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Documento 62019CJ0537

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 22 de abril de 2021.
Comissão Europeia contra República da Áustria.
Incumprimento de Estado — Diretiva 2004/18/CE — Contrato de empreitada de obras públicas — Contrato entre uma entidade pública e uma empresa privada que tem por objeto a locação de um edifício ainda não construído — Artigo 1.o — Realização de uma obra que satisfaz as necessidades especificadas pelo locatário — Artigo 16.o — Exclusão.
Processo C-537/19.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:319

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

22 de abril de 2021 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2004/18/CE — Contrato de empreitada de obras públicas — Contrato entre uma entidade pública e uma empresa privada que tem por objeto a locação de um edifício ainda não construído — Artigo 1.o — Realização de uma obra que satisfaz as necessidades especificadas pelo locatário — Artigo 16.o — Exclusão»

No processo C‑537/19,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, intentada em 12 de julho de 2019,

Comissão Europeia, representada por L. Haasbeek, M. Noll‑Ehlers e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República da Áustria, representada, inicialmente, por M. Fruhmann, em seguida, por J. Schmoll, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič, E. Juhász (relator), C. Lycourgos e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, na medida em que o Stadt Wien‑Wiener Wohnen (a seguir «Wiener Wohnen») adjudicou por ajuste direto o contrato de 25 de maio de 2012 relativo ao imóvel de escritórios sito em Guglgasse 2‑4, em Viena (Áustria), sem realizar um procedimento de concurso e sem comunicar o respetivo anúncio, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.o, 28.o e 35.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).

Quadro jurídico

Direito da União

2

Os considerandos 2 e 24 da Diretiva 2004/18 enunciavam:

«(2)

A adjudicação de contratos celebrados nos Estados‑Membros por conta do Estado, das autarquias locais e regionais e de outros organismos de direito público deve respeitar os princípios do Tratado, nomeadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, assim como os princípios deles resultantes, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da não‑discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência. Todavia, no que se refere aos contratos públicos que ultrapassem um determinado valor, é aconselhável estabelecer disposições que instituam uma coordenação comunitária dos procedimentos nacionais para a adjudicação dos contratos públicos que se baseiem nesses princípios por forma a garantir os seus efeitos e a abertura à concorrência dos contratos públicos. Por conseguinte, tais disposições de coordenação devem ser interpretadas em conformidade com as regras e princípios atrás referidos, bem como com as restantes regras do Tratado.

[…]

(24)

No âmbito dos serviços, os contratos relativos à aquisição ou à locação de bens imóveis ou de direitos sobre esses bens apresentam características especiais que tornam inadequada a aplicação de regras de adjudicação de contratos públicos.»

3

O artigo 1.o desta diretiva, intitulado «Definições», dispunha, no seu n.o 2, alínea b):

«“Contratos de empreitada de obras públicas” são contratos públicos que têm por objeto quer a execução, quer conjuntamente a conceção e a execução, quer ainda a realização, por qualquer meio, de trabalhos relacionados com uma das atividades na aceção do anexo I ou de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante. Por “obra” entende‑se o resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a desempenhar, por si só, uma função económica ou técnica.»

4

O artigo 2.o da referida diretiva, intitulado «Princípios de adjudicação dos contratos», previa:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

5

O artigo 16.o da Diretiva 2004/18, com a epígrafe «Exclusões específicas», dispunha:

«A presente diretiva não é aplicável aos contratos públicos de serviços relativos:

a)

À aquisição ou locação, sejam quais forem as respetivas modalidades financeiras, de terrenos, edifícios existentes ou outros bens imóveis, ou a direitos sobre esses bens; no entanto, são abrangidos pela presente diretiva os contratos de prestação de serviços financeiros celebrados simultânea, prévia ou posteriormente ao contrato de aquisição ou de locação, seja qual for a sua forma;

[…]»

6

O artigo 28.o desta diretiva, com a epígrafe «Utilização de concursos públicos, concursos limitados, procedimentos por negociação e diálogo concorrencial», enunciava:

«Para celebrarem os seus contratos públicos, as entidades adjudicantes aplicam os processos nacionais, adaptados para os efeitos da presente diretiva.

Devem celebrar esses contratos públicos recorrendo a concursos públicos ou limitados. Nas circunstâncias específicas expressamente previstas no artigo 29.o, as entidades adjudicantes podem celebrar os seus contratos públicos mediante diálogo concorrencial. Nos casos e nas circunstâncias específicas expressamente previstas nos artigos 30.o e 31.o, podem recorrer a um procedimento por negociação, com ou sem publicação de anúncio de concurso.»

7

O artigo 35.o, n.o 2, da referida diretiva, com a epígrafe «Anúncios», previa:

«As entidades adjudicantes que pretendam celebrar um contrato público ou um acordo‑quadro através de um concurso público, de um concurso limitado ou, nas condições definidas no artigo 30.o, de um procedimento por negociação com publicação de um anúncio de concurso ou, nas condições definidas no artigo 29.o, de um diálogo concorrencial, darão a conhecer a sua intenção através de um anúncio de concurso.»

8

A Diretiva 2004/18 foi substituída pela Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18 (JO 2014, L 94, p. 65), com efeitos a 18 de abril de 2016.

Direito austríaco

9

À data de celebração do contrato de arrendamento em causa, em 25 de maio de 2012, as disposições nacionais aplicáveis figuravam na Bundesgesetz über die Vergabe von Aufträgen 2006 (Lei Federal de 2006 Relativa à Adjudicação de Contratos Públicos), na sua versão aplicável nessa data.

Procedimento pré‑contencioso

10

Na sequência de uma queixa recebida em 2015 e de contactos informais com as autoridades austríacas, a Comissão, em 25 de julho de 2016, enviou à República da Áustria uma notificação para cumprir (processo de infração n.o 2016/4074), na qual invocou uma infração aos artigos 2.o, 28.o e 35.o da Diretiva 2004/18, em razão da adjudicação por ajuste direto, sem procedimento de concurso nem anúncio de concurso conforme com esta diretiva, pela Wiener Wohnen, em 25 de maio de 2012, de um contrato de locação por tempo indeterminado relativo ao imóvel de escritórios denominado Gate 2 (a seguir «imóvel Gate 2»), incluindo uma garagem subterrânea, na parcela sita em Guglgasse 2‑4, em Viena.

