Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex
Documento 62019CJ0054
Judgment of the Court (Grand Chamber) of 6 October 2021.#Axa Mediterranean Holding, SA v European Commission.#Appeal – State aid – Article 107(1) TFEU – Tax system – Corporate tax provisions allowing undertakings which are tax resident in Spain to amortise the goodwill resulting from the acquisition of shareholdings in companies which are tax resident outside that Member State – Concept of ‘State aid’ – Condition relating to selectivity – Reference system – Derogation – Difference in treatment – Justification for the difference in treatment.#Case C-54/19 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de outubro de 2021.
Axa Mediterranean Holding SA contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.°, n.° 1, TFUE — Regime fiscal — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal no estrangeiro — Conceito de “auxílio de Estado” — Requisito relativo à seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento.
Processo C-54/19 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de outubro de 2021.
Axa Mediterranean Holding SA contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.°, n.° 1, TFUE — Regime fiscal — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal no estrangeiro — Conceito de “auxílio de Estado” — Requisito relativo à seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento.
Processo C-54/19 P.
Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:796
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
6 de outubro de 2021 ( *1 )
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Regime fiscal — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas fiscalmente domiciliadas em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades fiscalmente domiciliadas fora desse Estado‑Membro — Conceito de “auxílio de Estado” — Requisito de seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento»
No processo C‑54/19 P,
que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de janeiro de 2019,
Axa Mediterranean Holding SA, com sede em Palma de Mallorca (Espanha), representada por J. L. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro, R. Calvo Salinero e A. Lamadrid de Pablo, abogados,
recorrente,
sendo a outra parte no processo:
Comissão Europeia, representada por R. Lyal, B. Stromsky, C. Urraca Caviedes e P. Němečková, na qualidade de agentes,
demandada em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Arabadjiev, M. Vilaras, E. Regan, M. Ilešič, A. Kumin e N. Wahl (relator), presidentes de secção D. Šváby, S. Rodin, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos, P. G. Xuereb e I. Jarukaitis, juízes,
advogado‑ geral: G. Pitruzzella,
secretária: L. Carrasco Marco, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 7 de setembro de 2020,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 21 de janeiro de 2021,
profere o presente
Acórdão
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1 |
Com o presente recurso, a Axa Mediterranean Holding SA, pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 15 de novembro de 2018, Axa Mediterranean/Comissão (T‑405/11, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:780), pelo qual este último negou provimento ao recurso de anulação do artigo 1.o, n.o 1, e, a título subsidiário, do artigo 4.o da Decisão 2011/282/CE da Comissão, de 12 de janeiro de 2011, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras n.o C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 135, p. 1, a seguir «decisão controvertida»). |
I. Antecedentes do litígio
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2 |
Os antecedentes do litígio, que foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 12 do acórdão recorrido, podem ser resumidos da seguinte forma. |
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3 |
Em 10 de outubro de 2007, na sequência de várias perguntas escritas que lhe tinham sido colocadas ao longo dos anos de 2005 e 2006, por deputados do Parlamento Europeu e de uma denúncia de um operador privado que lhe tinha sido dirigida em 2007, a Comissão Europeia decidiu dar início ao procedimento formal de investigação, previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativamente ao dispositivo previsto no artigo 12.o, n.o 5, introduzido na Ley del Impuesto sobre Sociedades (Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades) pela Ley 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei 24/2001, Relativa à Adoção de Medidas Fiscais, Administrativas e de Ordem Social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.o 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e retomado pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, Relativo à Aprovação do Texto Reformulado da Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951, a seguir «medida controvertida»). |
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4 |
A medida controvertida prevê que, caso uma empresa sujeita a tributação em Espanha adquira participações numa «sociedade estrangeira», quando essa aquisição de participações for de pelo menos 5 % e a participação em causa seja detida de modo ininterrupto durante pelo menos um ano, o goodwill financeiro daí resultante pode ser deduzido, sob a forma de amortização, da matéria coletável do imposto sobre as sociedades de que a empresa for devedora. Esclarece‑se nesta medida que, para ser qualificada de «empresa estrangeira», uma sociedade deve estar sujeita a um imposto idêntico ao imposto aplicável em Espanha e os seus rendimentos devem provir essencialmente da realização de atividades no estrangeiro. |
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5 |
A Comissão encerrou o procedimento, no que se refere às aquisições de participações ocorridas na União Europeia, com a Decisão 2011/5/CE, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48, a seguir «Decisão de 28 de outubro de 2009»). |
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6 |
Com essa decisão, a Comissão declarou a medida controvertida, que consiste num benefício fiscal que permite às sociedades espanholas amortizar o goodwill resultante das aquisições de participações em empresas estrangeiras, incompatível com o mercado comum, quando aplicada às aquisições de participações em sociedades estabelecidas na União. |
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7 |
No entanto, a Comissão manteve aberto o procedimento aberto quanto às aquisições de participações realizadas fora da União, uma vez que as autoridades espanholas se comprometeram a fornecer elementos adicionais relativos aos obstáculos às fusões transfronteiriças existentes fora da União, aos quais tinham feito referência. |
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8 |
Em 12 de janeiro de 2011, a Comissão adotou a decisão controvertida. Com essa decisão, que foi corrigida em 3 de março e em 26 de novembro de 2011, a Comissão declarou, nomeadamente, a medida controvertida incompatível com o mercado interno, uma vez que se aplicava às aquisições de participações em empresas estabelecidas fora da União (artigo 1.o, n.o 1) e ordenou ao Reino de Espanha que procedesse à recuperação dos auxílios concedidos (artigo 4.o). |
II. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido
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9 |
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de julho de 2011, a recorrente interpôs recurso de anulação do artigo 1.o, n.o 1, e, a título subsidiário, do artigo 4.o da decisão controvertida. |
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10 |
O processo esteve suspenso entre 13 de março e 7 de novembro de 2014, data em que o Tribunal Geral proferiu o Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938) e anulou a decisão controvertida. O processo esteve novamente suspenso entre 9 de março de 2015 e 21 de dezembro de 2016, data em que o Tribunal de Justiça se pronunciou nos processos que deram origem ao Acórdão Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, a seguir «Acórdão WDFG, EU:C:2016:981). |
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11 |
Com o Acórdão WDFG, o Tribunal de Justiça anulou os Acórdãos de 7 de novembro de 2014Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), e de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), remeteu os processos ao Tribunal Geral, reservou para final a decisão quanto às despesas e condenou a República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha a suportarem as suas próprias despesas. |
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12 |
Por Decisão do presidente da Nona Secção alargada do Tribunal Geral de 8 de dezembro de 2017, ouvidas as partes, os processos T‑405/11, Axa Mediterranean/Comissão, T‑227/10, Banco Santander/Comissão, e T‑406/11, Prosegur Compañía de Seguridad/Comissão, foram apensados para efeitos da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. |
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13 |
Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pela recorrente. |
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14 |
Indeferindo os três fundamentos relativos, o primeiro, à falta de seletividade da medida controvertida (n.os 31 a 227 do acórdão recorrido), o segundo, a um erro na identificação do beneficiário da medida controvertida (n.os 228 a 249 do acórdão recorrido) e, o terceiro, a uma violação do princípio da confiança legítima (n.os 250 a 344 do acórdão recorrido), o Tribunal Geral declarou que havia que negar provimento ao recurso na íntegra, sem que fosse necessário pronunciar‑se quanto à sua admissibilidade, todavia posta em causa pela Comissão (n.os 29 e 346 do acórdão recorrido). |
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15 |
No que respeita, mais especificamente, ao primeiro fundamento, o Tribunal Geral recordou, em primeiro lugar, que, conforme decorre do Acórdão WDFG, uma medida fiscal que concede uma vantagem cuja concessão depende da realização de uma operação económica pode ser seletiva, incluindo quando, tendo em conta as características da operação em causa, qualquer empresa pode livremente optar por realizar essa operação (n.os 73 a 85 do acórdão recorrido). |
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16 |
Em segundo lugar, o Tribunal Geral examinou a medida controvertida com base nas três etapas do método de análise da seletividade de uma medida fiscal nacional, apresentada nos n.os 56 e 57 do acórdão recorrido, a saber, antes de mais, a identificação do regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, em seguida, a apreciação da questão de saber se a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse sistema comum, numa situação factual e jurídica comparável, e, por último, a apreciação da questão de saber se essa derrogação se justifica pela natureza e pela sistemática desse regime. |
