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Documento 62022CJ0020

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 22 de dezembro de 2022.
Syndicat Les Entreprises du Médicament (LEEM) contra Ministre des Solidarités et de la Santé.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État.
Reenvio prejudicial — Especialidades farmacêuticas para uso humano — Diretiva 89/105/CEE — Transparência das medidas que regulamentam a formação do preço das especialidades farmacêuticas para uso humano e sua inclusão nos sistemas nacionais de seguro de saúde — Artigo 4.o — Congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias — Medida nacional relativa apenas a determinadas especialidades farmacêuticas individualmente consideradas — Fixação de um preço máximo de venda de determinadas especialidades farmacêuticas aos estabelecimentos de saúde.
Processo C-20/22.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:1028

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

22 de dezembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Especialidades farmacêuticas para uso humano — Diretiva 89/105/CEE — Transparência das medidas que regulamentam a formação do preço das especialidades farmacêuticas para uso humano e sua inclusão nos sistemas nacionais de seguro de saúde — Artigo 4.o — Congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias — Medida nacional relativa apenas a determinadas especialidades farmacêuticas individualmente consideradas — Fixação de um preço máximo de venda de determinadas especialidades farmacêuticas aos estabelecimentos de saúde»

No processo C‑20/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial ao abrigo do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisão de 30 de dezembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de janeiro de 2022, no processo

Syndicat Les Entreprises du médicament (LEEM)

contra

Ministre des Solidarités et de la Santé,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún, presidente da secção, N. Wahl (relator) e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Syndicat Les Entreprises du médicament (LEEM), por E. Nigri, advogado,

em representação do Governo francês, por G. Bain e J.‑L. Carré, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Sipos e C. Valero, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o da Diretiva 89/105/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, relativa à transparência das medidas que regulamentam a formação do preço das especialidades farmacêuticas para uso humano e a sua inclusão nos sistemas nacionais de seguro de saúde (JO 1989, L 40, p. 8).

2

Esse pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe o Syndicat Les Entreprises du médicament (LEEM) ao ministre des Solidarités et de la Santé (Ministro da Solidariedade e da Saúde, França) a respeito da validade do décret no 2020‑1437, du 24 novembre 2020, relatif aux modalités de fixation du prix maximal de vente aux établissements de santé d’un produit de santé [Decreto n.o 2020‑1437, de 24 de novembro de 2020, relativo às modalidades de formação do preço máximo de venda de um produto de saúde aos estabelecimentos de saúde (JORF de 25 de novembro de 2020, texto n.o 29, a seguir «decreto controvertido»)].

Quadro jurídico

Direito da União

3

O quinto e o sexto considerandos da Diretiva 89/105 referem que:

«[…] o objetivo da presente diretiva é o de obter um quadro geral dos acordos nacionais de preços, incluindo a forma como intervêm em casos específicos e os critérios em que se fundamentam, e proporcionar o respetivo acesso público a todos os interessados no comércio de especialidades farmacêuticas nos Estados‑Membros; […]

[…] como primeiro passo para a eliminação de tais disparidades, se torna urgentemente necessário fixar uma série de requisitos destinados a garantir que todos os interessados possam confirmar que as medidas nacionais não constituem restrições quantitativas às importações ou exportações ou medidas de efeito equivalente; que, todavia, tais requisitos não devem afetar as políticas dos Estados‑Membros que assentam fundamentalmente na livre concorrência a formação do preço das especialidades farmacêuticas; que estes requisitos também não afetam as políticas nacionais de formação de preços e de determinação de sistemas de segurança nacional, exceto na medida em que sejam necessários certos processos para alcançar a transparência na aceção da presente diretiva.»

4

O artigo 1.o, n.o 1, dessa diretiva dispõe o seguinte:

«Os Estados‑Membros devem assegurar a concordância entre toda e qualquer medida nacional, seja ela estabelecida por lei, por regulamento ou por um ato administrativo, destinada a controlar os preços das especialidades farmacêuticas para uso humano ou a limitar a variedade de especialidades farmacêuticas abrangidas pelos respetivos sistemas nacionais de seguro de saúde com os requisitos da presente diretiva.»