11

Nos termos desse contrato, o locador, a Vectigal Immobilien GmbH & Co KG, proprietária dessa parcela no momento da celebração do referido contrato, tinha a intenção de construir neste terreno o imóvel Gate 2.

12

O bem arrendado era constituído por duas alas (A e B), do rés do chão ao quinto andar. Estavam previstas, como variante, pontes entre estas duas alas, do primeiro ao quinto andar. Além disso, a Wiener Wohnen dispunha, enquanto opção («Call‑Option»), do direito unilateral de tomar de locação, além dos cinco primeiros andares que constituíam o bem arrendado desde o início, o sexto a oitavo andares na ala B do referido imóvel. Um aditamento ao contrato de arrendamento datado de 25 de outubro de 2012 confirmou que a Wiener Wohnen exerceu esta opção.

13

O contrato de locação em causa foi celebrado por tempo indeterminado. Previa, inicialmente, que a Wiener Wohnen apenas podia rescindir ordinariamente o contrato quinze anos após o início da locação e, em seguida, de dez em dez anos. Além desta rescisão ordinária, era possível a rescisão extraordinária se o locador violasse o contrato de locação de forma grave ou persistente, ou se o imóvel Gate 2 não pudesse ser utilizado para o uso acordado durante mais de seis meses.

14

O segundo aditamento ao referido contrato de locação, datado de 16 e 17 de setembro de 2013, adiou o prazo da primeira possibilidade de rescisão ordinária. Segundo o ponto 2.4 deste aditamento, a cláusula passou a ter a seguinte redação: «O locatário pode rescindir normalmente o presente contrato de locação, mas apenas decorridos 25 anos, 35 anos, 45 anos (etc.) a partir do início da locação (tendo em conta o prazo de pré‑aviso previsto do ponto 2.2) (prazo de pré‑aviso de doze meses no termo de um trimestre do calendário civil).»

15

Depois de ter ocupado o imóvel Gate 2, a Wiener Wohnen subarrendou à Wiener Wohnen Haus & Außenbetreuung GmbH alguns espaços de escritório. Além disso, o Gewerkschaft der Gemeindebediensteten (Sindicato dos Trabalhadores Municipais) instalou igualmente um centro de informação nesse imóvel.

16

A República da Áustria respondeu à notificação para cumprir da Comissão por carta de 26 de setembro de 2016, na qual admitiu que a adjudicação por ajuste direto do contrato de locação em causa estava abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18 e que, por conseguinte, devia ter sido realizado concurso em conformidade com esta diretiva. Este Estado‑Membro declarou lamentar o erro cometido e sublinhou que a Wiener Wohnen tudo faria para assegurar futuramente uma aplicação correta do direito da União em matéria de contratos públicos.

17

Resulta igualmente dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a República da Áustria expôs em observações complementares de 27 de fevereiro de 2017, bem como noutras observações complementares de 5 de maio, 13 de setembro e 25 de outubro de 2017, de que modo passaria a ser garantido o respeito do direito da União em matéria de contratos públicos, nomeadamente, através de um registo dos contratos.

18

Atendendo à persistência da infração imputada, a Comissão, por carta de 18 de maio de 2018, enviou à República da Áustria um parecer fundamentado, convidando este Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da sua receção.

19

A República da Áustria respondeu ao referido parecer fundamentado por carta de 18 de julho de 2018. Quanto às possibilidades de sanar a infração imputada, este Estado‑Membro alegou que, tendo em conta o facto de que a Wiener Wohnen ocupava o imóvel Gate 2, era impossível eliminar imediatamente a referida infração. Atendendo a que o contrato de arrendamento em causa não podia ser objeto de rescisão ordinária antes de 1 de outubro de 2040, em relação à ala A desse imóvel, e em 1 de abril de 2041, em relação à ala B do mesmo, a Wiener Wohnen estava, todavia, disposta a encetar negociações com o locador com vista à rescisão antecipada desse contrato de locação. Por outro lado, a República da Áustria sublinhou que, à data da celebração do referido contrato, segundo a opinião jurídica dominante na Áustria, a exclusão prevista no artigo 16.o, alínea a), da Diretiva 2004/18 abrangia igualmente a locação de um imóvel de escritórios ainda não construído, mas já planeado e pronto a ser realizado. Ora, na medida em que a Wiener Wohnen queria arrendar precisamente esse edifício, esta entidade agiu de boa‑fé.

20

Insatisfeita com a resposta da República da Áustria, a Comissão intentou a presente ação.

Quanto à ação

Argumentos das partes

21

A Comissão sustenta que a celebração, pela Wiener Wohnen, uma entidade pública ligada à cidade de Viena, com uma empresa privada, de um contrato de locação de longa duração relativo ao imóvel Gate 2, antes de este ter sido construído, constitui a adjudicação por ajuste direto de um contrato de empreitada com vista à construção e locação de um imóvel de escritórios, pelo facto de a Wiener Wohnen ter exercido uma influência no planeamento dos trabalhos relativos ao referido imóvel, que ia muito além das exigências habituais do locatário de um novo imóvel.

22

A Comissão recorda, referindo‑se ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.os 40 a 42), que a questão de saber se uma operação constitui um contrato de empreitada de obras públicas cabe ao direito da União e que, se uma obra é proposta para arrendamento antes de ser iniciada a sua construção, o seu objeto principal reside nessa construção. Sublinha, a este respeito, que, à data da celebração do contrato de locação em causa, o imóvel Gate 2 não era objeto de uma licença de construção executória.

23

A Comissão acrescenta, referindo‑se ao n.o 43 do mesmo acórdão do Tribunal de Justiça, que esse contrato não se enquadra na exclusão prevista no artigo 16.o, alínea a), da Diretiva 2004/18. Com efeito, esta exclusão não se aplica quando a realização de uma obra projetada satisfaz as necessidades especificadas pela entidade adjudicante. Resulta do n.o 58 do Acórdão de 29 de outubro de 2009, Comissão/Alemanha (C‑536/07, EU:C:2009:664), que tal é nomeadamente o caso quando as especificações fixadas no contrato se referem a uma descrição precisa do edifício a construir, da sua qualidade e dos seus equipamentos e vão, assim, muito além das exigências habituais de um locatário em relação a um imóvel novo de uma certa envergadura.

