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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0372

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 25 de novembro de 2021.
    QY contra Finanzamt Österreich.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzgericht.
    Reenvio prejudicial — Artigos 45.o e 48.o TFUE — Livre circulação dos trabalhadores — Igualdade de tratamento — Prestações familiares concedidas aos cooperantes que se fazem acompanhar pelos membros da sua família no país terceiro ao qual foram afetados — Supressão — Artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE — Atos jurídicos da União — Alcance dos regulamentos — Regulamentação nacional cujo âmbito de aplicação pessoal é mais amplo do que o do regulamento — Requisitos — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 11.o, n.o 3, alíneas a) e e) — Âmbito de aplicação — Trabalhadora por conta de outrem nacional de um Estado‑Membro contratada na qualidade de cooperante por um empregador estabelecido noutro Estado‑Membro e enviada em missão para um país terceiro — Artigo 68.o, n.o 3 — Direito do requerente de prestações familiares de apresentar um pedido único à instituição do Estado‑Membro prioritariamente competente ou à instituição do Estado‑Membro competente a título subsidiário.
    Processo C-372/20.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:962

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

    25 de novembro de 2021 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Artigos 45.o e 48.o TFUE — Livre circulação dos trabalhadores — Igualdade de tratamento — Prestações familiares concedidas aos cooperantes que se fazem acompanhar pelos membros da sua família no país terceiro ao qual foram afetados — Supressão — Artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE — Atos jurídicos da União — Alcance dos regulamentos — Regulamentação nacional cujo âmbito de aplicação pessoal é mais amplo do que o do regulamento — Requisitos — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 11.o, n.o 3, alíneas a) e e) — Âmbito de aplicação — Trabalhadora por conta de outrem nacional de um Estado‑Membro contratada na qualidade de cooperante por um empregador estabelecido noutro Estado‑Membro e enviada em missão para um país terceiro — Artigo 68.o, n.o 3 — Direito do requerente de prestações familiares de apresentar um pedido único à instituição do Estado‑Membro prioritariamente competente ou à instituição do Estado‑Membro competente a título subsidiário»

    No processo C‑372/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesfinanzgericht (Tribunal Tributário Federal, Áustria), por Decisão de 30 de julho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de agosto de 2020, no processo

    QY

    contra

    Finanzamt Österreich, anteriormente Finanzamt für den 8., 16. und 17. Bezirk in Wien,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

    composto por: J. Passer, presidente da Sétima Secção, exercendo funções de presidente da Oitava Secção, F. Biltgen (relator) e N. Wahl, juízes,

    advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll, E. Samoilova e A. Posch, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e D. Martin, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.os 2 e 3, TUE, dos artigos 4.o, n.o 4, 45.o, 208.o e 288.o TFUE, dos artigos 7.o, 11.o, n.o 3, alíneas a) e e), 67.o e 68.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança (JO 2004, L 166, p. 1, e retificação no JO 2004, L 200, p. 1), dos artigos 11.o e 60.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 (JO 2009, L 284, p. 1), e do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO 2011, L 141, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a recorrente no processo principal, QY, ao Finanzamt Österreich (Administração Tributária da Áustria), anteriormente Finanzamt für den 8., 16. und 17. Bezirk in Wien (Repartição de Finanças de Viena para o 8.o, 16.o e 17.o distritos, Áustria) (a seguir «Administração Tributária»), relativamente à recusa desta última de lhe conceder abonos de família.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento n.o 883/2004

    3

    Os considerandos 12 e 16 do Regulamento n.o 883/2004 têm a seguinte redação:

    «(12)

    Atendendo ao princípio da proporcionalidade, importa evitar que o princípio da equiparação de factos ou acontecimentos conduza a resultados objetivamente injustificados ou à cumulação de prestações da mesma natureza pelo mesmo período.

    […]

    (16)

    No interior da Comunidade, não se justifica, em princípio, fazer depender os direitos em matéria de segurança social do lugar de residência dos interessados. Todavia, em casos específicos, nomeadamente no que respeita a prestações especiais que estão relacionadas com o contexto económico e social do interessado, o lugar de residência pode ser tido em conta.»

    4

    Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, alínea z), desse regulamento:

    «“Prestação familiar”, qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no Anexo I.»

    5

    O artigo 2.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação pessoal», enuncia, no seu n.o 1:

    «O presente regulamento aplica‑se aos nacionais de um Estado‑Membro, aos apátridas e refugiados residentes num Estado‑Membro que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou mais Estados‑Membros, bem como aos seus familiares e sobreviventes.»

    6

    O artigo 3.o, n.o 1, do mesmo regulamento dispõe:

    «O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

    […]

    j) Prestações familiares.»

    7

    O artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, com a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

    «Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro.»

    8

    O artigo 5.o desse regulamento, com a epígrafe «Igualdade de tratamento de prestações, de rendimentos e de factos», tem a seguinte redação:

    «Salvo disposição em contrário do presente regulamento e tendo em conta as disposições especiais de aplicação, aplicam‑se as seguintes disposições:

    a)

    Se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, o benefício das prestações de segurança social e de outros rendimentos produzir determinados efeitos jurídicos, as disposições relevantes dessa legislação são igualmente aplicáveis em caso de benefício de prestações equivalentes auferidas ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro ou de rendimentos auferidos noutro Estado‑Membro;

    b)

    Se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, forem atribuídos efeitos jurídicos à ocorrência de certos factos ou acontecimentos, esse Estado‑Membro deve ter em conta os factos ou acontecimentos semelhantes correspondentes ocorridos noutro Estado‑Membro, como se tivessem ocorrido no seu próprio território.»

    9

    O artigo 7.o do referido regulamento está redigido da seguinte forma:

    «Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as prestações pecuniárias devidas nos termos da legislação de um ou mais Estados‑Membros ou do presente regulamento não devem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou apreensão pelo facto de o beneficiário ou os seus familiares residirem num Estado‑Membro que não seja aquele em que se situa a instituição responsável pela concessão das prestações.»

    10

    Nos termos do artigo 11.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Regras gerais»:

    «1.   As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente Título.

    […]

    3.   Sem prejuízo dos artigos 12.o a 16.o:

    a)

    A pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado‑Membro;

    b)

    O funcionário público está sujeito à legislação do Estado‑Membro de que dependa a administração que o emprega;

    c)

    A pessoa que receba prestações por desemprego nos termos do artigo 65.o ao abrigo da legislação do Estado‑Membro de residência está sujeita à legislação desse Estado‑Membro;

    d)

    A pessoa chamada, uma ou mais vezes, para o serviço militar ou para o serviço civil de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado‑Membro;

    e)

    Outra pessoa à qual não sejam aplicáveis as alíneas a) a d) está sujeita à legislação do Estado‑Membro de residência, sem prejuízo de outras disposições do presente regulamento que lhe garantam prestações ao abrigo da legislação de um ou mais outros Estados‑Membros.