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17 |
No que respeita à primeira etapa, o Tribunal Geral declarou que o quadro de referência definido na decisão controvertida, a saber, «o tratamento fiscal do goodwill» (n.o 88 do acórdão recorrido), constituía o sistema de referência relevante no caso em apreço, na medida em que, nomeadamente, as empresas que adquirem uma participação em sociedades não residentes, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo tratamento fiscal do goodwill, se encontram numa situação jurídica e factual comparável à das empresas que adquirem participações em sociedades residentes. Segundo esse órgão jurisdicional, o objetivo deste regime é garantir um certo paralelismo entre o tratamento contabilístico e o tratamento fiscal do goodwill de uma empresa resultante da aquisição de participações numa sociedade (n.os 112 a 118 do acórdão recorrido). O Tribunal Geral rejeitou assim a ideia de que a medida controvertida constitui um sistema de referência autónomo (n.os 122 a 136 do acórdão recorrido), pelo que julgou improcedente a alegação relativa à existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças (n.os 117, 134 e 137 do acórdão recorrido). |
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18 |
No que respeita à segunda etapa, o Tribunal Geral declarou que, na decisão controvertida, a Comissão tinha considerado justificadamente que a medida em causa tinha introduzido uma derrogação em relação ao regime normal. Assim, julgou improcedente a alegação de que a Comissão não tinha cumprido a sua obrigação de demonstrar que a aquisição de participações em sociedades residentes e em sociedades não residentes eram comparáveis atendendo ao objetivo de neutralidade fiscal prosseguido pela medida controvertida (n.os 138 a 160 do acórdão recorrido). |
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19 |
No que respeita à terceira etapa, o Tribunal Geral sublinhou que nenhum dos argumentos especificamente apresentados no caso em apreço permitia justificar a derrogação estabelecida por essa medida e, assim, a diferença de tratamento verificada (n.os 161 a 226 do acórdão recorrido). |
III. Pedidos das partes
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20 |
Com o seu recurso, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:
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21 |
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:
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IV. Quanto ao recurso da decisão do Tribunal Geral
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22 |
Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca um fundamento único, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, no que respeita ao requisito relativo à seletividade. Em substância, censura o Tribunal Geral por ter cometido um certo número de erros de direito na aplicação do método de análise em três etapas relativo à seletividade das medidas fiscais, conforme consagrado por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça. |
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23 |
A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que todas as seguintes condições estejam preenchidas. Em primeiro lugar, deve tratar se de uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão WDFG, n.o 53 e jurisprudência referida, e Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 27). |
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24 |
É facto assente que as medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, e que, apesar de não incluírem uma transferência de recursos do Estado, colocam os beneficiários numa situação mais favorável do que a dos outros contribuintes, são suscetíveis de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e constituem, por conseguinte, um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão WDFG, n.o 56, e Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 21 |
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25 |
No que respeita ao requisito relativo à seletividade da vantagem, inerente à qualificação de uma medida de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, único requisito impugnado pela Comissão no âmbito deste recurso, resulta de jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça que esse requisito implica determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável e que estão sujeitas a um tratamento diferenciado que, em substância, pode ser qualificado de discriminatório (Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 28 e jurisprudência referida). |
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26 |
A análise da questão de saber se tal medida tem caráter seletivo coincide, assim, em substância, com a de saber se a medida em causa se aplica de maneira não discriminatória a esse conjunto de operadores económicos (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 53). |
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27 |
Quando a medida em causa é encarada como um regime de auxílios e não como um auxílio individual, cabe à Comissão demonstrar que a mesma, ainda que preveja uma vantagem de alcance geral, é conferida em benefício exclusivo de certas empresas ou de certos setores de atividade (Acórdão WDFG, n.o 55 e jurisprudência referida). |
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28 |
Para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão deve identificar, num primeiro momento, o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, uma vez que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 36 e jurisprudência referida). |
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29 |
Todavia, o conceito de «auxílio de Estado» não abrange as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e que, por conseguinte, a priori são seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que esta diferenciação é justificada, por resultar da natureza ou da estrutura do sistema em que as referidas medidas se inserem (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 44 e jurisprudência referida). |
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30 |
Tendo em conta estas considerações há que examinar as diversas partes do fundamento único de recurso. |
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31 |
O fundamento único suscitado pela recorrente divide‑se em seis partes, que visam, em substância, em primeiro lugar, a definição do sistema de referência, em segundo lugar, a determinação do objetivo desse sistema a partir do qual se deve proceder à comparação na segunda etapa da análise da seletividade, em terceiro lugar, a distribuição do ónus da prova, em quarto lugar, o respeito do princípio da proporcionalidade, em quinto lugar, a existência de um nexo de causalidade entre a impossibilidade de fusão no estrangeiro e a aquisição de participações no estrangeiro, e em sexto lugar, o exame do caráter divisível da medida controvertida um função da percentagem de controlo. |
A. Quanto à primeira parte do fundamento único de recurso, relativa a erros cometidos na determinação do sistema de referência
1. Argumentação das partes
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32 |
A recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu diversos erros na determinação do sistema de referência. |
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33 |
Antes de mais, o Tribunal Geral utilizou um sistema de referência diferente do definido pela decisão controvertida, uma vez que descreveu o sistema de referência dessa decisão como o «tratamento fiscal do goodwill financeiro» (n.os 88 e 136 do acórdão recorrido). Na opinião da recorrente, estas duas «expressões» referem‑se a abordagens materialmente diferentes. A recorrente considera que, ao substituir a fundamentação da decisão controvertida pela sua própria e ao ter preenchido uma lacuna na fundamentação da decisão controvertida com a sua própria fundamentação, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito suscetível de implicar a anulação do acórdão recorrido. |
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34 |
Em seguida, foi de forma injustificada que o Tribunal Geral excluiu, no termo da análise que figura nos n.os 122 a 136 do acórdão recorrido, a ideia de que a medida controvertida podia constituir um sistema de referência autónomo. A este respeito, não só o Tribunal Geral substituiu o raciocínio que constava da decisão controvertida pelo seu próprio raciocínio, dado que esta última apenas se baseava na inexistência de obstáculos às fusões transfronteiriças, como também procedeu a uma apreciação juridicamente errada. Com efeito, o raciocínio do Tribunal Geral faz, nomeadamente, depender a definição do quadro de referência da técnica regulamentar utilizada. |
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35 |
Por último, e em todo o caso, o quadro de referência adotado pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido foi definido arbitrariamente e resultava de uma confusão entre uma exceção e uma regra geral. Em particular, nada permite compreender as razões pelas quais o Tribunal Geral declarou que o objetivo prosseguido era apenas o de «assegurar uma certa coerência entre o tratamento fiscal do goodwill e o seu tratamento contabilístico» (n.o 117 do acórdão recorrido). O Tribunal Geral também não explicou por que razão indicou que a inexistência de uma regra que impedia a amortização do goodwill financeiro em caso de aquisição de participações nacionais era, nada mais nada menos, do que a «regra geral» do vasto sistema de referência que definiu (n.o 131 do acórdão recorrido). Referindo‑se, nomeadamente, à abordagem adotada no processo que deu origem ao Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505), no qual o Tribunal de Justiça declarou que não se podia considerar que a medida em causa nesse processo constituía uma exceção a uma regra geral, a recorrente considera que o quadro de referência foi definido no caso em apreço de forma redutora, pelo que o acórdão recorrido devia ser anulado. |
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36 |
A Comissão contesta a argumentação da recorrente. Considera, a título principal, que os argumentos apresentados são, no essencial, inadmissíveis, uma vez que o recurso para o Tribunal Geral não continha nenhuma alegação relativa à existência de erros que afetassem a determinação do sistema de referência. Assim, autorizar a recorrente a apresentar novos argumentos no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça um litígio mais amplo do que o submetido ao Tribunal Geral. A título subsidiário, a Comissão alega que a argumentação da recorrente não tem fundamento. Com efeito, contrariamente ao que esta afirma, em primeiro lugar, o Tribunal Geral referiu‑se ao mesmo sistema de referência que o identificado na decisão controvertida, em segundo lugar, a medida controvertida não pode ser considerada um sistema de referência autónomo e, em terceiro lugar, o acórdão recorrido está suficientemente fundamentado. |
