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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019CJ0387

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 14 de janeiro de 2021.
RTS infra BVBA e Aannemingsbedrijf Norré-Behaegel contra Vlaams Gewest.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State.
Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 57.°, n.° 6 — Motivos de exclusão facultativos — Medidas tomadas pelo operador económico a fim de demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de um motivo de exclusão facultativo — Obrigação de o operador económico fornecer a prova dessas medidas por iniciativa própria — Efeito direto.
Processo C-387/19.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:13

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

14 de janeiro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 57.o, n.o 6 — Motivos de exclusão facultativos — Medidas tomadas pelo operador económico a fim de demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de um motivo de exclusão facultativo — Obrigação de o operador económico fornecer a prova dessas medidas por iniciativa própria — Efeito direto»

No processo C‑387/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica), por Decisão de 7 de maio de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de maio de 2019, no processo

RTS infra BVBA,

Aannemingsbedrijf Norré‑Behaegel BVBA

contra

Vlaams Gewest,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby (relator), S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da RTS infra BVBA e da Aannemingsbedrijf Norré‑Behaegel BVBA, por J. Goethals, advocaat,

em representação do Governo belga, por J.‑C. Halleux, L. Van den Broeck e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistidos por F. Judo e N. Goethals, advocaten,

em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, na qualidade de agente,

em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll e M. Fruhmann, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Haasbeek e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 57.o, n.os 4, 6 e 7, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2015/2170 da Comissão, de 24 de novembro de 2015 (JO 2015, L 307 p. 5) (a seguir «Diretiva 2014/24»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a RTS infra BVBA e a Aannemingsbedrijf Norré‑Behaegel BVBA à Vlaams Gewest (Região da Flandres, Bélgica) a respeito da decisão desta última de excluir essas duas sociedades de um procedimento de contratação pública.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2014/24

3

O considerando 102 da Diretiva 2014/24 enuncia:

«Deverá [...] prever‑se a possibilidade de os operadores económicos poderem adotar medidas de execução destinadas a remediar as consequências de quaisquer infrações penais ou faltas graves e a prevenir eficazmente a repetição de tais faltas. Essas medidas poderão consistir, em particular, em intervenções ao nível do pessoal e da organização, como sejam a rutura de todas as ligações com as pessoas ou organizações envolvidas na conduta ilícita, medidas adequadas de reorganização do pessoal, a aplicação de sistemas de notificação e controlo e a criação de uma estrutura de auditoria interna para acompanhar o cumprimento e a adoção de regras internas em matéria de responsabilidade e compensação. Se tais medidas proporcionarem garantias suficientes, o operador económico em questão deverá deixar de estar excluído por esses motivos apenas. Os operadores económicos deverão ter a possibilidade de solicitar que sejam examinadas as medidas de execução tomadas com vista a uma eventual admissão ao procedimento de contratação. No entanto, deverá ser deixada ao critério dos Estados‑Membros a determinação das exatas condições processuais e materiais aplicáveis nesses casos. Em particular, os Estados‑Membros são livres de decidir se querem deixar ao cuidado das autoridades adjudicantes as avaliações pertinentes ou confiar essa tarefa a outras autoridades a nível central ou não central.»

4

O artigo 18.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Princípios da contratação», dispõe, no seu n.o 1:

«As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

[...]»

5

O artigo 57.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Motivos de exclusão», enuncia, nos seus n.os 4 a 7:

«4.   As autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das seguintes situações:

[...]

c)

Se a autoridade adjudicante puder demonstrar, por qualquer meio adequado, que o operador económico cometeu qualquer falta profissional grave que põe em causa a sua idoneidade;

[...]

g)

Se o operador económico tiver acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de um requisito essencial no âmbito de um contrato público anterior, um anterior contrato com uma autoridade adjudicante ou um anterior contrato de concessão, tendo tal facto conduzido à rescisão antecipada desse anterior contrato, à condenação por danos ou a outras sanções comparáveis;

h)

Se o operador económico tiver sido considerado responsável por declarações falsas ao prestar as informações requeridas para a verificação da ausência de motivos de exclusão ou o cumprimento dos critérios de seleção, tiver retido essas informações ou não puder apresentar os documentos comprovativos exigidos nos termos do artigo 59.o; [...]

[...]

5.   [...]

