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Documento 62019CJ0911

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 15 de julho de 2021.
Fédération bancaire française (FBF) contra Autorité de contrôle prudentiel et de résolution (ACPR).
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (França).
Reenvio prejudicial — Artigos 263.o e 267.o TFUE — Ato da União juridicamente não vinculativo — Fiscalização jurisdicional — Orientações emitidas pela Autoridade Bancária Europeia (EBA) — Procedimentos de governação e monitorização de produtos bancários de retalho — Validade — Competência da EBA.
Processo C-911/19.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:599

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

15 de julho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigos 263.o e 267.o TFUE — Ato da União juridicamente não vinculativo — Fiscalização jurisdicional — Orientações emitidas pela Autoridade Bancária Europeia (EBA) — Procedimentos de governação e monitorização de produtos bancários de retalho — Validade — Competência da EBA»

No processo C‑911/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisão de 4 de dezembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de dezembro de 2019, no processo

Fédération bancaire française (FBF)

contra

Autorité de contrôle prudentiel et de résolution (ACPR),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, E. Regan, M. Ilešič, L. Bay Larsen (relator), A. Kumin e N. Wahl, presidentes de secção, E. Juhász, T. von Danwitz, C. Toader, L. S. Rossi, I. Jarukaitis e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de outubro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Fédération bancaire française (FBF), por F. Boucard, avocat,

em representação da Autorité de contrôle prudentiel et de résolution (ACPR), por F. Rocheteau, avocat,

em representação do Governo francês, por E. de Moustier e A. Daly, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Autoridade Bancária Europeia (EBA), por J. Overett Somnier, C. Carroll e I. Metin, na qualidade de agentes, assistidos por B. Kennelly, QC, e R. Mehta, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por D. Triantafyllou, V. Di Bucci e W. Mölls, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de abril de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 263.o e 267.o TFUE, bem como a validade, à luz do Regulamento (UE) n.o 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/78/CE da Comissão (JO 2010, L 331, p. 12), conforme alterado pela Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015 (JO 2015, L 337, p. 35) (a seguir «Regulamento n.o 1093/2010»), das Orientações da Autoridade Bancária Europeia (EBA), de 22 de março de 2016, relativas aos procedimentos de governação e monitorização de produtos bancários de retalho (EBA/GL/2015/18) (a seguir «Orientações controvertidas»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Fédération bancaire française (Federação Bancária Francesa, FBF) à Autorité de contrôle prudentiel et de résolution (Autoridade de Fiscalização Prudencial e de Resolução, ACPR), a respeito da adoção, por esta última, de um anúncio em que declarou que dava cumprimento às Orientações controvertidas.

Quadro jurídico

Diretiva 2007/64/CE

3

O artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 97/7/CE, 2002/65/CE, 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Diretiva 97/5/CE (JO 2007, L 319, p. 1), previa:

«As autoridades competentes só concedem a autorização se, atendendo à necessidade de garantir uma gestão sã e prudente das instituições de pagamento, a instituição de pagamento dispuser de dispositivos sólidos de governo da sociedade para as suas atividades relativas a serviços de pagamento, designadamente uma estrutura organizativa clara, com linhas de responsabilidade bem definidas, transparentes e coerentes, procedimentos eficazes de identificação, gestão, controlo e comunicação dos riscos a que está ou possa vir a estar exposta e mecanismos adequados de controlo interno, designadamente procedimentos administrativos e contabilísticos sólidos; esses dispositivos, procedimentos e mecanismos devem ser exaustivos e proporcionados relativamente à natureza, escala e complexidade dos serviços de pagamento prestados pela instituição de pagamento.»

Diretiva 2009/110/CE

4

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/110/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao acesso à atividade das instituições de moeda eletrónica, ao seu exercício e à sua supervisão prudencial, que altera as Diretivas 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Diretiva 2000/46/CE (JO 2009, L 267, p. 7), precisa:

«Sem prejuízo da presente diretiva, os artigos 5.o e 10.o a 15.o, o n.o 7 do artigo 17.o e os artigos 18.o a 25.o da Diretiva [2007/64] aplicam‑se, com as necessárias adaptações, às instituições de moeda eletrónica.»

Regulamento n.o 1093/2010

5

O artigo 1.o, n.os 2, 3 e 5, do Regulamento n.o 1093/2010 dispõe:

«2.   A [EBA] age no âmbito das competências conferidas pelo presente regulamento e no âmbito de aplicação da Diretiva [2009/110], […] da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, [de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338)] […], incluindo todas as diretivas, regulamentos e decisões baseados nesses atos, bem como de qualquer outro ato juridicamente vinculativo da União que confira atribuições à [EBA]. […]

3.   A [EBA] age também no domínio das atividades das instituições de crédito, dos conglomerados financeiros, das empresas de investimento, das instituições de pagamento e das instituições de moeda eletrónica relativamente a questões não diretamente abrangidas pelos atos referidos no n.o 2, nomeadamente em matéria de governação empresarial, de auditoria e de informação financeira, desde que a sua intervenção nestas matérias seja necessária para assegurar uma aplicação eficaz e coerente dos referidos atos.

[…]

5.   O objetivo da [EBA] é proteger o interesse público contribuindo para a estabilidade e eficácia do sistema financeiro a curto, médio e longo prazos, em benefício da economia da União e dos respetivos cidadãos e empresas. A [EBA] contribui para:

[…]

e)

Assegurar que a tomada de riscos de crédito e de outros riscos seja adequadamente regulada e supervisionada; e

f)

Reforçar a proteção dos consumidores.

[…]»

6

O artigo 8.o, n.os 1, 1‑A e 2, deste regulamento prevê:

«1.   A [EBA] tem as seguintes atribuições:

a)

Contribuir para o estabelecimento de normas e práticas comuns de regulamentação e de supervisão de elevada qualidade, nomeadamente dando pareceres às instituições da União e elaborando orientações, recomendações e projetos de normas técnicas de regulamentação e de execução e de outras medidas, com base nos atos da União referidos no artigo 1.o, n.o 2;

[…]

b)

Contribuir para uma aplicação coerente dos atos juridicamente vinculativos da União, nomeadamente contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura comum de supervisão, garantindo uma aplicação coerente, eficiente e eficaz dos atos referidos no n.o 2 do artigo 1.o, […];

[…]

h)

Promover a proteção dos depositantes e dos investidores;

[…]

1‑A.   No exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento, a [EBA] deve:

a)

Utilizar plenamente as competências de que dispõe; […]

[…]

2.   Para exercer as atribuições descritas no n.o 1, a [EBA] dispõe das competências estabelecidas no presente regulamento, nomeadamente para:

[…]

c)

Emitir orientações e recomendações, nos termos do artigo 16.o;

[…]»

7

O artigo 15.o, n.o 4, do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«As normas técnicas de execução são adotadas por meio de regulamentos ou decisões. […]»

8

O artigo 16.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 1093/2010 enuncia:

«1.   A fim de definir práticas de supervisão coerentes, eficientes e eficazes no âmbito do SESF [(Sistema Europeu de Supervisão Financeira)] e garantir uma aplicação comum, uniforme e coerente da legislação da União, a [EBA] emite orientações e recomendações dirigidas às autoridades competentes ou a instituições financeiras.

