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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019CJ0148

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 7 de maio de 2020.
    BTB Holding Investments SA e Duferco Participations Holding SA contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílios regionais a favor da indústria siderúrgica — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado comum — Conceito de “auxílios de Estado” — Vantagem — Critério do operador privado — Erro manifesto — Ónus da prova — Limites da fiscalização judicial.
    Processo C-148/19 P.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:354

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

    7 de maio de 2020 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílios regionais a favor da indústria siderúrgica — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado comum — Conceito de “auxílios de Estado” — Vantagem — Critério do operador privado — Erro manifesto — Ónus da prova — Limites da fiscalização judicial»

    No processo C‑148/19 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 19 de fevereiro de 2019,

    BTB Holding Investments SA, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo),

    Duferco Participations Holding SA, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo),

    representadas por J.‑F. Bellis, R. Luff, M. Favart e Q. Declève, avocats,

    recorrentes,

    sendo as outras partes no processo:

    Comissão Europeia, representada por V. Bottka e G. Luengo, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    Foreign Strategic Investments Holding (FSIH),

    interveniente em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

    composto por: P. G. Xuereb, presidente de secção, A. Arabadjiev (relator) e A. Kumin, juízes,

    advogado‑geral: G. Pitruzzella,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    No seu recurso, a BTB Holding Investments SA (a seguir «BTB») e a Duferco Participations Holding SA (a seguir «DPH») pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 11 de dezembro de 2018, BTB Holding Investments e Duferco Participations Holding/Comissão (T‑100/17, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:900), em que este negou provimento ao recurso que aquelas interpuseram para anulação parcial da Decisão (UE) 2016/2041 da Comissão, de 20 de janeiro de 2016, relativa aos auxílios estatais SA.33926 2013/C (ex 2013/NN, 2011/CP) concedidos pela Bélgica a favor da Duferco (JO 2016, L 314, p. 22; a seguir «decisão controvertida»).

    Antecedentes do litígio

    2

    Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 21 do acórdão recorrido e, para efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

    3

    O grupo Duferco produz e vende aço. Está presente em cerca de cinquenta países em todo o mundo. Em 2009, as atividades do referido grupo na Europa concentravam‑se principalmente na Bélgica e em Itália. Este grupo também exercia atividades, nomeadamente, na Suíça, no Luxemburgo e em França.

    4

    O grupo Duferco implantou‑se na Bélgica em 1997 e procedeu, até 2002, à aquisição de diferentes instalações siderúrgicas. Na sequência desta vaga de aquisições, o referido grupo possuía três filiais principais na Bélgica, a saber, a Duferco Clabecq, a Duferco La Louvière e a Carsid.

    5

    A consolidação dos negócios do grupo Duferco fazia‑se no interior da sociedade Duferco Industrial Investment (a seguir «DII»), que sucedeu à DPH. À frente do grupo Duferco encontra‑se a BTB, casa‑mãe do grupo que sucedeu à sociedade Bolmat Holding Ltd (a seguir «Bolmat») e às sociedades Ultima Holding Ltd e Ultima Partners Ltd (a seguir, conjuntamente, «Ultima»), antigas casas‑mãe da DPH.

    6

    Em 2006, o grupo Duferco estabeleceu uma parceria estratégica com o grupo russo Novolipetsk (a seguir «grupo NLMK»). Essa parceria visava tirar partido da presença do grupo NLMK a montante da cadeia do aço (fornecimento de matérias‑primas e fabrico de produtos semiacabados). Tomou a forma de uma participação da sociedade‑mãe do grupo NLMK numa das holdings do grupo Duferco, a saber, a Steel Invest & Finance (Luxemburgo) SA (a seguir «SIF»). A SIF agrupava numerosos ativos do grupo Duferco, entre os quais se contam a Duferco Clabecq, a Duferco La Louvière e a Carsid. Um ramo americano do grupo Duferco, a saber, a Duferco US Investment Corp. (a seguir «Duferco US») e a sua filial Duferco Farrell Corp. (a seguir «Farrell»), foi igualmente integrado na SIF no fim de 2006. Em 18 de dezembro de 2006, foi celebrado o acordo entre os grupos Duferco e NLMK, e a sociedade‑mãe do grupo NLMK adquiriu 50 % das participações da SIF.