5

O artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«As disposições que se seguem serão aplicáveis quando a colocação no mercado de uma especialidade farmacêutica só seja permitida após aprovação do preço respetivo pelas autoridades competentes do Estado‑Membro em causa:

1)

Os Estados‑Membros devem assegurar a adoção de uma decisão relativa ao preço a aplicar à especialidade farmacêutica e a sua comunicação ao requerente no prazo de noventa dias que se segue à receção do pedido apresentado, em conformidade com as normas estabelecidas no Estado‑Membro em causa pelo titular de uma autorização de comercialização. […]»

6

O artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva precisa:

«Sem prejuízo do artigo 4.o são aplicáveis as seguintes disposições quando o aumento do preço da especialidade farmacêutica só seja autorizado depois de obtido o consentimento prévio das autoridades competentes:

1)

Os Estados‑Membros devem assegurar que a decisão relativa a qualquer pedido de aumento de preço de uma especialidade farmacêutica, apresentado pelo titular da autorização de comercialização em conformidade com as normas estabelecidas pelo Estado‑Membro em causa, seja adotada e comunicada ao requerente no prazo de noventa dias a contar da respetiva apresentação. O requerente deve fornecer às autoridades competentes as informações adequadas incluindo elementos dos factos ocorridos desde a última determinação do preço do medicamento que, na sua opinião, justificam o aumento de preço pedido. […]»

7

O artigo 4.o da Diretiva 89/105 prevê:

«1.   Se for imposto pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro um congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias, o Estado‑Membro em causa deve, pelo menos uma vez por ano, proceder a uma revisão de modo a determinar, tendo em conta as condições macroeconómicas, se se justifica a manutenção de tal congelamento. No prazo de noventa dias a partir do início dessa revisão, as autoridades competentes tornarão públicos os eventuais aumentos ou reduções de preços registados.

2.   Em casos excecionais, o titular de uma autorização de comercialização de uma especialidade farmacêutica pode pedir uma derrogação de um congelamento de preço, caso tal se justifique por razões especiais. […]

[…]»

8

O artigo 6.o dessa diretiva tem a seguinte redação:

«As seguintes disposições só serão aplicáveis se uma especialidade farmacêutica for abrangida pelo sistema nacional de seguro de saúde, mas só depois de as autoridades competentes terem decidido incluir a especialidade farmacêutica em causa numa lista positiva de especialidades farmacêuticas abrangidas pelo sistema nacional de seguro de saúde.

1)

Os Estados‑Membros devem assegurar que a decisão relativa a qualquer pedido de inclusão de uma especialidade farmacêutica na lista das especialidades farmacêuticas abrangidas pelo sistema nacional de seguro de saúde, apresentado pelo titular de uma autorização de comercialização em conformidade com as normas estabelecidas pelo Estado‑Membro em causa, seja adotada e comunicada ao requerente no prazo de noventa dias a contar da data da sua receção. […]

[…]

2)

Qualquer decisão de não inclusão de uma especialidade farmacêutica na lista dos produtos abrangidos pelo sistema nacional de seguro de saúde deve conter uma justificação das razões baseadas em critérios objetivos e verificáveis, incluindo eventualmente opiniões ou recomendações de peritos em que as decisões se fundamentam. Além disso, o requerente deve ser informado dos recursos de que dispõe ao abrigo das leis em vigor, e dos prazos concedidos para a apresentação de tais recursos.

3)

Antes da data referida no n.o 1 do artigo 11.o, os Estados‑Membros devem divulgar numa publicação adequada e comunicar à Comissão [Europeia] os critérios a ter em consideração pelas autoridades competentes ao decidir da inclusão ou não de especialidades farmacêuticas nas listas.

4)

No prazo de um ano a contar da data referida no n.o 1 do artigo l1.o, os Estados‑Membros devem divulgar numa publicação oficial adequada e comunicar à Comissão uma lista completa das especialidades abrangidas pelo respetivo sistema de seguro de saúde, bem como os preços correspondentes estabelecidos pelas autoridades nacionais competentes. Essa informação deve ser atualizada pelo menos anualmente.

5)

Qualquer decisão de exclusão de uma especialidade da lista de especialidades abrangidas pelo sistema de seguro de saúde deve conter uma justificação das razões baseadas em critérios objetivos e verificáveis. Tais decisões, incluindo, se necessário, qualquer parecer técnico que lhe sirva de base, serão comunicadas à entidade responsável, que será informada dos recursos à sua disposição de acordo com a legislação em vigor e dos prazos concedidos para apresentar tais recursos.