A qualquer momento do procedimento, as autoridades adjudicantes podem excluir, ou ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir, um operador económico quando se verificar que o operador económico em causa, tendo em conta atos cometidos ou omitidos antes ou durante o procedimento, se encontra numa das situações referidas no n.o 4.

6.   Qualquer operador económico que se encontre numa das situações referidas nos n.os 1 e 4 pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de uma importante causa de exclusão. Se essas provas forem consideradas suficientes, o operador económico em causa não é excluído do procedimento de contratação.

Para o efeito, o operador económico deve provar que ressarciu ou que tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou pela falta grave, esclareceu integralmente os factos e as circunstâncias através de uma colaboração ativa com as autoridades responsáveis pelo inquérito e tomou as medidas concretas técnicas, organizativas e de pessoal adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves.

As medidas tomadas pelos operadores económicos são avaliadas tendo em conta a gravidade e as circunstâncias específicas da infração penal ou falta cometida. Caso as medidas sejam consideradas insuficientes, o operador económico recebe uma exposição dos motivos dessa decisão.

Um operador económico que tenha sido excluído, por decisão transitada em julgado, de participar em procedimentos de contratação pública ou concessão não pode recorrer à possibilidade prevista no presente número durante o período de exclusão resultante dessa decisão nos Estados‑Membros onde esta produz efeitos.

7.   Os Estados‑Membros devem especificar as condições de aplicação do presente artigo por meio de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e tendo em conta o direito da União. Devem, em particular, determinar o período máximo de exclusão no caso de o operador económico não ter tomado medidas, como as especificadas no n.o 6, para demonstrar a sua fiabilidade. Se o período de exclusão não tiver sido fixado por decisão transitada em julgado, esse prazo não pode ser superior a cinco anos a contar da data da condenação por decisão transitada em julgado nos casos referidos no n.o 1 e três anos a contar da data do facto pertinente nos casos referidos no n.o 4.»

6

O artigo 59.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Documento Europeu Único de Contratação Pública», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   No momento da apresentação dos pedidos de participação ou das propostas, as autoridades adjudicantes devem aceitar o Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), constituído por uma declaração sob compromisso de honra atualizada, como elemento de prova preliminar, em substituição dos certificados emitidos por autoridades públicas ou por terceiros, confirmando que o operador económico em causa satisfaz qualquer uma das seguintes condições:

a)

Não se encontra numa das situações referidas no artigo 57.o, que determinam a exclusão obrigatória ou facultativa dos operadores económicos;

[...]

O DEUCP consiste numa declaração formal do operador económico segundo a qual o motivo de exclusão relevante não se aplica e/ou o critério de seleção relevante se encontra preenchido, e fornece as informações pertinentes exigidas pela autoridade adjudicante. O DEUCP identifica ainda a autoridade pública ou o terceiro responsável pela emissão dos documentos comprovativos e inclui uma declaração formal segundo a qual o operador económico poderá, mediante pedido e sem demora, apresentar esses documentos comprovativos.

[...]

2.   O DEUCP é elaborado com base num formulário‑tipo, a ser estabelecido pela Comissão [Europeia] por meio de atos de execução. [...]»

7

O artigo 69.o da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Propostas anormalmente baixas», dispõe, no seu n.o 1:

«As autoridades adjudicantes exigem que os operadores económicos expliquem os preços ou custos indicados na proposta, sempre que estes se revelem anormalmente baixos para as obras, fornecimentos ou serviços a prestar.»

8

O artigo 90.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 prevê que os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a essa diretiva até 18 de abril de 2016, enquanto o artigo 91.o, primeiro parágrafo, da referida diretiva dispõe que a Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114), é revogada com efeitos a partir de 18 de abril de 2016.

Regulamento de Execução (UE) 2016/7

9

O anexo 2, parte III, C, do Regulamento de Execução (UE) 2016/7 da Comissão, de 5 de janeiro de 2016, que estabelece o formulário‑tipo do Documento Europeu Único de Contratação Pública (JO 2016, L 3, p. 16), contém, nomeadamente, as duas rubricas seguintes:

«[...]

[...]

O operador económico foi declarado culpado de uma falta profissional grave [...]?

Em caso afirmativo, queira indicar pormenores:

[ ] Sim [ ] Não

[………………]

Em caso afirmativo, tomou o operador económico medidas de “limpeza automática”?

[ ] Sim [ ] Não

Em caso afirmativo, descrever as medidas tomadas:

[………………]

[...]

[...]