    7

    Durante o verão de 2011, a parceria estratégica entre o grupo Duferco e o grupo NLMK chegou ao fim. Os dois grupos dividiram os ativos da SIF.

    8

    Em novembro de 2011, um jornal diário belga publicou uma série de artigos segundo os quais a Região da Valónia (Bélgica) tinha concedido um apoio financeiro ao grupo Duferco desde 2003, sem ter informado a Comissão Europeia. Segundo o referido jornal diário, a Região da Valónia teria criado, em março de 2003, uma nova holding financeira, a Foreign Strategic Investments Holding SA («FSIH»), filial da Société wallonne de gestion et de participations («Sogepa»), para investir em sociedades do referido grupo com sede fora da Bélgica, e mesmo da União Europeia.

    9

    Na sequência desses artigos, a Comissão solicitou ao Reino da Bélgica, por carta de 29 de novembro de 2011, que lhe fornecesse informações complementares sobre a natureza do apoio financeiro que a Região da Valónia teria concedido ao grupo Duferco entre 2003 e 2011.

    10

    Por carta de 16 de outubro de 2013, a Comissão informou o Reino da Bélgica da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE relativamente a estas medidas de apoio financeiro. A Comissão convidou os interessados a apresentar as suas observações sobre as referidas medidas em causa.

    11

    Resulta de todas as informações prestadas pelo Reino da Bélgica à Comissão que, entre 2003 e 2011, a FSIH interveio várias vezes a favor do grupo Duferco, num total de 517 milhões de euros.

    12

    Uma dessas intervenções, chamada «primeira medida» ou «medida n.o 1», consistiu na cessão, em 2006, pela FSIH, da participação de 49,9 % que detinha desde 2003 na Duferco US, a favor da DII. A cessão desta participação ocorreu no contexto das negociações prévias à aquisição da participação do grupo NLMK no grupo Duferco através da SIF, tendo o grupo NLMK expressado o desejo de que todas as ações da Duferco US fossem controladas pela SIF. Assim, para se desvincular da Duferco US, a FSIH concedeu à DII, em 14 de junho de 2006, uma opção de compra das suas ações na Duferco US, opção essa que, subsequentemente, foi cedida à Ultima, que a exerceu e procedeu à aquisição da totalidade da participação da FSIH na Duferco US, pelo montante de 125,85 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) (cerca de 95 milhões de euros).

    13

    Com este procedimento, o grupo Duferco adquiriu, em 12 de dezembro de 2006, a plena propriedade da Duferco US, apenas alguns dias antes de formalizar a sua parceria estratégica com o grupo NLMK.

    14

    A segunda intervenção da FSIH a favor do grupo Duferco, chamada «segunda medida» ou «medida n.o 2», consistiu na cessão, em 2006, pela FSIH, da participação de cerca de 25 % que detinha desde 2003 na DPH, a favor da Bolmat, antiga casa‑mãe do grupo Duferco, a que a BTB sucedeu. A cessão desta participação resultou da vontade de a FSIH se desvincular da DPH. Assim, em 14 de junho de 2006, a FSIH cedeu à Bolmat a totalidade da sua participação na DPH pelo montante de 105,42 milhões de USD (cerca de 84 milhões de euros).

    15

    A terceira dessas intervenções, chamada «quarta medida» ou «medida n.o 4», consistiu, essencialmente, nos termos de duas convenções assinadas em setembro e dezembro de 2009, na concessão de um empréstimo in fine de 100 milhões de euros à Ultima, antiga casa‑mãe do grupo Duferco, a que a BTB sucedeu. Este empréstimo foi disponibilizado em duas frações, a primeira de 30 milhões de euros, em setembro de 2009, e a segunda de 70 milhões de euros, em dezembro de 2009. A taxa aplicável ao empréstimo foi fixada à taxa Euribor a 12 meses, acrescida de 75 pontos de base, ou seja, 2,052 %, no momento da celebração dessas convenções. Segundo as informações prestadas pelo Reino da Bélgica, a taxa efetivamente adotada era de 2,04 %, quando da disponibilização da primeira fração, e de 1,99 %, quando da disponibilização da segunda fração.

