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Documento 62018CJ0730

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 25 de junho de 2020.
SC contra Eulex Kosovo.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Cláusula compromissória — Pessoal das missões internacionais da União Europeia — Concurso interno — Não renovação de um contrato de trabalho — Ato dissociável do contrato.
Processo C-730/18 P.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:505

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de junho de 2020 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Cláusula compromissória — Pessoal das missões internacionais da União Europeia — Concurso interno — Não renovação de um contrato de trabalho — Ato dissociável do contrato»

No processo C‑730/18 P,

que tem por objeto um recurso de um despacho do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 23 de novembro de 2018,

SC, representada por A. Kunst, Rechtsanwältin e L. Moro, avvocatessa,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Eulex Kosovo, representada por E. Raoult, avocate,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, M. Safjan, L. Bay Larsen (relator), C. Toader e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de novembro de 2019,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de março de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, SC pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de setembro de 2018, SC/Eulex Kosovo (T‑242/17; a seguir «despacho recorrido», EU:T:2018:586), através do qual aquele Tribunal negou provimento ao recurso que tinha por objeto, com fundamento nos artigos 272.o e 340.o TFUE, primeiro, que fosse declarado que a Eulex Kosovo não tinha cumprido as obrigações contratuais e extracontratuais para com a recorrente, segundo, que fosse declarado que o concurso interno organizado pela Eulex Kosovo em 2016 para prover o lugar de procurador (concurso EK30077) (a seguir «concurso interno de 2016») e a não renovação do seu contrato de trabalho foram ilegais bem como, terceiro, a reparação dos danos material e moral resultantes da violação, pela Eulex Kosovo, das suas obrigações contratuais e extracontratuais.

Quadro jurídico

2

O artigo 10.o, n.o 3, da Ação Comum 2008/124/PESC do Conselho, de 4 de fevereiro de 2008, sobre a Missão da União Europeia para o Estado de Direito no Kosovo, Eulex Kosovo (JO 2008, L 42, p. 92), dispõe:

«As condições de trabalho e os direitos e obrigações do pessoal internacional e local são estipulados nos contratos a celebrar entre a Eulex Kosovo e os membros do pessoal em causa.»

Antecedentes do litígio

3

A Missão Eulex Kosovo foi criada pela Ação Comum 2008/124 e foi, em seguida, prolongada diversas vezes.

4

SC foi contratada pela Eulex Kosovo, na qualidade de procuradora, ao abrigo de cinco contratos por tempo determinado sucessivos no período entre 4 de janeiro de 2014 e 14 de novembro de 2016. Os dois primeiros contratos continham uma cláusula compromissória que designava os «tribunais de Bruxelas» (Bélgica) como sendo competentes em caso de litígio decorrente do contrato. Os três últimos contratos previam, nos respetivos artigos 21.o, que, para qualquer litígio decorrente do contrato ou relativo a este, era competente o «Tribunal de Justiça da União Europeia em aplicação do artigo 272.o [TFUE]».

5

O artigo 1.2. do último contrato entre a Eulex Kosovo e a recorrente estipula que «[o]s seguintes documentos fazem parte integrante do contrato (após validação): o CONOPS/OPLAN, incluindo o Código de Conduta (CdC) e os Procedimentos Operacionais Normalizados (PON)».

6

Em 1 de julho de 2014, SC recebeu, através do seu superior hierárquico, uma notificação relativa à organização de um concurso interno para o lugar de procurador, uma vez que, nos termos do Plano de Operação (a seguir «OPLAN»), havia que reduzir o número de procuradores e que o artigo 4.3 dos Procedimentos Operacionais Normalizados respeitantes à reorganização (a seguir «PON respeitantes à reorganização») previa a realização de um concurso em tais circunstâncias. O concurso interno decorreu durante o verão de 2014 e foi posteriormente anulado.