    […]»

    11

    Os artigos 12.o a 16.o do Regulamento n.o 883/2004 preveem as regras especiais aplicáveis às pessoas objeto de um destacamento (artigo 12.o), às pessoas que exercem atividades em dois ou mais Estados‑Membros (artigo 13.o), às pessoas que optaram por um seguro voluntário ou um seguro facultativo continuado (artigo 14.o), aos agentes contratuais das instituições europeias (artigo 15.o), bem como as exceções aos artigos 11.o a 15.o desse regulamento (artigo 16.o).

    12

    Os artigos 67.o e 68.o do referido regulamento figuram no capítulo 8, sob a epígrafe «Prestações familiares», do título III do mesmo. Sob a epígrafe «Familiares que residam noutro Estado‑Membro», este artigo 67.o dispõe:

    «Uma pessoa tem direito às prestações familiares nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, incluindo para os seus familiares que residam noutro Estado‑Membro, como se estes últimos residissem no primeiro Estado‑Membro. Todavia, um titular de pensão tem direito às prestações familiares em conformidade com a legislação do Estado‑Membro competente no que respeita à pensão.»

    13

    O artigo 68.o do Regulamento n.o 883/2004, intitulado «Regras de prioridade em caso de cumulação», está redigido nos seguintes termos:

    «1.   Quando, em relação ao mesmo período e aos mesmos familiares, estejam previstas prestações nos termos das legislações de mais do que um Estado‑Membro, aplicam‑se as seguintes regras de prioridade:

    a)

    No caso de prestações devidas por mais do que um Estado‑Membro a diversos títulos, a ordem de prioridade é a seguinte: em primeiro lugar, os direitos adquiridos a título de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria, em seguida os direitos adquiridos a título do benefício de pensões e, por último, os direitos adquiridos a título da residência;

    b)

    No caso de prestações devidas por mais do que um Estado‑Membro a um mesmo título, a ordem de prioridade é estabelecida por referência aos seguintes critérios subsidiários:

    i)

    No caso de direitos adquiridos a título de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria: o lugar de residência dos descendentes, desde que exista tal atividade, e subsidiariamente, se for caso disso, o montante mais elevado de prestações previsto nas legislações em causa. Neste último caso, o encargo das prestações é repartido de acordo com os critérios a estabelecer no regulamento de aplicação;

    ii)

    No caso de direitos adquiridos a título do benefício de pensões: o lugar de residência dos descendentes, desde que seja devida uma pensão nos termos dessa legislação, e subsidiariamente, se for caso disso, o período mais longo de seguro ou de residência cumprido ao abrigo das legislações em causa,

    iii)

    No caso de direitos adquiridos a título da residência: o lugar de residência dos descendentes.

    2.   Em caso de cumulação de direitos, as prestações familiares são concedidas em conformidade com a legislação designada como prioritária nos termos do n.o 1. Os direitos a prestações familiares devidas nos termos da ou das outras legislações em causa são suspensos até ao montante previsto na primeira legislação e é concedido um complemento diferencial, se for caso disso, relativamente à parte que excede esse montante. Todavia, esse complemento diferencial pode não ser concedido a descendentes residentes noutro Estado‑Membro caso o direito à prestação em causa seja adquirido com base exclusivamente na residência.

    3.   Se, ao abrigo do artigo 67.o, for apresentado um requerimento de prestações familiares à instituição competente de um Estado‑Membro cuja legislação é aplicável mas não prioritária nos termos dos n.os 1 e 2 do presente artigo:

    a)

    Essa instituição envia de imediato o requerimento à instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação seja prioritariamente aplicável; informa do facto o interessado e, sem prejuízo das disposições do regulamento de aplicação relativas à concessão provisória de prestações, concede, se necessário, o complemento diferencial referido no n.o 2;

    b)

    A instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação seja prioritariamente aplicável trata o requerimento como se este lhe tivesse sido diretamente apresentado, devendo a data em que o requerimento foi apresentado à primeira instituição ser considerada como a data de apresentação do requerimento à instituição prioritária.»

    Regulamento n.o 987/2009

    14

    O artigo 11.o do Regulamento n.o 987/2009 dispõe:

    «1.   Em caso de divergência entre as instituições de dois ou mais Estados‑Membros quanto à determinação da residência de uma pessoa à qual é aplicável o [Regulamento n.o 883/2004], estas instituições estabelecem de comum acordo o centro de interesses da pessoa interessada, com base numa avaliação global de todos os elementos disponíveis relacionados com factos relevantes, que podem incluir, conforme o caso:

    a)

    A duração e a continuidade da presença no território dos Estados‑Membros em causa;

    b)

    A situação pessoal do interessado, incluindo:

    i)

    a natureza e as características específicas de qualquer atividade exercida, em especial o local em que a atividade é habitualmente exercida, a natureza estável da atividade e a duração de qualquer contrato de trabalho;

    ii)

    a sua situação familiar e os laços familiares;

    iii)

    o exercício de qualquer atividade não remunerada;

    iv)

    no caso dos estudantes, a fonte de rendimentos;

    v)

    a situação relativa à habitação, em especial a sua natureza permanente;

    vi)

    o Estado‑Membro em que a pessoa é considerada residente para efeitos fiscais.

    2.   Quando a consideração dos diferentes critérios, baseados em factos relevantes enunciados no n.o 1, não permitir às instituições em causa chegar a acordo, a vontade da pessoa, tal como se revela a partir de tais factos e circunstâncias, em especial os motivos que a levaram a mudar‑se, é considerada determinante para estabelecer o seu lugar efetivo de residência.»

    15

    O artigo 60.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 987/2009 prevê:

    «2.   A instituição a que é apresentado um requerimento nos termos do n.o 1 examina esse requerimento com base nas informações pormenorizadas apresentadas pelo requerente, tendo em conta os elementos de facto e de direito que caracterizam a situação da família do requerente.

    Se a instituição concluir que a legislação do seu Estado‑Membro é prioritariamente aplicável nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], concede as prestações familiares nos termos da legislação por si aplicada.

    Se a instituição considerar que pode haver direito a um complemento diferencial por força da legislação de outro Estado‑Membro, nos termos do n.o 2 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], transmite de imediato o requerimento à instituição competente do outro Estado‑Membro e informa o interessado; além disso, informa a instituição do outro Estado‑Membro da sua decisão sobre o requerimento e do montante das prestações familiares pagas.

    3.   Se a instituição à qual é apresentado o pedido concluir que a sua legislação é aplicável, embora não prioritariamente de acordo com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], deve tomar sem demora uma decisão provisória sobre as regras de prioridade aplicáveis e transmitir o pedido, nos termos do n.o 3 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], à instituição do outro Estado‑Membro, informando também o requerente. Essa instituição dispõe de dois meses para tomar posição sobre a decisão provisória.