[…]

3.   As autoridades competentes e as instituições financeiras desenvolvem todos os esforços para dar cumprimento a essas orientações e recomendações.

No prazo de dois meses a contar da data de emissão de uma orientação ou recomendação, cada autoridade competente confirma se dá ou tenciona dar cumprimento a essa orientação ou recomendação. Se uma autoridade competente não der ou tencionar não dar cumprimento a essa orientação ou recomendação, deve informar a [EBA], indicando as razões da sua decisão.

[…]

Se a orientação ou recomendação assim o exigir, as instituições financeiras apresentam relatórios claros e detalhados indicando se cumprem a orientação ou recomendação em causa.»

Diretiva 2013/36

9

O artigo 74.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2013/36 precisa:

«1.   As instituições devem dispor de dispositivos de governo sólidos, que incluam uma estrutura organizativa clara, com linhas de responsabilidade bem definidas, transparentes e coerentes, processos eficazes para identificar, gerir, controlar e comunicar os riscos a que estão ou podem vir a estar expostas, mecanismos adequados de controlo interno, incluindo procedimentos administrativos e contabilísticos sólidos, e políticas e práticas de remuneração consentâneas com uma gestão sólida e eficaz do risco e que promovam esse tipo de gestão.

2.   Os dispositivos, processos e mecanismos referidos no n.o 1 devem ser completos e proporcionados à natureza, nível e complexidade dos riscos inerentes ao modelo de negócio e às atividades da instituição. Devem ser tidos em consideração os critérios técnicos fixados nos artigos 76.o a 95.o

3.   A EBA emite, de acordo com o n.o 2, orientações relativas aos dispositivos, processos e mecanismos a que se refere o n.o 1.»

Diretiva 2014/17/UE

10

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação e que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 60, p. 34), dispõe:

«Os Estados‑Membros exigem que, aquando da elaboração de produtos de crédito ou da concessão, mediação ou prestação de serviços de consultoria sobre crédito e, se for caso disso, de serviços acessórios aos consumidores ou aquando da execução de um contrato de crédito, o mutuante, intermediário de crédito ou representante nomeado aja de forma honesta, leal, transparente e profissional, tendo em consideração os direitos e interesses do consumidor. Em relação à concessão, mediação ou prestação de serviços de consultoria sobre crédito e, se for caso disso, de serviços acessórios, as atividades devem basear‑se em informações sobre a situação do consumidor e em eventuais requisitos específicos por ele comunicados, bem como em pressupostos razoáveis sobre os riscos para a situação do consumidor ao longo da vigência do contrato de crédito. […]»

11

O artigo 29.o, n.o 2, alínea a), terceiro parágrafo, desta diretiva prevê:

«A EBA redige projetos de normas técnicas de regulamentação destinados a fixar o montante monetário mínimo do seguro de responsabilidade civil profissional ou garantia equivalente a que se refere o primeiro parágrafo da presente alínea, e apresenta‑os à Comissão até 21 de setembro de 2014. A EBA revê e, se necessário, redige projetos de normas técnicas de regulamentação destinados a alterar o montante monetário mínimo do seguro de responsabilidade civil profissional ou garantia equivalente a que se refere o primeiro parágrafo da presente alínea, e apresenta‑os à Comissão pela primeira vez até 21 de março de 2018 e, posteriormente, de dois em dois anos».

12

Nos termos do artigo 34.o, n.os 2 e 4, da referida diretiva:

«2.   […]

Se a autoridade competente do Estado‑Membro de origem discordar das medidas tomadas pelo Estado‑Membro de acolhimento, pode remeter a questão para a EBA e requerer a assistência desta nos termos do artigo 19.o do Regulamento (UE) n.o 1093/2010. Nesse caso, a EBA pode agir no exercício das competências que aquele artigo lhe confere.

[…]

4.   […]

Se a autoridade competente do Estado‑Membro de origem não tomar medidas no prazo de um mês a contar da comunicação desses factos ou se, apesar das medidas tomadas pela autoridade competente do Estado‑Membro de origem, o intermediário de crédito persistir em agir de forma claramente prejudicial aos interesses dos consumidores do Estado‑Membro de acolhimento ou ao correto funcionamento dos mercados, a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento:

[…]

b)

Pode remeter a questão para a EBA e requerer a assistência desta nos termos do artigo 19.o do Regulamento (UE) n.o 1093/2010. Nesse caso, a EBA pode agir no exercício das competências que esse artigo lhe confere.»

13

O artigo 37.o da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«As autoridades competentes podem remeter a situação para a EBA caso um pedido de cooperação, nomeadamente de troca de informações, tenha sido rejeitado ou não lhe tenha sido dado seguimento num prazo razoável, e requerer a assistência da EBA nos termos do artigo 19.o do Regulamento (UE) n.o 1093/2010. […]»

Diretiva 2015/2366

14

O artigo 114.o da Diretiva 2015/2366 enuncia:

«A Diretiva 2007/64/CE é revogada com efeitos a partir de 13 de janeiro de 2018.

As remissões para a diretiva revogada entendem‑se como sendo feitas para a presente diretiva e devem ler‑se nos termos da tabela de correspondência que consta do anexo II da presente diretiva.»

Orientações da EBA sobre a governação interna

15

A orientação 23 das Orientações da Autoridade Bancária Europeia (EBA), de 27 de setembro de 2011, sobre a governação interna das instituições (EBA BS 2011 116 final, a seguir «Orientações da EBA sobre a governação interna»), precisa que as instituições em causa devem dispor de uma política de aprovação de novos produtos e define as características que esta política deve apresentar.

Orientações controvertidas

16

O ponto 2 das Orientações controvertidas dispõe:

«As Orientações refletem a posição da EBA sobre práticas de supervisão adequadas no âmbito do Sistema Europeu de Supervisão Financeira ou sobre o modo como a legislação da União deve ser aplicada num domínio específico. As autoridades competentes […] às quais as presentes Orientações se aplicam devem dar cumprimento às mesmas, incorporando‑as nas suas práticas de supervisão conforme for mais adequado (por exemplo, alterando o seu enquadramento jurídico ou os seus processos de supervisão), incluindo nos casos em que as orientações são aplicáveis, em primeira instância, a instituições.»