2. Apreciação do Tribunal de Justiça
a) Quanto à admissibilidade
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37 |
No que respeita à admissibilidade dos argumentos e elementos apresentados em apoio da parte em análise, que a Comissão contesta devido à alegada novidade dos argumentos apresentados em apoio dos pedidos da recorrente relativos à determinação do quadro de referência, importa recordar que, ao abrigo do artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o objeto do litígio perante o Tribunal Geral não pode ser alterado em sede de recurso. |
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38 |
Assim, nos termos de jurisprudência assente, a competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitada à apreciação da solução jurídica dada aos fundamentos e argumentos debatidos em primeira instância. Uma parte não pode, assim, invocar pela primeira vez no Tribunal de Justiça um fundamento que não invocou no Tribunal Geral, uma vez que isso equivaleria a permitir que a mesma submetesse ao Tribunal de Justiça, cuja competência em matéria de recursos de decisões do Tribunal Geral é limitada, um litígio mais alargado do que o submetido ao Tribunal Geral (Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 69 e jurisprudência referida). |
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39 |
Todavia, um recorrente pode interpor recurso de uma decisão do Tribunal Geral invocando, no Tribunal de Justiça, fundamentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a criticar juridicamente o seu mérito (Acórdãos de 29 de novembro de 2007, Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão, C‑176/06 P, não publicado, EU:C:2007:730, n.o 17, e de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 47). |
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40 |
No caso em apreço, resulta dos n.os 88 a 137 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral verificou se a Comissão tinha identificado corretamente o regime fiscal de referência no âmbito da primeira etapa da análise da seletividade. Nestas circunstâncias, em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral, os recorrentes podem pôr em causa os fundamentos do acórdão recorrido relativos a essa primeira etapa, independentemente da circunstância de em primeira instância não terem desenvolvido uma argumentação especificamente destinada a contestar a decisão controvertida quanto a este ponto. |
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41 |
Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.o 35 das suas Conclusões nos processos apensos World Duty Free Group e Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:51), não se pode deixar de observar que os argumentos apresentados pela recorrente contêm uma crítica precisa e circunstanciada dos fundamentos do acórdão recorrido e visam, em larga medida, contestar o respeito dos limites e as modalidades do exercício da fiscalização jurisdicional pelo Tribunal Geral, que não podiam, em todo o caso, ser suscitados perante este último. |
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42 |
Tendo em conta estas considerações, a primeira parte do fundamento único de recurso é admissível. |
b) Quanto ao mérito
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43 |
A determinação do quadro de referência reveste uma importância acrescida no caso das medidas fiscais, dado que a existência de uma vantagem económica, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, só pode ser afirmada em relação a uma tributação dita «normal». Assim, a determinação do conjunto das empresas que se encontram numa situação factual e jurídica comparável depende da definição prévia do regime jurídico à luz de cujo objetivo deve, se necessário, ser examinada a comparabilidade da situação factual e jurídica respetiva das empresas beneficiadas pela medida em causa e das que não o são [Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 55 e 60, e de 28 de junho de 2018Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.os 88 e 89]. |
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44 |
Por conseguinte, para efeitos da apreciação do caráter seletivo de uma medida fiscal de alcance geral, importa que o regime fiscal comum ou sistema de referência aplicável no Estado‑Membro em causa esteja corretamente identificado na decisão da Comissão e seja examinado pelo juiz chamado a conhecer de uma contestação relativa a essa identificação. Uma vez que a determinação do sistema de referência constitui o ponto de partida de um exame comparativo que deve ser efetuado no contexto da apreciação da seletividade de um regime de auxílio, um erro cometido nessa determinação vicia necessariamente toda a análise do requisito relativo à seletividade [v., neste sentido, Acórdãos de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 107, e de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201 , n.o 46]. |
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45 |
Neste contexto, importa antes de mais esclarecer, a título preliminar, que a determinação do quadro de referência, que deve ser efetuada no termo de um debate contraditório com o Estado‑Membro em causa, deve decorrer de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas aplicáveis por força do direito nacional desse Estado. A este respeito a seletividade de uma medida fiscal não pode ser apreciada com base num quadro de referência constituído por algumas disposições do direito nacional do Estado‑Membro em causa que foram artificialmente retiradas de um quadro legislativo mais alargado [Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 103]. |
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46 |
Por conseguinte, como em substância salientou o advogado‑geral no n.o 49 das suas Conclusões nos processos apensos World Duty Free Group e Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:51), quando a medida fiscal em questão é inseparável do sistema geral de tributação do Estado‑Membro em causa, é a esse sistema que se deve fazer referência. Em contrapartida, quando se afigura que essa medida é claramente destacável do referido sistema geral, não é de excluir que o quadro de referência a ter em conta seja mais restrito do que o referido sistema geral, ou até mesmo que o mesmo se identifique com a própria medida, quando esta se apresente como uma regra dotada de uma lógica jurídica autónoma e seja impossível identificar um conjunto normativo coerente fora dessa medida. |
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47 |
Em seguida, uma vez que, fora dos domínios em que o direito fiscal da União é objeto de harmonização, é o Estado‑Membro em causa que define, pelo exercício das suas competências exclusivas em matéria de fiscalidade direta, as características constitutivas do imposto, a determinação do sistema de referência ou do regime fiscal «normal», a partir do qual há que analisar o requisito relativo à seletividade, deve ter em conta as referidas características (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 38 e 39). |
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48 |
Além disso, importa recordar que, na medida em que a determinação do quadro de referência deve proceder de um exame objetivo do conteúdo e da articulação das regras aplicáveis por força do direito nacional, não há, nesta primeira etapa do exame da seletividade, que ter em conta os objetivos prosseguidos pelo legislador na adoção da medida sujeita a exame. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou repetidamente que a finalidade prosseguida pelas intervenções estatais não basta para as fazer escapar à qualificação de «auxílio» na aceção do artigo 107.o TFUE, dado que esta disposição não procede a uma distinção em função das causas ou dos objetivos das intervenções estatais, antes definindo essas intervenções em função dos respetivos efeitos (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.os 84 e 85, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 48). |
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49 |
Por último, é necessário que a operação de identificação das regras que devem compor o sistema de referência seja feita segundo critérios objetivos, nomeadamente para permitir um controlo jurisdicional das apreciações em que essa operação se baseia. Compete à Comissão ter em conta os elementos eventualmente apresentados pelo Estado‑Membro em causa e, mais genericamente, proceder à sua análise de forma rigorosa e suficientemente fundamentada, a fim de permitir um controlo jurisdicional completo. |
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50 |
É tendo em conta estas considerações que há que apreciar o mérito da argumentação da recorrente relativa à determinação do sistema de referência, enquanto primeira etapa e premissa necessária da análise da seletividade. Assim, como decorre dos n.os 32 a 35 do presente acórdão, a recorrente sustenta em substância que o Tribunal Geral cometeu erros de direito, em primeiro lugar, ao proceder a uma substituição dos fundamentos da decisão controvertida quanto à definição do sistema de referência adotado, em segundo lugar, ao excluir que a medida controvertida possa, por si só, ser considerada um sistema de referência autónomo e ao proceder a uma substituição de fundamentos a este respeito e, em terceiro lugar, ao definir esse sistema de forma arbitrária. |
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Importa assim examinar sucessivamente estas três alegações. |
1) Quanto à existência de um erro de direito na determinação do sistema de referência (primeira alegação da primeira parte do fundamento único de recurso)
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Com a primeira alegação da primeira parte do seu fundamento único de recurso, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na determinação do sistema de referência ao substituir pelo seu próprio sistema de referência o sistema adotado pela Comissão na decisão controvertida. Apesar de esta última ter designado as regras relativas ao tratamento fiscal do goodwill financeiro como constituindo o sistema de referência, o Tribunal Geral, baseando‑se numa análise materialmente diferente, incluiu ainda neste sistema o tratamento fiscal do goodwill«não financeiro». A recorrente refere‑se, em especial, aos n.os 88 e 136 do acórdão recorrido. |
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53 |