24

No que respeita à estrutura do imóvel Gate 2, a Comissão considera que duas intervenções da Wiener Wohnen influenciaram a conceção deste edifício. Trata‑se da construção das pontes que ligam os andares das alas A e B e a construção do sexto ao oitavo andar da ala B.

25

No que respeita a outras intervenções da Wiener Wohnen, a Comissão alega que, nos documentos intitulados «Descrição do edifício e dos seus equipamentos», de 16 de maio de 2012, e «Complemento da descrição do edifício e dos seus equipamentos», de 22 de maio de 2012, que constituem ambos anexos ao contrato de locação em causa, se encontram numerosos exemplos que mostram que as especificações acordadas entre as partes nesse contrato iam muito além do habitualmente convencionado com um locatário e que a Wiener Wohnen escolheu, na sua grande maioria, as soluções técnicas adotadas no âmbito da conceção definitiva do imóvel Gate 2. Embora várias destas especificações remetessem para as normas «ÖNORM», estas mais não são do que recomendações, que só seriam vinculativas se o contrato o previsse. Normalmente, um locatário só se interessa pelo bom funcionamento das canalizações, mas não pelo tipo de instalação escolhido nem pela questão de saber se, «para as instalações seladas, os tubos de evacuação são de PE (polietileno) ou de ABS (acrilonitrilo‑butadieno‑estireno)».

26

Em especial, resulta da capa do segundo desses documentos que o mesmo foi redigido pela Wiener Wohnen e, nas menções legais que figuram na página subsequente, consta o seguinte: «Complemento [da descrição do edifício e dos seus equipamentos], baseado no caderno de encargos dos edifícios administrativos elaborado pelo Serviço MA34; estabelece as necessidades de utilização específicas do locatário, completa, detalha e, por derrogações pontuais, substitui [a Descrição do edifício e dos seus equipamentos] do locador». A Comissão precisa que resulta do sítio Internet da cidade de Viena que se trata de um «conjunto de regras relativas ao equipamento dos edifícios administrativos desta cidade [e que ess]as especificações servem de base aos trabalhos de planeamento e aos concursos». Segundo a Comissão, não é surpreendente, nestas circunstâncias, que um artigo publicado na imprensa austríaca em 2016 e relativo ao possível contorno, pela Wiener Wohnen, da regulamentação relativa aos contratos públicos por ocasião da construção do imóvel Gate 2 tenha sido intitulado «Eine Zentrale nach Maß» («Uma sede central por medida»).

27

A Comissão sustenta que Wiener Wohnen fiscalizou a realização da construção do imóvel Gate 2 nos mesmos termos que um dono de obra. Esta empresa mandatou a SET Bauprojektierung GmbH, uma sociedade especializada na elaboração de projetos de construção, para realizar uma fiscalização de acompanhamento do processo de execução específica do projeto de construção. Neste contexto, a Comissão indica que foi acordado entre as partes que essa fiscalização de acompanhamento abrangeria também o respeito das características do bem, tal como definidas no contrato de locação em causa. A este respeito, refere‑se ao anexo A.1, primeira parte, do anexo 1.3 desse contrato, que estipula: «Função de fiscalização: para a execução do projeto de construção, a Wiener Wohnen exerce uma função de fiscalização de acompanhamento do processo no que respeita à execução do projeto de construção, bem como uma fiscalização de acompanhamento por uma sociedade externa».

28

Além disso, a Comissão observa que, sem a celebração do referido contrato, o imóvel Gate 2 não teria sido construído. Com efeito, depois de o locador ter adquirido o terreno à cidade de Viena, artigos de imprensa publicados em 2002, bem como um comunicado de imprensa da cidade de Viena publicado em 2005 anunciaram a construção desse imóvel nesse terreno. Ora, em 2008, os meios de comunicação social relataram que o projeto «[estava] adormecido há anos», dado que a oferta de espaços de escritórios de maiores dimensões era superior à procura. Por outro lado, a República da Áustria admitiu que a construção do imóvel Gate 2 teria sido incerta se a Wiener Wohnen não tivesse celebrado o contrato de locação em causa.

29

A Comissão insiste que o imóvel Gate 2 não deve, de modo nenhum, ser qualificado de imóvel padrão, que a Wiener Wohnen se propunha tomar de locação no mesmo estado tal como projetado pelo proprietário. Recorda que, em 2012, a Wiener Wohnen mandatou um prestador de serviços para efetuar uma análise de localizações no mercado de espaços de escritório em Viena. Segundo essa análise, de entre dez bens suscetíveis de serem arrendados, dos quais seis satisfaziam as exigências mínimas definidas pela Wiener Wohnen, o imóvel Gate 2 revelou‑se o mais adequado. A Comissão chama muito especialmente a atenção para o facto de que, no «Management Summary» dessa análise, se afirma, para justificar a classificação deste imóvel na primeira posição, que «[a] locatária tem ainda a possibilidade de influenciar o planeamento do projeto em conformidade com as especificações exigidas, e [que] o desejo de separar as entradas da zona de escritórios e do centro de serviços ao cliente pode ser satisfeito de modo ótimo».

30

A Comissão acrescenta que o imóvel Gate 2 é quase exclusivamente utilizado pela Wiener Wohnen. A presença de dois outros locatários, a saber, a Wiener Wohnen Haus‑ & Außenbetreuung e o Gewerkschaft der Gemeindebediensteten — Kunst, Medien, Sport, freie Berufe (Sindicato dos Trabalhadores Municipais — Arte, Comunicação Social, Desporto e Profissões Liberais), não pode justificar a aplicação do artigo 16.o, alínea a), da Diretiva 2004/18, tendo em conta o direito amplo de que a Wiener Wohnen dispunha de ceder o objeto da locação a serviços da cidade de Viena ou a pessoas coletivas nas quais esta última detenha participações maioritárias. Por outro lado, afigura‑se que o espaço subarrendado ao Sindicato dos Trabalhadores Municipais para servir de centro de informação é muito modesto.