6)

Qualquer decisão de exclusão de uma categoria de especialidades farmacêuticas da lista de especialidades abrangidas pelo sistema de seguro de saúde deve conter uma justificação baseada em critérios objetivos e verificáveis e ser divulgada numa publicação adequada.»

Legislação francesa

9

O artigo L. 162‑16‑4‑3 do code de la sécurité sociale, na versão alterada pela Lei n.o 2019‑1446, de 24 de dezembro de 2019, relativa ao Financiamento da Segurança Social para 2020 (JORF de 27 de dezembro de 2019, texto n.o 1, a seguir «Código da Segurança Social» francês), dispõe:

«I. — Os ministros responsáveis pelas pastas da Saúde e da Segurança Social podem fixar por decreto, um preço máximo de venda de determinadas especialidades farmacêuticas […] ou produtos de saúde […], aos estabelecimentos de saúde, em pelo menos uma das seguintes situações:

1o Em caso de risco de despesas injustificadas, nomeadamente face a um aumento significativo dos preços de venda verificados ou face aos preços de produtos de saúde comparáveis;

2o No caso de produtos de saúde que, a título unitário ou tendo em conta o seu volume global, tenham, de maneira previsível ou comprovada, um caráter particularmente oneroso para determinados estabelecimentos.

II. — O preço máximo previsto em I será fixado, após ter sido dada à empresa a oportunidade de apresentar as suas observações:

[…]

III. — As modalidades de aplicação deste artigo serão definidas por decreto do Conselho de Estado.»

10

O artigo R. 163‑11‑2 desse Código, na versão inserida pelo artigo 1.o do decreto controvertido, dispõe:

«I. — Quando os ministros responsáveis pelas pastas da Saúde e Segurança Social pretendem fixar um preço máximo para a venda de um produto farmacêutico ou outro produto de saúde aos estabelecimentos de saúde, em aplicação do artigo L. 162‑16‑4‑3, devem informar disso as empresas que comercializam o produto de saúde em questão, de forma a registar a data exata da receção dessa informação. Devem especificar quais são os produtos de saúde em questão, os motivos para a fixação do preço máximo de venda e o nível dos preços previstos.

[…]

II. — Os preços máximos de venda fixados nos termos do artigo L. 162‑16‑4‑3 podem ser alterados por decreto dos ministros responsáveis pelas pastas da Saúde e Segurança Social, quer a pedido da empresa que comercializa o produto de saúde em questão, quer por iniciativa dos ministros, de acordo com os seguintes procedimentos:

1o Quando a alteração resulta de uma iniciativa dos ministros, será efetuada em conformidade com o procedimento previsto no ponto I;

2o Quando o pedido de alteração do preço é efetuado pela empresa que comercializa [os produtos], esta deve dirigir o seu pedido aos ministros acompanhado da documentação com as informações necessárias para a apreciação desse pedido. […]

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

Em 25 de janeiro de 2021, o Syndicat LEEM interpôs recurso no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) pedindo a anulação do decreto controvertido.

12

De acordo com o pedido de decisão prejudicial, o decreto controvertido e o artigo L. 162‑16‑4‑3 do Código da Segurança Social, que aquele decreto visa executar, preveem um mecanismo de fixação do preço máximo de venda de determinadas especialidades farmacêuticas ou produtos de saúde a fim de reduzir a diferença significativa de preço que por vezes pode verificar‑se, entre estabelecimentos de saúde, relativamente à mesma especialidade farmacêutica incluída na lista das especialidades autorizadas para uso das coletividades públicas ou relativamente ao mesmo produto de saúde.

13

Em apoio do seu recurso, o Syndicat LEEM sustenta, designadamente, que o decreto controvertido e o artigo L. 162‑16‑4‑3 do Código da Segurança Social violam o artigo 4.o da Diretiva 89/105. Assim, o recorrente alegou no órgão jurisdicional de reenvio que o mecanismo de limitação do preço de venda de determinadas especialidades farmacêuticas instituído por aquela disposição constitui um mecanismo de «congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias», na aceção do referido artigo 4.o Por conseguinte, esse mecanismo deveria, em conformidade com essa disposição e sob pena de ilegalidade, prever uma avaliação anual das condições macroeconómicas que justificassem o congelamento dos preços em questão e a possibilidade de o operador da especialidade farmacêutica em causa beneficiar de uma derrogação a esse congelamento em casos excecionais e por razões especiais.