    Se a instituição à qual foi apresentado o pedido não tomar uma posição no prazo de dois meses a contar da receção do mesmo, a decisão provisória acima referida deve aplicar‑se e a instituição deve pagar as prestações previstas na sua legislação e informar a instituição à qual o pedido foi apresentado do montante das prestações pagas.»

    Regulamento n.o 492/2011

    16

    O artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 492/2011 dispõe:

    «1.   O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

    2.   O trabalhador referido no n.o 1 beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.»

    Direito austríaco

    17

    O § 4, n.o 1, da Allgemeines Sozialversicherungsgesetz (Código da Segurança Social), de 9 de setembro de 1955 (BGBl., 189/1955), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, prevê:

    «Estão cobertos (integralmente cobertos) ao abrigo da presente lei federal, pelo seguro de doença, pelo seguro de acidentes e pelo seguro de pensões, quando o emprego em causa não esteja excluído da cobertura integral nos termos dos artigos 5.o e 6.o nem confira apenas uma cobertura parcial nos termos do artigo 7.o:

    […]

    (9) o pessoal da cooperação para o desenvolvimento a que se refere o § 2 da [Bundesgesetz über den Personaleinsatz im Rahmen der Zusammenarbeit mit Entwicklungsländern (Entwicklungshelfergesetz) Lei Federal sobre a Afetação de Pessoal no Âmbito da Cooperação com os Países em Desenvolvimento (Lei Relativa aos Trabalhadores Humanitários)], de 10 de novembro de 1983 (BGBl. 574/1983)].»

    18

    Em conformidade com o § 13, n.o 1, da Lei Relativa aos Trabalhadores Humanitários, em vigor até 31 de dezembro de 2018 e posteriormente revogado:

    «Os membros do pessoal e os membros da sua família que com eles coabitam, desde que sejam cidadãos austríacos ou pessoas a eles equiparadas pelo direito da União, são tratados, durante a preparação e a missão, no que respeita ao direito a prestações do fundo de compensação dos abonos de família e ao crédito de imposto por filho a cargo nos termos do artigo 33.o, n.o 3, da [Einkommensteuergesetz 1988 (Lei de 1988 Relativa ao Imposto sobre o Rendimento)] em cada uma das versões aplicáveis, como se não residissem de forma permanente no país da missão.»

    19

    O § 26, n.os 1 e 2, do Bundesabgabenordnung (Código Federal dos Impostos), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «BAO»), dispõe:

    «1.   Na aceção das disposições fiscais, uma pessoa tem residência no local onde possui uma habitação em circunstâncias que indicam que a vai manter e utilizar.

    2.   Na aceção das disposições fiscais, uma pessoa tem residência habitual no local onde se encontra em circunstâncias que indicam que não se vai manter apenas temporariamente nesse lugar ou país.

    3.   Os cidadãos austríacos que têm uma relação de serviço com um organismo público e cujo local de trabalho se situa no estrangeiro (funcionários públicos destacados) são tratados como se tivessem a sua residência habitual nas instalações da direção do serviço. O mesmo se diga do cônjuge, desde que o casal viva permanentemente em comunhão de habitação, e dos seus filhos menores que façam parte do seu agregado familiar.»

    20

    Em conformidade com o § 1 da Bundesgesetz betreffend den Familienlastenausgleich durch Beihilfen (Lei Relativa à Compensação dos Encargos Familiares), de 24 de outubro de 1967 (BGBl., 376/1967), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «FLAG»), as prestações previstas são «concedidas com vista à compensação dos encargos no interesse da família».

    21

    Por força do § 2, n.o 1, da FLAG, as pessoas que tenham o seu domicílio ou a sua residência habitual no território austríaco têm direito aos abonos de família para os filhos menores.

    22

    O § 2, n.o 8, da FLAG prevê que apenas as pessoas que tenham o centro dos seus interesses no território austríaco têm direito a abono de família. O centro de interesses de uma pessoa situa‑se no Estado com o qual esta tem as relações pessoais e económicas mais estreitas.

    23

    Por força do § 5, n.o 3, da FLAG, não há direito a abono de família para crianças que residem de forma permanente no estrangeiro.

    24

    O § 8 da FLAG regula os montantes dos abonos de família e estabelece, nos seus n.os 1 a 3, uma tabela em função do número de filhos e uma tabela em função da sua idade. Os abonos de família são majorados a intervalos regulares ao abrigo de uma decisão do Verfassungsgerichtshof (Tribunal Constitucional, Áustria).

    25

    O § 53 da FLAG está redigido da seguinte forma:

    «(1)   No âmbito da presente lei federal, os nacionais das partes no [Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3)] são, na medida em que tal resulte do referido acordo, equiparados aos nacionais austríacos. Neste contexto, a residência permanente de um menor num Estado do Espaço Económico Europeu deve, em conformidade com as disposições comunitárias, ser equiparada a uma residência permanente de um menor na Áustria.

    […]

    (4)   O n.o 1, segundo período, não é aplicável no que respeita ao § 8a, n.os 1 a 3.

    (5)   O § 26.o, n.o 3, do BAO […] aplica‑se até 31 de dezembro de 2018 no que respeita às prestações referidas na presente lei federal. A partir de 1 de janeiro de 2019, o § 26, n.o 3, do BAO só se aplica às prestações referidas na presente lei federal para as pessoas que exercem uma atividade em nome de uma entidade territorial.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    26

    A recorrente no processo principal e os seus três filhos, os quatro cidadãos alemães, têm o seu domicílio registado na Alemanha. O cônjuge da recorrente no processo principal, pai dos três filhos, é nacional brasileiro e nunca teve domicílio registado na Alemanha.

    27

    Desde 2002, a recorrente no processo principal trabalha como cooperante. Entre 2013 e 2016 a família residiu alternadamente na Alemanha e no Brasil, onde o marido da recorrente no processo principal possui bens imóveis e onde trabalhava como agricultor.

    28

    Em 6 de setembro de 2016, a recorrente no processo principal celebrou um contrato de trabalho com uma organização não‑governamental austríaca. Nos termos desse contrato, o lugar de afetação da recorrente no processo principal era em Viena (Áustria) e os membros da sua família, bem como ela própria, estavam cobertos pela Wiener Gebietskrankenkasse (Caixa de Previdência da região de Viena, Áustria). Após ter feito um curso preparatório em Viena entre 6 de setembro e 21 de outubro de 2016, a recorrente no processo principal iniciou uma missão no Uganda em 31 de outubro de 2016. Esta missão, em que a sua família a acompanhou, durou até 15 de agosto de 2019 e só foi interrompida, entre 17 de outubro de 2017 e 7 de fevereiro de 2018, devido ao nascimento do terceiro filho da recorrente no processo principal. Durante esta interrupção, residiu em divisões colocadas à sua disposição na habitação dos seus pais na Alemanha e recebeu um subsídio de parto pago pela Caixa de Previdência da região de Viena. De 15 de agosto a 15 de setembro de 2019, ou seja, no último mês antes do fim do seu contrato de trabalho, a recorrente no processo principal beneficiou de um período de reintegração em Viena. Durante este período, tal como durante o seu curso preparatório, a recorrente no processo principal dispunha de um domicílio em Viena que tinha sido colocado à sua disposição pelo empregador mediante determinadas condições, no sentido de que só podia utilizá‑lo, com a sua família, durante o estágio de formação e o período de reintegração. Durante as missões no estrangeiro da recorrente no processo principal a habitação em questão era posta à disposição de outros cooperantes. Durante esses períodos, a recorrente no processo principal, bem como os seus filhos e o seu marido estavam inscritos na Áustria a título do seu domicílio principal.