    16

    Atendendo ao fim da parceria estratégica entre o grupo Duferco e o grupo NLMK, que ocorreu em 2011, e conforme convencionado por estes dois grupos, o empréstimo foi amortizado antecipadamente em 30 de junho de 2011.

    17

    Em 20 de janeiro de 2016, a Comissão adotou a decisão controvertida.

    18

    No tocante, antes de mais, à medida n.o 1, a Comissão entendeu que as condições em que foi realizada a venda da participação da FSIH na Duferco US tiveram por consequência colocar a DII numa situação mais favorável do que a dos seus concorrentes, porquanto nenhum investidor privado teria aceitado vender a sua participação na Duferco US nas mesmas condições, e que essa vantagem constituía um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

    19

    A Comissão entendeu que a participação da FSIH na Duferco US devia ter sido valorada em 141,09 milhões de USD, pelo que, dada a cessão de 125,85 milhões de USD, o montante do auxílio a favor da DII ascendia a 15,24 milhões de USD (cerca de 11,58 milhões de euros).

    20

    No que toca, em seguida, à medida n.o 2, a Comissão entendeu igualmente que as condições em que se tinha realizado a venda da participação da FSIH na DPH tiveram por consequência colocar a Bolmat numa situação mais favorável do que a dos seus concorrentes, porquanto nenhum investidor privado teria aceitado vender a sua participação na DPH nas mesmas condições, e que essa vantagem constituía um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

    21

    A Comissão entendeu que a participação da FSIH na DPH devia ter sido valorada, no mínimo, em 131 milhões de USD, pelo que, dada a cessão de 105,42 milhões de USD, o montante do auxílio a favor da Bolmat ascendia a 25,58 milhões de USD (cerca de 20,36 milhões de euros).

    22

    Por último, quanto à medida n.o 4, a Comissão entendeu que as condições em que a FSIH concedeu um empréstimo de 10 milhões de euros à Ultima tiveram por consequência colocar esta última numa situação mais favorável do que a dos seus concorrentes, porquanto nenhum mutuante privado teria aceitado conceder‑lhe um empréstimo nas mesmas condições, e que essa vantagem constituía um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno. Segundo a Comissão, a taxa aplicável ao empréstimo deveria ter sido fixada à taxa Euribor a 12 meses, acrescida de 220 pontos de base, ou seja, 3,502 %.

    23

    Uma vez que uma amortização antecipada do empréstimo foi convencionada em junho de 2011, a Comissão, com base num cálculo de atualização simplificado, entendeu que o montante de auxílio a favor da Ultima ascendia, aproximadamente, para esse empréstimo, a 2,08 milhões de euros.

    Decisão controvertida

    24

    O dispositivo da decisão controvertida tem a seguinte redação:

    «Artigo 1.o

    As seguintes medidas, ilegalmente aplicadas [pelo Reino da] Bélgica em violação do disposto no artigo 108.o, n.o 3, [TFUE], constituem auxílios estatais incompatíveis com o mercado interno:

    a)

    Venda de participação na [Duferco US], a favor da [DII], pelo montante de 11581700 [euros];

    b)

    Venda de participação na [DPH], a favor da [Bolmat], pelo montante de 20362464 [euros];

    […]

    d)

    Empréstimo a favor da [Ultima], no montante de 2082723 [euros], em princípio, na medida em que a taxa de juro aplicada ao empréstimo é inferior a 3,502 %;

    […]

    Artigo 2.o

    1.   [O Reino da] Bélgica deve proceder à recuperação dos auxílios incompatíveis referidos no artigo 1.o, junto dos beneficiários diretos ou dos seus sucessores legais.

    […]»

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    25

    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de fevereiro de 2017, a BTB e a DPH interpuseram um recurso de anulação parcial da decisão controvertida.

    26

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de junho de 2017, a FSIH pediu que interviesse em apoio da BTB e da DPH.

    27

    A BTB e a DPH invocaram oito fundamentos para o referido recurso. Três desses fundamentos visavam a medida n.o 1, três incidiam sobre a medida n.o 2 e os dois últimos versavam sobre a medida n.o 4.