O operador económico foi sujeito à rescisão antecipada de um contrato público anterior, de um contrato anterior com uma entidade adjudicante ou de um contrato de concessão anterior ou ainda objeto de um pedido de indemnização ou de outras sanções comparáveis ao abrigo desse contrato anterior?

Em caso afirmativo, queira indicar pormenores:

[ ] Sim [ ] Não

[………………]

Em caso afirmativo, tomou o operador económico medidas de “limpeza automática”?

[ ] Sim [ ] Não

Em caso afirmativo, descrever as medidas tomadas:

[………………]

[...]

[...]»

Direito belga

10

O artigo 61.o, n.o 2, ponto 4, do koninklijk besluit plaatsing overheidsopdrachten klassieke sectoren (Decreto Real Relativo ao Procedimento de Contratação Pública nos Setores Clássicos), de 15 de julho de 2011 (Belgisch Staatsblad, 9 de agosto de 2011, p. 44862), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«Em conformidade com o artigo 20.o da wet [overheidsopdrachten en bepaalde opdrachten voor werken, leveringen en diensten (Lei Relativa aos Contratos Públicos e a Determinados Contratos de Empreitada de Obras, de Fornecimento e de Serviços), de 15 de junho de 2006 (Belgisch Staatsblad, 15 de fevereiro de 2007, p. 7355)], pode ser excluído do procedimento de contratação, em qualquer fase, o candidato ou proponente:

[...]

que tenha cometido uma falta profissional grave;

[...]»

11

O artigo 70.o da wet van inzake overheidsopdrachten (Lei Relativa aos Contratos Públicos), de 17 de junho de 2016 (Belgisch Staatsblad, 14 de julho de 2016, p. 44219), que entrou em vigor em 30 de junho de 2017 (a seguir «Lei de 17 de junho de 2016»), prevê:

«Qualquer candidato ou proponente que se encontre numa das situações referidas nos artigos 67.° ou 69.° pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de um importante motivo de exclusão. Se essas provas forem consideradas suficientes pela autoridade adjudicante, o candidato ou proponente em causa não é excluído do procedimento de contratação.

Para o efeito, o candidato ou proponente deve ter a iniciativa de provar que ressarciu ou que tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou pela falta grave, esclareceu integralmente os factos e as circunstâncias através de uma colaboração ativa com as autoridades responsáveis pelo inquérito e tomou as medidas concretas técnicas, organizativas e de pessoal adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Por anúncio de concurso publicado, em 11 de maio de 2016, no Bulletin der Aanbestedingen (Boletim das Adjudicações) e, em 13 de maio de 2016, no Jornal Oficial da União Europeia, a afdeling Wegen en Verkeer Oost‑Vlaanderen (Secção das Estradas e da Circulação da Flandres Oriental, Bélgica) da Agentschap Wegen en Verkeer van het Vlaamse gewest (Agência das Estradas e da Circulação da Região da Flandres, Bélgica) lançou um procedimento de contratação pública de empreitada de obras para a reparação do nó Nieuwe Steenweg (N60) e das vias de acesso e de saída da E17 em De Pinte. O anúncio de concurso recordava, nomeadamente, os motivos de exclusão previstos no artigo 61.o, n.os 1 e 2, do Decreto Real de 15 de julho de 2011, Relativo ao Procedimento de Contratação Pública nos Setores Clássicos, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, entre os quais figuravam as «faltas profissionais graves».

13

Na sequência da apresentação de seis propostas, entre as quais a das recorrentes no processo principal, a Região da Flandres, por Decisão de 13 de outubro de 2016, excluiu estas últimas da participação no concurso e adjudicou‑o à empresa que apresentou a proposta regular mais baixa.

14

A Região da Flandres fundamentou a exclusão das recorrentes no processo principal com o facto de, no âmbito da execução de contratos anteriores adjudicados pela mesma autoridade adjudicante do processo principal, terem cometido «faltas profissionais graves» que tinham sido objeto de sanções na maior parte dos casos e que diziam respeito a aspetos importantes para a execução do contrato para o qual apresentavam agora propostas. Neste contexto, a Região da Flandres entendeu que os incumprimentos contratuais graves e reiterados das recorrentes no processo principal suscitavam dúvidas e incertezas quanto à capacidade destas para assegurar uma correta execução do novo contrato.