A este respeito, há que recordar que, no âmbito da fiscalização da legalidade, referida no artigo 263.o TFUE, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral têm competência para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder. O artigo 264.o TFUE prevê que, se o recurso for procedente, o ato impugnado é anulado. O Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral não podem, portanto, em todo o caso, substituir a fundamentação do autor do ato impugnado pela sua (Acórdãos de 27 de janeiro de 2000, DIR International Film e o./Comissão, C‑164/98 P, EU:C:2000:48, n.o 38, e de 4 de junho de 2020, Hungria/Comissão, C‑456/18 P, EU:C:2020:421, n.o 70 e jurisprudência referida). |
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54 |
Em contrapartida, exceto no caso em que nenhum elemento material o justifique, no âmbito de um recurso de anulação o Tribunal Geral pode ser levado a interpretar a fundamentação do ato impugnado de uma forma diferente da do seu autor, ou mesmo, em certas circunstâncias, a recusar a fundamentação formal apresentada por este (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de janeiro de 2000, DIR International Film e o./Comissão, C‑164/98 P, EU:C:2000:48, n.o 42, e de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 142). |
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55 |
No caso em apreço, como resulta dos n.os 66, 88, 119 e 136 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, para efeitos da sua apreciação da seletividade da medida controvertida, a Comissão tinha adotado o tratamento fiscal do «goodwill» como sistema de referência. Em especial, o Tribunal Geral salientou, no n.o 88 do acórdão recorrido, que a Comissão «não [tinha] circunscrito esse quadro unicamente ao tratamento fiscal do goodwill financeiro». Ora, como a recorrente acertadamente observou, a Comissão indicou, no considerando 118 da decisão controvertida, que o quadro adequado para a avaliação da medida controvertida era constituído pelas regras relativas ao tratamento fiscal do «goodwill financeiro». |
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Todavia, embora seja verdade que a terminologia adotada no acórdão recorrido diverge da utilizada na decisão controvertida, não se pode concluir que, ao utilizar essa terminologia, o Tribunal Geral tenha identificado um sistema de referência materialmente diferente do identificado pela Comissão ou que se tenha baseado numa fundamentação diferente da adotada pela Comissão na decisão controvertida para considerar que o tratamento fiscal do goodwill constituía o sistema de referência pertinente no caso em apreço. |
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Com efeito, como a Comissão alega, nas circunstâncias do caso em apreço, o tratamento do goodwill é totalmente equiparável ao do goodwill financeiro. |
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A este respeito, como o Tribunal Geral recordou no n.o 63 do acórdão recorrido, a Comissão excluiu expressamente, na decisão controvertida, em resposta, nomeadamente, aos argumentos formulados pelas autoridades espanholas quanto à identificação do sistema de referência, que o referido sistema devesse ser limitado ao tratamento fiscal do goodwill resultante da aquisição de uma participação numa sociedade estabelecida num país diferente do Reino de Espanha. Assim sendo, o Tribunal Geral sublinhou que, como resulta claramente do considerando 118 da decisão controvertida, a Comissão considerou que o quadro ou sistema de referência relevante era o regime geral espanhol do imposto sobre as sociedades e, mais precisamente, as regras relativas ao tratamento fiscal do goodwill financeiro definidas no referido regime fiscal, e que confirmava assim o sistema de referência adotado na Decisão de 28 de outubro de 2009. Ora, no considerando 89 desta última decisão, a Comissão indicou que a medida controvertida devia ser avaliada tendo em conta as disposições gerais do regime do imposto sobre as sociedades aplicáveis às situações em que o goodwill origina um benefício fiscal. Esclareceu, nessa decisão, que a sua posição se explicava pela constatação de que as situações em que o goodwill financeiro pode ser amortizado não abrangem toda a categoria de contribuintes que se encontram numa situação análoga de facto ou de direito. |
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Neste contexto, há que salientar que, como resulta do n.o 64 do acórdão recorrido, para identificar o sistema de referência, o Tribunal Geral baseou‑se, nomeadamente, nas constatações da Comissão nos considerandos 28, 29, 123 e 124 da decisão controvertida, segundo as quais o sistema de referência só previa a amortização do goodwill na hipótese de uma concentração de empresas, de modo que, ao permitir que o goodwill que seria contabilizado, se as empresas se tivessem concentrado fosse incluído, mesmo nos casos em que não tinha ocorrido uma concentração de empresas, a medida controvertida constituía uma exceção a esse sistema de referência. |
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60 |
Por outro lado, ao referir‑se também ao considerando 124 da decisão controvertida, o Tribunal Geral baseou‑se igualmente nas considerações da Comissão segundo as quais, na medida em que a amortização do goodwill que resulta da simples aquisição de participações só era autorizada no caso de aquisições de participações transfronteiriças, e não no caso de aquisições de participações nacionais, a medida controvertida introduzia, assim, uma diferença de tratamento entre as operações nacionais e as operações transfronteiriças, pelo que não podia ser considerada uma nova regra geral de pleno direito. |
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Resulta inequivocamente destas passagens da decisão controvertida, referidas no acórdão recorrido, que, como concluiu o Tribunal Geral, quando a Comissão designou as «regras relativas ao tratamento fiscal do goodwill financeiro» como sistema de referência, pretendeu remeter não só para as regras especificamente aplicáveis à amortização do goodwill em caso de aquisição de participações mas também para as regras do regime geral espanhol do imposto sobre as sociedades que regulam a amortização do goodwill em geral, uma vez que estas últimas regras fornecem, com efeito, um quadro de avaliação pertinente para as primeiras. |
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62 |
Daqui resulta que o Tribunal Geral se limitou, nos n.os 66, 88, 119 e 136 do acórdão recorrido, a proceder a uma interpretação da decisão controvertida quanto à definição do sistema de referência conforme com as indicações contidas nessa decisão e, por conseguinte, não procedeu a uma substituição dos fundamentos da referida decisão na aceção da jurisprudência recordada no n.o 53 do presente acórdão. Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito na determinação do sistema de referência. |
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63 |
Por conseguinte, a primeira alegação da primeira parte do fundamento único de recurso deve ser julgada improcedente. |
2) Quanto à recusa de considerar a medida controvertida um sistema de referência autónomo (segunda alegação da primeira parte do fundamento único de recurso)
i) Quanto à existência de uma substituição de fundamentos
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A recorrente censura o Tribunal Geral por ter substituído a fundamentação da decisão controvertida pela sua própria fundamentação, ao excluir que a medida controvertida pudesse constituir um sistema de referência de pleno direito. Com efeito, em substância, apesar de, nessa decisão, a Comissão ter rejeitado a hipótese de um sistema de referência autónomo constituído pela medida controvertida baseando‑se unicamente na alegada inexistência de obstáculos jurídicos às fusões transfronteiriças, o Tribunal Geral baseou‑se, nos n.os 123 a 136 do acórdão recorrido, numa argumentação diferente. |
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65 |
A este respeito, como foi salientado no n.o 58 do presente acórdão, há que recordar que o Tribunal Geral considerou que, do ponto de vista da Comissão, o sistema de referência não se podia limitar ao tratamento fiscal do goodwill financeiro instaurado pela medida controvertida, uma vez que essa medida só beneficiava as empresas que adquiriam participações em sociedades não residentes, e que, para apreciar a existência de uma discriminação relativamente às empresas que efetuavam o mesmo tipo de aquisições, mas em sociedades residentes, era necessário ter em conta disposições gerais do regime do imposto sobre as sociedades aplicáveis às situações em que o surgimento do goodwill conduzia a um benefício fiscal. |
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66 |
Por conseguinte, não se pode concluir que o Tribunal Geral procedeu a uma substituição dos fundamentos da decisão controvertida, esquecendo que, na realidade, a Comissão se baseou na inexistência de obstáculos às concentrações transfronteiriças para excluir que a medida controvertida pudesse constituir o sistema fiscal de referência. |
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Embora, como alega a recorrente, a Comissão se tenha efetivamente referido, nos considerandos 93 a 96 e 117 da Decisão de 28 de outubro de 2009, à alegada inexistência de obstáculos jurídicos às fusões transfronteiriças, limitou‑se, com essas referências, a tomar posição sobre as observações apresentadas pelas autoridades espanholas com vista, nomeadamente, a pôr em causa não só o sistema de referência tal como foi provisoriamente identificado na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação de 10 de outubro de 2007, mas também os elementos de comparação e de justificação possíveis a título da segunda e terceira etapas do exame de seletividade. |
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68 |
Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 65 das suas Conclusões nos processos apensos World Duty Free Group e Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:51), ao contrário do que sustenta a recorrente, não foi por não ter reconhecido obstáculos às concentrações transfronteiriças que a Comissão excluiu que a medida controvertida pudesse constituir o sistema de referência correto, e que devia ser tido em consideração para efeitos da análise da seletividade, mas sim porque entendeu que essa medida devia ser apreciada à luz de um conjunto de regras mais vasto, que incluía tanto as regras aplicáveis à amortização do goodwill financeiro em caso de aquisição de participações em sociedades residentes, como os princípios aplicáveis à amortização do goodwill em geral, com os quais, segundo a Comissão, essas regras se conformavam ao prever a dedutibilidade do goodwill apenas se a aquisição de participações fosse acompanhada de uma concentração de empresas. |