    28

    Quanto à medida n.o 1, os dois primeiros fundamentos aduzidos assentavam, em substância, na inexistência de vantagem associada às condições em que a FSIH cedeu à DII a sua participação na Duferco US. O terceiro fundamento aduzido assentava, em substância, em diferentes erros que viciavam a determinação do montante do auxílio em causa.

    29

    Quanto à medida n.o 2, os dois primeiros fundamentos invocados assentavam também, em substância, na inexistência de vantagem associada às condições em que a FSIH cedeu à Bolmat a sua participação na DPH. O terceiro fundamento aduzido assentava, em substância, em diferentes erros que viciavam a determinação do montante do auxílio em causa.

    30

    Quanto à medida n.o 4, os dois fundamentos aduzidos assentavam, essencialmente, na inexistência de vantagem associada às condições em que a FSIH concedeu um empréstimo à Ultima.

    31

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso da BTB e da DPH.

    Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

    32

    A BTB e a DPH pedem ao Tribunal de Justiça que:

    anule o acórdão recorrido e remeta o processo ao Tribunal Geral;

    condene a Comissão nas despesas.

    33

    A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

    a título principal, negue provimento ao recurso, por improcedente;

    a título subsidiário, negue provimento ao recurso de anulação da decisão controvertida;

    condene a BTB e a DPH nas despesas efetuadas no Tribunal de Justiça.

    Quanto ao recurso

    Quanto à admissibilidade

    34

    A Comissão deduz uma exceção de inadmissibilidade do recurso da decisão do Tribunal Geral na totalidade, com o fundamento de que esse recurso é demasiado abstrato.

    35

    A este respeito, recorde‑se que resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve identificar, de modo preciso, os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que especificamente fundamentam esse pedido (Acórdão de 11 de abril de 2013, Mindo/Comissão, C‑652/11 P, EU:C:2013:229, n.o 21).

    36

    No caso vertente, a BTB e a DPH explicaram claramente as razões por que consideram que o Tribunal Geral cometeu erros de direito. Estas duas empresas identificaram, com precisão suficiente, os pontos do acórdão recorrido que, no seu entender, estão viciados de erros de direito e que levaram o Tribunal Geral a considerar, no caso vertente, que a Comissão tinha concluído corretamente pela existência de auxílios de Estado.

    37

    Nestas condições, há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade aduzida pela Comissão.

    38

    Logo, o recurso da BTB e da DPH da decisão do Tribunal Geral é admissível.

    Quanto ao mérito

    39

    Para fundamentar o recurso da decisão do Tribunal Geral, as recorrentes aduziram um fundamento único que compreende duas partes, a primeira das quais assenta na violação das regras relativas ao ónus da prova e a segunda assenta no princípio da igualdade de armas e no direito a um processo equitativo.

    Quanto à primeira parte do fundamento único

    – Argumentos das partes

    40

    Na primeira parte do fundamento único, a BTB e a DPH alegam, em primeiro lugar, que, com a expressão — constante dos n.os 90 e 142 do acórdão recorrido — «para provar que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos, suscetível de justificar a anulação da decisão impugnada, os elementos de prova produzidos pela recorrente devem ser suficientes para privar de plausibilidade a apreciação dos factos adotada na decisão em causa», o Tribunal Geral violou as regras do ónus da prova em matéria de auxílios de Estado. Quando sustentou que cabia às recorrentes produzir elementos de prova com força probatória suficiente para privar de plausibilidade a apreciação económica complexa dos factos adotada na decisão controvertida, o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova.

    41

    Segundo essas empresas, o Tribunal Geral, por um lado, consagrou o direito de a Comissão não ter de demonstrar em que é que as medidas em causa constituíam auxílios de Estado e de poder assentar a sua apreciação dos factos em simples alegações ou elementos «plausíveis» cuja veracidade não tem de provar. Por outro lado, o Tribunal Geral exigiu às recorrentes que demonstrassem que as medidas em causa não constituíam auxílios de Estado.

    42

    Em segundo lugar, a BTB e a DPH entendem que resulta dos n.os 90 e 142 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral considerou implicitamente que, se subsistir uma dúvida na sequência do exame, pela Comissão, das medidas em causa, essa dúvida beneficiará esta última, pois pode assentar a sua apreciação em simples elementos «plausíveis» cuja veracidade não tem de provar.