14

O órgão jurisdicional de reenvio entende que a resposta ao fundamento relativo à violação do artigo 4.o da Diretiva 89/105 e, por conseguinte, a solução do litígio no processo principal dependem da questão de saber se o conceito de «congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias», que constam desse artigo 4.o, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma medida cuja finalidade é controlar os preços de determinadas especialidades farmacêuticas individualmente consideradas. Com efeito, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) interpreta o mecanismo de limitação do preço de venda aos estabelecimentos de saúde executado pelo artigo L. 162‑16‑4‑3 do Código da Segurança Social como sendo um mecanismo que afeta apenas determinadas especialidades farmacêuticas individualmente consideradas e que não visa todas as especialidades farmacêuticas, nem sequer algumas das suas categorias.

15

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que a avaliação, no mínimo anual, das condições macroeconómicas que justificam a manutenção inalterada do congelamento dos preços prevista no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105, parece desprovida de alcance, neste caso, uma vez que as condições impostas pelo artigo L. 162‑16‑4‑3 do Código da Segurança Social para que possa ser tomada a medida aí prevista não têm natureza macroeconómica, antes se baseiam nos preços de venda verificados da especialidade farmacêutica em causa, individualmente considerados ou face a especialidades farmacêuticas comparáveis. Analogamente, a possibilidade de, em casos excecionais, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2 dessa diretiva, o titular de uma autorização de comercialização de uma especialidade farmacêutica pedir uma derrogação ao congelamento de preços por razões especiais, parece desprovida de objeto, porque uma medida tomada a título do artigo L. 162‑16‑4‑3 assumirá a forma de uma decisão individual.

16

Em face do exposto, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 4.o da Diretiva [89/105], ser interpretado no sentido de que o conceito de “congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias” se aplica a uma medida cuja finalidade é controlar os preços das especialidades farmacêuticas, mas que abrange apenas certas especialidades farmacêuticas, individualmente consideradas, e não é aplicável a todas as especialidades farmacêuticas, nem sequer a algumas das suas categorias, quando as garantias que esse artigo atribui à existência de uma medida de congelamento, nos termos em que a define, se afiguram desprovidas de alcance e de objeto, relativamente a essa medida?»

Quanto à questão prejudicial

17

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias» se aplica a uma medida cuja finalidade é controlar os preços de certas especialidades farmacêuticas individualmente consideradas.

18

Em primeiro lugar, em conformidade com jurisprudência constante, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 30 de junho de 2022, Allianz Elementar Versicherung, C‑652/20, EU:C:2022:514, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

19

Quanto aos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105, há que recordar que esta disposição visa as medidas de congelamento de preços impostas pelas autoridades de um Estado‑Membro relativamente a «especialidades farmacêuticas ou a algumas das suas categorias». Uma vez que o conceito de «categorias de especialidades farmacêuticas» não é definido por essa diretiva, há que ter em conta o seu sentido habitual na linguagem corrente (v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, AFMB e o., C‑610/18, EU:C:2020:565, n.o 52 e jurisprudência aí referida).

20

A esse respeito, há que sublinhar que o conceito de «categoria» implica, na linguagem corrente, a existência de um conjunto de objetos com uma ou mais características comuns (v., por analogia, Acórdão de 12 de outubro de 2017, Shields & Sons Partnership, C‑262/16, EU:C:2017:756, n.o 47). Por conseguinte, o conceito de «categorias de especialidades farmacêuticas», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105, não visa as especialidades farmacêuticas individualmente consideradas, mas apenas grupos de especialidades farmacêuticas com uma ou mais características comuns.

21

Quanto ao contexto em que se insere o artigo 4.o da Diretiva 89/105 e aos objetivos que prossegue, há que salientar que esta diretiva tem por base a ideia de uma ingerência mínima na organização pelos Estados‑Membros das suas políticas internas em matéria de segurança social (Acórdão de 14 de janeiro de 2010, AGIM e o., C‑471/07 e C‑472/07, EU:C:2010:9, n.o 16 e jurisprudência aí referida). Com efeito, em virtude do sexto considerando da referida diretiva, os requisitos que decorrem desta não afetam as políticas nacionais de formação de preços e de determinação de sistemas de segurança nacional, exceto na medida em que sejam necessários certos processos para alcançar a transparência na aceção da mesma diretiva.

22

Por conseguinte, há que interpretar o conceito de «congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105, no sentido de que visa todas as especialidades farmacêuticas ou grupos de especialidades farmacêuticas que têm uma ou mais características comuns, e no sentido de que exclui desse modo as medidas individuais de congelamento de preços relativas a especialidades farmacêuticas individualmente consideradas.