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69 |
Daqui decorre que é improcedente a alegação de que o Tribunal Geral procedeu, nos n.os 123 a 136 do acórdão recorrido, a uma substituição de fundamentos. |
ii) Quanto à existência de um erro de direito na recusa do Tribunal Geral em considerar a medida controvertida um sistema de referência autónomo
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70 |
A recorrente alega, a título subsidiário, que o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral para excluir que a medida controvertida pudesse constituir um sistema de referência autónomo enferma de um erro de direito. Por um lado, observa que o objetivo desta medida é assegurar a neutralidade fiscal no que se refere às aquisições de participações em Espanha e no estrangeiro e que, por conseguinte, o seu objeto não pode ser reduzido à resolução de um problema particular, como afirmou erradamente o Tribunal Geral no n.o 135 do acórdão recorrido. Por outro lado, alega que o raciocínio do Tribunal Geral leva à apreciação da seletividade de uma medida de forma diferente consoante o legislador nacional tenha decidido criar um imposto distinto ou alterar um imposto geral e, portanto, segundo a técnica regulamentar utilizada. |
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71 |
No caso em apreço, há que salientar que o raciocínio exposto pelo Tribunal Geral nos n.os 91 a 137 do acórdão recorrido se destinava a responder à argumentação de que, devido aos obstáculos às concentrações transfronteiriças, a Comissão devia ter identificado a medida controvertida como sendo o sistema de referência. |
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72 |
Ora, embora a recorrente não formule nenhuma crítica a respeito da metodologia aplicável à determinação do sistema de referência no âmbito da primeira etapa do exame da seletividade exposta nos n.os 91 a 104 do acórdão recorrido, critica, em contrapartida, a sequência da análise efetuada pelo Tribunal Geral, conforme formulada nos n.os 105 a 137 desse acórdão. |
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73 |
Em primeiro lugar, o raciocínio exposto nos n.os 105 a 121 do acórdão recorrido diz respeito à questão de saber se, tendo em conta o objetivo do regime normal identificado pela Comissão, as empresas que adquirem participações em sociedades residentes e as que adquirem participações em sociedades não residentes se encontram numa situação jurídica e factual comparável. |
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74 |
Todavia, esse exame de comparabilidade não tem relação direta com a delimitação do quadro de referência que deve ser efetuada na primeira etapa do exame da seletividade, não obstante o facto de, no n.o 121 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral ter constatado «a existência de relações entre essas duas etapas, ou mesmo por vezes, como no caso vertente, a existência de um raciocínio comum». Assim sendo, a argumentação desenvolvida pela recorrente com vista a contestar a definição do objetivo do sistema de referência será apreciada posteriormente, no âmbito do exame da segunda parte do fundamento único de recurso, relativa a um erro na determinação do objetivo à luz do qual devia ser efetuado o exame de comparabilidade. |
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75 |
Em segundo lugar, quanto aos n.os 122 a 137 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral verificou aí se a medida controvertida podia, tendo em conta as suas características próprias e, portanto, independentemente de qualquer análise comparativa, constituir, por si só, um quadro de referência autónomo. |
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76 |
A este respeito, em primeiro lugar, a recorrente sustenta injustificadamente que o Tribunal Geral se baseou principalmente na técnica regulamentar escolhida pelo legislador espanhol para concluir pelo caráter seletivo da medida controvertida. Com efeito, resulta do acórdão recorrido que o Tribunal Geral se baseou no objeto e nos efeitos dessa medida e não em simples considerações de ordem formal. Em particular, o Tribunal Geral observou, no n.o 131 desse acórdão, que a referida medida constituía uma exceção à regra geral segundo a qual só as concentrações de empresas podem conduzir à amortização do goodwill. |
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77 |
É certo que, como acertadamente alegou a recorrente, resulta da jurisprudência que o recurso a uma determinada técnica regulamentar não pode permitir que regras fiscais nacionais escapem ao controlo previsto pelo Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado, nem tão‑pouco é suficiente para definir o quadro de referência pertinente para efeitos de análise do requisito relativo à seletividade, uma vez que, de outro modo, a forma das intervenções estatais prevaleceria de maneira decisiva sobre os seus efeitos. Assim, a técnica regulamentar utilizada não pode ser um elemento decisivo para efeitos da determinação do quadro de referência [v., neste sentido, Acórdão WDFG, n.o 76, e Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 92]. |
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78 |
Como tal, decorre dessa mesma jurisprudência que, embora, para demonstrar a seletividade de uma medida fiscal, a técnica regulamentar utilizada não seja decisiva, de tal modo que nem sempre é necessário que esta tenha um caráter derrogatório em relação ao regime fiscal comum, a circunstância de a referida medida ter esse caráter é absolutamente pertinente para o efeito, quando daí decorra que são distinguidas duas categorias de operadores e que os mesmos são, a priori, objeto de um tratamento diferenciado, a saber, os operadores abrangidos pela medida derrogatória e os que continuam a ser abrangidos pelo regime fiscal comum, mesmo quando essas duas categorias se encontram numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime [Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 93 e jurisprudência referida]. |
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79 |
Daqui resulta que o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter acolhido, entre outras considerações, o caráter derrogatório da medida controvertida para efeitos do exame do seu caráter seletivo. |
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80 |
Em segundo lugar, relativamente à crítica formulada pela recorrente quanto à referência às Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner no processo Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:52, p. 728, a seguir «Conclusões do advogado‑geral Warner»), o Tribunal Geral salientou, com razão, no n.o 131 do acórdão recorrido, que a medida controvertida não tinha introduzido, como a Comissão assinalou no considerando 124 da decisão recorrida, uma nova regra geral de pleno direito relativa à amortização do goodwill, mas sim uma «exceção à regra geral» de que só as concentrações de empresas podem conduzir à amortização do goodwill, uma vez que essa exceção se destina a combater, segundo o Reino de Espanha, os efeitos desfavoráveis para as aquisições de participações em sociedades não residentes que a aplicação da regra geral causaria. |
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81 |
Consequentemente, resulta do acórdão recorrido que, em apoio da sua conclusão de que o sistema de referência não se podia limitar à medida controvertida, o Tribunal Geral não se baseou apenas no facto de essa medida, à semelhança da medida em causa no processo onde foram apresentadas as Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner, visar a prossecução de um objetivo concreto e, assim, a resolução de um problema específico. Daqui resulta que os argumentos avançados pela recorrente que se destinam, por um lado, a contestar a equiparação deste caso ao que foi objeto das Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner e, por outro, a demonstrar que o objetivo da medida controvertida era a salvaguarda do princípio da neutralidade fiscal, e não a solução de um problema específico, não são suscetíveis de infirmar o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral e são, por conseguinte, inoperantes. |
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82 |
Em todo o caso, importa recordar que a mera circunstância de a medida controvertida ter caráter geral, uma vez que pode a priori beneficiar todas as empresas sujeitas ao imposto sobre as sociedades, não exclui que esta possa ser de natureza seletiva. Com efeito, conforme o Tribunal de Justiça já declarou, se estiver em causa uma medida nacional que confere um benefício fiscal de alcance geral, como a medida controvertida, o critério acima referido está preenchido quando a Comissão conseguir demonstrar que a medida em causa derroga o sistema fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, introduzindo, assim, através dos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores a quem é concedido o benefício fiscal e os que dele são excluídos se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal desse Estado‑Membro, numa situação factual e jurídica comparável (Acórdão WDFG, n.o 67). |
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83 |
Tendo em conta todas as considerações que precedem, a segunda alegação da primeira parte do fundamento único do presente recurso deve ser julgada inoperante e, em todo o caso, improcedente. |
3) Quanto ao caráter arbitrário da definição do sistema de referência (terceira alegação da primeira parte do fundamento único de recurso)
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84 |
No âmbito da terceira alegação da primeira parte do seu fundamento único de recurso, a recorrente alega, em primeiro lugar, que o sistema de referência utilizado pelo Tribunal Geral foi definido arbitrariamente, uma vez que era difícil identificar o critério especificamente utilizado para identificar o quadro coerente em que se insere a medida controvertida. Sustenta, em segundo lugar, que o Tribunal Geral identificou de forma errada e injustificada, no sistema de referência que definiu, o que constitui a regra e o que constitui a exceção. Segundo a recorrente, o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 131 do acórdão recorrido, que a regra era a impossibilidade de amortizar o goodwill e que a medida controvertida introduzia uma exceção a essa regra. Como no processo que deu origem ao Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505), o Tribunal Geral confundiu a regra com a exceção. |
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85 |