7

Em 24 de junho de 2016, SC foi informada, por carta do serviço dos recursos humanos da Eulex Kosovo, que estava previsto organizar, em julho de 2016, um novo concurso interno para o lugar de procurador, devido à redução do número de lugares disponíveis.

8

Através da carta da chefe do serviço dos recursos humanos de 30 de setembro de 2016, SC foi informada de que não fora aprovada no concurso interno de 2016 (a seguir «decisão relativa ao concurso interno de 2016»). Na mesma carta, SC foi informada de que o seu contrato de trabalho, com termo em 14 de novembro de 2016, não seria renovado e que as modalidades relativas a este termo do contrato lhe seriam comunicadas posteriormente (a seguir «decisão de não renovar o contrato de trabalho»).

9

Através da carta de 10 de outubro de 2016, SC apresentou uma reclamação à chefe de missão que tinha por objeto a decisão relativa ao concurso interno de 2016 e a decisão de não renovar o contrato de trabalho.

10

Através da carta de 31 de outubro de 2016, esta chefe de missão indeferiu a reclamação de SC.

Recurso no Tribunal Geral e despacho recorrido

11

Por petição entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de abril de 2017, SC interpôs um recurso que comportava, em substância, quatro pedidos. Através dos pedidos primeiro e segundo, SC requereu que o Tribunal Geral declarasse que a Eulex Kosovo não tinha cumprido as suas obrigações contratuais e extracontratuais. Através do terceiro pedido, SC pediu ao Tribunal Geral que declarasse que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 e a decisão de não renovar o contrato de trabalho eram ilegais. Através do quarto pedido, SC pediu que a Eulex Kosovo fosse condenada a reparar os danos material e moral resultantes das suas obrigações contratuais e extracontratuais.

12

Em apoio do recurso interposto no Tribunal Geral, SC invocou cinco fundamentos. O primeiro fundamento era relativo à violação dos PON respeitantes à reorganização e dos procedimentos operacionais normalizados referentes à seleção do pessoal. O segundo fundamento era relativo à violação destes procedimentos operacionais normalizados, do Código de Conduta e de Disciplina da Eulex Kosovo, dos princípios contratuais de equidade e de boa‑fé, bem como do direito a uma boa administração. Os fundamentos terceiro a quinto eram relativos, em substância, à violação de diversos princípios de direito da União e de decisões adotadas pela Eulex Kosovo. Por outro lado, SC invocou a responsabilidade contratual e extracontratual da Eulex Kosovo.

13

Por requerimento separado entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de agosto de 2017, a Eulex Kosovo suscitou uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. A recorrente apresentou as suas observações a este respeito em 20 de outubro de 2017.

14

Através do despacho recorrido, o Tribunal Geral, sem examinar esta exceção de inadmissibilidade, negou provimento, em aplicação do artigo 126.o do seu Regulamento de Processo, ao recurso interposto por SC, julgando‑o, em parte, manifestamente inadmissível e, em parte, manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

15

Para concluir que o terceiro pedido do recurso interposto em primeira instância era manifestamente inadmissível, em primeiro lugar, o Tribunal Geral declarou que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 era dissociável do contrato de trabalho que ligava SC à Eulex Kosovo (a seguir «contrato de trabalho»). Em segundo lugar, o Tribunal Geral declarou que a decisão de não renovar o contrato de trabalho também era dissociável deste contrato. Baseando‑se nestes elementos, em terceiro lugar, o Tribunal Geral considerou que este pedido devia ser visto como um pedido de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE e que tal pedido devia ser julgado manifestamente inadmissível por ter sido interposto tardiamente por SC.

Pedidos das partes

16

Através do presente recurso, SC conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o despacho recorrido;

a título principal, julgar procedente o recurso interposto em primeira instância, exceto no que respeita ao quinto fundamento;

a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral, e

condenar a Eulex Kosovo nas despesas das duas instâncias.

17

A Eulex Kosovo conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso, e

condenar SC nas despesas.