    43

    A Comissão contesta a argumentação da BTB e da DPH.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    44

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos referidos nessa disposição. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Arriva Italia e o., C‑385/18, EU:C:2019:1121, n.o 31).

    45

    Recorde‑se igualmente que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, são considerados auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (Acórdão de 6 de março de 2018, Comissão/FIH Holding e FIH Erhvervsbank, C‑579/16 P, EU:C:2018:159, n.o 44).

    46

    Assim, tendo em conta o objetivo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE de assegurar uma concorrência não falseada, incluindo entre as empresas públicas e as empresas privadas, o conceito de «auxílio», na aceção desta disposição, não pode abranger uma medida concedida a favor de uma empresa através de recursos de Estado, quando essa empresa poderia ter obtido a mesma vantagem em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado. A apreciação das circunstâncias em que essa vantagem foi concedida efetua‑se, assim, em princípio, por aplicação do princípio do operador privado (Acórdão de 6 de março de 2018, Comissão/FIH Holding e FIH Erhvervsbank, C‑579/16 P, EU:C:2018:159, n.o 45).

    47

    O princípio do operador privado figura entre os elementos que a Comissão deve tomar em consideração para demonstrar a existência de um auxílio, e não constitui, portanto, uma exceção só aplicável a pedido de um Estado‑Membro, quando se verifique que estão reunidos os elementos constitutivos do conceito de «auxílio de Estado» que figuram no artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 6 de março de 2018, Comissão/FIH Holding e FIH Erhvervsbank, C‑579/16 P, EU:C:2018:159, n.o 46).

    48

    Neste contexto, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que a Comissão não pode pressupor que uma empresa beneficiou de uma vantagem constitutiva de um auxílio de Estado apenas com base numa presunção negativa, fundada na inexistência de informações que permitam chegar à conclusão contrária, quando não haja outros elementos suscetíveis de demonstrar positivamente a existência dessa vantagem (Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/MTU Friedrichshafen, C‑520/07 P, EU:C:2009:557, n.o 58).

    49

    Assim, quando aplica o princípio do operador privado, a Comissão é obrigada, pelo menos, a certificar‑se de que as informações de que dispõe, ainda que incompletas e parcelares, constituem uma base suficiente para concluir que uma empresa beneficiou de uma vantagem constitutiva de um auxílio de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/MTU Friedrichshafen, C‑520/07 P, EU:C:2009:557, n.o 56).

    50

    Com efeito, a Comissão deve basear as suas decisões em elementos de uma certa fiabilidade e coerência, suscetíveis de sustentar as conclusões a que chega (Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/MTU Friedrichshafen, C‑520/07 P, EU:C:2009:557, n.o 55).

    51

    Além disso, como o Tribunal Geral salientou, em substância, no n.o 82 do acórdão recorrido, a Comissão é obrigada a conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de um modo diligente e imparcial, de modo a dispor, quando adota uma decisão final que conclui pela existência e, se for caso disso, pela incompatibilidade ou ilegalidade do auxílio, dos elementos mais completos e fiáveis possíveis (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 90, e de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 63).

    52

    No caso vertente, o Tribunal Geral sublinhou, no n.o 81 do acórdão recorrido, que o ónus da prova da reunião das condições de aplicação do critério do operador privado recai sobre a Comissão e que isso é tanto mais verdade quanto é certo que a decisão impugnada assenta não na falta de produção dos elementos que a Comissão tinha pedido ao Estado‑Membro em causa mas na conclusão de que um operador privado não se teria comportado da mesma forma que as autoridades do referido Estado‑Membro, conclusão essa que pressupõe que a Comissão dispunha de todos os elementos necessários para a elaboração da sua decisão.

    53

    Assim, contrariamente ao que a BTB e a DPH sustentam, não resulta do acórdão recorrido que o Tribunal Geral tenha considerado que para a Comissão basta assentar a sua apreciação económica em simples alegações «plausíveis», cuja veracidade não é obrigada a provar.

