão‑Quadro 2002/584 devem efetivamente ser considerados como estando expirados nessas circunstâncias.

68

Com efeito, a constatação de um caso de força maior pelos serviços de polícia do Estado‑Membro de execução, seguido da fixação de uma nova data de entrega, sem intervenção da autoridade judiciária de execução, não satisfaz as exigências formais previstas no artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, e isso independentemente da realidade material desse caso de força maior.

69

Consequentemente, na falta de uma intervenção da autoridade judiciária de execução, os prazos previstos no artigo 23.o, n.os 2 a 4, desta decisão‑quadro não podem ser validamente prorrogados em aplicação do n.o 3 deste artigo. Daqui resulta que, numa situação como a que está em causa no processo principal, os referidos prazos devem ser considerados expirados para fins da aplicação do n.o 5 do referido artigo.

70

Em segundo lugar, é necessário recordar as consequências da expiração dos prazos previstos no artigo 23.o, n.os 2 a 4, da Decisão‑Quadro 2002/584.

71

É certo que resulta expressamente da redação do artigo 23.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 que a pessoa que seja objeto de um mandado de detenção europeu, se ainda se encontrar em detenção, deve, se esses prazos estiverem expirados, ser posta em liberdade. Nenhuma exceção está prevista a esta última obrigação que incumbe ao Estado‑Membro de execução em tal hipótese.

72

No entanto, o legislador da União não conferiu nenhum outro efeito à expiração desses prazos e, em especial, não previu que esta privava as autoridades em questão da possibilidade de acordar uma data de entrega em aplicação do artigo 23.o, n.o 1, dessa decisão‑quadro ou liberava o Estado‑Membro de execução da obrigação de executar um mandado de detenção europeu (Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Vilkas, C‑640/15, EU:C:2017:39, n.o 70).

73

Acresce que uma interpretação do artigo 15.o, n.o 1, e do artigo 23.o da Decisão‑Quadro 2002/584 segundo a qual a autoridade judiciária de execução já não deve proceder à entrega da pessoa procurada nem acordar, para o efeito, uma nova data de entrega com a autoridade judiciária de emissão, findos os prazos fixados no artigo 23.o dessa decisão‑quadro, poderá prejudicar o objetivo de aceleração e de simplificação da cooperação judiciária prosseguido pela referida decisão‑quadro, uma vez que esta interpretação seria suscetível, designadamente, de forçar o Estado‑Membro de emissão a emitir um segundo mandado de detenção europeu para permitir a realização de um novo procedimento de entrega (Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Vilkas, C‑640/15, EU:C:2017:39, n.o 71).

74

Decorre do exposto que a mera expiração dos prazos fixados no artigo 23.o da Decisão‑Quadro 2002/584 não pode ter por efeito permitir ao Estado‑Membro de execução subtrair‑se à sua obrigação de prosseguir o procedimento de execução de um mandado de detenção europeu e de proceder à entrega da pessoa procurada, devendo as autoridades interessadas acordar, para o efeito, uma nova data de entrega (Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Vilkas, C‑640/15, EU:C:2017:39, n.o 72).

75

Além disso, e como sublinhou a advogada‑geral no n.o 46 das suas conclusões, tendo em conta a obrigação que incumbe ao Estado‑Membro de execução de prosseguir o processo de execução de um mandado de detenção europeu, a autoridade competente desse Estado‑Membro é obrigada, em caso de colocação em liberdade da pessoa que é objeto desse mandado em aplicação do artigo 23.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, a tomar quaisquer medidas que considere necessárias para evitar a fuga dessa pessoa, com exceção de medidas privativas de liberdade.

76

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão, por um lado, que o artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que a exigência de uma intervenção da autoridade judiciária de execução, referida nesta disposição, não está preenchida quando o Estado‑Membro de execução confia a um serviço de polícia o cuidado de verificar a existência de um caso de força maior, bem como o respeito das condições exigidas para a manutenção da detenção da pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu, e de decidir, se for caso disso, de uma nova data de entrega, e isso mesmo que essa pessoa tenha o direito de recorrer, a qualquer momento, à autoridade judiciária de execução a fim de que esta se pronuncie sobre os elementos acima mencionados. Por outro lado, o artigo 23.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que devem ser considerados como tendo expirado, com a consequência de que a referida pessoa deve ser colocada em liberdade, os prazos previstos nos n.os 2 a 4 deste artigo 23.o, quando a exigência de uma intervenção da autoridade judiciária de execução, prevista no artigo 23.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro, não tenha sido satisfeita.

Quanto às despesas

77

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de força maior não se estende aos obstáculos jurídicos à entrega resultantes de ações legais intentadas pela pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu e assentes no direito do Estado‑Membro de execução, sempre que a decisão final sobre a entrega tenha sido adotada pela autoridade judiciária de execução em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, da referida decisão‑quadro.

 

2)

O artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, deve ser interpretado no sentido de que a exigência de uma intervenção da autoridade judiciária de execução, referida nesta disposição, não está preenchida quando o Estado‑Membro de execução confia a um serviço de polícia o cuidado de verificar a existência de um caso de força maior, bem como o respeito das condições exigidas para a manutenção da detenção da pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu, e de decidir, se for caso disso, de uma nova data de entrega, e isso mesmo que essa pessoa tenha o direito de recorrer, a qualquer momento, à autoridade judiciária de execução a fim de que esta se pronuncie sobre os elementos acima mencionados.

O artigo 23.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, deve ser interpretado no sentido de que devem ser considerados como tendo expirado, com a consequência de que a referida pessoa deve ser colocada em liberdade, os prazos previstos nos n.os 2 a 4 deste artigo 23.o, quando a exigência de uma intervenção da autoridade judiciária de execução, prevista no artigo 23.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro, não tenha sido satisfeita.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.

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