15

As recorrentes no processo principal interpuseram recurso no órgão jurisdicional de reenvio para obter a anulação da Decisão de 13 de outubro de 2016. Alegam, a este propósito, que, antes de serem afastadas devido às pretensas faltas profissionais graves, deviam ter tido a possibilidade de se defender a esse respeito e de demonstrar, assim, que tinham remediado as consequências dessas faltas com medidas corretivas adequadas, como previsto no artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, o qual tem efeito direto.

16

A autoridade adjudicante contesta o efeito direto desta disposição. Sublinha, além disso, que, embora só tenha entrado em vigor em 30 de junho de 2017, ou seja, posteriormente à data da adoção da Decisão de 13 de outubro de 2016, a Lei de 17 de junho de 2016 prevê precisamente, no seu artigo 70.o, que o operador económico em causa deve, por iniciativa própria, declarar as medidas corretivas tomadas. Uma vez que a Diretiva 2014/24 não prevê nenhuma disposição quanto ao momento e à forma como deve ser fornecida a prova das medidas corretivas tomadas, a autoridade adjudicante procura apoiar‑se, nessas circunstâncias, no artigo 70.o da Lei de 17 de junho de 2016.

17

A fim de poder apreciar o mérito do recurso nele interposto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 57.o, n.os 4, 6 e 7, da Diretiva 2014/24 se opõe a que um operador económico possa ser excluído de um procedimento de contratação por falta profissional grave, sem ter sido previamente convidado pela autoridade adjudicante ou pelos documentos do concurso a fornecer a prova de que continua a ser fiável não obstante essa falta.

18

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, uma vez que a qualificação da falta profissional grave invocada contra o proponente em causa se enquadra na livre apreciação da autoridade adjudicante, esta apreciação pode revelar‑se pouco previsível para o proponente. Além disso, segundo esse órgão jurisdicional, os operadores económicos não costumam prestar‑se a uma forma de autoacusação, fornecendo uma lista dos incumprimentos que, porventura, poderiam ser qualificados de «faltas graves» pela autoridade adjudicante. Por conseguinte, assegurar um processo contraditório poderia favorecer a concorrência do procedimento de adjudicação do contrato. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o facto de deixar ao operador económico a iniciativa de fornecer a prova das medidas corretivas tomadas permitiria uma maior transparência, tanto mais que este operador sabe, devido ao período máximo de exclusão, durante quanto tempo deve, por iniciativa própria, comunicar as medidas corretivas.

19

Em caso de resposta afirmativa a esta primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende igualmente saber se as disposições supramencionadas da Diretiva 2014/24 têm efeito direto. Pergunta, em especial, se se pode considerar que certos elementos dessas disposições constituem, em matéria de autorreabilitação, garantias mínimas que permitem qualificá‑las de «suficientemente precisas e incondicionais» para as dotar de efeito direto.

20

Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o disposto no artigo 57.o, n.o 4, [alíneas] c) e g), em conjugação com os n.os 6 e 7 da Diretiva 2014/24[...], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma aplicação destas normas por força da qual o operador económico está obrigado a fornecer provas, por iniciativa própria, das medidas que tomou para demonstrar a sua fiabilidade?

2)

Em caso afirmativo, as disposições do artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g), em conjugação com os n.os 6 e 7 da [Diretiva 2014/24], assim interpretadas, têm efeito direto?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

21

A título preliminar, há que salientar que, uma vez que as disposições do artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, cuja interpretação é solicitada, não correspondem a nenhuma disposição que figure na regulamentação da União aplicável em matéria de contratos públicos até à data de adoção e de entrada em vigor dessa diretiva, as questões prejudiciais submetidas só serão pertinentes no caso de a referida diretiva ser aplicável à situação em causa no processo principal. O órgão jurisdicional de reenvio considera que é esse o caso devido ao facto de a publicação do anúncio de concurso em 11 e 13 de maio de 2016 ter ocorrido depois de 18 de abril de 2016, data em que, em conformidade com os seus artigos 90.° e 91.°, a Diretiva 2014/24, por um lado, devia ter sido transposta pelos Estados‑Membros e, por outro, revogou a Diretiva 2004/18.

22

No entanto, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que esse anúncio de concurso foi precedido de um anúncio de pré‑informação, que foi publicado em 17 de outubro de 2015, data em que a Diretiva 2004/18 ainda era aplicável.