    54

    Quanto à argumentação da BTB e da DPH de que, nos n.os 90 e 142 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que lhes cabia produzir elementos de prova para demonstrar que as medidas em causa não constituíam auxílios de Estado, verifica‑se que essa argumentação procede de uma leitura errada do acórdão recorrido.

    55

    Com efeito, resulta dos n.os 90 e 142 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral considerou, em substância, que, se a Comissão aplicou o critério do operador privado, fez a sua análise e chegou, na sua decisão, à conclusão de que as medidas em causa constituem auxílios de Estado, cabe à recorrente demonstrar um erro manifesto na apreciação que a Comissão fez dos factos.

    56

    Ora, esta consideração mais não é do que uma consequência do princípio, estabelecido em jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, de que a fiscalização que os órgãos jurisdicionais da União exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão se limita necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 66 e jurisprudência referida).

    57

    Atendendo ao amplo poder de apreciação da Comissão para efeitos da aplicação do princípio do operador privado, foi com razão que o Tribunal Geral limitou a sua fiscalização à verificação da inexistência de erros manifestos de apreciação no raciocínio da Comissão, quando esta aplicou o critério do operador privado para provar que as medidas em causa constituíam auxílios de Estado.

    58

    Com efeito, como o Tribunal Geral recordou, com razão, no n.o 87 do acórdão recorrido, a fiscalização jurisdicional é limitada, no que respeita à questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, quando as apreciações levadas a cabo pela Comissão têm caráter técnico ou complexo (Acórdão de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 88 e jurisprudência referida).

    59

    A este respeito, o Tribunal Geral também recordou, com razão, no n.o 88 do acórdão recorrido, que, quando a Comissão deve aplicar, para verificar se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o critério do operador privado, a utilização desse critério implica, em geral, que a Comissão faça uma apreciação económica complexa (Acórdão de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 89 e jurisprudência referida).

    60

    Como resulta de jurisprudência constante, o exame, pela Comissão, da questão de saber se determinadas medidas podem ser qualificadas de auxílios de Estado, pelo facto de as autoridades públicas não terem agido do mesmo modo que um operador privado, exige que se proceda a uma apreciação económica complexa (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 62).

    61

    O Tribunal Geral acrescentou, com razão, nos n.os 89 e 141 do acórdão recorrido, que não lhe cabia substituir a apreciação económica do autor da decisão cuja legalidade é chamado a fiscalizar pela sua própria apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 63).

    62

    Assim, o Tribunal Geral efetuou a sua fiscalização da decisão controvertida em plena conformidade com os princípios e os critérios recordados pela jurisprudência referida nos n.os 56 e 58 a 61 do presente acórdão.

    63

    Nestas condições, há que conclur que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quando considerou, nos n.os 90 e 142 do acórdão recorrido, que cabia à BTB e à DPH provar que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos suscetível de justificar a anulação da decisão controvertida.

    64

    Donde se conclui que a primeira parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

    Quanto à segunda parte do fundamento único

    – Argumentos das partes

    65

    Na segunda parte do fundamento único, a BTB e a DPH alegam que, com a expressão utilizada nos n.os 90 e 142 do acórdão recorrido, recordada no n.o 40 do presente acórdão, o Tribunal Geral violou o princípio da igualdade de armas e o direito a um processo equitativo.

    66

    Estas empresas consideram que esse princípio implica a obrigação de proporcionar a cada uma das partes a possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que não as coloquem numa situação de nítida desvantagem em relação ao seu adversário.

    67

    Ora, no caso vertente, ao considerar que a BTB e a BPH eram obrigadas a produzir elementos de prova suficientes para privar de plausibilidade a apreciação que a Comissão fez das medidas em causa, o Tribunal Geral violou o referido princípio, ao colocar a Comissão numa situação privilegiada em relação às referidas empresas. Com efeito, no caso de a Comissão e as recorrentes apresentarem apreciações contraditórias dos factos, mas, não obstante, ambas igualmente plausíveis, as explicações da Comissão prevalecem automaticamente sobre as explicações dadas pelas recorrentes.

    68

    Segundo a BTB e a DPH, o Tribunal Geral exigiu‑lhes que produzissem elementos de prova cuja força probatória fosse superior à dos elementos de prova em que a Comissão tinha fundado a sua apreciação dos factos.