17

O ponto 3 destas orientações prevê:

«Nos termos do disposto no artigo 16.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 1093/2010, as autoridades competentes confirmam à EBA se dão ou tencionam dar cumprimento às presentes Orientações, ou, caso contrário, indicam as razões para o não cumprimento […]»

18

Nos termos do ponto 5 das referidas orientações:

«As presentes Orientações dizem respeito a procedimentos de governação e de monitorização de produtos para criadores e distribuidores de produtos bancários de retalho, como parte integrante dos seus requisitos organizacionais gerais ligados aos seus sistemas de controlo interno. Referem‑se a estratégias, funções e processos internos destinados à conceção de produtos, à sua colocação no mercado e à revisão dos mesmos ao longo do seu ciclo de vida. Estabelecem procedimentos adequados com vista a assegurar o respeito pelos interesses, objetivos e características do mercado‑alvo. Estas Orientações não se referem à adequação dos produtos a um consumidor concreto.»

19

O ponto 6 das mesmas orientações tem a seguinte redação:

«As presentes Orientações são dirigidas aos criadores e distribuidores de produtos comercializados junto dos consumidores, e definem procedimentos de governação e monitorização de produtos relacionados com:

o n.o 1 do artigo 74.o da Diretiva [2013/36], o n.o 4 do artigo 10.o da Diretiva [2007/64] e o n.o 1 do artigo 3.o da Diretiva [2009/110] em conjugação com o n.o 4 do artigo 10.o da [Diretiva 2007/64]; bem como

o n.o 1 do artigo 7.o da Diretiva [2014/17].»

20

Os pontos 11 a 14 das Orientações controvertidas designam as autoridades competentes que constituem os seus destinatários.

21

O ponto 15 destas orientações define, nomeadamente, os conceitos de «criador» e de «produto», remetendo para as Diretivas 2009/110, 2007/64, 2013/36 e 2014/17.

22

A orientação 1 das referidas orientações enuncia:

«1.1 O criador deve definir, implementar e rever procedimentos eficazes de governação e monitorização de produtos. Esses procedimentos devem ter os seguintes objetivos, aquando da conceção e colocação dos produtos no mercado: i) garantir que os interesses, objetivos e características dos consumidores sejam tidos em conta; ii) evitar potenciais prejuízos para o consumidor; e iii) minimizar os conflitos de interesses.

1.2 O criador deve rever e atualizar, regularmente, os procedimentos de governação e monitorização de produtos.

1.3 Ao lançar um novo produto, o criador deve garantir que os procedimentos de governação e monitorização de produtos sejam tidos em conta na política de aprovação de novos produtos (PANP) em conformidade com a Orientação 23 das Orientações da EBA sobre [a Governação] Interna das Instituições […] nos casos em que esta seja aplicável.

[…]»

23

A orientação 2 das Orientações controvertidas precisa:

«2.1 O criador deve assegurar que, sempre que aplicável, os procedimentos de governação e monitorização de produtos sejam parte integrante da sua estrutura de governação, gestão de riscos e controlo interno, em conformidade com [as Orientações da EBA sobre a governação interna]. Para o efeito, o órgão de administração do criador deve apoiar a implementação dos procedimentos e as respetivas revisões subsequentes.

2.2 A direção de topo deve, com o apoio de representantes das funções de gestão de riscos e de cumprimento (“compliance”) do criador, ser responsável pela conformidade interna contínua com os procedimentos de governação e monitorização de produtos. Deve verificar periodicamente se os procedimentos de governação e monitorização de produtos se mantêm adequados e continuam a cumprir os objetivos estabelecidos na Orientação 1.1 supra, devendo, caso tal não se verifique, propor ao órgão de administração a alteração desses procedimentos.

2.3 As responsabilidades pela supervisão deste processo, pela função de gestão de riscos e de cumprimento (“compliance”) devem, sempre que aplicável, ser integradas nas respetivas descrições de funções, em conformidade com o descrito nas Orientações 25, 26 e 28 [das Orientações da EBA sobre a governação interna].

2.4 A direção de topo deve assegurar que o pessoal que participa na conceção de um produto está familiarizado com os procedimentos de governação e monitorização de produtos do criador; é competente e possui a formação adequada; e compreende e está familiarizado com as características, especificidades e riscos do produto.»

24

As orientações 3 a 8 das Orientações controvertidas estabelecem princípios relativos, respetivamente, ao mercado‑alvo, ao teste dos produtos, à sua monitorização, às medidas corretivas, aos canais de distribuição e à informação aos distribuidores.

25

As orientações 9 a 12 das Orientações controvertidas dizem respeito aos procedimentos de governação e monitorização de produtos para distribuidores.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

Em 8 de setembro de 2017, a ACPR publicou, no seu sítio Internet, um anúncio em que, por um lado, declarava que dava cumprimento às Orientações controvertidas e, por outro, precisava que essas orientações eram aplicáveis às instituições de crédito, às instituições de pagamento e às instituições de moeda eletrónica sujeitas à sua fiscalização.

27

Em 8 de novembro de 2017, a FBF apresentou no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) um pedido de anulação desse anúncio.

28

Em apoio do seu pedido, a FBF alegou que o referido anúncio se baseava nas Orientações controvertidas e que a EBA não podia, sem exceder a sua competência, emitir essas orientações.

29

Depois de constatar que o anúncio da ACPR em causa no processo principal devia ser considerado lesivo para a FBF, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, em aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a FBF não pode contestar, por via de exceção, a validade das Orientações controvertidas no caso de ser declarado que tem legitimidade para interpor um recurso de anulação destas orientações, nos termos do artigo 263.o TFUE. Por conseguinte, interroga‑se sobre a questão de saber se a FBF dispunha, no caso em apreço, dessa via de recurso.

30

Na hipótese de o Tribunal de Justiça concluir que tal não se verificava, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a competência do Tribunal de Justiça para apreciar a validade das Orientações controvertidas, em aplicação do artigo 267.o TFUE, e sobre a admissibilidade de uma contestação, por via de exceção, por parte de uma federação profissional, da validade dessas orientações que não lhe dizem direta nem individualmente respeito.

31

Se o Tribunal de Justiça considerar que a FBF tinha efetivamente legitimidade para contestar, num órgão jurisdicional nacional, a validade das Orientações controvertidas, o órgão jurisdicional de reenvio considera que deve submeter ao Tribunal de Justiça a questão de saber se a EBA excedeu as suas competências ao emitir essas orientações.

32

O referido órgão jurisdicional salienta, a este respeito, que nenhum dos atos da União mencionados no ponto 6 das referidas orientações contém qualquer disposição relativa à governação dos produtos bancários de retalho, com exceção do que respeita aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação. Além disso, nenhum desses atos previa disposições que habilitassem a EBA a emitir orientações sobre a governação dos produtos bancários de retalho.

33

Todavia, não se pode excluir que a competência da EBA para emitir as Orientações controvertidas pudesse basear‑se nos objetivos atribuídos a esta autoridade pelo artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1093/2010 ou na missão de controlo das atividades financeiras confiada à referida autoridade em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, deste regulamento.

34

Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

As orientações emitidas por uma autoridade europeia de supervisão são suscetíveis de ser objeto do recurso de anulação previsto pelas disposições do artigo 263.o [TFUE]? Em caso de resposta afirmativa, uma associação profissional tem legitimidade para contestar, por via do recurso de anulação, a validade de orientações destinadas aos membros cujos interesses defende e que não lhe dizem direta nem individualmente respeito?