    29

    Quando a recorrente no processo principal exercia as suas funções como cooperante, o seu marido, que a acompanhava nas suas missões no estrangeiro, encarregava‑se de tarefas domésticas. Durante o período em que esteve em funções a recorrente no processo principal passava as suas férias na Alemanha, onde possui contas bancárias.

    30

    Até setembro de 2016 a recorrente no processo principal beneficiou de um abono de família, pago pela autoridade alemã competente, pelos seus dois primeiros filhos. Por decisão desta autoridade de 26 de setembro de 2016, este abono foi anulado, com o fundamento de que a República da Áustria era competente para as prestações familiares, tendo em conta o facto de a recorrente no processo principal passar a trabalhar na Áustria, e de o seu marido não exercer uma atividade profissional na Alemanha.

    31

    Em 5 de outubro de 2016 a recorrente no processo principal apresentou um pedido de abono de família à Administração Tributária para os seus dois primeiros filhos e, em 8 de janeiro de 2018, um mesmo pedido para o seu terceiro filho. Alegou que a sua família não tinha residência comum na Alemanha ou no Brasil, uma vez que todos os seus membros a acompanhavam habitualmente aos seus locais de afetação, quando das suas missões no estrangeiro. Quando a recorrente no processo principal apresentou esses pedidos, o seu local de afetação era o Uganda.

    32

    A Administração Tributária indeferiu os pedidos da recorrente no processo principal com o fundamento de que esta não tinha direito às prestações familiares austríacas, dado que a sua atividade de cooperante era exercida num país terceiro. Por conseguinte, não exerce uma atividade por conta de outrem na Áustria, na aceção do artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, e não é, portanto, abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento. Além disso, o apartamento da recorrente no processo principal em Viena não constitui uma «residência», nem permite uma «estada», na aceção do artigo 1.o, alíneas j) e k), do referido regulamento, o que tem como consequência que a República da Áustria não é o Estado‑Membro de residência, na aceção do artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do mesmo regulamento. Além disso, a recorrente no processo principal também não tem direito às prestações familiares nos termos das disposições nacionais.

    33

    A recorrente no processo principal interpôs recurso destas decisões, alegando que a República da Áustria é o Estado‑Membro em que exercia uma atividade por conta de outrem, na aceção do artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, uma vez que, nos termos do seu contrato de trabalho, Viena era o seu local de afetação. Além disso, as suas instruções foram‑lhe fornecidas a partir de Viena e o curso preparatório, bem como o mês de reintegração, decorreram igualmente nesta cidade. Além disso, estava registada em Viena e o centro dos seus interesses estava aí localizado.

    34

    Nestas condições, o Bundesfinanzgericht (Tribunal Tributário Federal, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento (CE) n.o 883/2004 ser interpretado no sentido de que abrange uma situação em que uma trabalhadora, que tem a nacionalidade de um Estado‑Membro no qual reside com os seus filhos, celebra com um empregador estabelecido noutro Estado‑Membro uma relação de trabalho como cooperante, que está sujeita ao regime de seguro obrigatório nos termos da legislação do Estado da sede, sendo destacada pelo empregador para um país terceiro, não imediatamente após a sua contratação, mas após ter completado um período preparatório e após ter regressado ao Estado da sede para um período de reintegração?

    2)

    Uma disposição legislativa de um Estado‑Membro como o § 53, n.o 1, da FLAG, que, entre outros aspetos, ordena autonomamente a equiparação com os cidadãos nacionais, viola a proibição de transposição de regulamentos na aceção do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE?

    A terceira e a quarta questões aplicam‑se no caso de a situação da requerente ser abrangida pelo artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 883/2004 e de o direito da União apenas exigir a concessão de prestações familiares ao Estado‑Membro de residência.

    3)

    A proibição de discriminação em razão da nacionalidade, prevista no artigo 45.o, n.o 2, TFUE e consagrada, a título subsidiário, no artigo 18.o TFUE, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição nacional como o § 13, n.o 1, da […] (Lei Relativa aos Trabalhadores Humanitários), na redação aplicável até 31 de dezembro de 2018 […], que associa o direito a prestações familiares no Estado‑Membro que não é competente nos termos do direito da União ao facto de o cooperante ter tido o centro dos seus interesses ou a sua residência habitual no território do Estado‑Membro da sede antes do início da sua atividade, devendo este requisito ser também satisfeito pelos cidadãos nacionais?

    4)

    Deve o artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 60.o, n.os 2 e 3, do Regulamento [n.o 987/2009], ser interpretado no sentido de que a instituição do Estado‑Membro que a requerente presumiu ser o Estado de emprego prioritariamente competente e no qual foi apresentado o pedido de prestações familiares, cuja legislação não é aplicável nem prioritária nem subordinadamente, mas [na qual] está previsto um direito a prestações familiares ao abrigo de uma norma de direito nacional alternativa, deve aplicar por analogia as disposições relativas à obrigação de transmitir o pedido, de prestar informações, de tomar uma decisão provisória sobre as regras de prioridade aplicáveis e de concessão de uma prestação pecuniária provisória?

    5)

    A obrigação de tomar uma decisão provisória sobre as regras de prioridade aplicáveis aplica‑se apenas à [Administração Tributária] na qualidade de instituição ou também ao tribunal administrativo no qual foi interposto um recurso?

    6)

    Em que momento é que o tribunal administrativo é obrigado a tomar uma decisão provisória sobre as regras de prioridade aplicáveis?

    A sétima questão aplica‑se no caso de a situação da [recorrente no processo principal] ser abrangida pelo artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 e o direito da União exigir que o Estado de emprego e o Estado‑Membro de residência concedam conjuntamente as prestações familiares.

    7)

    A expressão “[a] instituição envia o requerimento […]” constante do artigo 68.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento 883/2004 e a expressão “transmite […] o requerimento” constante do artigo 60.o do Regulamento n.o 987/2009 devem ser interpretadas no sentido de que estas disposições estabelecem uma ligação de tal forma próxima entre a instituição do Estado‑Membro com competência prioritária e a instituição do Estado‑Membro com competência subsidiária que ambos os Estados‑Membros devem tratar em conjunto um (como numeral) requerimento de prestações familiares, ou o pagamento suplementar por parte da instituição do Estado‑Membro cuja legislação deva ser aplicada de forma subordinada deve ser requerido separadamente pelo requerente, devendo este apresentar dois requerimentos físicos (formulários) junto de duas instituições de dois Estados‑Membros, os quais, pela sua natureza, dão origem a prazos diferentes?