Quanto ao presente recurso

18

SC invoca cinco fundamentos em apoio do presente recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 272.o TFUE. O segundo fundamento é relativo à violação deste artigo, do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do princípio da igualdade de tratamento. O terceiro é relativo à violação dos PON respeitantes à reorganização, do direito a uma boa administração, do princípio da imparcialidade e do dever de fundamentação. O quarto fundamento é relativo à violação dos artigos 268.o e 270.o TFUE. O quinto fundamento é relativo à violação destes últimos artigos e do artigo 272.o TFUE, bem como dos artigos 31.o e 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Argumentação das partes

19

Há que começar por examinar a terceira parte do segundo fundamento, através da qual SC sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 e a decisão de não renovar o contrato de trabalho deviam ser consideradas decisões administrativas dissociáveis deste contrato e ao considerar, consequentemente, que não podiam ser contestadas ao abrigo do artigo 272.o TFUE.

20

No que respeita, em primeiro lugar, à decisão relativa ao concurso interno de 2016, SC alega que esta decisão se baseou nos PON respeitantes à reorganização. Neste contexto, o Tribunal Geral não podia ter considerado validamente que esta decisão não tinha sido tomada ao abrigo do contrato de trabalho, uma vez que o artigo 1.2 deste contrato estipulava explicitamente que os procedimentos operacionais normalizados «fazem parte integrante do contrato» ao mesmo título que o OPLAN.

21

Nestas condições, a recorrente considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que SC não invocara nenhum fundamento relativo às cláusulas contratuais que a vinculavam à Eulex Kosovo, quando tinha invocado vários fundamentos relativos à violação dos PON respeitantes à reorganização.

22

No que se refere, em segundo lugar, à decisão de não renovar o contrato de trabalho, SC sustenta que o Tribunal Geral declarou em vários processos que tal decisão estava ligada ao contrato. O simples facto de este contrato não conter uma disposição contratual que estipule a renovação deste não tem nenhum impacto no mérito de tal decisão.

23

SC acrescenta que a abordagem seguida pelo Tribunal Geral no despacho recorrido conduz a que os agentes da Eulex Kosovo fiquem sistematicamente impedidos de contestar no Tribunal de Justiça a maioria das acusações de que são objeto em matéria de emprego e, em especial, de questionar as decisões mais graves que são tomadas contra si. Tal abordagem constitui uma violação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais e do princípio da igualdade de tratamento.

24

A Eulex Kosovo alega que a abordagem seguida pelo Tribunal Geral é conforme com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual o artigo 272.o TFUE deve ser interpretado de maneira restritiva.

25

Com efeito, a cláusula compromissória que figura no contrato de trabalho visa apenas os litígios que tenham origem neste contrato ou que a ele digam respeito. Só as questões que dele sejam indissociáveis estão assim abrangidas pela competência do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 272.o TFUE. Ora, embora as medidas adotadas para implementar as decisões do Conselho tenham efetivamente consequências para os agentes da Eulex Kosovo, tais medidas devem, contudo, ser consideradas atos administrativos dissociáveis deste contrato.

26

Desta forma, a decisão relativa ao concurso interno de 2016 tem origem numa decisão externa da Eulex Kosovo, e não no referido contrato. Esta decisão externa foi assim transcrita no OPLAN, e foi em seguida implementada no âmbito definido nos procedimentos operacionais normalizados.

27

A este respeito, não se pode considerar que o OPLAN e os procedimentos operacionais normalizados constituam documentos contratuais. É certo que resulta do artigo 1.2 do contrato de trabalho que estes documentos fazem parte integrante deste contrato. No entanto, são atos dotados de alcance geral que não se limitam necessariamente a questões de natureza contratual.

28

No que se refere à decisão de não renovar o contrato de trabalho, o Tribunal Geral, com razão, baseou as suas conclusões na inexistência, no contrato que vinculou a Eulex Kosovo a SC, de uma disposição contratual relativa à sua renovação.