A primeira alegação no sentido de que o Tribunal Geral definiu arbitrariamente o sistema de referência em causa, deve ser rejeitada uma vez que, como resulta dos n.os 58 a 61 do presente acórdão, o Tribunal Geral fundamentou suficientemente o raciocínio que o levou a fazer referência, nas circunstâncias do caso em apreço, às regras aplicáveis ao abrigo do direito espanhol ao tratamento fiscal do goodwill para efeitos da determinação do imposto sobre as sociedades, e, portanto, a confirmar a apreciação que constava a este respeito da decisão controvertida. Com efeito, importa recordar que a premissa em que a Comissão se baseou assenta na constatação, validada pelo Tribunal Geral, de que, regra geral, no direito espanhol, a amortização do goodwill normalmente está subordinada à existência de uma concentração de empresas. |
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A segunda alegação no sentido de que o Tribunal Geral identificou de forma errada e injustificada a regra e a exceção, deve igualmente ser rejeitada. Com efeito, em conformidade com a interpretação da legislação fiscal espanhola adotada pelo Tribunal Geral, normalmente, só uma concentração de empresas permite proceder à amortização do goodwill, incluindo do goodwill financeiro resultante da aquisição de participações em sociedades residentes, em conformidade com o artigo 89.o, n.o 3, da Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades, conforme aprovada pelo Real Decreto Legislativo 4/2004. Por conseguinte, não é a não amortização do goodwill financeiro que constitui a regra geral que a medida controvertida derroga, mas sim o princípio segundo o qual normalmente a amortização só é possível no caso de uma concentração de empresas, princípio que o Tribunal Geral deduziu das disposições relativas ao tratamento fiscal do goodwill para efeitos do imposto sobre as sociedades, quer se trate das disposições relativas à amortização do goodwill em caso de aquisição de empresa ou das relativas à amortização do goodwill financeiro resultante da aquisição de participações em sociedades residentes com subsequente fusão. |
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Tendo em conta estas considerações, a terceira alegação da primeira parte do fundamento único de recurso e, por conseguinte, a primeira parte deste fundamento na sua totalidade, devem ser julgadas improcedentes. |
B. Quanto à segunda parte do fundamento único de recurso, relativa a um erro na determinação do objetivo com base no qual é efetuado o exame de comparabilidade
1. Argumentos das partes
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A recorrente, no âmbito da segunda parte do seu fundamento único de recurso, contesta os fundamentos do acórdão recorrido, que figuram nos seus n.os 139 a 160, pelos quais o Tribunal Geral identificou o objetivo do sistema de referência e comparou, à luz deste objetivo, a situação das empresas beneficiárias da vantagem instituída pela medida controvertida e das que dela são excluídas. |
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A recorrente alega, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na determinação do objetivo a partir do qual havia que efetuar a comparação na segunda etapa do exame da seletividade da medida controvertida. O Tribunal Geral, que, mais uma vez, se afastou do que é enunciado na decisão controvertida, interpretou mal a jurisprudência relativa à determinação do objetivo aplicável a uma medida de natureza fiscal. Contrariamente ao que o Tribunal Geral dá a entender, não há nenhuma contradição na jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se a situação das empresas beneficiárias da «medida em causa» e a das empresas que dela estão excluídas devem ser comparadas tendo em conta o objetivo dessa medida ou o objetivo do «sistema em que esta se inscreve». Segundo a recorrente, esses objetivos devem coincidir e, se não for esse o caso, é porque o legislador nacional introduziu, no sistema do imposto, uma medida que não corresponde à lógica deste. No caso em apreço, o verdadeiro objetivo do regime com base no qual a comparação deve ser efetuada é a neutralidade fiscal, como a própria Comissão reconheceu na decisão controvertida. Trata‑se de um objetivo muito mais geral e lógico do que o paralelismo, a que o Tribunal Geral se referiu, entre o tratamento contabilístico e o tratamento fiscal do goodwill de que uma empresa beneficia devido à aquisição de uma participação numa sociedade, uma vez que, por princípio, qualquer imposto sobre as sociedades se afasta por definição do resultado contabilístico. |
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90 |
Em segundo lugar, a recorrente considera que o Tribunal Geral estabeleceu erradamente, no n.o 117 do acórdão recorrido, que o objetivo das disposições fiscais em matéria de goodwill era assegurar uma certa coerência entre o tratamento fiscal do goodwill e o seu tratamento contabilístico. Segundo a recorrente, essa afirmação não só é arbitrária, como também é totalmente infundada, dado que, por definição, todos os impostos sobre as sociedades se afastam do resultado contabilístico. No que respeita mais especificamente às disposições relativas à amortização do goodwill, as diferentes hipóteses previstas pela Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades, conforme aprovada pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, têm em comum, não o objetivo de assegurar a coerência entre o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill, mas sim o de evitar a dupla tributação e garantir a neutralidade fiscal. |
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91 |
A Comissão conclui pela rejeição desta argumentação, que considera inadmissível e, em todo o caso, improcedente. |
2. Apreciação do Tribunal de Justiça
a) Quanto à admissibilidade
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92 |
A Comissão alega a inadmissibilidade da segunda parte do fundamento único de recurso. Sustenta que os argumentos apresentados não foram suscitados no Tribunal Geral ou que os mesmos se referem a questões de facto, entre as quais figura a interpretação do conteúdo e do alcance do direito nacional. |
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93 |
Importa julgar improcedente o primeiro fundamento de inadmissibilidade suscitado pela Comissão, pelos mesmos motivos que os expostos nos n.os 39 a 41 do presente acórdão. Com efeito, uma parte pode invocar fundamentos e argumentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a criticar juridicamente a sua exatidão. Por conseguinte, a recorrente pode pôr em causa as conclusões do Tribunal Geral, independentemente da circunstância de não ter desenvolvido em primeira instância uma argumentação especificamente destinada a contestar a decisão controvertida quanto a esta questão. |
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94 |
Quanto ao segundo fundamento da exceção de inadmissibilidade invocado pela Comissão, relativo ao facto de a recorrente pretender pôr em causa constatações de facto, que escapam, em princípio, à fiscalização do Tribunal de Justiça, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a apreciação dos factos e da prova não constitui, sem prejuízo dos casos de desvirtuação desses factos e dessa prova, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso de segunda instância. Contudo, quando o Tribunal Geral apurou ou apreciou os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer, nos termos do artigo 256.o TFUE, a fiscalização da sua qualificação jurídica e as consequências jurídicas deles extraídas (Acórdão de 25 de julho de 2018, Comissão/Espanha e o., C‑128/16 P, EU:C:2018:591, n.o 31 e jurisprudência referida). |
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95 |
Assim, no que diz respeito ao exame em sede de recurso, das apreciações do Tribunal Geral à luz do direito nacional, as quais, no domínio dos auxílios de Estado, constituem apreciações de facto, o Tribunal de Justiça só é competente para verificar se houve uma desvirtuação deste direito. Em contrapartida, a apreciação em sede de recurso da qualificação jurídica desse direito nacional, levada a cabo pelo Tribunal Geral ao abrigo de uma disposição do direito da União, constitui uma questão de direito que é da competência do Tribunal de Justiça [Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78 e jurisprudência referida]. |
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96 |
Além disso, como foi recordado no n.o 53 do presente acórdão, o Tribunal Geral não pode, em todo o caso, substituir a fundamentação do autor do ato impugnado pela sua própria fundamentação, pelo que o Tribunal de Justiça é competente, no âmbito de um recurso, para verificar se o Tribunal Geral procedeu a essa substituição e se, desse modo, cometeu um erro de direito. |
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97 |
Uma vez que com a argumentação resumida nos n.os 88 a 90 do presente acórdão a recorrente censura, em substância, o Tribunal Geral por ter substituído pela sua própria fundamentação a fundamentação contida na decisão controvertida a respeito do «objetivo» com base no qual deve ser efetuado o exame da comparabilidade das situações das empresas que beneficiam da vantagem resultante da aplicação da medida controvertida e das que dela são excluídas, essa argumentação deve ser julgada admissível. |
b) Quanto ao mérito
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98 |
Em primeiro lugar, deve ser julgada improcedente a argumentação dirigida contra a conclusão do Tribunal Geral de que a jurisprudência é incoerente quanto à questão de saber se é com base no objetivo da medida examinada ou no sistema em que esta se inscreve que importa proceder a uma comparação. |
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99 |
Com efeito, a recorrente limita‑se a afirmar que a opção entre um ou outro objetivo é indiferente, uma vez que estes devem, em princípio, coincidir. Por conseguinte, mesmo admitindo que as apreciações do Tribunal Geral relativas ao alcance da jurisprudência do Tribunal de Justiça são inexatas, há que constatar que a recorrente não contesta a conclusão do Tribunal Geral, enunciada no n.o 152 do acórdão recorrido, de que é com base no objetivo do sistema de referência em que se inscreve a medida examinada, e não no objetivo dessa medida, que o exame de comparabilidade deve ser efetuado na segunda etapa da análise da seletividade. |
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100 |
Em segundo lugar, a recorrente suscita um argumento baseado na substituição dos fundamentos da decisão controvertida no que diz respeito à identificação do objetivo do sistema de referência. Alega que o objetivo que consiste em «assegurar uma certa coerência entre o tratamento fiscal do goodwill e o seu tratamento contabilístico», referido no n.o 117 do acórdão recorrido, não encontra eco nem na decisão controvertida nem nas observações que o Reino de Espanha apresentou durante o procedimento administrativo. Além disso, a recorrente alega que, em todo o caso, a afirmação de que as disposições fiscais em matéria de goodwill prosseguem esse objetivo é arbitrária e infundada. |