    A oitava e a nona questões aplicam‑se ao período a partir de 1 de janeiro de 2019, quando a Áustria, a par da introdução da indexação dos abonos de família, eliminou a concessão do abono de família para cooperantes ao revogar o § 13, n.o 1, da [Lei Relativa aos Trabalhadores Humanitários].

    8)

    Devem os artigos 4.o, n.o 4, 45.o, 208.o TFUE, o artigo 4.o, n.o 3, TUE e os artigos 2.o, 3.o e 7.o, bem como [as disposições d]o título II do Regulamento n.o 883/2004 ser interpretados no sentido de que, em regra, proíbem um Estado‑Membro de eliminar as prestações familiares para os cooperantes que se fazem acompanhar dos membros das suas famílias no local de intervenção no país terceiro?

    Nona questão, em alternativa:

    9)

    Devem os artigos 4.o, n.o 4, 45.o, 208.o, TFUE, o artigo 4.o, n.o 3, TUE e os artigos 2.o, 3.o e 7.o, bem como [as disposições d]o título II do Regulamento n.o 883/2004 ser interpretados no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, garantem a um cooperante, que já adquiriu um direito a prestações familiares em relação a períodos anteriores, a manutenção individual e concreta desse direito por determinados períodos de tempo apesar de o Estado‑Membro ter eliminado a concessão de prestações familiares para cooperantes?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    35

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que uma trabalhadora por conta de outrem nacional de um Estado‑Membro do qual ela própria e os seus filhos são residentes, que está vinculada por um contrato de trabalho na qualidade de cooperante por um empregador que tem a sua sede social noutro Estado‑Membro, que é abrangida, ao abrigo da legislação desse outro Estado‑Membro, pelo regime de segurança social obrigatório deste último, que é afetada a um país terceiro não imediatamente após o seu recrutamento, mas no termo de um estágio de formação no referido outro Estado‑Membro, e que a ele regressa em seguida para uma fase de reintegração, exerce uma atividade por conta de outrem nesse Estado‑Membro, na aceção dessa disposição, ou se, não sendo esse o caso, a situação dessa trabalhadora é abrangida pelo artigo 11.o, n.o 3, alínea e), desse regulamento.

    36

    Para responder a esta questão, importa, antes de mais, recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a mera circunstância de as atividades de um trabalhador serem exercidas fora do território da União não basta para afastar a aplicação das regras da União sobre a livre circulação dos trabalhadores, nomeadamente o Regulamento n.o 883/2004, desde que a relação de trabalho mantenha uma conexão suficientemente estreita com esse território (Acórdão de 8 de maio de 2019, Inspecteur van de Belastingdienst, C‑631/17, EU:C:2019:381, n.o 22 e jurisprudência referida).

    37

    Uma conexão suficientemente estreita entre a relação de trabalho em causa e o território da União decorre, nomeadamente, da circunstância de um cidadão da União, residente num Estado‑Membro, ter sido contratado por uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro por conta da qual exerce as suas atividades (Acórdão de 8 de maio de 2019, Inspecteur van de Belastingdienst, C‑631/17, EU:C:2019:381, n.o 23 e jurisprudência referida).

    38

    No caso em apreço, e tendo em conta os elementos contidos no pedido de decisão prejudicial, há que constatar que existe uma conexão suficientemente estreita entre a relação de trabalho em causa no processo principal e o território da União, mais especificamente com o território austríaco. Com efeito, o empregador da demandante no processo principal está estabelecido na Áustria e foi neste Estado‑Membro que efetuou um período de formação antes da sua missão no Uganda, bem como um período de reintegração após esta última. Além disso, o contrato de trabalho foi celebrado em conformidade com o direito austríaco, a recorrente no processo principal está coberta pelo regime de segurança social austríaco e cumpre as suas missões no âmbito da ajuda ao desenvolvimento fornecida pela República da Áustria. Estes elementos são igualmente pertinentes para efeitos da aplicação do princípio da unicidade da legislação aplicável enunciado no artigo 11.o do Regulamento n.o 883/2004.

    39

    Em seguida, no que respeita, mais precisamente, à questão de saber se se deve considerar que uma pessoa como a recorrente no processo principal exerceu a sua atividade por conta de outrem «num Estado‑Membro», no caso em apreço a República da Áustria, na aceção do artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, ou se é abrangida pelo artigo 11.o, n.o 3, alínea e), deste regulamento, importa recordar que esta última disposição reveste a natureza de norma residual, que se destina a ser aplicada a todas as pessoas que se encontram numa situação não especificamente regulada por outras disposições do referido regulamento, e a instituir um sistema completo de determinação da legislação aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Inspecteur van de Belastingdienst, C‑631/17, EU:C:2019:381, n.o 31).

    40

    Tendo em conta esta subsidiariedade, há que examinar se a hipótese referida na alínea a) do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2004 corresponde, nomeadamente, a uma situação como a que está em causa no processo principal, entendendo‑se, desde logo, que as previstas nas alíneas b) a d) desse n.o 3 não têm nenhuma relação com tal situação.

    41

    A este respeito, no caso em apreço, embora se afigure, à primeira vista, que a recorrente no processo principal não exerceu a sua atividade «num Estado‑Membro», uma vez que estava em funções no Uganda, não é menos verdade que decorre dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que antes da sua partida em missão, e após esta última, a recorrente no processo principal trabalhou no território austríaco, onde o seu empregador está estabelecido, aí dispondo mesmo de um alojamento de serviço. Além disso, a recorrente no processo principal, os seus filhos e o seu marido tinham o seu domicílio principal na Áustria durante a vigência do contrato de trabalho e beneficiavam de uma cobertura social pela Caixa de Previdência da região de Viena.

    42

    Mesmo admitindo que a recorrente no processo principal tivesse tido, como alegou a Administração Tributária no órgão jurisdicional de reenvio, a sua residência no território de outro Estado‑Membro, uma situação assim caracterizada apresenta semelhanças com a situação em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 29 de junho de 1994, Aldewereld (C‑60/93, EU:C:1994:271), relativo à interpretação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2), que o Regulamento n.o 883/2004 revogou e substituiu. Este processo dizia respeito ao trabalhador de uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro que não o seu Estado de residência, que exercia as suas atividades fora do território da União. Ora, no n.o 24 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, nessa situação, a «legislação do Estado‑Membro de residência do trabalhador não pode ser aplicada, já que essa legislação não apresenta qualquer elemento de conexão com a relação de trabalho, contrariamente à legislação do Estado em que o empregador está estabelecido, que deve, por isso, aplicar‑se».