29

Por outro lado, SC não pode acusar o Tribunal Geral de ter declinado de maneira geral a sua competência decorrente da cláusula compromissória, porquanto o Tribunal Geral só negou provimento ao recurso por este ser, em parte, manifestamente inadmissível e, em parte, manifestamente desprovido de fundamento jurídico, sem excluir a possibilidade de interpor um recurso ao abrigo do artigo 263.o TFUE.

Apreciação do Tribunal de Justiça

30

A título preliminar, há que recordar que o artigo 272.o TFUE constitui uma disposição específica que permite recorrer ao juiz da União, ao abrigo de uma cláusula compromissória estipulada pelas partes para contratos de direito público ou de direito privado, e isto sem restrições quanto à natureza da ação proposta perante o juiz da União (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2015, Planet/Comissão, C‑564/13 P, EU:C:2015:124, n.o 23; e de 7 de novembro de 2019, Rose Vision/Comissão, C‑346/18 P, não publicado, EU:C:2019:939, n.o 99).

31

Por outro lado, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que podem ser objeto de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE todos os atos adotados pelas instituições, independentemente da sua natureza ou da sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica (Acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 16; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 8).

32

No entanto, como o Tribunal Geral recordou no n.o 36 do despacho recorrido, perante um contrato que liga o recorrente a uma das instituições, só pode ser interposto recurso para o juiz da União ao abrigo do artigo 263.o TFUE se o ato impugnado se destinar a produzir efeitos jurídicos vinculativos fora da relação contratual que liga as partes e que impliquem o exercício de prerrogativas de poder público conferidas à instituição contratante na sua qualidade de autoridade administrativa (Acórdãos de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 20; e de 28 de fevereiro de 2019, Alfamicro/Comissão, C‑14/18 P, EU:C:2019:159, n.o 50).

33

No presente caso, o Tribunal Geral declarou, respetivamente nos n.os 39 e 45 do despacho recorrido, que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 e a decisão de não renovar o contrato de trabalho não se fundavam no contrato de trabalho. Daqui o Tribunal Geral deduziu, no n.o 46 do despacho recorrido, que, embora SC tenha baseado expressamente o terceiro pedido do seu recurso de primeira instância no artigo 272.o TFUE, havia que considerar que este pedido constituía um pedido de anulação apresentado com fundamento nas disposições do artigo 263.o TFUE.

34

Em primeiro lugar, para concluir que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 era dissociável do contrato de trabalho, o Tribunal Geral começou por salientar, no n.o 40 do despacho recorrido, que este concurso tinha sido organizado pela Eulex Kosovo na sequência da decisão de reduzir os efetivos desta missão que resultava da aprovação do OPLAN pelo Conselho e da aprovação do plano de destacamento da Eulex Kosovo pelo comandante da Operação Civil. Daqui o Tribunal Geral deduziu que a decisão de organizar o referido concurso constituía um ato administrativo que não sido tomado com fundamento no contrato de trabalho.

35

Em seguida, o Tribunal Geral baseou‑se, no n.o 41 no despacho recorrido, na circunstância de que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 tinha sido tomada pelo júri de seleção no contexto do regime descrito no n.o 40 daquele despacho para concluir, no n.o 42 do mesmo, que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 se situava fora da relação contratual entre SC e a Eulex Kosovo e resultava do exercício de prerrogativas de poder público conferidas à Eulex Kosovo na sua qualidade de autoridade administrativa.

36

No entanto, há que salientar, por um lado, que, ao declarar que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 se inscrevia no contexto de um regime definido no OPLAN e no Plano de Destacamento da Eulex Kosovo, o Tribunal Geral descreveu de forma incompleta o quadro jurídico em que se inscreveu a adoção dessa decisão. Com efeito, como foi alegado por SC e foi, aliás, reconhecido pela Eulex Kosovo, as modalidades de organização deste concurso também estavam parcialmente definidas nos PON respeitantes à reorganização.