2)

Em caso de resposta negativa a uma das duas questões submetidas [na primeira questão], as orientações emitidas por uma autoridade europeia de supervisão são suscetíveis de ser objeto do reenvio prejudicial previsto pelas disposições do artigo 267.o [TFUE]? Em caso de resposta afirmativa, uma associação profissional tem legitimidade para contestar, por via de exceção, a validade de orientações destinadas aos membros cujos interesses defende e que não lhe dizem direta nem individualmente respeito?

3)

No caso de a Fédération bancaire française ter legitimidade para contestar, por via de exceção, as orientações [controvertidas], [a EBA], ao emitir essas orientações, excedeu as competências que lhe são conferidas pelo Regulamento n.o 1093/2010 […]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

Quanto à primeira parte da primeira questão

35

Com a primeira parte da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 263.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que atos como as Orientações controvertidas podem ser objeto de um recurso de anulação nos termos deste artigo.

36

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o recurso de anulação, previsto no artigo 263.o TFUE, pode ser interposto contra todas as disposições adotadas pelas instituições, órgãos ou organismos da União, seja qual for a sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 31, e de 26 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑621/16 P, EU:C:2019:251, n.o 44 e jurisprudência referida).

37

Inversamente, os atos da União que não produzam efeitos jurídicos vinculativos estão excluídos da fiscalização jurisdicional prevista no artigo 263.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.o 55, e de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 27).

38

Para determinar se um ato produz efeitos jurídicos vinculativos, importa, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, atender à substância desse ato e apreciar os seus efeitos em função de critérios objetivos tais como o conteúdo do referido ato, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da adoção do mesmo, bem como os poderes da instituição, do órgão ou do organismo da União que dele é autor (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de outubro de 2017, Roménia/Comissão, C‑599/15 P, EU:C:2017:801, n.o 48, e de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 32).

39

No caso em apreço, no que respeita, num primeiro plano, ao conteúdo das Orientações controvertidas, resulta, em primeiro lugar, dos termos do ponto 2 dessas orientações, sob o título «Natureza das presentes Orientações», que estas se limitam a refletir «a posição da EBA sobre práticas de supervisão adequadas no âmbito do [SESF] ou sobre o modo como a legislação da União deve ser aplicada num domínio específico».

40

Em segundo lugar, importa salientar que as Orientações controvertidas são, de um modo geral, redigidas em termos não imperativos.

41

Em terceiro lugar, enquanto os pontos 11 a 14 das Orientações controvertidas precisam que os seus destinatários são apenas as autoridades competentes mencionadas nesses pontos, o ponto 3 dessas orientações indica, referindo‑se ao artigo 16.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010, que as autoridades competentes devem informar a EBA se se dão ou tencionam dar cumprimento a essas orientações ou, caso contrário, devem indicar as razões para o não cumprimento das referidas orientações.

42

No que respeita, num segundo plano, ao contexto em que as Orientações controvertidas se inscrevem bem como aos poderes do organismo que delas é autor, há que observar, antes de mais, que as orientações emitidas pela EBA estão sujeitas, em aplicação do Regulamento n.o 1093/2010, ao mesmo regime jurídico que as «recomendações» emitidas pela EBA, que não vinculam os seus destinatários, em conformidade com o artigo 288.o, quinto parágrafo, TFUE, e são, portanto, em princípio, desprovidas de força vinculativa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 30).

43

Seguidamente, embora o artigo 16.o, n.o 3, deste regulamento preveja que as autoridades competentes e as instituições financeiras desenvolvem todos os esforços para dar cumprimento às orientações emitidas pela EBA, esta disposição precisa, contudo, que essas autoridades confirmam se dão ou tencionam dar cumprimento a essas orientações e que, caso contrário, informam a EBA da sua escolha, indicando as razões da sua decisão.

44

Resulta, portanto, dessa disposição que as referidas autoridades não são obrigadas a dar cumprimento às referidas orientações, mas que, como foi salientado no n.o 41 do presente acórdão no que respeita especificamente às Orientações controvertidas, essas mesmas autoridades dispõem da faculdade de delas se afastarem, caso em que devem fundamentar a sua posição.

45

Por conseguinte, não se pode considerar que as orientações emitidas pela EBA produzam efeitos jurídicos vinculativos para as autoridades competentes (v., por analogia, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Koninklijke KPN e o., C‑28/15, EU:C:2016:692, n.os 34 e 35).

46

Do mesmo modo, não se pode considerar que as orientações emitidas pela EBA produzam, enquanto tais, efeitos vinculativos para as instituições financeiras, na medida em que o artigo 16.o, n.o 3, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 1093/2010 dispõe que estas apenas devem apresentar relatórios claros e detalhados indicando se cumprem ou não estas orientações.

47

Por último, importa salientar que as orientações emitidas pela EBA se distinguem, a este respeito, das normas técnicas de execução elaboradas por esta autoridade que são, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 4, deste regulamento, adotadas por meio de regulamentos ou decisões.

48

Por conseguinte, afigura‑se que o legislador da União, ao autorizar a EBA a emitir orientações e recomendações, pretendeu conferir a esta autoridade um poder de incentivo e de persuasão, distinto do poder para adotar atos dotados de força vinculativa (v., por analogia, Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 26).

49

Nestas condições, não se pode considerar que as Orientações controvertidas se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 36 do presente acórdão.

50

Atendendo ao que precede, há que responder à primeira parte da primeira questão que o artigo 263.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que atos como as Orientações controvertidas não podem ser objeto de um recurso de anulação nos termos deste artigo.

Quanto à segunda parte da primeira questão

51

Tendo em conta a resposta dada à primeira parte da primeira questão, não há que responder à segunda parte desta questão.

Quanto à segunda questão

Quanto à primeira parte da segunda questão

52

Com a primeira parte da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 267.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que o Tribunal de Justiça é competente, ao abrigo deste artigo, para apreciar a validade de atos como as Orientações controvertidas.

53

Como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 19.o, n.o 3, alínea b), TUE e o artigo 267.o, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE preveem que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar, a título prejudicial, sobre a interpretação do direito da União e sobre a validade dos atos adotados pelas instituições da União, sem nenhuma exceção (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Grimaldi, C‑322/88, EU:C:1989:646, n.o 8, e de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 44).

54

Por conseguinte, embora o artigo 263.o TFUE exclua da fiscalização do Tribunal de Justiça os atos desprovidos de efeitos jurídicos vinculativos, o Tribunal pode, em aplicação do artigo 267.o TFUE, apreciar a validade desses atos quando se pronuncia a título prejudicial (v., neste sentido, Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 44).

55

A circunstância de, como resulta dos n.os 39 a 49 do presente acórdão, as Orientações controvertidas serem desprovidas de efeitos jurídicos vinculativos não é, portanto, suscetível de excluir a competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre a sua validade no âmbito do presente processo.