    43

    Daqui resulta que, não obstante a circunstância de, na prática, o trabalho para o qual a recorrente no processo principal foi contratada pelo seu empregador austríaco se efetuar fora do território da União, e ela ter conservado vínculos ao seu país de origem, isto é, a República Federal da Alemanha, dispondo aí de uma habitação disponibilizada pelos seus pais, há que considerar que o artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado exclusivamente no sentido de que designa a legislação do Estado‑Membro do seu empregador, ou seja, a legislação austríaca, como sendo a única a que a recorrente deve estar sujeita, sem ser necessário recorrer à norma subsidiária estabelecida na alínea e) desse n.o 3.

    44

    Nestas condições, há que responder à primeira questão que o artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que uma trabalhadora por conta de outrem nacional de um Estado‑Membro do qual ela própria e os seus filhos são residentes, que está vinculada por um contrato de trabalho na qualidade de cooperante por um empregador que tem a sua sede social noutro Estado‑Membro, que é abrangida, ao abrigo da legislação desse outro Estado‑Membro, pelo regime de segurança social obrigatório deste último, que é afetada a um país terceiro não imediatamente após o seu recrutamento, mas no termo de um estágio de formação no referido outro Estado‑Membro, e que a ele regressa em seguida para uma fase de reintegração, exerce uma atividade por conta de outrem nesse Estado‑Membro, na aceção dessa disposição.

    Quanto à segunda questão

    45

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à adoção, por um Estado‑Membro, de uma regulamentação nacional cujo âmbito de aplicação pessoal é mais amplo do que o do Regulamento n.o 883/2004, na medida em que prevê uma equiparação dos nacionais dos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «Acordo EEE») aos seus próprios nacionais.

    46

    Resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE se opõe a uma disposição nacional como o artigo 53.o, n.o 1, da FLAG, na medida em que, como resulta do n.o 11 do Acórdão de 10 de outubro de 1973, Variola (34/73, EU:C:1973:101), tal disposição nacional é suscetível de ocultar aos particulares o direito da União diretamente aplicável e, assim, comprometer efetivamente o monopólio de interpretação do direito da União conferido ao Tribunal de Justiça.

    47

    A este respeito, afigura‑se oportuno recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora, devido à sua própria natureza e à sua função no sistema das fontes do direito da União, as disposições dos regulamentos produzam, regra geral, um efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais adotem medidas de aplicação, algumas das suas disposições podem necessitar, para serem implementadas, da adoção de medidas de aplicação por parte dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.os 39 e 40, e jurisprudência referida).

    48

    Os Estados‑Membros podem adotar medidas de aplicação de um regulamento desde que não criem obstáculos à sua aplicabilidade direta, desde que não dissimulem a sua natureza comunitária e desde que precisem o exercício da margem de apreciação que lhes é conferida por esse regulamento embora respeitando os limites das suas disposições (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.o 41 e jurisprudência referida).

    49

    No caso em apreço, e sem que o Tribunal de Justiça se deva pronunciar sobre a questão de saber se uma disposição como o § 53, n.o 1, da FLAG é, ou não, uma medida de implementação do Regulamento n.o 883/2004, basta constatar que, de qualquer modo, a aplicabilidade direta desse regulamento tem por efeito permitir aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar a conformidade da medida nacional com o conteúdo do referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 1979, Eridania‑Zuccherifici nazionali e Società italiana per l'industria degli zuccheri, 230/78, EU:C:1979:216, n.o 34), e, sendo caso disso, não aplicar a referida medida para assegurar o primado do direito da União, ou seja, no processo principal, do Regulamento n.o 883/2004.

    50

    Por conseguinte, o direito da União não se opõe à adoção de uma disposição como o § 53, n.o 1, da FLAG, desde que, todavia, esta disposição nacional seja interpretada em conformidade com o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e que o primado deste último não seja posto em causa.

    51

    Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à adoção, por um Estado‑Membro, de uma regulamentação nacional cujo âmbito de aplicação pessoal é mais amplo do que o do Regulamento n.o 883/2004, na medida em que prevê uma equiparação dos nacionais dos Estados partes no Acordo EEE aos seus próprios nacionais, desde que essa regulamentação seja interpretada em conformidade com este regulamento e que o primado deste último não seja posto em causa.

    Quanto à terceira e quarta questões

    52

    Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à terceira e quarta questões.

    Quanto à quinta e sexta questões

    53

    Com a quinta e sexta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a obrigação prevista no artigo 60.o, n.o 3, do Regulamento n.o 987/2009, de tomar uma decisão provisória no que respeita à legislação nacional prioritariamente aplicável, incumbe unicamente à instituição nacional competente a quem foi submetido o pedido de prestações familiares, ou também ao órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer de um recurso neste contexto e, na afirmativa, em que momento este deve tomar essa decisão.

    54

    A título liminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual por ele definido sob sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial submetido por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 25 e jurisprudência referida).

    55

    No caso em apreço, há que constatar que resulta do pedido de decisão prejudicial que, no âmbito do litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio já tomou uma decisão a título provisório, ordenando à instituição austríaca competente que transmitisse o pedido de prestações familiares em causa no processo principal ao seu homólogo alemão e que iniciasse um diálogo com este último.

    56

    Esta decisão assenta manifestamente numa aplicação por analogia do artigo 60.o, n.o 3, do Regulamento n.o 987/2009, quando resulta paradoxalmente do pedido de decisão prejudicial que esse órgão jurisdicional considera, por um lado, que não é competente para adotar tal decisão provisória e, por outro, que não existe uma disposição aplicável em caso de recurso como o que está em causa no processo principal.

    57

    Ora, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio já tomou essa decisão e que esta é suscetível de produzir todos os seus efeitos, ainda que a título provisório, a quinta questão deixou de ser pertinente para a solução do litígio no processo principal e é, portanto, hipotética.

    58

    Esta conclusão é corroborada pelo facto de, como resulta da resposta à primeira questão, a República da Áustria dever, no caso em apreço, ser considerada o Estado‑Membro prioritariamente competente, por força do artigo 68.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, para conceder as prestações familiares em causa no processo principal, pelo que as autoridades austríacas não são obrigadas a tomar, com base no artigo 60.o, n.o 3, do Regulamento n.o 987/2009, uma decisão provisória quanto à legislação nacional prioritariamente aplicável. Nestas condições, a questão de saber se o órgão jurisdicional de reenvio deve tomar essa decisão «a título provisório» em vez das autoridades austríacas é de natureza hipotética e deve, logo, ser declarada inadmissível.

    59

    A inadmissibilidade da quinta questão implica a inadmissibilidade da sexta, uma vez que esta última assenta na premissa de uma resposta afirmativa à quinta questão.

    60

    Tendo em conta o que precede, há que julgar a quinta e sexta questões inadmissíveis.

    Quanto à sétima questão

    61

    Com a sua sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 68.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 60.o do Regulamento n.o 987/2009 devem ser interpretados no sentido de que vinculam reciprocamente a instituição do Estado‑Membro prioritariamente competente e a instituição do Estado‑Membro competente a título subsidiário, pelo que o requerente de prestações familiares deve apresentar um único pedido a uma dessas instituições e que cabe, em seguida, a essas duas instituições tratar conjuntamente o referido pedido, ou se o requerente deve apresentar dois pedidos distintos a estas duas instituições.