    69

    Semelhante repartição do ónus da prova é contrária à jurisprudência resultante dos Acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão (29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.o 16), e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, EU:C:1993:120, n.os 126 e 127), segundos os quais, quando a Comissão constata uma infração às regras da concorrência, baseando‑se na suposição de que os factos provados apenas podem ser explicados em função da existência de um comportamento anticoncorrencial, o juiz da União será levado a anular a decisão em questão quando as empresas interessadas aduzem uma argumentação que dá uma visão diferente dos factos provados pela Comissão e que permite assim substituir a explicação adotada pela Comissão para concluir pela existência de uma infração por outra explicação plausível dos factos.

    70

    A Comissão contesta a argumentação da BTB e da DPH.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    71

    Quanto ao nível da prova exigido para demonstrar um erro manifesto no âmbito da aplicação do princípio do operador privado, sublinhe‑se desde já que resulta dos termos utilizados pelo Tribunal Geral, nos n.os 90 e 142 do acórdão recorrido, que este exigiu às recorrentes que demonstrassem a existência de um erro suficientemente sério para pôr em causa a apreciação económica complexa feita pela Comissão. Em contrapartida, daí não resulta que as recorrentes tenham de demonstrar a inexistência de auxílios de Estado, nem que a Comissão se possa basear em simples alegações plausíveis para demonstrar a existência de um auxílio de Estado, nem que as recorrentes tenham de refutar inteiramente a análise económica da Comissão.

    72

    Ora, como o Tribunal Geral considerou com razão, um erro manifesto pode ser demonstrado por meio de elementos que privem de plausibilidade a apreciação dos factos que a Comissão fez na sua decisão. Em contrapartida, há que julgar improcedente o fundamento assente em erros manifestos se, a despeito dos elementos aduzidos pelas recorrentes, não se afigurar que a apreciação posta em causa padece de tal erro.

    73

    Assim, a possibilidade de impugnar a plausibilidade da apreciação dos factos feita pela Comissão na sua decisão está provada a favor das recorrentes e, contrariamente ao que a BTB e a DPH sustentam, os termos utilizados pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido não implicam de modo nenhum que, no caso vertente, as recorrentes fossem obrigadas a produzir elementos de prova cuja força probatória fosse superior à associada aos elementos de prova em que a Comissão tinha baseado a sua apreciação dos factos.

    74

    Foi à luz destas considerações que o Tribunal Geral apreciou, nos n.os 121, 124, 127, 180, 221, 248, 253, 276 e 285 do acórdão recorrido, se as alegações da BTB e da DPH eram suficientes para privar de plausibilidade as apreciações dos factos que a Comissão fez na decisão controvertida e considerou que tal não era o caso.

    75

    No que toca à argumentação da BTB e da DPH assente nos Acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão (29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.o 16), e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, EU:C:1993:120, n.os 126 e 127), basta notar que a Comissão, quando aplica o princípio do operador privado, não se baseia na suposição de que os factos provados apenas podem ser explicados em função da existência de um comportamento anticoncorrencial, mas faz, em princípio, uma apreciação económica complexa para determinar se a empresa em causa beneficiou de uma vantagem constitutiva de um auxílio de Estado.

    76

    Nestas condições, verifica‑se que, no caso vertente, ao considerar, nos n.os 90 e 142 do acórdão recorrido, que, «para provar que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos, suscetível de justificar a anulação da decisão impugnada, os elementos de prova produzidos pela recorrente devem ser suficientes para privar de plausibilidade a apreciação dos factos adotada na decisão em causa», o Tribunal Geral não violou o princípio da igualdade de armas nem o direito a um processo equitativo.

    77

    Resulta de todas as considerações precedentes que há que julgar improcedente a segunda parte do fundamento único.

    78

    Daqui resulta que deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

    Quanto às despesas

    79

    Segundo o artigo 137.o do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas no acórdão que ponha termo à instância.

    80

    Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da BTB e da DPH e tendo estas sido vencidas, há que condená‑las nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A BTB Holding Investments SA e a Duferco Participations Holding SA são condenadas nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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