31

A República da Áustria observa que a Wiener Wohnen é o maior gestor de habitações municipais da Europa e, nessa medida, assume importantes responsabilidades em relação a mais de 500000 pessoas alojadas em cerca de 200000 habitações municipais. No âmbito de uma reorientação estratégica desta empresa, foi decidido concentrar num único local a totalidade das instalações anteriormente dispersas por todo o território da cidade de Viena. Segundo este Estado‑Membro, a nova sede devia estar disponível no momento da entrada em vigor da nova organização, no final de 2014 ou no início de 2015, e devia poder acolher pelo menos 750 colaboradores e, após a construção de uma ampliação projetada, 1000 colaboradores.

32

Na impossibilidade de aquisição ou de construção de um imóvel correspondente às suas necessidades, a única solução possível para a Wiener Wohnen era a locação de um imóvel de escritórios existente ou já projetado. Enquanto entidade encarregada da construção de habitações sociais, a Wiener Wohnen estava obrigada a investir, em princípio, os seus recursos financeiros na manutenção e no melhoramento dos imóveis de habitação que gere. Além disso, tendo em conta o objetivo desta empresa, os espaços a arrendar deveriam ser absolutamente espaços de escritórios padrão.

33

Para dispor de uma visão geral de todos os imóveis de escritórios adequados e disponíveis no mercado imobiliário e que satisfaziam as suas exigências, a Wiener Wohnen encarregou, no início de 2012, um perito em imóveis independente de efetuar uma análise global do mercado e de localizações de escritórios em Viena. Segundo a República da Áustria, quando da elaboração desta análise, o planeamento do imóvel Gate 2 já estava totalmente concluído, estando a totalidade dos planos disponível, mas o projeto ainda não tinha sido realizado. Por este motivo, a Wiener Wohnen não exerceu nenhuma influência na conceção arquitetónica nem no planeamento concreto das alas A e B desse imóvel. Além das exigências em matéria de área e de lugares de estacionamento, as negociações relativas à locação incidiram sobretudo sobre o montante da renda e das despesas de funcionamento. Um dos elementos essenciais das negociações foi a entrega, nas datas previstas, destas duas alas, a fim de poder organizar a mudança de cerca de 1000 colaboradores. Os únicos aspetos da construção em que a Wiener Wohnen poderia ter intervindo diziam respeito à subdivisão das instalações e à ocupação dos escritórios, bem como ao equipamento básico dos espaços arrendados.

34

No que respeita às intervenções estruturais alegadas pela Comissão, a República da Áustria sustenta que as pontes faziam parte do projeto do imóvel Gate 2, desde o início. Além disso, estas não faziam parte dos espaços arrendados. Quanto à opção relativa à locação do sexto ao oitavo andar da ala B, este Estado‑Membro afirma que esses andares deviam, em qualquer caso, ser construídos.

35

O documento intitulado «Descrição do edifício e dos seus equipamentos» assim como o «Complemento» desse documento limitavam‑se a prever exigências que todos os imóveis de escritórios modernos devem respeitar. A Comissão não identificou nenhum elemento nesses documentos que se afaste das condições previstas pelas disposições legais ou pelas diretivas e normas técnicas aplicáveis ou que não seja usual no setor de atividade em questão.

36

Segundo a República da Áustria, a fiscalização pela sociedade externa SET Bauprojektierung dizia respeito unicamente aos espaços objeto do contrato de locação, com exclusão dos outros espaços do imóvel Gate 2, como, nomeadamente, as centrais técnicas de aquecimento, a domótica, as instalações relativas aos elevadores ou as partes comuns ou exteriores. A Comissão não tem em conta o facto de que, no âmbito de projetos de mudanças importantes, é habitual haver não só uma fiscalização de acompanhamento exercida pelo dono da obra mas também verificações efetuadas pelo locatário.

37

A República da Áustria sublinha também que Wiener Wohnen não era a única locatária do edifício Gate 2. Neste contexto, pouco importa saber se os espaços arrendados a outros locatários eram menos importantes que os ocupados pela Wiener Wohnen O simples facto de os locatários diferentes da Wiener Wohnen terem arrendado instalações nesse imóvel demonstra que os espaços de escritório em causa correspondem aos de imóveis de escritórios padrão, que podem igualmente ser arrendados por terceiros, nas condições normais de mercado.

38

O «Management Summary» também não prova o ponto de vista da Comissão, uma vez que não era de modo algum indicado nesse documento que as exigências formuladas pela Wiener Wohnen iam além das pretensões habituais de um locatário. É perfeitamente normal que um locatário que tenha a intenção de se comprometer contratualmente a utilizar, durante um longo período, um grande edifício de escritórios queira conhecer claramente, antes de tomar a sua decisão, em que medida o locador admite as eventuais adaptações que ele considere necessárias.

39

Em especial, segundo a República da Áustria, o documento intitulado «Complemento à descrição do edifício e dos seus equipamentos» é «baseado» apenas no «caderno de encargos dos edifícios administrativos elaborado pelo Serviço MA34». Este caderno de encargos é já um resumo das exigências legais e normativas, conformes com o estado da técnica, aplicáveis a todos os imóveis de escritórios e cuja aplicação não se limita à cidade de Viena. Por conseguinte, as medidas descritas no referido «Complemento» também deveriam ser aplicadas se o contrato de locação tivesse sido celebrado não com a Wiener Wohnen mas com uma empresa privada. Quando a Comissão alega que as normas ecológicas constituem apenas «recomendações», desconhece a legislação aplicável. Com efeito, segundo jurisprudência constante do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), essas normas constituem o estado da técnica em relação ao qual é determinada a boa execução técnica. Por conseguinte, a aplicação destas normas não é facultativa.

40

As críticas formuladas pela Comissão a respeito da duração da locação prevista no contrato em causa, a saber, 25 anos, não têm em conta a realidade do mercado imobiliário. É unicamente nestas condições que os locadores estão dispostos a arrendar grandes superfícies a preços acessíveis. Para a Wiener Wohnen, o facto de renunciar à possibilidade de rescindir o referido contrato não coloca dificuldades, uma vez que é improvável uma nova mudança de 1000 colaboradores, por razões de custos e de falta de locais alternativos adequados.