37

Por outro lado, no que se refere à natureza contratual ou estatutária das regras previstas no OPLAN e nos PON respeitantes à reorganização, decorre do artigo 10.o, n.o 3, da Ação Comum 2008/124 que as condições de trabalho e os direitos e deveres do pessoal internacional e contratado no local figuram nos contratos entre a Eulex Kosovo e os membros do pessoal civil.

38

Ora, é facto assente que o artigo 1.2 do contrato de trabalho estipula expressamente que o OPLAN e os procedimentos operacionais fazem parte integrante deste contrato.

39

Por conseguinte, incumbia ao Tribunal Geral interpretar o artigo 1.2 do contrato de trabalho, para apreciar o alcance desta disposição e, em especial, os eventuais efeitos desta na natureza contratual ou estatutária que apresentavam, relativamente a SC, as regras enunciadas no OPLAN e nos PON respeitantes à reorganização. Na medida em que o Tribunal Geral não procedeu previamente a esta interpretação, não podia ter considerado validamente que uma decisão individual relativa à situação de SC na Eulex Kosovo, adotada no âmbito de um regime definido nomeadamente no OPLAN e nos PON respeitantes à reorganização, produzia efeitos jurídicos vinculativos que se situavam fora da relação contratual entre SC e a Eulex Kosovo.

40

A este respeito, a constatação do facto de que a decisão relativa ao concurso interno de 2016 foi adotada para dar seguimento à decisão de reduzir os efetivos da Eulex Kosovo, cujo caráter dissociável do contrato de trabalho não foi contestado, não pode permitir ao Tribunal Geral pronunciar‑se sem determinar igualmente o alcance do artigo 1.2 deste contrato.

41

Com efeito, na medida em que o artigo 10.o, n.o 3, da Ação Comum 2008/124 prevê que os direitos e as obrigações do pessoal internacional da Eulex Kosovo são definidos por contrato, não se pode à partida excluir que as decisões gerais relativas à organização da Eulex Kosovo sejam implementadas por decisões individuais relativas ao estatuto dos membros deste pessoal que se inscrevam no âmbito das relações contratuais entre a Eulex Kosovo e estes membros.

42

Decorre do que precede que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao pronunciar‑se, no n.o 42 do despacho recorrido, sobre o caráter dissociável do contrato de trabalho da decisão relativa ao concurso interno de 2016 sem ter previamente interpretado o artigo 1.2 deste contrato.

43

Em segundo lugar, para constatar que a decisão de não renovar o contrato de trabalho era dissociável deste, o Tribunal Geral baseou‑se, no n.o 45 do despacho recorrido, na afirmação segundo a qual o referido contrato não continha nenhuma disposição contratual que previsse a sua renovação. Daqui o Tribunal Geral deduziu que a decisão de oferecer ou não oferecer um novo contrato a SC não decorria das disposições contratuais que a ligavam à Eulex Kosovo, mas que se limitava a retirar as consequências da decisão relativa ao concurso interno de 2016.

44

A este respeito, por um lado, há que salientar que resulta da conclusão que figura no n.o 42 do presente acórdão que o Tribunal Geral não podia validamente basear‑se na relação existente entre a decisão relativa ao concurso interno de 2016 e a decisão de não renovar o contrato de trabalho para determinar que esta última decisão produzia efeitos jurídicos vinculativos que se situavam fora da relação contratual que unia SC à Eulex Kosovo.

45

Por outro lado, embora a circunstância de o contrato de trabalho não conter uma cláusula que previsse expressamente a sua renovação em circunstâncias predeterminadas possa ser pertinente para apreciar o mérito do recurso interposto por SC em primeira instância, tal circunstância não implica necessariamente que se possa apreciar a legalidade da decisão de não renovar este contrato sem tomar em consideração as cláusulas do referido contrato.