    62

    A este respeito, há que salientar que, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2004, se for apresentado um pedido de prestações familiares à instituição competente de um Estado‑Membro cuja legislação é aplicável mas não prioritária nos termos dos n.os 1 e 2 desse artigo, «[e]ssa instituição envia de imediato o requerimento à instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação seja prioritariamente aplicável; informa do facto o interessado e, sem prejuízo das disposições do regulamento de aplicação relativas à concessão provisória de prestações, concede, se necessário, o complemento diferencial referido no n.o 2» e «[a] instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação seja prioritariamente aplicável trata o requerimento como se este lhe tivesse sido diretamente apresentado, devendo a data em que o requerimento foi apresentado à primeira instituição ser considerada como a data de apresentação do requerimento à instituição prioritária».

    63

    A redação do artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2004 enuncia assim em termos claros que, quando é apresentado um pedido de prestações familiares à instituição competente de um Estado‑Membro cuja legislação não seja prioritária, esta deve transmitir imediatamente o pedido à instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação é prioritariamente aplicável e deve informar o requerente desse facto. Em tal hipótese, esta segunda instituição é obrigada a tratar o pedido em questão como se este lhe tivesse sido submetido diretamente na data em que foi apresentado à primeira instituição.

    64

    Resulta também claramente da redação do artigo 60.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 987/2009 que, se a instituição a que é apresentado um requerimento nos termos do n.o 1 do mesmo artigo concluir «que a legislação do seu Estado‑Membro é prioritariamente aplicável nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], concede as prestações familiares nos termos da legislação por si aplicada» e que, se considerar que a sua legislação é aplicável, mas não é prioritária, «deve tomar sem demora uma decisão provisória sobre as regras de prioridade aplicáveis e transmitir o pedido, nos termos do n.o 3 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], à instituição do outro Estado‑Membro, informando também o requerente».

    65

    Decorre, portanto, tanto do artigo 68.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 como do artigo 60.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 987/2009 que o requerente deve apresentar um único pedido a uma única instituição competente. Esta última, consoante considere ser competente de modo prioritário ou subsidiário, tem a obrigação, no primeiro caso, de conceder ela própria as prestações familiares pedidas e, no segundo caso, de transferir o pedido em questão para a instituição competente do Estado‑Membro que considera ser prioritariamente competente, com vista a assegurar o tratamento imediato desse pedido de prestações familiares.

    66

    Tendo em conta o que precede, há que responder à sétima questão que o artigo 68.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 60.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 987/2009 devem ser interpretados no sentido de que vinculam reciprocamente a instituição do Estado‑Membro prioritariamente competente e a instituição do Estado‑Membro competente a título subsidiário, pelo que o requerente de prestações familiares deve apresentar um único pedido a uma dessas instituições e que cabe, em seguida, a essas duas instituições tratar conjuntamente o referido pedido.

    Quanto à oitava e nona questões

    67

    Com a oitava e nona questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 4.o, n.o 4, e os artigos 45.o e 208.o TFUE, o artigo 4.o, n.o 3, TUE, e os artigos 2.o, 3.o, 7.o e as disposições do título II do Regulamento n.o 883/2004 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro suprima, de maneira geral, as prestações familiares que até então concedia aos cooperantes que se fazem acompanhar pelos membros da sua família no país terceiro ao qual foram afetados.

    68

    Para responder a esta questão, importa recordar, no que respeita ao artigo 45.o TFUE, por um lado, que qualquer nacional da União, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que tenha exercido o direito de livre circulação de trabalhadores e uma atividade profissional noutro Estado‑Membro, é abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C‑385/00, EU:C:2002:750, n.o 76 e jurisprudência referida).

    69

    Embora o artigo 45.o TFUE se oponha a qualquer medida que, mesmo aplicável sem discriminação relativa à nacionalidade, seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade fundamental de circulação garantida por este artigo, o referido artigo não concede a um trabalhador que se desloque para um Estado‑Membro diferente do seu Estado‑Membro de origem o direito de usufruir, no Estado‑Membro de acolhimento, da mesma cobertura social de que beneficiava no seu Estado‑Membro de origem em conformidade com a legislação deste último Estado (Acórdão de 19 de setembro de 2019, van den Berg e o., C‑95/18 e C‑96/18, EU:C:2019:767, n.o 57 e jurisprudência referida).

    70

    No que se refere, por um lado, ao artigo 48.o TFUE, que prevê um sistema de coordenação das legislações dos Estados‑Membros, e não da sua harmonização, as diferenças substanciais e processuais entre os regimes de segurança social de cada Estado‑Membro e, por conseguinte, nos direitos das pessoas por eles cobertas não são afetadas por essa disposição, continuando cada Estado‑Membro a ser competente para determinar, na sua legislação, no respeito do direito da União, os requisitos de concessão das prestações de um regime de segurança social (Acórdão de 19 de setembro de 2019, van den Berg e o., C‑95/18 e C‑96/18, EU:C:2019:767, n.o 59 e jurisprudência referida).

    71

    Há que acrescentar que o Regulamento n.o 883/2004 não organiza já um regime comum de segurança social, mas permite que subsistam regimes nacionais distintos e tem por único objetivo assegurar uma coordenação entre estes últimos para garantir o exercício efetivo da livre circulação de pessoas. Assim, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros conservam a sua competência para organizar os seus sistemas de segurança social (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2020, Bundesagentur für Arbeit, C‑29/19, EU:C:2020:36, n.o 39 e jurisprudência referida).

    72

    Todavia, no exercício desta competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União e, em particular, as disposições do Tratado FUE relativas à liberdade que é reconhecida a qualquer cidadão da União de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros (Acórdão de 23 de janeiro de 2020, Bundesagentur für Arbeit, C‑29/19, EU:C:2020:36, n.o 41 e jurisprudência referida).

    73

    No caso em apreço, importa, por conseguinte, examinar se a República da Áustria não violou estas disposições quando decidiu suprimir o direito às prestações familiares que concedia até então aos cooperantes que se fazem acompanhar pelos membros da sua família no país terceiro ao qual foram afetados.

    74

    A este respeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que esta supressão decidida pelo legislador austríaco tem caráter geral e é aplicável de forma indiferenciada tanto aos beneficiários nacionais desse Estado‑Membro como aos nacionais dos outros Estados‑Membros, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    75

    Não se afigura, pois, que a referida supressão, ocorrida a partir de 1 de janeiro de 2019, dê origem a uma discriminação direta em função da nacionalidade.