23

Em segundo lugar, essa interpretação do artigo 4.o, n.o 1, é reforçada pela sistemática desta disposição.

24

Com efeito, a referida disposição precisa que, «[se] for imposto […] um congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias», os Estados‑Membros devem «determinar, tendo em conta as condições macroeconómicas, se se justifica a manutenção de tal congelamento». Ora, tal como sublinharam tanto o Governo francês como a Comissão nas suas observações escritas, essa obrigação de verificação das condições macroeconómicas só faz sentido em caso de medidas que afetem todas as especialidades farmacêuticas ou algumas categorias de especialidades farmacêuticas. A manutenção de uma medida de congelamento do preço de uma especialidade farmacêutica individualmente considerada não pode encontrar justificação nas condições macroeconómicas, porque essa medida não é suscetível de desencadear um efeito macroeconómico. Por conseguinte, essa obrigação implica necessariamente que as medidas de congelamento de preços que visam especialidades farmacêuticas individualmente consideradas não entram no âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105.

25

Aliás, o facto de o artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva prever a possibilidade de apresentar um pedido de derrogação ao congelamento de preços confirma que o legislador da União Europeia entendeu excluir do âmbito de aplicação do referido artigo 4.o as medidas de congelamento de preços que visam especialidades farmacêuticas individualmente consideradas. Com efeito, uma derrogação pressupõe, ao contrário de uma isenção, um tratamento diferenciado e individualizado em virtude do qual o requerente, sob reserva do cumprimento de determinados requisitos, escapa ao cumprimento das exigências estabelecidas por uma norma geral.

26

Assim, a sistemática do artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva não permite considerar que o conceito de «categoria de especialidades farmacêuticas», na aceção dessa disposição, abrange as medidas de congelamento de preços adotadas não relativamente a uma categoria de especialidades farmacêuticas, mas sim relativamente a uma especialidade farmacêutica individualmente considerada.

27

Em terceiro e último lugar, resulta de uma leitura sistemática da Diretiva 89/105 que, quando o legislador da União quis referir‑se às medidas individuais de congelamento de preços, fê‑lo expressamente.

28

A esse respeito, os artigos 2.o e 3.o dessa diretiva, que visam respetivamente, por um lado, as situações nas quais uma aprovação do preço de uma especialidade farmacêutica é exigida antes da sua comercialização e, por outro, as situações em que o aumento do preço de uma especialidade farmacêutica depende de autorização prévia, referem‑se ao «preço aplicável à especialidade farmacêutica em questão» e ao «preço da especialidade farmacêutica». Daí resulta que o legislador da União entendeu afastar qualquer dúvida quanto ao facto de esses artigos apenas serem aplicáveis a medidas que visam especialidades farmacêuticas individualmente consideradas.

29

Acresce que quando o legislador da União pretendeu que uma disposição da Diretiva 89/105 vise tanto as medidas de alcance geral como as medidas individuais de congelamento do preço, procurou que o teor dessa disposição o indicasse claramente. Assim, o artigo 6.o dessa diretiva, que estabelece as disposições processuais aplicáveis aquando da inclusão de especialidades farmacêuticas na lista dos produtos abrangidos pelo sistema nacional de seguro de saúde, visa, nos seus n.os 1 a 5, os pedidos de inclusão de «uma especialidade farmacêutica», ao passo que o seu n.o 6 prevê as disposições especiais relativas às decisões que tenha por objeto excluir dessa lista «uma categoria de especialidades farmacêuticas».

30

Por conseguinte, ao referir‑se ao conceito de «congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105, o legislador da União excluiu do âmbito de aplicação desse artigo 4.o as medidas individuais de congelamento de preços.

31

À luz das considerações precedentes, há que responder à questão apresentada que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias» não se aplica a uma medida cuja finalidade é controlar os preços de determinadas especialidades farmacêuticas individualmente consideradas.

Quanto às despesas

32

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 89/105/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, relativa à transparência das medidas que regulamentam a formação do preço das especialidades farmacêuticas para uso humano e a sua inclusão nos sistemas nacionais de seguro de saúde,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

o conceito de «congelamento dos preços das especialidades farmacêuticas ou de algumas das suas categorias» não se aplica a uma medida cuja finalidade é controlar os preços de determinadas especialidades farmacêuticas individualmente consideradas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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