56

De resto, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de reconhecer a sua competência para se pronunciar, a título prejudicial, sobre a validade de uma recomendação da EBA desprovida de efeitos jurídicos vinculativos (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka, C‑501/18, EU:C:2021:249, n.o 83).

57

Por conseguinte, há que responder à primeira parte da segunda questão que o artigo 267.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que o Tribunal de Justiça é competente, ao abrigo deste artigo, para apreciar a validade de atos como as Orientações controvertidas.

Quanto à segunda parte da segunda questão

58

Com a segunda parte da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União impõe que a admissibilidade, perante um órgão jurisdicional nacional, de uma exceção de ilegalidade relativa a um ato da União esteja subordinada à condição de esse ato dizer direta e individualmente respeito ao interessado que invoca essa exceção.

59

Há que salientar que, embora o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE vise, entre os atos da União contra os quais uma pessoa singular ou coletiva pode interpor recurso de anulação no Tribunal de Justiça, os atos que dizem direta e individualmente respeito a essa pessoa, esta disposição não tem por objeto determinar as condições em que a validade de um ato da União pode ser impugnada nos órgãos jurisdicionais nacionais.

60

Além disso, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o Tratado FUE, através dos artigos 263.o e 277.o, por um lado, e através do artigo 267.o, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos da União, confiando‑a ao juiz da União (Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 92 e jurisprudência referida).

61

Importa acrescentar que compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar o respeito do direito fundamental de proteção jurisdicional efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 100 e jurisprudência referida).

62

Na falta de regulamentação da União na matéria, compete, portanto, à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar, no respeito da exigência referida no número anterior, bem como dos princípios da efetividade e da equivalência, os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais de recurso destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos que os interessados baseiam no direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 102 e jurisprudência referida).

63

Embora os interessados, por esta razão, devam beneficiar, no âmbito de um processo nacional, do direito de contestar judicialmente a legalidade de qualquer decisão ou de qualquer ato nacional relativo à aplicação, a seu respeito, de um ato da União de alcance geral (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 94 e jurisprudência referida), não decorre de modo algum do artigo 267.o TFUE que este se opõe a que as regras nacionais permitam aos interessados invocar a invalidade de um ato da União de alcance geral, por via de exceção, perante um órgão jurisdicional nacional fora do âmbito de um litígio relativo à aplicação desse ato a seu respeito.

64

Resulta, pelo contrário, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um pedido de decisão prejudicial de apreciação de validade deve ser considerado admissível quando tenha sido apresentado num litígio real em que se coloque, a título incidental, uma questão de validade de um ato da União, ainda que esse ato não tenha sido objeto de uma medida de aplicação em relação ao particular a que o processo principal diz respeito (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de junho de 2008, Intertanko e o., C‑308/06, EU:C:2008:312, n.os 33 e 34; de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 29; e de 7 de fevereiro de 2018, American Express, C‑643/16, EU:C:2018:67, n.o 30).

65

Por conseguinte, há que responder à segunda parte da segunda questão que o direito da União não impõe que a admissibilidade, perante um órgão jurisdicional nacional, de uma exceção de ilegalidade relativa a um ato da União esteja subordinada à condição de esse ato dizer direta e individualmente respeito ao interessado que invoca essa exceção.

Quanto à terceira questão

66

Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a validade das Orientações controvertidas à luz das disposições do Regulamento n.o 1093/2010 que definem as competências da EBA.

67

Uma vez que resulta do Regulamento n.o 1093/2010 que o legislador da União enquadrou o poder da EBA de emitir orientações de forma precisa, com base em critérios objetivos, o exercício desse poder deve ser suscetível de ser objeto de uma fiscalização jurisdicional rigorosa à luz desses critérios objetivos (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.os 41 e 53).

68

A circunstância de as Orientações controvertidas não produzirem efeitos jurídicos vinculativos, como resulta dos n.os 39 a 49 do presente acórdão, não é suscetível de afetar o alcance dessa fiscalização.

69

Com efeito, como foi recordado nos n.os 43 e 48 do presente acórdão, a emissão, pela EBA, das Orientações controvertidas visa exercer sobre as autoridades competentes e sobre as instituições financeiras um poder de incentivo e de persuasão, devendo estas desenvolver todos os esforços para dar cumprimento a essas orientações e devendo essas autoridades indicar se dão ou tencionam dar cumprimento a essas orientações e, caso contrário, indicar as razões da sua posição.

70

Em especial, essas orientações podem levar as autoridades competentes a emitir, à semelhança da ACPR no processo principal, atos de direito nacional que incitem as instituições financeiras a alterarem significativamente as suas práticas ou a tomarem em conta, como salientou o advogado‑geral, no n.o 51 das suas conclusões, o respeito das orientações da EBA ao examinarem a situação individual dessas instituições.

71

Incumbe igualmente aos juízes nacionais tomar em consideração as orientações da EBA a fim de resolver os litígios que lhes são submetidos, nomeadamente quando essas orientações têm por objeto, à semelhança das Orientações controvertidas, completar disposições do direito da União com caráter vinculativo (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Grimaldi, C‑322/88, EU:C:1989:646, n.o 18, e de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka, C‑501/18, EU:C:2021:249, n.o 80).

72

Além disso, admitir que a EBA possa emitir livremente orientações, independentemente do quadro específico estabelecido pelo legislador da União, seria suscetível de prejudicar a repartição de competências entre as instituições, os órgãos e os organismos da União.

73

É certo que a emissão de orientações pela EBA não prejudica a faculdade de que o legislador da União dispõe de emitir, dentro dos limites das competências que lhe são conferidas pelo direito primário, um ato dotado de efeitos jurídicos vinculativos que consagre normas diferentes dos padrões recomendados pela EBA, o qual implicaria, então, o afastamento das orientações em questão.

74

Todavia, esta circunstância não pode pôr em causa a exigência, recordada no n.o 67 do presente acórdão, segundo a qual a EBA é obrigada a agir em conformidade com o quadro preciso fixado por este legislador, com base em critérios objetivos, no Regulamento n.o 1093/2010.

75

Decorre do exposto que a EBA só é competente para emitir orientações na medida expressamente prevista pelo legislador da União e que incumbe ao Tribunal de Justiça, para responder à terceira questão, verificar se as Orientações controvertidas são abrangidas pelas competências da EBA, conforme definidas por esse legislador.

76

Para este efeito, há que constatar, no que respeita ao alcance das competências conferidas à EBA pelo referido legislador, que o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010 dispõe que a EBA age no âmbito das competências conferidas por este regulamento e no âmbito de aplicação de uma série de atos enumerados nesta disposição, incluindo todas as diretivas, regulamentos e decisões baseados nesses atos, bem como de qualquer outro ato juridicamente vinculativo que confira atribuições à EBA.