    76

    Quanto a uma possível discriminação indireta baseada na nacionalidade dos trabalhadores em causa, em função do Estado‑Membro da sua residência ou dos membros da sua família, importa observar quem nem as disposições do Regulamento n.o 883/2004, mais particularmente os seus artigos 7.o e 67.o que têm em vista evitar que um Estado‑Membro possa fazer depender a concessão ou o montante de prestações familiares da residência dos membros da família do trabalhador no Estado‑Membro que concede a prestação (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 1995, Imbernon Martínez, C‑321/93, EU:C:1995:306, n.o 21), nem o artigo 45.o TFUE preveem que o direito à livre circulação dos trabalhadores se aplica fora do território da União. Bem pelo contrário, resulta da redação clara do artigo 45.o TFUE que a livre circulação dos trabalhadores «fica assegurada na União».

    77

    A supressão das prestações familiares para os cooperantes residentes com a sua família num país terceiro não é, portanto, suscetível de constituir uma discriminação indireta no território da União se, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o tratamento aplicado a esses agentes a partir de 1 de janeiro de 2019 em matéria de prestações familiares não diferir consoante tenham ou não exercido o seu direito à livre circulação ao terem deixado o seu Estado‑Membro de origem para se instalarem na Áustria, dependendo exclusivamente da questão de saber se os filhos dos cooperantes em causa residem num país terceiro ou noutro Estado‑Membro, incluindo a Áustria.

    78

    Esta constatação não é posta em causa pelo facto de os cooperantes que já adquiriram o direito a prestações familiares por períodos passados o terem perdido na sequência da entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2019, da nova legislação, uma vez que não se afigura que a perda desse direito seja devida ao exercício do seu direito à livre circulação, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    79

    A este respeito, importa acrescentar, por um lado, que nenhum ensinamento pertinente para a resposta a estas questões pode ser retirado dos Acórdãos de 12 de junho de 1980, Laterza (733/79, EU:C:1980:156) e de 26 de novembro de 2009, Slanina (C‑363/08, EU:C:2009:732), uma vez que os processos que deram origem a esses acórdãos não são comparáveis, nem de direito nem de facto, à situação em causa no processo principal, conforme descrita no pedido de decisão prejudicial. Com efeito, nesses processos estavam em causa alterações de direitos adquiridos na sequência do exercício, no território da União, do direito à livre circulação por parte de um nacional da União. Ora, no caso em apreço, a alteração legislativa diz respeito aos cooperantes que estão em funções e cujos filhos com eles residem fora do território da União.

    80

    Por outro lado, a possibilidade, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de a supressão dos abonos de família para os cooperantes poder entravar a livre circulação dos trabalhadores e, eventualmente, torná‑la menos atrativa, ou mesmo implicar uma diminuição da procura para a profissão de «cooperante», ainda que se deva verificar na prática, não pode, em todo o caso, estar na origem de uma situação contrária aos artigos 45.o e 48.o TFUE. Com efeito, como resulta dos n.os 71 e 72 do presente acórdão, estas disposições não preveem uma harmonização dos regimes de segurança social dos Estados‑Membros, uma vez que estes conservam a sua competência para organizar, no respeito do direito da União, os seus sistemas de segurança social, e o Tratado FUE não garante aos trabalhadores que a extensão das suas atividades em mais de um Estado‑Membro ou a sua transferência para outro Estado‑Membro sejam neutras em matéria de segurança social. Tendo em conta as disparidades entre as legislações de segurança social dos Estados‑Membros, essa extensão ou essa transferência podem, consoante o caso, ser mais ou menos vantajosas ou desvantajosas para o trabalhador, no plano da proteção social. Daqui resulta que, mesmo quando a sua aplicação seja menos favorável, essa legislação é conforme com as disposições dos artigos 45.o e 48.o TFUE se não puser em desvantagem o trabalhador em causa relativamente aos que exercem todas as suas atividades no Estado‑Membro onde ela se aplica, ou relativamente aos que já anteriormente a ela estavam sujeitos, e se não conduzir pura e simplesmente ao pagamento de contribuições para a segurança social sem nenhuma contraprestação (Acórdão de 14 de março de 2019, Vester, C‑134/18, EU:C:2009:212, n.o 32 e jurisprudência referida).

    81

    Tendo em conta estas considerações, há que responder à oitava e nona questões que os artigos 45.o e 48.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro suprima, de maneira geral, as prestações familiares que até então concedia aos cooperantes que se fazem acompanhar pelos membros da sua família num país terceiro ao qual foram afetados, desde que, por um lado, essa supressão seja aplicável de forma indiferenciada tanto aos beneficiários nacionais desse Estado‑Membro como aos beneficiários nacionais dos outros Estados‑Membros e, por outro, que a referida supressão implique uma diferença de tratamento entre os cooperantes em causa não consoante tenham ou não exercido o seu direito à livre circulação antes ou depois dela, mas consoante os seus filhos residam com eles num Estado‑Membro ou num país terceiro.

    Quanto às despesas

    82

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que uma trabalhadora por conta de outrem nacional de um Estado‑Membro do qual ela própria e os seus filhos são residentes, que está vinculada por um contrato de trabalho na qualidade de cooperante por um empregador que tem a sua sede social noutro Estado‑Membro, que é abrangida, ao abrigo da legislação desse outro Estado‑Membro, pelo regime de segurança social obrigatório deste último, que é afetada a um país terceiro não imediatamente após o seu recrutamento, mas no termo de um estágio de formação no referido outro Estado‑Membro, e que a ele regressa em seguida para uma fase de reintegração, exerce uma atividade por conta de outrem nesse Estado‑Membro, na aceção dessa disposição.

     

    2)

    O artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à adoção, por um Estado‑Membro, de uma regulamentação nacional cujo âmbito de aplicação pessoal é mais amplo do que o do Regulamento n.o 883/2004, na medida em que prevê uma equiparação dos nacionais dos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, aos seus próprios nacionais, desde que essa regulamentação seja interpretada em conformidade com este regulamento e que o primado deste último não seja posto em causa.

     

    3)

    O artigo 68.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 60.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho,| de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004, devem ser interpretados no sentido de que vinculam reciprocamente a instituição do Estado‑Membro prioritariamente competente e a instituição do Estado‑Membro competente a título subsidiário, pelo que o requerente de prestações familiares deve apresentar um único pedido a uma dessas instituições e que cabe, em seguida, a essas duas instituições tratar conjuntamente o referido pedido.

     

    4)

    Os artigos 45.o e 48.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro suprima, de maneira geral, as prestações familiares que até então concedia aos cooperantes que se fazem acompanhar pelos membros da sua família num país terceiro ao qual foram afetados, desde que, por um lado, essa supressão seja aplicável de forma indiferenciada tanto aos beneficiários nacionais desse Estado‑Membro como aos beneficiários nacionais dos outros Estados‑Membros e, por outro, que a referida supressão implique uma diferença de tratamento entre os cooperantes em causa não consoante tenham ou não exercido o seu direito à livre circulação antes ou depois dela, mas consoante os seus filhos residam com eles num Estado‑Membro ou num país terceiro.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua de processo: alemão.

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