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101 |
No caso em apreço, há que constatar que, em parte alguma da decisão controvertida, a Comissão mencionou a manutenção de uma certa coerência entre o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill enquanto objetivo do sistema de referência que identificou. |
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102 |
É certo que, nos n.os 113 a 115 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral se referiu a algumas das constatações que figuram nessa decisão quando indicou que o tratamento fiscal do goodwill se organiza em torno do critério relativo à existência ou não de uma concentração de empresas, e explicou, referindo‑se aos considerandos 28 e 123 da referida decisão, que esta circunstância se deve ao facto de, na sequência de uma aquisição ou de uma contribuição de ativos que integram empresas independentes ou ainda de uma fusão ou de uma cisão, «surgir um goodwill […] como ativo incorpóreo distinto na contabilidade da empresa que resulta da concentração» (n.o 113 do acórdão recorrido). Do mesmo modo, a afirmação de que o tratamento fiscal do goodwill tem um «nexo com uma lógica contabilística» (n.o 112 do acórdão recorrido) inscreve‑se no prolongamento de certas considerações da Comissão que constam da decisão controvertida, em particular nos seus considerandos 121 a 124. |
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103 |
Todavia, foi de forma autónoma em relação a esta decisão e com base na sua própria interpretação das regras fiscais e contabilísticas aplicáveis nos termos do direito espanhol que o Tribunal Geral concluiu que o objetivo das regras relativas à amortização do goodwill financeiro contidas na Lei Relativa ao Imposto sobre as Sociedades, conforme aprovada pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, era assegurar a coerência entre o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill e que, com base nesse objetivo, a situação das empresas que investem em sociedades espanholas é comparável à das empresas que investem em sociedades não residentes. |
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104 |
Consequentemente, ao substituir a fundamentação da decisão controvertida pela sua própria fundamentação, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. |
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105 |
Contudo, há que examinar se, apesar do erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, a segunda alegação do primeiro fundamento invocado pela recorrente em apoio do seu recurso perante o Tribunal Geral deve, em todo o caso, ser julgada improcedente, uma vez que a Comissão era acusada de não ter demonstrado que as aquisições de participações em sociedades residentes e em sociedades não residentes eram comparáveis tendo em conta o objetivo de neutralidade fiscal prosseguido pela medida controvertida. |
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106 |
Com efeito, segundo jurisprudência constante, se os fundamentos de um acórdão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas a sua parte decisória se mostrar fundada com base noutros fundamentos jurídicos, essa violação não implica a anulação desse acórdão (Acórdãos de 30 de setembro de 2003, C‑93/02 P, Biret International/Conselho, EU:C:2003:517, n.o 60 e jurisprudência referida, e de 14 de outubro de 2014, Buono e o./Comissão, C‑12/13 P e C‑13/13 P, EU:C:2014:2284, n.o 62 e jurisprudência referida). |
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107 |
A este respeito, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência mencionada no n.o 28 do presente acórdão, à qual o Tribunal Geral se referiu acertadamente no n.o 141 do acórdão recorrido, o exame de comparabilidade a efetuar na segunda etapa da análise da seletividade deve ser realizado tendo em conta o objetivo do sistema de referência e não o da medida controvertida. |
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108 |
No caso em apreço, a recorrente alega que o objetivo do sistema de referência, que se confunde com o da medida controvertida, é a preservação da neutralidade fiscal. Sublinha que, tendo em conta este objetivo, as empresas que adquirem participações em sociedades nacionais e as que adquirem participações em sociedades transfronteiriças estão em situações diferentes devido aos obstáculos às concentrações transfronteiriças de empresas. |
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109 |
Como o Tribunal de Justiça já declarou, uma medida como a medida controvertida destinada a favorecer as exportações pode ser considerada seletiva se beneficiar as empresas que realizam operações transfronteiriças, em especial, operações de investimento, em detrimento de outras empresas que, encontrando‑se numa situação factual e jurídica comparável, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal em causa, efetuam operações da mesma natureza no território nacional. (Acórdão WDFG, n.o 119). |
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110 |
Ora, no presente caso, o Tribunal Geral teve razão em considerar, no n.o 118 do acórdão recorrido, que as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo tratamento fiscal do goodwill, numa situação jurídica e factual comparável à das empresas que adquirem participações em sociedades residentes. Com efeito, na medida em que as empresas que adquirem participações transfronteiriças minoritárias podem ser beneficiárias da medida controvertida apesar de não serem afetadas pelos alegados obstáculos às concentrações de empresas a que se refere a recorrente, não se pode pretender que, devido a esses obstáculos, os beneficiários da medida em causa se encontram numa situação jurídica e factual diferente da das empresas abrangidas pelo regime fiscal normal. |
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111 |
Tendo em conta estas considerações, há que concluir que, não obstante o erro de direito que o Tribunal Geral cometeu ao substituir a fundamentação da decisão controvertida no âmbito do exame da determinação do objetivo do sistema de referência pela sua própria fundamentação, a segunda parte do fundamento único de recurso deve ser julgada improcedente. |
C. Quanto à terceira parte do fundamento único de recurso, relativa a um erro de direito na repartição do ónus da prova
1. Argumentos das partes
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112 |
A recorrente alega que, ao não ter examinado, nas primeira e segunda etapas da análise da seletividade, quais as empresas que se encontravam numa situação comparável tendo em conta o objetivo do sistema de referência constituído pela neutralidade fiscal e ao ter transferido esse exame para a terceira etapa, o Tribunal Geral procedeu a uma inversão do ónus da prova. A este respeito, decorre da jurisprudência que, na primeira e segunda fases do exame da seletividade de uma medida, o ónus da prova da comparabilidade das situações tendo em conta o objetivo prosseguido recai sobre a Comissão. |
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113 |
A Comissão considera que a argumentação da recorrente é inadmissível e, em todo o caso, improcedente. |
2. Apreciação do Tribunal de Justiça
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114 |
Em primeiro lugar, há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade oposta pela Comissão à argumentação da recorrente, pelos mesmos motivos que os expostos nos n.os 39 a 41 do presente acórdão. Com efeito, uma parte pode invocar fundamentos e argumentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a criticar juridicamente o seu mérito. Por conseguinte, a recorrente pode pôr em causa as conclusões do Tribunal Geral, independentemente da circunstância de não ter desenvolvido em primeira instância uma argumentação especificamente destinada a contestar a decisão controvertida quanto a esta questão. |
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115 |
Quanto ao mérito da terceira parte do fundamento único de recurso, a recorrente censura especificamente o Tribunal Geral de ter tido em conta o facto de que esta medida prosseguia um objetivo de neutralidade fiscal unicamente na terceira etapa da análise da seletividade da medida controvertida, e não na primeira e segunda etapas dessa análise. |
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116 |
A argumentação da recorrente assenta na premissa de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na determinação do objetivo do sistema de referência ao considerar que este último residia na coerência entre o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill e não no princípio da neutralidade fiscal. |
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117 |
Ora, a este respeito basta salientar que, como resulta das considerações expostas nos n.os 98 a 111 do presente acórdão, embora o Tribunal Geral tenha considerado erradamente que o objetivo do sistema de referência residia na coerência entre o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill, não ficou demonstrado que o objetivo de neutralidade fiscal podia excluir a seletividade do auxílio na segunda etapa da análise da seletividade. |
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118 |
Por conseguinte, a terceira parte do fundamento único de recurso deve ser julgada improcedente. |
D. Quanto à quarta parte do fundamento único de recurso, relativa a um erro na aplicação do princípio da proporcionalidade
1. Argumentos das partes
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119 |
A recorrente alega, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao examinar a proporcionalidade da medida controvertida sem ter previamente apreciado se as situações em causa eram comparáveis tendo em conta o objetivo do sistema de referência corretamente identificado, a saber, o objetivo da neutralidade fiscal. Alega que o exame da medida controvertida na perspetiva do respeito do princípio da proporcionalidade, na terceira etapa da análise da seletividade, não tem nenhum sentido e nenhuma justificação no caso em apreço. Só após o exame da questão de saber se a medida estabelece uma discriminação entre situações comparáveis, tendo em conta o seu objetivo, é que haveria que examinar se esta é justificada pelo facto de ser inerente aos princípios essenciais do sistema em que se inscreve e de estar em conformidade com os princípios da coerência e da proporcionalidade. |
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120 |