77

O artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010 prevê que a EBA age também no domínio das atividades das instituições de crédito, dos conglomerados financeiros, das empresas de investimento, das instituições de pagamento e das instituições de moeda eletrónica relativamente a questões não diretamente abrangidas pelos atos referidos no artigo 1.o, n.o 2, deste regulamento, nomeadamente em matéria de governação empresarial, de auditoria e de informação financeira, desde que a sua intervenção nestas matérias seja necessária para assegurar uma aplicação eficaz e coerente destes atos.

78

No que respeita, mais precisamente, ao poder da EBA para emitir orientações, o artigo 8.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1093/2010 prevê que a EBA tem a atribuição de contribuir para o estabelecimento de normas e práticas comuns de regulamentação e de supervisão de elevada qualidade, nomeadamente elaborando orientações e recomendações com base nos atos legislativos da União referidos no artigo 1.o, n.o 2, deste regulamento.

79

O artigo 8.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1093/2010 enuncia, por seu turno, que a EBA, para exercer as «atribuições» descritas no artigo 8.o, n.o 1, do mesmo, dispõe da competência para emitir orientações e recomendações, nos termos do artigo 16.o deste regulamento, ao passo que o artigo 8.o, n.o 1‑A, do referido regulamento precisa que, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo mesmo regulamento, a EBA deve utilizar plenamente as competências de que dispõe.

80

Importa salientar, neste contexto, que entre as atribuições conferidas à EBA figuram, nomeadamente, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, alíneas b) e h), do Regulamento n.o 1093/2010, a de contribuir para uma aplicação coerente dos atos juridicamente vinculativos da União, nomeadamente contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura comum de supervisão, garantindo uma aplicação coerente, eficiente e eficaz dos atos referidos no artigo 1.o, n.o 2, deste regulamento, bem como a de promover a proteção dos depositantes e dos investidores.

81

Além disso, o artigo 16.o do Regulamento n.o 1093/2010, para o qual remete o artigo 8.o, n.o 2, alínea c), do mesmo, e que as Orientações controvertidas citam como base jurídica, dispõe, no seu n.o 1, que, a fim de definir práticas de supervisão coerentes, eficientes e eficazes no âmbito do SESF e garantir uma aplicação comum, uniforme e coerente da legislação da União, a EBA emite orientações e recomendações dirigidas às autoridades competentes ou a instituições financeiras.

82

Além disso, nos termos do artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1093/2010, a o objetivo da EBA é proteger o interesse público contribuindo para a estabilidade e eficácia do sistema financeiro a curto, médio e longo prazos, em benefício da economia da União e dos respetivos cidadãos e empresas. O artigo 1.o, n.o 5, alíneas e) e f), deste regulamento precisa também que a EBA contribui, nomeadamente, para assegurar que a tomada de riscos de crédito e de outros riscos seja adequadamente regulada e supervisionada bem como para reforçar a proteção dos consumidores.

83

Tendo em conta o que precede, há que constatar, por um lado, que a validade das orientações emitidas pela EBA está subordinada ao respeito das disposições do Regulamento n.o 1093/2010 que enquadram especificamente o poder da EBA para emitir orientações, mas também à inclusão dessas orientações no âmbito de atuação da EBA que o artigo 1.o, n.os 2 e 3, deste regulamento define por referência à aplicação de certos atos da União, o que é confirmado, de resto, pela circunstância de o artigo 8.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento prever que as orientações adotadas pela EBA se devem basear nos atos da União referidos no artigo 1.o, n.o 2, do referido regulamento.

84

Por outro lado, como decorre, em particular, dos n.os 77 e 80 a 82 do presente acórdão, a EBA pode, a fim de garantir uma aplicação comum, uniforme e coerente da legislação da União, emitir orientações relativas às obrigações de supervisão prudencial que incumbem às instituições em causa, nomeadamente com vista a proteger os interesses dos depositantes e dos investidores através de um enquadramento adequado da tomada de riscos financeiros, uma vez que nada no Regulamento n.o 1093/2010 permite considerar que estejam excluídas desse poder medidas relativas à conceção e à comercialização dos produtos, desde que essas medidas se enquadrem no âmbito de atuação da EBA, conforme é precisado no n.o 83 do presente acórdão.

85

No caso em apreço, no que respeita ao conteúdo das Orientações controvertidas, resulta do ponto 5 dessas orientações, intitulado «Objeto», que estas dizem respeito a procedimentos de governação e de monitorização de produtos, como parte integrante dos seus requisitos organizacionais ligados aos sistemas de controlo interno das empresas, bem como a estratégias, funções e processos internos destinados à conceção de produtos, à sua colocação no mercado e à revisão dos mesmos ao longo do seu ciclo de vida. Este ponto 5 precisa igualmente que estas orientações têm por objeto estabelecer procedimentos adequados com vista a assegurar o respeito pelos interesses, objetivos e características do mercado‑alvo.

86

Para este efeito, antes de mais, a orientação 1 das Orientações controvertidas prevê que os procedimentos de governação e monitorização de produtos estabelecidos devem ter como objetivo, aquando da conceção e colocação dos produtos no mercado, nomeadamente, que os interesses, objetivos e características dos consumidores sejam tidos em conta e evitar potenciais prejuízos para os consumidores.

87

Esta orientação recomenda igualmente a revisão e a atualização regular dos procedimentos de governação e monitorização de produtos bem como a sua integração na política de aprovação de novos produtos das instituições em causa, que é objeto da orientação 23 das Orientações da EBA sobre a governação interna, enquanto exigência relativa a esta governação destinada a assegurar a gestão dos riscos.

88

Seguidamente, a orientação 2 das Orientações controvertidas incita, de forma mais ampla, estas instituições a integrem os procedimentos de governação e monitorização de produtos na sua estrutura de governação, de gestão de riscos e de controlo interno. Precisa, igualmente, o papel que deve ser conferido a diferentes órgãos das referidas instituições para esse efeito, remetendo, também nesta matéria, para diferentes aspetos das Orientações da EBA sobre a governação interna. Em particular, a especial, a orientação 2.4 precisa que a direção de topo deve assegurar que o pessoal que participa na conceção de um produto está familiarizado com os procedimentos de governação e monitorização de produtos do criador; é competente e possui a formação adequada; e compreende e está familiarizado com as características, especificidades e riscos do produto.

89

Por último, neste contexto, por um lado, as orientações 3 a 8 das Orientações controvertidas concretizam os procedimentos de governação e monitorização que devem, segundo essas orientações, ser integrados no dispositivo de governação interna das instituições em causa.

90

Mais precisamente, essas orientações 3 a 8 incitam à tomada de diversas medidas para garantir que a conceção e a comercialização de um produto sejam adequadas ao mercado‑alvo pertinente, que esse produto seja testado, monitorizado, corrigido e distribuído através de canais adequados e seja acompanhado de informações destinadas aos distribuidores. Assim, a orientação 3.3 precisa que o criador só deve conceber e colocar no mercado produtos com características, encargos e riscos que tenham em conta os interesses, objetivos e características do mercado‑alvo específico identificado para o produto e que sejam benéficos para o mesmo.