Apreciação do Tribunal de Justiça

41

A ação da Comissão tem por objeto a qualificação de adjudicação por ajuste direto, sem procedimento de concurso nem anúncio de concurso, de um contrato relativo ao imóvel Gate 2 situado em Viena. A Comissão alega que a Wiener Wohnen, na sua qualidade de entidade adjudicante, celebrou, em 25 de maio de 2012, com uma empresa privada, um contrato de locação de longa duração relativo a esse imóvel, antes mesmo de este estar construído. Wiener Wohnen exerceu sobre a conceção do imóvel uma influência que excede largamente as exigências habituais do locatário desse tipo imóvel. Este contrato, que não pode ser abrangido pela exclusão prevista no artigo 16.o, alínea a), da Diretiva 2004/18, deve ser qualificado de «contrato de empreitada» na aceção desta diretiva. A violação da Diretiva 2004/18 daí resultante persiste enquanto subsistir o contrato de locação em causa, que não pode ser objeto de rescisão ordinária antes de 2040.

42

A título preliminar, importa recordar que a Diretiva 2004/18, tal como as outras diretivas em matéria de contratos públicos, tem por objetivo, como resulta, em substância, do seu considerando 2, assegurar o respeito, na adjudicação dos contratos públicos, nomeadamente, da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, bem como dos princípios daí decorrentes, em particular, da igualdade de tratamento, da não discriminação, da proporcionalidade e da transparência, e garantir que a adjudicação dos contratos públicos seja aberta à concorrência (Acórdãos de 12 de julho de 2001, Ordine degli Architetti e o., C‑399/98, EU:C:2001:401, n.os 52 e 75, e de 27 de novembro de 2019, Tedeschi e Consorzio Stabile Istant Service, C‑402/18, EU:C:2019:1023, n.o 33).

43

A este respeito, resulta da jurisprudência, por um lado, que a questão de saber se uma operação constitui ou não um contrato de empreitada de obras públicas no sentido da legislação da União cabe ao direito da União. A qualificação do contrato previsto de «contrato de locação» pelas partes não é determinante a este respeito (Acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti, C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 40 e jurisprudência referida).

44

Com efeito, no âmbito de um contrato de empreitada de obras públicas, a entidade adjudicante recebe uma prestação que consiste na realização das obras que pretende obter e que comporta um interesse económico direto para ela. Ora, esse interesse económico pode ser demonstrado não só quando esteja previsto que a entidade adjudicante será proprietária dos trabalhos ou da obra objeto do contrato, mas também se estiver previsto que disporá de um título jurídico que lhe garanta a disponibilidade dessas obras, com vista à sua afetação pública (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2010, Helmut Müller, C‑451/08, EU:C:2010:168, n.os 48 a 51).

45

De igual modo, não é pertinente, para efeitos da qualificação do contrato em causa, o facto de o contrato principal não prever, eventualmente, uma opção ou uma obrigação de reaquisição, pela cidade de Viena ou pela Wiener Wohnen, dos edifícios construídos (v., neste sentido, Acórdão de 29 de outubro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑536/07, EU:C:2009:664, n.o 62).

46

Por outro lado, quando um contrato contenha simultaneamente elementos de um contrato de empreitada de obras públicas e elementos de outro tipo de contrato, é o objeto principal do contrato que determina a sua qualificação jurídica e as regras da União aplicáveis (Acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti, C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 41 e jurisprudência referida).

47

No que diz respeito ao objeto da operação em causa, há que salientar que o contrato em causa tem a designação de «contrato de locação» e contém efetivamente elementos típicos dos contratos de locação. Todavia, não se pode deixar de referir que, na data da celebração desse contrato, a obra objeto do referido contrato ainda não tinha começado. Por conseguinte, esse contrato não podia ter por objetivo imediato a locação de imóveis. O objetivo desse contrato era a realização da referida obra, que devia, em seguida, ser posta à disposição da Wiener Wohnen através de um «contrato de locação» (v., neste sentido, Acórdão de 29 de outubro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑536/07, EU:C:2009:664, n.o 56).

48

A este respeito, há que observar que, como o considerando 24 da Diretiva 2004/18 enuncia, o artigo 16.o, alínea a), desta diretiva prevê uma exclusão do seu âmbito de aplicação material, e que a interpretação segundo a qual esta exclusão, como salientou o advogado‑geral no n.o 30 das suas conclusões, pode abranger a locação de edifícios não existentes, isto é, ainda não construídos, foi adotada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

49

Todavia, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a entidade adjudicante não pode invocar a exclusão prevista nessa disposição quando a realização da obra projetada constitui um «contrato de empreitada de obras públicas» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2004/18, na medida em que essa realização satisfaça as necessidades especificadas por essa entidade adjudicante (v., por analogia, Acórdãos de 29 de outubro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑536/07, EU:C:2009:664, n.o 55, e de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti, C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 43 e jurisprudência referida).

50

É o que sucede quando esta última tenha tomado medidas no sentido de definir as características da obra ou, pelo menos, de exercer uma influência determinante na conceção da mesma (Acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti, C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 44 e jurisprudência referida).

51

É esse o caso, nomeadamente, quando as especificações pedidas pela entidade adjudicante vão além das exigências habituais de um locatário em relação a um imóvel como a obra em causa (v., neste sentido, Acórdão de 29 de outubro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑536/07, EU:C:2009:664, n.o 58).

52

Por último, embora o montante da remuneração do empreiteiro ou as modalidades de pagamento desta não sejam os elementos determinantes para efeitos da qualificação do contrato em causa, não são desprovidos de pertinência (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de outubro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑536/07, EU:C:2009:664, n.os 60 e 61, e de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti, C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.os 49 a 51).

53

No que respeita ao edifício projetado, pode ser identificada uma influência determinante na sua conceção se se puder demonstrar que essa influência é exercida em relação à estrutura arquitetónica desse edifício, como a sua dimensão, as suas paredes exteriores e as suas paredes de suporte. Só se pode considerar que os pedidos relativos aos acabamentos internos demonstram uma influência determinante se se distinguirem devido à sua especificidade ou à sua amplitude.

54

É com base na jurisprudência acima referida que há que apreciar a ação da Comissão.

55

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante relativa ao ónus da prova no âmbito de um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É a esta última que cabe apresentar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este possa verificar a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção [Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Comissão/Itália (Contribuição para a compra de combustível), C‑63/19, EU:C:2021:18, n.o 74 e jurisprudência referida].