23

A este respeito, resulta de jurisprudência constante que a diretiva aplicável é, em princípio, a que está em vigor na data em que a autoridade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai adotar e dirime definitivamente a questão de saber se há ou não a obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação de um contrato público. Em contrapartida, são inaplicáveis as disposições de uma diretiva cujo prazo de transposição expirou após essa data (Acórdão de 27 de novembro de 2019, Tedeschi e Consorzio Stabile Istant Service, C‑402/18, EU:C:2019:1023, n.o 29 e jurisprudência referida).

24

No caso em apreço, tendo em conta que o anúncio de pré‑informação foi publicado antes do praxo fixado para a transposição da Diretiva 2014/24, ao passo que o anúncio de concurso foi publicado numa data posterior a essa, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar em que data a autoridade adjudicante escolheu o tipo de procedimento que pretendia adotar e dirimiu definitivamente a questão de saber se existia ou não a obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação do contrato público em causa no processo principal.

Quanto à primeira questão

25

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática de um Estado‑Membro segundo a qual, no momento da apresentação do seu pedido de participação ou da sua proposta no âmbito do procedimento de contratação pública, o operador económico em causa é obrigado a fornecer espontaneamente a prova das medidas corretivas tomadas para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência, a seu respeito, de um motivo de exclusão facultativo referido no artigo 57.o, n.o 4, dessa diretiva, quando essa obrigação não resulte da regulamentação nacional aplicável nem dos documentos do concurso.

26

A este propósito, em primeiro lugar, importa recordar que, ao abrigo do artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, qualquer operador económico a quem, nomeadamente, diga respeito um dos motivos de exclusão facultativos referidos no artigo 57.o, n.o 4, dessa diretiva pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade, precisando‑se que, se essas provas forem consideradas suficientes, o operador económico em causa não pode ser excluído do procedimento de contratação por esse motivo. Esta disposição introduz, assim, um mecanismo de medidas corretivas (self‑cleaning) ao conferir um direito aos operadores económicos que os Estados‑Membros devem garantir quando transpõem a referida diretiva, no respeito das condições nesta estabelecidas [v., por analogia, quanto ao artigo 38.o, n.o 9, da Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1), o qual é equivalente ao artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, o Acórdão de 11 de junho de 2020, Vert Marine, C‑472/19, EU:C:2020:468, n.os 16 e 17].

27

Há que salientar que nem a redação do artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24 nem o considerando 102 dessa diretiva precisam de que forma nem em que fase do procedimento de contratação pode ser fornecida a prova das medidas corretivas.

28

Nestas condições, há que salientar que, à luz apenas da redação do artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, a possibilidade deixada aos operadores económicos de fornecerem a prova das medidas corretivas tomadas pode ser exercida tanto por sua iniciativa como por iniciativa da autoridade adjudicante, do mesmo modo que pode ser exercida tanto no momento da apresentação do pedido de participação ou da proposta como numa fase posterior do procedimento.

29

Esta interpretação é corroborada pelo objetivo prosseguido pelo artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24. Com efeito, ao prever que qualquer operador económico deve poder fornecer a prova das medidas corretivas, esta disposição visa sublinhar a importância atribuída à fiabilidade do operador económico, bem como assegurar uma avaliação objetiva dos operadores económicos e uma concorrência efetiva (v., por analogia, Acórdão de 11 de junho de 2020, Vert Marine, C‑472/19, EU:C:2020:468, n.o 22). Ora, este objetivo pode ser alcançado quando a prova das medidas corretivas é fornecida, em qualquer fase do procedimento que precede a tomada de decisão da adjudicação, uma vez que o essencial é que o operador económico tenha a possibilidade de invocar e de fazer examinar as medidas que, em seu entender, permitem remediar um motivo de exclusão que lhe diz respeito.

30

Esta interpretação é igualmente corroborada pelo contexto em que se inscreve o artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24. A este respeito, há que recordar que, ao abrigo do artigo 57.o, n.o 7, dessa diretiva, as condições de aplicação desse artigo e, portanto, do seu n.o 6 devem ser especificadas pelos Estados‑Membros tendo em conta o direito da União. Ora, no âmbito do poder de apreciação de que dispõem na determinação das modalidades processuais do artigo 57.o, n.o 6, da referida diretiva (v., por analogia, Acórdão de 11 de junho de 2020, Vert Marine, C‑472/19, EU:C:2020:468, n.o 23), os Estados‑Membros podem prever que a prova das medidas corretivas deve ser fornecida espontaneamente pelo operador económico em causa no momento da apresentação do seu pedido de participação ou da sua proposta, tal como podem igualmente prever que essa prova pode ser fornecida depois de esse operador económico ter sido formalmente convidado a fazê‑lo pela autoridade adjudicante numa fase posterior do procedimento.