91

As referidas orientações 3 a 8 precisam, portanto, diferentes aspetos dos procedimentos que devem ser estabelecidos, nas instituições em causa, a fim de assegurar um controlo suficiente da conceção e da comercialização dos produtos e, assim, conter os riscos daí decorrentes.

92

Por outro lado, as orientações 9 a 12 das Orientações controvertidas, que se destinam aos distribuidores, definem padrões comparáveis aos enunciados nas orientações 3 a 8 das Orientações controvertidas no que respeita aos criadores.

93

Com base nestas considerações, importa apreciar, num primeiro plano, se as Orientações controvertidas são abrangidas pelo âmbito de atuação da EBA, conforme definido no artigo 1.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1093/2010.

94

A este respeito, resulta dos n.os 76, 77 e 83 do presente acórdão que a validade de orientações emitidas pela EBA, que, à semelhança das Orientações controvertidas, dizem respeito a questões ligadas à governação de empresas, está subordinada à condição de as mesmas se inscreverem no âmbito de aplicação de pelo menos um dos atos referidos no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010 ou de serem necessárias para assegurar a aplicação coerente e eficaz de tal ato.

95

Resulta do ponto 6 das Orientações controvertidas que estas definem procedimentos de governação e monitorização de produtos relacionados com o artigo 74.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, com o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2007/64, com o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/110 e com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17.

96

Ora, todas estas diretivas devem ser consideradas atos referidos no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010.

97

Antes de mais, as Diretivas 2013/36 e 2009/110 são expressamente mencionadas nesta disposição.

98

Seguidamente, embora a Diretiva 2007/64 não seja, pelo contrário, referida na versão do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010 aplicável à data da emissão das Orientações controvertidas, importa sublinhar, por um lado, que se referia nessa versão desta disposição a Diretiva 2015/2366, que sucedeu à Diretiva 2007/64, e, por outro, que esta última diretiva era mencionada na versão da referida disposição aplicável antes de 12 de janeiro de 2016.

99

Afigura‑se, portanto, que, na sequência de um erro material, o legislador da União substituiu por uma referência à Diretiva 2015/2366 uma referência à Diretiva 2007/64, sem ter em conta o facto de a primeira destas diretivas, em conformidade com o seu artigo 114.o, só revogar a segunda a partir de 13 de janeiro de 2018.

100

Nestas condições, há que interpretar a referência à Diretiva 2015/2366, que figurava no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010 na data da emissão das Orientações controvertidas, no sentido de que remete, nessa data, para a Diretiva 2007/64.

101

Por último, embora a Diretiva 2014/17 também não seja referida no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010, o artigo 29.o, n.o 2, alínea a), o artigo 34.o, n.os 2 e 4, bem como o artigo 37.o da mesma preveem que a EBA deve tomar diversas medidas para assegurar a execução desta diretiva, pelo que esta diretiva, na medida em que confere atribuições à EBA, deve ser considerada um ato referido no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010.

102

Por conseguinte, incumbe ainda ao Tribunal de Justiça, para responder à terceira questão, verificar se as Orientações controvertidas são efetivamente abrangidas pelo âmbito de aplicação das diretivas referidas no ponto 6 dessas orientações ou se são necessárias para assegurar a aplicação coerente e eficaz dessas diretivas.

103

No que respeita, em primeiro lugar, à Diretiva 2013/36, o seu artigo 74.o, n.o 1, prevê que as instituições a que se refere devem dispor de dispositivos de governo sólidos, que incluam uma estrutura organizativa clara, com linhas de responsabilidade bem definidas, transparentes e coerentes, processos eficazes para identificar, gerir, controlar e comunicar os riscos a que estão ou podem vir a estar expostas, mecanismos adequados de controlo interno, incluindo procedimentos administrativos e contabilísticos sólidos, bem como de políticas e de práticas de remuneração consentâneas com uma gestão sólida e eficaz do risco e que promovam esse tipo de gestão.

104

A este respeito, importa observar que, como alegaram a EBA e a ACPR, a colocação no mercado, por parte das instituições financeiras, de produtos bancários concebidos e comercializados sem tomar em consideração as características dos mercados visados bem como as dos consumidores em causa é suscetível de gerar riscos significativos para essas instituições, em especial expondo‑os a custos consideráveis ligados à sua responsabilização e à aplicação de sanções às mesmas.

105

Esta constatação reflete‑se, aliás, no relatório final da EBA, de 15 de julho de 2015, sobre as Orientações controvertidas, que sublinha, além disso, que a conduta das instituições financeiras, incluindo no que toca à venda a retalho, diz respeito às autoridades reguladoras não só numa perspetiva de proteção dos consumidores mas também numa perspetiva prudencial e associada ao objetivo de promover a confiança dos mercados, a estabilidade financeira e a integridade do sistema financeiro a nível nacional e europeu.

106

Uma vez que as Orientações controvertidas visam, como resulta dos n.os 86 a 92 do presente acórdão, definir de que modo as instituições em causa deveriam incluir procedimentos de governação e monitorização dos produtos, destinados a assegurar a tomada em consideração, nas suas estruturas e nos seus procedimentos internos, das características dos mercados visados bem como das características dos consumidores em causa, deve considerar‑se que estas orientações estabelecem princípios destinados a garantir processos eficazes para identificar, gerir e controlar riscos bem como mecanismos adequados de controlo interno, na aceção do artigo 74.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, a fim de assegurar a existência dos dispositivos de governo sólidos, conforme exigido por esta disposição.

107

Além disso, uma vez que o artigo 74.o, n.o 3, desta diretiva prevê expressamente que a EBA deve dar cumprimento ao n.o 2 deste artigo, ao emitir orientações relativas aos dispositivos, processos e mecanismos a que se refere o n.o 1 do mesmo artigo, importa sublinhar que se deve considerar que a integração nesses processos e mecanismos de elementos destinados a tomar em conta a situação nos mercados visados participa na adaptação, exigida no artigo 74.o, n.o 2, da mesma diretiva, dos referidos processos e dos referidos mecanismos à complexidade dos riscos inerentes ao modelo de negócio e às atividades da instituição.

108

Estas conclusões não são postas em causa nem pela circunstância de as Orientações controvertidas se referirem especificamente à governação e à monitorização dos produtos, nem pela posição particular que essas orientações conferem aos interesses, aos objetivos e às características dos consumidores, ainda que estes elementos não sejam diretamente mencionados no artigo 74.o da Diretiva 2013/36.

109

Por um lado, como é salientado no ponto 5 das Orientações controvertidas, estas não se referem à adequação dos produtos a um consumidor concreto.

110

Pelo contrário, resulta dos n.os 86 a 92 do presente acórdão que estas orientações só se referem aos interesses, aos objetivos e às características dos consumidores a fim de assegurar a tomada em consideração desses interesses, desses objetivos e dessas características nos processos de gestão dos riscos e nos mecanismos de governação interna das instituições em causa.