56

Todavia, os Estados‑Membros devem, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, facilitar à Comissão o cumprimento da sua missão, que consiste, nomeadamente, segundo o artigo 17.o, n.o 1, TUE, em velar pela aplicação das disposições do Tratado FUE, bem como das medidas adotadas pelas instituições da União por força deste. A este respeito, importa ter em conta o facto de que, tratando‑se de verificar a correta aplicação, na prática, das disposições nacionais destinadas a assegurar a aplicação efetiva de uma diretiva, a Comissão, que não dispõe de poderes próprios de investigação na matéria, está largamente dependente dos elementos fornecidos por eventuais queixosos, bem como pelo Estado‑Membro em causa [Acórdão de 18 de novembro de 2020, Comissão/Alemanha (Reembolso do IVA — Faturas), C‑371/19, não publicado, EU:C:2020:936, n.os 66 e 67 e jurisprudência referida]. Daqui resulta, nomeadamente, que, quando a Comissão tenha fornecido elementos suficientes que revelem que as disposições nacionais que transpõem uma diretiva não são corretamente aplicadas, na prática, no território do Estado‑Membro demandado, incumbe a este contestar de modo substancial e detalhado os elementos assim apresentados e as consequências que daí decorrem [Acórdão de 28 de março de 2019, Comissão/Irlanda (Sistema de recolha e tratamento de águas residuais), C‑427/17, não publicado, EU:C:2019:269, n.o 39 e jurisprudência referida].

57

No caso em apreço, importa salientar que a Comissão não alegou que a Wiener Wohnen procurou exercer uma influência nos planos do proprietário do terreno, a saber, a Vectigal Immobilien, antes da receção, em 28 de fevereiro de 2012, da análise de localizações (Standortanyyse) realizada pelo perito em imóveis que tinha mandatado.

58

O referido perito identificou dez objetos livres para locação e, após ter constatado que seis projetos de imóveis satisfaziam as exigências mínimas da Wiener Wohnen, concluiu que o projeto de construção do imóvel Gate 2 era o mais adequado.

59

Como resulta da análise de localizações de 28 de fevereiro de 2012 e do documento intitulado «Estudo de viabilidade» («Bebauungsstudie») de 23 de janeiro de 2012, as características do imóvel Gate 2 já estavam determinadas nessas datas.

60

Importa observar que a estrutura do imóvel Gate 2, descrita nesse estudo de viabilidade de 23 de janeiro de 2012, e a estrutura constante do de 4 de maio de 2012 que faz parte do contrato de locação em causa são, em substância, idênticas, contendo o documento mais recente igualmente precisões suplementares, nomeadamente, no que respeita à utilização de determinados espaços e tendo estes dois documentos sido preparados pelo mesmo gabinete de arquitetos.

61

Por conseguinte, estes elementos são suscetíveis de corroborar a tese segundo a qual, como alega a República da Áustria, «no momento das negociações com vista à celebração do contrato de locação, o planeamento do imóvel [Gate 2] já estava totalmente concluído [e] a Wiener Wohnen […] não teve, desde o início, nenhuma influência sobre a conceção arquitetónica ou o planeamento concreto das alas A e B do imóvel [Gate 2]».

62

Todavia, a Comissão identifica duas circunstâncias das quais, em seu entender, é possível deduzir que a Wiener Wohnen exerceu uma influência sobre a própria conceção da estrutura desse imóvel.

63

A Comissão refere‑se à construção do sexto ao oitavo andar da ala B e às pontes que ligam as alas A e B do referido imóvel.

64

No que respeita à construção dos referidos andares desta ala B, importa salientar que o contrato de locação em causa previu uma opção não para a construção mas para a locação de espaços suplementares.

65

Com efeito, o artigo 1.9 do contrato de locação refere que a Wiener Wohnen dispunha, enquanto opção («Call‑Option»), do direito unilateral de tomar de locação, além dos cinco primeiros andares que constituíam o bem inicialmente arrendado, o sexto a oitavo andares da ala B do imóvel Gate 2. Esta disposição prevê igualmente que, se a Wiener Wohnen não exercer essa opção ou só a exercer parcialmente, o locador é livre de não construir os andares não desejados ou de os construir e arrendar a terceiros. A este respeito, a referida disposição precisa também que, neste caso, os terceiros dispõem do direito de utilizar determinadas partes gerais do edifício, como a entrada ou os elevadores, e que, em contrapartida, a Wiener Wohnen deverá beneficiar de uma redução na renda.

66

Importa salientar que esta construção já estava prevista no estudo de viabilidade de 23 de janeiro de 2012, que contém um esboço da ala B do imóvel Gate 2 que inclui oito andares. A análise de localizações de 28 de fevereiro de 2012 relativa a esta ala B refere nove níveis (um rés do chão e oito andares) e, por último, o contrato de locação em causa contém igualmente, no estudo de viabilidade de 4 de maio de 2012 que lhe está anexado, um esboço desta ala que compreende oito andares.

67

Consequentemente, resulta das informações de que dispõe o Tribunal de Justiça que a conceção do sexto ao oitavo andar da referida ala B não foi prevista para satisfazer uma necessidade especificada pela Wiener Wohnen.

68

As mesmas circunstâncias podem ser salientadas no que respeita às pontes que ligam as alas A e B do imóvel Gate 2.

69

O estudo de viabilidade de 23 de janeiro de 2012 já contém a menção «Option Brücke» («opção ponte») entre essas alas A e B. A análise de localizações contém um segmento de frase nos termos do qual as referidas alas A e B, «podem ser ligadas pela construção de uma ponte». No contrato de locação em causa figura a mesma menção «Option Brücke» («opção ponte») entre as ala A e B do imóvel Gate 2.

70

Consequentemente, a conceção da ponte que liga essas alas A e B também não foi prevista para satisfazer uma necessidade especificada pela Wiener Wohnen.

71

Por conseguinte, no caso em apreço, o simples facto de a Wiener Wohnen ter exercido as opções oferecidas, ou seja, ter feito uso das possibilidades já previstas, não basta para demonstrar que essa entidade exerceu uma influência determinante na conceção da obra em causa.

72

Além disso, a Comissão evoca vários outros elementos factuais dos quais é possível, em seu entender, deduzir que o contrato de arrendamento em causa deve ser requalificado de contrato de empreitada. Alega a inexistência de licença de construção, um contrato de locação de longa duração, a fiscalização ordenada pela Wiener Wohnen da execução das obras e a excessiva especificidade da obra.

73

Importa examinar estes diferentes elementos.