31

Este poder de apreciação dos Estados‑Membros não afasta, todavia, as disposições da Diretiva 2014/24 que preveem a possibilidade de os operadores fornecerem espontaneamente a prova das medidas corretivas, logo na apresentação do pedido de participação no procedimento de contratação pública ou da sua proposta. Como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 49 das suas conclusões, o artigo 59.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2014/24 prevê que, no momento da apresentação desses pedidos ou dessas propostas, as autoridades adjudicantes devem aceitar o DEUCP, documento no qual o operador económico declara, sob compromisso de honra, que um motivo de exclusão lhe diz respeito e que tomou medidas de autorreabilitação, sem prejuízo de verificações posteriores.

32

Assim sendo, as disposições que figuram no artigo 59.o da Diretiva 2014/24, relativas ao DEUCP, não se opõem a que os Estados‑Membros decidam, no âmbito do poder de apreciação recordado no n.o 30 do presente acórdão, deixar à autoridade adjudicante a iniciativa de pedir a prova das medidas corretivas posteriormente à apresentação do pedido de participação ou da proposta, ainda que o pedido de participação ou a proposta seja acompanhado de um DEUCP.

33

Decorre da interpretação literal, teleológica e sistemática do artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, conforme resulta dos n.os 27 a 30 do presente acórdão, que esta disposição não se opõe a que a prova das medidas corretivas seja fornecida pelo operador económico em causa, por iniciativa própria ou a pedido expresso da autoridade adjudicante, nem a que o seja no momento da apresentação do pedido de participação ou da proposta ou numa fase posterior do procedimento de contratação.

34

Em segundo lugar, importa precisar que, como resulta do artigo 57.o, n.o 7, da Diretiva 2014/24, os Estados‑Membros são obrigados, quando determinam as condições de aplicação desse artigo 57.o, a ter em conta o direito da União. Em particular, devem observar não só os princípios de contratação estabelecidos no artigo 18.o da Diretiva 2014/24, entre os quais figuram, nomeadamente, os princípios da igualdade de tratamento, da transparência e da proporcionalidade, mas também o princípio do respeito pelos direitos de defesa, que, como princípio fundamental do direito da União, do qual o direito de ser ouvido em qualquer procedimento faz parte integrante, é aplicável sempre que a Administração se propõe adotar um ato lesivo dos interesses de uma pessoa, tal como uma decisão de exclusão adotada no âmbito de um procedimento de contratação (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Prequ’ Italia, C‑276/16, EU:C:2017:1010, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida).

35

Nestas condições, importa antes de mais recordar, por um lado, que, por força do princípio da transparência, todas as condições e modalidades do procedimento de adjudicação devem ser formuladas de forma clara, precisa e unívoca no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, para que todos os operadores económicos razoavelmente informados e normalmente diligentes possam compreender o seu alcance exato e interpretá‑las da mesma maneira (Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Connexxion Taxi Services, C‑171/15, EU:C:2016:948, n.o 40 e jurisprudência referida). Por outro lado, o princípio da igualdade de tratamento exige que os operadores económicos interessados num contrato público disponham das mesmas possibilidades na formulação das suas propostas, saibam exatamente quais os condicionalismos do procedimento e tenham a real garantia de que as mesmas exigências valem para todos os concorrentes (Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Connexxion Taxi Services, C‑171/15, EU:C:2016:948, n.o 39 e jurisprudência referida).

36

Daqui resulta que, quando um Estado‑Membro preveja que a prova das medidas corretivas só pode ser fornecida espontaneamente pelo operador económico no momento da apresentação do pedido de participação ou da proposta, sem que esse operador possa fornecer essa prova numa fase posterior do procedimento, os princípios da transparência e da igualdade de tratamento exigem, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 66 e 67 das suas conclusões, que os operadores económicos sejam abertamente informados dessa obrigação, com antecedência, de forma clara, precisa e unívoca, quer essa informação resulte diretamente dos documentos do concurso ou de uma remissão, nesses documentos, para a regulamentação nacional pertinente.