46

Deste modo, uma vez que resulta do texto do artigo 4.3 dos PON respeitantes à reorganização, cujo caráter contratual o Tribunal Geral devia ter apreciado, que este artigo estabelece uma relação entre os resultados do concurso interno e a não renovação do contrato de trabalho, a legalidade desta decisão deve ser apreciada tendo em conta este artigo.

47

Daqui resulta que os fundamentos adotados pelo Tribunal Geral no n.o 45 do despacho recorrido não eram suficientes para justificar a conclusão segundo a qual a decisão de não renovar o contrato de trabalho era dissociável deste contrato.

48

Em terceiro lugar, o fundamento que figura no n.o 43 do despacho recorrido, segundo o qual SC não invocava nenhum fundamento, argumento ou alegação baseados nas cláusulas do contrato de trabalho, não é suficiente para justificar a conclusão a que o Tribunal Geral chegou.

49

É certo que é facto assente que SC invocou de forma muito ampla, em apoio do seu terceiro pedido, diversas violações das disposições dos PON respeitantes à reorganização. No entanto, o Tribunal Geral não podia concluir que estas disposições não apresentavam, em relação a SC, natureza contratual, sem ter previamente procedido à interpretação do artigo 1.2 do contrato de trabalho.

50

À luz de todas as considerações que precedem, há que concluir que o Tribunal Geral não se podia basear validamente nas constatações efetuadas nos n.os 42 e 45 do despacho recorrido para proceder, no n.o 46 deste despacho, à requalificação da pretensão formulada no terceiro pedido do recurso interposto em primeira instância, e, em seguida, no n.o 51 do referido despacho, determinar com esta base o caráter extemporâneo de tal pretensão, de que resultava a inadmissibilidade deste pedido.

51

Há assim que julgar procedente a terceira parte do segundo fundamento invocado por SC.

52

Tendo‑se o Tribunal Geral baseado, nos n.os 54, 55, 71 e 72 do despacho recorrido, na inadmissibilidade do terceiro pedido do recurso interposto em primeira instância para indeferir os outros pedidos desse recurso, há que anular aquele despacho na totalidade, não sendo necessário examinar as outras partes do segundo fundamento nem os outros fundamentos do presente recurso.

Quanto ao recurso para o Tribunal Geral

53

Em conformidade com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este último, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, pode decidir ele próprio definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

54

Não é o que sucede no presente caso.

55

Com efeito, em primeiro lugar, cabe ainda ao Tribunal Geral, à luz do fundamento de anulação julgado procedente, interpretar o artigo 1.2 do contrato de trabalho, o que constitui uma apreciação de facto (v., neste sentido, Acórdão de 29 de outubro de 2015, Comissão/ANKO, C‑78/14 P, EU:C:2015:732, n.o 23; e Despacho de 21 de abril de 2016, Borde e Carbonium/Comissão, C‑279/15 P, não publicado, EU:C:2016:297, n.os 30 a 32), a fim de se pronunciar sobre o caráter dissociável deste contrato em face da decisão relativa ao concurso interno de 2016 e da decisão de não renovar o referido contrato.

56

Importa em seguida sublinhar que o Tribunal Geral não examinou a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Eulex Kosovo nem o mérito do terceiro pedido do recurso em primeira instância, embora tal exame seja necessário se se vier a considerar que as decisões mencionadas no número anterior do presente acórdão estão ligadas à relação contratual entre SC e a Eulex Kosovo.

57

Por último, na hipótese de considerar que este pedido é admissível, o Tribunal Geral o Tribunal Geral deveria, à luz das considerações enunciadas no n.o 52 do presente acórdão, a reexaminar os outros pedidos desse recurso.

58

Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral.

Quanto às despesas

59

Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

O Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de setembro de 2018, SC/Eulex Kosovo (T‑242/17, EU:T:2018:586), é anulado.

 

2)

Remete‑se o processo ao Tribunal Geral da União Europeia.

 

3)

Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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