74

Quanto à inexistência de licença de construção no momento da celebração do contrato de locação, saliente‑se que, segundo uma prática comercial corrente, os projetos arquitetónicos de grande dimensão são propostos para locação muito antes da finalização dos planos de construção detalhados, de modo que o proprietário do terreno ou o dono da obra só dá início ao procedimento formal de obtenção de uma licença de construção quando dispõe de compromissos por parte de futuros locatários para uma parte importante dos espaços do edifício projetado. Nestas condições, o facto de, como no caso em apreço, a licença de construção só ter sido pedida e emitida após a data da celebração do contrato de locação em causa não obsta a que se considere que o imóvel Gate 2 já estava, nessa data, planeado e pronto a ser realizado. Em conformidade com as práticas e hábitos do mercado, um projeto arquitetónico completo não é uma condição prévia ao compromisso dos potenciais locatários. Por outro lado, o exercício de uma influência determinante na conceção da obra em causa não pode resultar da inexistência de tal projeto arquitetónico completo.

75

A este respeito, há que observar que, mesmo que o «Management Summary» da análise de localizações no mercado dos espaços de escritórios de Viena indicasse que o imóvel Gate 2 oferecia ao locatário a possibilidade de influenciar o planeamento do projeto em função de exigências específicas, a constatação da existência de um «contrato de empreitada de obras públicas» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2004/18 exige, pelo menos, que seja demonstrado o exercício efetivo dessa possibilidade.

76

No que respeita à duração do contrato de locação, basta salientar que, em todo o caso, este aspeto não pode afetar o facto de que, para se considerar que a realização da obra projetada constitui um «contrato de empreitada de obras públicas», devem estar preenchidas as condições decorrentes da jurisprudência que figura nos n.os 49 a 51 do presente acórdão. Importa acrescentar que o facto de um contrato de locação ser celebrado por um longo período, independentemente das circunstâncias do caso em apreço, não é por si só inabitual.

77

Além disso, pode ser acolhido, no caso em apreço, o argumento da República da Áustria segundo o qual, por um lado, a obrigação de não rescindir o contrato de locação durante um longo período tem influência no montante da renda e, por outro, a própria Wiener Wohnen queria evitar uma nova mudança que seria dispendiosa e perturbaria seriamente o seu funcionamento.

78

No que respeita ao argumento da Comissão segundo o qual a Wiener Wohnen mandatou a sociedade SET Bauprojektierung, especializada na elaboração de projetos de construção, para realizar uma fiscalização de acompanhamento do processo de execução específica do projeto de construção e que a Wiener Wohnen fiscalizou, assim, a realização da obra como um dono de obra, há que salientar que não é de modo nenhum inabitual que um locatário tome medidas para se assegurar que a mudança para as instalações possa ocorrer na data prevista, nomeadamente, quando se trata, como no caso em apreço, de uma mudança de grande dimensão. Com efeito, o facto de recorrer aos serviços de um terceiro especializado na matéria permite um acompanhamento eficaz dos prazos previstos para entrega do imóvel, assegurar uma fiscalização com vista a detetar, com suficiente antecedência, eventuais atrasos ou deficiências e tomar as disposições necessárias, como, por exemplo, a prorrogação de certos contratos de locação em determinados imóveis ainda ocupados.

79

Através dessa fiscalização de acompanhamento, a Wiener Wohnen também não exerceu uma influência determinante na conceção do imóvel Gate 2.

80

Quanto às especificações que a Wiener Wohnen formulou, resulta dos elementos dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que este imóvel foi concebido como um imóvel de escritórios clássico, sem que fossem visados determinados grupos de locatários nem necessidades específicas. As alas A e B do referido imóvel seguem um sistema de grelhas, habitual nos imóveis de escritórios da dimensão deste, garantindo que a disposição interior fique o mais flexível possível e adaptada a futuros locatários.

81

A este respeito, é usual que uma empresa, privada ou pública, que pretenda arrendar um imóvel de escritórios, especifique certas pretensões quanto às características que esse local deve reunir, tanto quanto possível, quer se trate de um edifício ainda a construir ou de uma mudança de locatário por ocasião da qual são efetuadas obras de renovação. Tais diligências não permitem que um contrato de arrendamento seja requalificado de contrato de empreitada.

82

Nestas condições, importa determinar se as especificações formuladas pela Wiener Wohnen visavam satisfazer pedidos que ultrapassam o que o locatário de um imóvel como o imóvel Gate 2 pode habitualmente exigir e conduzem a que se considere que a Wiener Wohnen exerceu uma influência determinante na conceção deste imóvel.

83

Como observou a República da Áustria, na medida em que a Wiener Wohnen procurava assegurar que as especificações constantes de normas técnicas aplicáveis por força de disposições legais eram respeitadas ou que as características do imóvel eram conformes com o «estado da técnica» habitual no mercado em causa, à luz do qual é avaliada a boa execução técnica da construção, não se pode considerar que estas exigências são medidas tomadas pela Wiener Wohnen para exercer uma influência na conceção do imóvel Gate 2 ou que ultrapassam o que um locatário pode habitualmente exigir.

84

Em especial, na medida em que os pedidos formulados pela Wiener Wohnen incidiam sobre a aplicação de normas, ainda que não vinculativas, que visavam alcançar objetivos relativos à melhoria do desempenho energético da futura sede central desta entidade e, mais genericamente, reduzir a pegada ecológica desse imóvel, esses pedidos também não excediam o que o locatário de tal imóvel pode habitualmente pedir.

85

Dado que as normas legislativas ou regulamentares nas matérias acima mencionadas evoluíram consideravelmente nas últimas décadas, tornando‑se cada vez mais exigentes, e continuam a evoluir nesse sentido, não se pode considerar como uma exigência exorbitante de uma entidade pública como a Wiener Wohnen, que procura arrendar, por um longo período, um edifício para abrigar a sua administração central, a vontade de dispor de um edifício cujas características não se limitam ao cumprimento das normas em vigor no momento da celebração do contrato de locação em causa, mas que apresenta também uma certa perenidade no que respeita ao cumprimento das normas aplicáveis no decurso do tempo.

86

Embora o número desses pedidos e o seu grau de detalhe sejam elevados, o critério determinante neste contexto é, no entanto, saber se esses pedidos vão além das exigências habituais de um locatário em relação a um imóvel como o imóvel Gate 2.