37

Em seguida, o direito de ser ouvido implica que, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 90 e 91 das suas conclusões, para poderem dar a conhecer, de forma útil e efetiva, o seu ponto de vista nesse pedido ou nessa proposta, esses operadores devem conseguir identificar, por si mesmos, os motivos de exclusão que podem ser invocados contra eles pela autoridade adjudicante à luz das informações que figuram nos documentos do concurso e na regulamentação nacional a este respeito.

38

Por último, na medida em que não constitua um obstáculo desarrazoado ao exercício do regime das medidas corretivas, a obrigação de os operadores económicos fornecerem espontaneamente a prova das medidas corretivas no seu pedido de participação ou na sua proposta está, desde que seja exercida nas condições recordadas nos n.os 36 e 37 do presente acórdão, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, por força do qual as regras estabelecidas pelos Estados‑Membros ou pelas autoridades adjudicantes no âmbito da execução das disposições da Diretiva 2014/24, como as regras destinadas a especificar as condições de aplicação do artigo 57.o desta diretiva, não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos pretendidos pela mesma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Tim, C‑395/18, EU:C:2020:58, n.o 45 e jurisprudência referida).

39

No caso em apreço, há que salientar que, como o órgão jurisdicional de reenvio refere, embora o Reino da Bélgica tenha transposto para o seu direito nacional, através do artigo 70.o da Lei de 17 de junho de 2016, o artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, precisando que a prova das medidas corretivas deve ser fornecida por iniciativa do operador económico, esta lei não tinha entrado em vigor na data da publicação do anúncio de concurso nem sequer na data da apresentação da proposta das recorrentes no processo principal. Por outro lado, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, embora recordando os motivos de exclusão previstos pela regulamentação nacional então em vigor, os documentos de concurso não indicavam expressamente que essa prova devia ser fornecida espontaneamente pelo operador económico em causa.

40

Nestas condições, e sem prejuízo da obrigação que incumbia às recorrentes no processo principal, por força dos requisitos de transparência e de lealdade, de informar a autoridade adjudicante das faltas profissionais graves que tinham cometido no âmbito da execução de contratos anteriores adjudicados pela mesma autoridade adjudicante, estas recorrentes podiam razoavelmente esperar, apenas com base no artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, que a autoridade adjudicante as convidasse posteriormente a fornecer a prova das medidas corretivas tomadas para remediar qualquer motivo de exclusão facultativo que essa autoridade pudesse assinalar.

41

Resulta igualmente dos n.os 34 a 37 do Acórdão de 3 de outubro de 2019, Delta Antrepriză de Construcţii şi Montaj 93 (C‑267/18, EU:C:2019:826), que se refere a uma legislação nacional que não precisava se a prova das medidas corretivas devia ser fornecida espontaneamente ou não pelo operador económico nem em que fase do procedimento devia sê‑lo, que, embora incumba aos operadores económicos informar a autoridade adjudicante, logo na apresentação do seu pedido de participação ou da sua proposta, da rescisão de um contrato anterior por falha grave, a autoridade adjudicante, quando declara a existência de um motivo de exclusão relacionado com tal rescisão ou com a dissimulação de informações relativas a tal rescisão, deve, no entanto, dar aos operadores em causa a possibilidade de fornecer a prova das medidas corretivas tomadas.

42

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão submetida que o artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática por força da qual, no momento da apresentação do seu pedido de participação ou da sua proposta, um operador económico é obrigado a fornecer espontaneamente a prova das medidas corretivas tomadas para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência, a seu respeito, de um motivo de exclusão facultativo referido no artigo 57.o, n.o 4, desta diretiva, quando essa obrigação não resulte da regulamentação nacional aplicável nem dos documentos do concurso. Em contrapartida, o artigo 57.o, n.o 6, da referida diretiva não se opõe a tal obrigação sempre que esta estiver prevista de forma clara, precisa e unívoca na regulamentação nacional aplicável e for levada ao conhecimento do operador económico em causa pelos documentos de concurso.

Quanto à segunda questão

43

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que produz efeito direto.

44

A esse respeito, resulta de jurisprudência constante que, em todos os casos em que, atento o seu conteúdo, as disposições de uma diretiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, podem ser invocadas nos órgãos jurisdicionais nacionais contra o Estado‑Membro em causa, quer quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional nos prazos previstos quer quando tenha feito uma transposição incorreta (Acórdão de 13 de fevereiro de 2019, Human Operator, C‑434/17, EU:C:2019:112, n.o 38).