A Comissão considera que a quarta parte do fundamento único de recurso é inoperante e, em todo o caso, improcedente. |
2. Apreciação do Tribunal de Justiça
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121 |
Há que constatar que a argumentação da recorrente assenta no postulado de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao remeter a análise da proporcionalidade da medida controvertida para a terceira etapa do exame da seletividade. |
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122 |
Todavia, esta argumentação não pode ser acolhida, na medida em que, como resulta da jurisprudência, a questão de saber se uma vantagem seletiva é conforme com o princípio da proporcionalidade coloca‑se na fase da terceira etapa do exame da seletividade, no âmbito da qual é examinada a questão de saber se a referida vantagem pode ser justificada pela natureza ou pela sistemática geral do sistema fiscal do Estado‑Membro em causa. Assim, nessa etapa, o Estado‑Membro é convidado a demonstrar que a diferença de tratamento que decorre do objetivo da medida é conforme com o princípio da proporcionalidade na medida em que não excede os limites do que é necessário para atingir esse objetivo e que este não pode ser atingido por medidas menos vinculativas (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 75). |
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123 |
Por conseguinte, há igualmente que julgar improcedente a quarta parte do fundamento único de recurso. |
E. Quanto à quinta parte do fundamento único de recurso, relativa a um erro de direito quanto ao nexo de causalidade entre a impossibilidade de fusões transfronteiriças e a aquisição de participações em sociedades estrangeiras
1. Argumentos das partes
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124 |
A recorrente sustenta, em substância, que os fundamentos do acórdão recorrido relativos à terceira etapa da análise da seletividade, que figuram nos n.os 176 a 185 do acórdão recorrido, enfermam de um erro de direito na medida em que o Tribunal Geral exigiu que o Reino de Espanha fizesse prova da existência de um «nexo de causalidade entre a impossibilidade de fazer fusões no estrangeiro e a aquisição de participações no estrangeiro». A recorrente alega, por um lado, que esses fundamentos introduzem um elemento de análise que não consta da decisão controvertida e que é mesmo contrário à sua ratio decidendi e, por outro, que a prova exigida pelo Tribunal Geral é impossível de apresentar. |
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125 |
A Comissão conclui que esta parte do fundamento deve ser julgada improcedente. |
2. Apreciação do Tribunal de Justiça
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126 |
Importa salientar que, nos n.os 176 a 185 do acórdão recorrido, os únicos visados pela quinta parte do fundamento único de recurso, o Tribunal Geral expôs as razões pelas quais o Reino de Espanha não demonstrou que a medida controvertida neutralizava os efeitos alegadamente penalizadores do regime normal. |
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127 |
Todavia, a título complementar, prosseguiu a sua análise com base na hipótese de essa demonstração ter sido feita (n.os 186 a 194 do acórdão recorrido). Por conseguinte, os fundamentos do acórdão recorrido visados pela quinta parte do fundamento único de recurso da recorrente não são os únicos em que se baseia a conclusão do Tribunal Geral, de que a Comissão não cometeu um erro ao concluir que o Reino de Espanha não tinha justificado a diferenciação introduzida pela medida controvertida. |
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128 |
Ora, em conformidade com a jurisprudência, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, um fundamento dirigido contra uma parte da fundamentação do acórdão recorrido, cuja parte decisória se baseia de forma juridicamente bastante noutros fundamentos, é inoperante e deve, por conseguinte, ser rejeitado. No caso em apreço, mesmo admitindo que a quinta parte seja fundada, esta, na medida em que não é suscetível de invalidar o acórdão recorrido, deve ser rejeitada por ser inoperante, uma vez que a referida conclusão continua a assentar noutros fundamentos (v., neste sentido, Acórdão de 29 de março de 2011, Anheuser‑Busch/Budějovický Budvar, C‑96/09 P, EU:C:2011:189, n.o 211 e jurisprudência referida). |
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129 |
Daqui decorre que a quinta parte do fundamento único de recurso deve ser julgada improcedente. |
F. Quanto à sexta parte do fundamento único de recurso, relativa a um erro de direito no exame da divisibilidade da medida controvertida em função da percentagem de controlo
1. Argumentos das partes
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130 |
A recorrente censura o Tribunal Geral por ter julgado improcedente o seu fundamento baseado no facto de, na sua análise, a Comissão não ter procedido à distinção entre as aquisições de participações minoritárias e as aquisições de participações maioritárias. A recorrente sublinha, por um lado, que todas as operações que realizou no contexto da medida controvertida conduziram à aquisição do controlo da sociedade adquirida e, por outro, que o Reino de Espanha tinha pedido à Comissão que procedesse a uma análise distinta das duas situações. Segundo a recorrente, decorre da jurisprudência que, se o Estado‑Membro em causa o solicitar, a Comissão é obrigada a proceder a uma análise distinta da medida examinada. Quanto ao caráter divisível da medida controvertida, o mesmo resultava do tratamento processual que a Comissão reservou à análise desta medida e que deu origem a três decisões diferentes. |
2. Apreciação do Tribunal de Justiça
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131 |
A sexta parte do fundamento único de recurso incide sobre os n.os 202 a 211 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral verificou se a Comissão era obrigada a fazer uma distinção entre as diferentes operações que beneficiavam da aplicação da medida controvertida. |
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132 |
No caso em apreço, há que constatar que os fundamentos do acórdão recorrido expostos nesses números, e que se destinavam a responder à argumentação da recorrente no sentido de que competia à Comissão fazer uma distinção entre as aquisições de participações em sociedades não residentes que envolvam uma tomada de controlo e as outras aquisições de participações, e com vista a declarar que a aplicação da medida controvertida às primeiras não implicava a classificação de auxílio estatal, foram apresentados a título subsidiário. |
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133 |
Com efeito, o argumento da recorrente, de que a Comissão estava obrigada a fazer tal distinção, foi rejeitado, a título principal, no n.o 201 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral considerou, em substância, que a incoerência introduzida pela medida controvertida no tratamento fiscal do goodwill existiria mesmo que essa medida só beneficiasse as aquisições de participações maioritárias em sociedades não residentes. |
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134 |
Ora, como foi recordado no n.o 128 deste acórdão, no âmbito de um recurso, um fundamento dirigido contra um fundamento meramente subsidiário no acórdão recorrido, cujo dispositivo esteja adequadamente baseado noutros fundamentos de direito, é inoperante e, por conseguinte, deve ser julgado improcedente. |
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135 |
Em todo o caso, a argumentação desenvolvida pela recorrente no âmbito da sexta parte do seu fundamento único de recurso é improcedente. |
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136 |
A este respeito, é verdade que, na decisão que adota no termo do seu exame, a Comissão tem a possibilidade, no exercício do seu poder de apreciação, de operar uma diferenciação entre os beneficiários do regime de auxílios notificado, tendo em conta determinadas características que apresentam ou as condições às quais respondem. Em contrapartida, como o Tribunal Geral salientou, com razão, no n.o 202 do acórdão recorrido, não competia à Comissão fixar, no âmbito da decisão controvertida, condições de aplicação da medida controvertida que, em certos casos, lhe permitiriam não a qualificar de auxílio. Com efeito, essa questão faz parte do diálogo entre as autoridades espanholas e a Comissão, no âmbito da notificação do regime em causa, que devia ter ocorrido antes da sua execução |
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137 |
No caso em apreço, no seu recurso em primeira instância, a recorrente censura a Comissão, em substância, por não ter distinguido entre as aquisições de participações em sociedades não residentes que envolviam uma tomada de controlo e as outras aquisições de participações, para declarar que a aplicação da medida controvertida às primeiras não implicava a qualificação de auxílio de Estado. A este respeito, o Tribunal Geral recordou, no n.o 209 do acórdão recorrido que, quanto à justificação da diferenciação feita pela medida em causa, é ao Estado‑Membro em causa que cabe demonstrar essa justificação e adaptar o conteúdo ou as condições de aplicação dessa medida se se verificar que esta só é parcialmente justificável. Ora, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao concluir, no n.o 211 do acórdão recorrido, pelo que, mesmo admitindo que o exame mesmo admitindo que o exame levado a cabo pela Comissão dos casos de aquisições de participações maioritárias, no âmbito do procedimento formal de investigação, tivesse sido objeto de discussões específicas entre a Comissão e o Reino de Espanha com base em pedidos documentados apresentados por este último, nas circunstâncias do caso em apreço, a alegação da recorrente devia, em todo o caso, ser julgada improcedente. |
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138 |
Por conseguinte, a sexta parte do fundamento único de recurso deve ser julgada inoperante e, em todo o caso, improcedente. |
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139 |
Não tendo sido acolhida nenhuma das partes do fundamento único de recurso, há que negar‑lhe provimento na íntegra. |
V. Quanto às despesas
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140 |
Por força do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento de processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. |
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141 |
No caso em apreço, tendo a Comissão pedido a condenação da recorrente nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas relativas ao presente recurso e ao processo no Tribunal Geral. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: espanhol.