87

Ora, embora a Comissão tenha demonstrado, com base nos documentos intitulados «Descrição do edifício e dos seus equipamentos», de 16 de maio de 2012, e «Complemento da descrição do edifício e dos seus equipamentos», de 22 de maio de 2012, ambos anexados ao contrato de locação em causa, que os pedidos apresentados pela Wiener Wohnen eram numerosos e detalhados, apoiando‑se em exemplos concretos, não resulta, em contrapartida, dos seus próprios articulados que a Wiener Wohnen apresentou um número não negligenciável de pedidos que tiveram por efeito que, na medida em que se destinavam a satisfazer as suas próprias necessidades, esta entidade tenha exercido uma influência determinante na conceção do imóvel Gate 2.

88

Na sua petição, a Comissão cita, neste contexto, alguns pontos do documento intitulado «Descrição do edifício e dos seus equipamentos». Nos termos desses pontos, «todos os elevadores vão da cave (garagem) ao andar mais alto», «a obra é realizada em conformidade com as diretivas do sistema de certificação ÖGNI — nível ouro», «[o] solo [é] sobreelevado com uma altura bruta média de cerca de 10 cm, e uma capacidade de carga de 5 kN/m2» e «o arrefecimento é assegurado principalmente por elementos de teto termoativos com superfícies cobertas ou revestidas com uma pintura de dispersão».

89

Ora, a Comissão não explica em que medida o pedido de que todos os elevadores liguem todos os níveis, incluindo o andar mais alto, constitui um pedido inabitual. Dado que, como alega a República da Áustria, sem que a Comissão o conteste, tal especificação decorre de uma obrigação legal, não se pode considerar que reflete o exercício de uma influência determinante na conceção do imóvel imputável à Wiener Wohnen.

90

Do mesmo modo, é prática corrente prever, nos edifícios de escritórios, um solo sobreelevado, a fim de garantir, nomeadamente, a modularidade da organização interior. Quanto à altura bruta média e à capacidade de carga desse solo, a Comissão também não explica em que medida as especificações evocadas são inabituais. O mesmo se diga do pedido de que o arrefecimento do imóvel Gate 2 seja assegurado principalmente por elementos de teto termoativos.

91

Quanto ao «sistema de certificação ÖGNI — nível ouro», a Comissão salienta, no âmbito da sua análise do documento intitulado «Complemento da descrição do edifício e dos seus equipamentos», que é enunciado na introdução desse documento que «[o] objetivo declarado pelo locador e pelo locatário de obter o certificado “ÖGNI — GOLD Green Building” considera‑se acordado e representa uma exigência incondicional para a realização no planeamento da construção». Em seguida, a Comissão alega que a argumentação da República da Áustria, segundo a qual esta certificação estava prevista, desde o início, pelo locador e não constitui uma exigência da Wiener Wohnen, é inexata. A este respeito, há que salientar que, na análise de localizações de 28 de fevereiro de 2012, preparada por um perito em imóveis, já figura a menção de que está prevista a certificação «ÖGNI — nível ouro» do imóvel Gate 2.

92

Por conseguinte, há que presumir que a conceção do imóvel Gate 2 em conformidade com as exigências decorrentes dessa certificação é não o resultado de uma influência determinante exercida pela Wiener Wohnen mas uma iniciativa do próprio locador, que foi adotada, como recordado no n.o 57 do presente acórdão, antes do início das negociações com a Wiener Wohnen. Por outro lado, a Comissão não indica nos seus articulados as razões pelas quais este certificado não era igualmente emitido no interesse do locador. Ora, é evidente que a obtenção de tal certificado reforça o valor do bem imóvel em causa.

93

Alguns dos elementos mencionados nos documentos intitulados «Descrição do edifício e dos seus equipamentos» e «Complemento da descrição do edifício e dos seus equipamentos» devem ser entendidos tendo em conta a intenção de Wiener Wohnen de dispor, durante um longo período, de um sítio que reúna todos os seus serviços. Assim, a exigência relativa à dimensão da distribuição elétrica, para haver uma reserva de espaço de 25 % para qualquer extensão futura, não se afigura uma exigência que vá além das exigências habituais de um locatário em relação a um imóvel como o imóvel Gate 2.

94

Em contrapartida, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, por razões económicas que revestem um aspeto particularmente importante para ela, a Vectigal Immobilien, enquanto proprietária e dona de obra do imóvel Gate 2, teve o cuidado de garantir que a construção fosse realizada de modo a que, em caso de libertação total ou parcial dos locais pela Wiener Wohnen, pudesse voltar a arrendar imediatamente a terceiros os espaços em causa. Assim, segundo a República da Áustria, a Vectigal Immobilien previu, nomeadamente, para a totalidade dos espaços a arrendar disponíveis num determinado andar, várias separações com saídas de emergência e acessos aos ascensores autónomos para cada andar, a fim de, no futuro, ter a possibilidade de arrendar espaços individuais ou os diferentes andares separadamente.

95

Em definitivo, a Comissão não demonstrou que os pedidos formulados pela Wiener Wohnen na sua qualidade de futuro locatário puseram em causa a utilização do imóvel Gate 2 como edifício de escritórios que poderiam ter locatários que sucederiam a essa entidade. Consequentemente, deve concluir‑se que as adaptações resultantes desses pedidos não excedem o que um locatário pode habitualmente exigir.

96

Por último, contrariamente à jurisprudência referida no n.o 52 do presente acórdão, a ação da Comissão não contém informações sobre os custos dos trabalhos à data da sua conclusão em 2014 nem sobre a relação entre esses custos e o valor atualizado, nessa data, do montante total das rendas num período de 20 anos.

97

Decorre, assim, de todas as considerações precedentes que a Comissão não demonstrou suficientemente que, na medida em que Wiener Wohnen adjudicou por ajuste direto o contrato de 25 de maio de 2012 relativo ao imóvel de escritórios sito em Guglgasse 2‑4, em Viena, sem realizar um procedimento de concurso e sem comunicar o respetivo anúncio, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.o, 28.o e 35.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18.

98

Consequentemente, a ação da Comissão deve ser julgada improcedente.

Quanto às despesas

99

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República da Áustria pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

 

1)

A ação é julgada improcedente.

 

2)

A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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