45

No caso em apreço, importa salientar que, como resulta, em substância, da decisão de reenvio, a Lei de 17 de junho de 2016 que tem por objeto a transposição da Diretiva 2014/24 para o direito belga só entrou em vigor em 30 de junho de 2017, ou seja, numa data posterior à data do termo do prazo para a transposição dessa diretiva, em 18 de abril de 2016. Por conseguinte, a questão do efeito direto do artigo 57.o, n.o 6, da referida diretiva é pertinente.

46

O Tribunal de Justiça precisou que uma disposição do direito da União, por um lado, é incondicional quando prevê uma obrigação que não está sujeita a nenhuma condição nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à adoção de um ato das instituições da União ou dos Estados‑Membros e, por outro, é suficientemente precisa para ser invocada por um particular e aplicada pelo juiz quando prevê uma obrigação em termos inequívocos (Acórdão de 1 de julho de 2010, Gassmayr, C‑194/08, EU:C:2010:386, n.o 45 e jurisprudência referida).

47

O Tribunal de Justiça declarou, além disso, que, ainda que uma diretiva deixe aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação na adoção das modalidades de aplicação da mesma, pode considerar‑se que uma disposição dessa diretiva tem caráter incondicional e preciso quando impõe aos Estados‑Membros, em termos inequívocos, uma obrigação de resultado precisa, que não está subordinada a nenhuma condição relativa à aplicação da regra nela contida (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.os 104 e 105, e de 14 de outubro de 2010, Fuß, C‑243/09, EU:C:2010:609, n.os 57 e 58).

48

No presente caso, há que considerar que, ao prever que qualquer operador económico pode fornecer provas para demonstrar que as medidas que tomou são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de um motivo de exclusão que lhe diz respeito, o artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24 confere aos operadores económicos um direito que, por um lado, está formulado em termos inequívocos e, por outro, impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado que, ainda que as suas condições materiais e processuais de aplicação devam ser especificadas pelos Estados‑Membros ao abrigo do artigo 57.o, n.o 7, dessa diretiva, não depende de uma transposição para o direito interno para poder ser invocada pelo operador económico em causa e aplicada em benefício deste último.

49

Com efeito, independentemente das modalidades concretas de aplicação do artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, esta disposição prevê de forma suficientemente precisa e incondicional, na aceção da jurisprudência referida no n.o 46 do presente acórdão, que o operador económico em causa não pode ser excluído do procedimento de contratação se conseguir demonstrar, a contento da autoridade adjudicante, que as medidas corretivas tomadas restabelecem a sua fiabilidade não obstante a existência de um motivo de exclusão que lhe diz respeito. Por conseguinte, o artigo 57.o, n.o 6, dessa diretiva prevê, em benefício desse operador económico, uma proteção mínima, independentemente da margem de apreciação deixada aos Estados‑Membros na determinação das condições processuais dessa disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de julho de 1994, Faccini Dori, C‑91/92, EU:C:1994:292, n.o 17, e de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 105). Tanto assim é que, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 102 das suas conclusões, o artigo 57.o, n.o 6, da referida diretiva estabelece os elementos fundamentais do regime das medidas corretivas e do direito conferido ao operador económico, ao indicar os elementos mínimos a provar e os critérios de avaliação a respeitar.

50

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão submetida que o artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que produz efeito direto.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2015/2170 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática por força da qual, no momento da apresentação do seu pedido de participação ou da sua proposta, um operador económico é obrigado a fornecer espontaneamente a prova das medidas corretivas tomadas para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência, a seu respeito, de um motivo de exclusão facultativo referido no artigo 57.o, n.o 4, desta diretiva, conforme alterada pelo Regulamento Delegado 2015/2170, quando essa obrigação não resulte da regulamentação nacional aplicável nem dos documentos do concurso. Em contrapartida, o artigo 57.o, n.o 6, da referida diretiva, conforme alterada pelo Regulamento Delegado 2015/2170, não se opõe a tal obrigação sempre que esta estiver prevista de forma clara, precisa e unívoca na regulamentação nacional aplicável e for levada ao conhecimento do operador económico em causa pelos documentos de concurso.

 

2)

O artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, conforme alterada pelo Regulamento Delegado 2015/2170, deve ser interpretado no sentido de que produz efeito direto.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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