111

Por outro lado, há que salientar, é certo, que os critérios técnicos definidos nos artigos 76.o a 95.o da Diretiva 2013/36, para os quais remete o seu artigo 74.o, n.o 2, não se referem especificamente à governação e monitorização dos produtos nem aos interesses, aos objetivos e às características dos consumidores.

112

Todavia, o facto de, nos termos deste artigo 74.o, n.o 2, deverem ser tidos em consideração esses critérios técnicos não pode implicar que os dispositivos de governo sólidos, previstos no artigo 74.o, n.o 1, desta diretiva, devam ser exclusivamente definidos com base nos referidos critérios técnicos.

113

Daqui resulta que as Orientações controvertidas podem ser consideradas necessárias para assegurar a aplicação coerente e eficaz do artigo 74.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36.

114

Em segundo lugar, o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2007/64 impõe, no que respeita às instituições que tencionem prestar serviços de pagamento, obrigações formuladas nos mesmos termos que as enunciadas no artigo 74.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36.

115

Por conseguinte, decorre das considerações expostas nos n.os 103 a 110 do presente acórdão que as Orientações controvertidas, que abrangem, entre outros produtos, os serviços de pagamento, podem ser consideradas necessárias para assegurar a aplicação coerente e eficaz do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2007/64.

116

Em terceiro lugar, o mesmo se aplica ao artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/110, uma vez que esta disposição se limita a prever a aplicação às instituições de moeda eletrónica de determinados artigos da Diretiva 2007/64, entre os quais figuram o seu artigo 10.o

117

Em quarto lugar, o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17 dispõe, nomeadamente, que, aquando da elaboração de produtos de crédito ou da concessão, mediação ou prestação de serviços de consultoria sobre crédito aos consumidores respeitantes a imóveis de habitação, o mutuante, intermediário de crédito ou representante nomeado aja de forma honesta, leal, transparente e profissional, tendo em consideração os direitos e interesses do consumidor.

118

Esta disposição precisa igualmente que, no que diz respeito à concessão, mediação ou prestação de serviços de consultoria relativos a tais créditos, as atividades devem basear‑se em informações sobre a situação do consumidor e em eventuais requisitos específicos por ele comunicados, bem como em pressupostos razoáveis sobre os riscos para a situação do consumidor ao longo da vigência do contrato de crédito.

119

Ora, importa, antes de mais, recordar que a orientação 1 das Orientações controvertidas precisa que os procedimentos de governação e monitorização de produtos descritos devem ter como objetivo garantir que, aquando da conceção e colocação dos produtos no mercado, os interesses, os objetivos e as características dos consumidores sejam tidos em conta e evitar potenciais prejuízos para os consumidores.

120

Seguidamente, a tomada em conta dos interesses, dos objetivos e das características do ou dos mercados‑alvo, que é objeto das orientações 3 e 11 das Orientações controvertidas, pressupõe a determinação e, depois, a integração nos processos de decisão da situação dos consumidores presentes nesses mercados.

121

Por último, importa sublinhar que as medidas concretas mencionadas nas orientações 4, 5, 7, 9 e 12 são definidas com uma referência expressa à tomada em conta, em diversas fases da conceção e da comercialização dos produtos em causa, dos interesses, dos objetivos e das características dos consumidores.

122

Assim, as Orientações controvertidas podem ser consideradas necessárias para assegurar a aplicação coerente e eficaz do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17.

123

Por conseguinte, deve considerar‑se que as Orientações controvertidas são abrangidas pelo âmbito de atuação da EBA, conforme definido, de forma geral, no artigo 1.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1093/2010.

124

Num segundo plano, importa determinar se as Orientações controvertidas se inscrevem no quadro específico estabelecido pelo legislador da União para o exercício do poder da EBA de emitir orientações.

125

A este respeito, afigura‑se, em primeiro lugar, atendendo nomeadamente aos elementos expostos nos n.os 119 a 121 do presente acórdão, que as Orientações controvertidas têm por objeto contribuir para a proteção dos consumidores bem como para a proteção dos depositantes e dos investidores, previstas no artigo 1.o, n.o 5, alínea f), e no artigo 8.o, n.o 1, alínea h), do Regulamento n.o 1093/2010.

126

Em segundo lugar, à luz das considerações expostas nos n.os 104 e 110 do presente acórdão, as Orientações controvertidas devem igualmente ser associadas às funções conferidas à EBA, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 5, alínea e), no que respeita ao enquadramento da tomada de riscos pelas instituições financeiras.

127

Em terceiro lugar, deve considerar‑se que as Orientações controvertidas contribuem para a instauração de práticas de supervisão coerentes, eficientes e eficazes no âmbito do SESF, a que se referem o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1093/2010.

128

Com efeito, estas orientações executam diretamente os princípios definidos na Posição Comum das Autoridades Europeias de Supervisão sobre a governação e monitorização de produtos pelos criadores (JC‑2013‑77), adotada pela Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados, pela EBA e pela Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma.

129

Importa, em especial, sublinhar que esta posição comum, que se apresenta com o objetivo de reforçar a proteção dos consumidores e assegurar a estabilidade, a eficácia e a integridade dos mercados financeiros, prevê expressamente que a EBA utilizará os princípios que a referida posição comum define para desenvolver requisitos mais detalhados sobre a governação e a monitorização dos produtos bancários.

130

Por conseguinte, há que constatar que as Orientações controvertidas se inscrevem no quadro específico estabelecido pelo legislador da União para o exercício do poder da EBA de emitir orientações, conforme resulta do artigo 8.o, n.os 1 e 2, e do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1093/2010, lidos em conjugação com o artigo 1.o, n.o 5, do mesmo.

131

Atendendo ao que precede, há que considerar que as Orientações controvertidas são abrangidas pelas competências da EBA, conforme definidas por este legislador.

132

Por conseguinte, afigura‑se que o exame da terceira questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade das Orientações controvertidas.

Quanto às despesas

133

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 263.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que atos como as Orientações da Autoridade Bancária Europeia (EBA), de 22 de março de 2016, relativas aos procedimentos de governação e monitorização de produtos bancários de retalho (EBA/GL/2015/18), não podem ser objeto de um recurso de anulação nos termos deste artigo.

 

2)

O artigo 267.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que o Tribunal de Justiça é competente, ao abrigo deste artigo, para apreciar a validade de atos como as Orientações da Autoridade Bancária Europeia (EBA), de 22 de março de 2016, relativas aos procedimentos de governação e monitorização de produtos bancários de retalho (EBA/GL/2015/18).

 

3)

O direito da União não impõe que a admissibilidade, perante um órgão jurisdicional nacional, de uma exceção de ilegalidade relativa a um ato da União esteja subordinada à condição de esse ato dizer direta e individualmente respeito ao interessado que invoca essa exceção.

 

4)

O exame da terceira questão prejudicial não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade das Orientações da Autoridade Bancária Europeia, de 22 de março de 2016, relativas aos procedimentos de governação e monitorização de produtos bancários de retalho (EBA/GL/2015/18).

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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