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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62018CC0693

    Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 30 de abril de 2020.
    CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel).
    Pedido de decisão prejudicial apresentado por juízes de instrução do tribunal de grande instance de Paris.
    Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 715/2007 — Artigo 3.o, ponto 10 — Artigo 5.o, n.o 2 — Dispositivo manipulador — Veículos a motor — Motores diesel — Emissão de poluentes — Programa que atua sobre o calculador do controlo motor — Tecnologias e estratégias que permitem limitar a produção das emissões de poluentes.
    Processo C-693/18.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:323

     CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    ELEANOR SHARPSTON

    apresentadas em 30 de abril de 2020 ( 1 )

    Processo C‑693/18

    Procureur de la République

    contra

    Sociedade X,

    sendo intervenientes:

    CLCV e o.,

    A e o.,

    B,

    AGLP e o.,

    C e o.

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo vice‑presidente responsável pela instrução do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França)]

    «Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 715/2007 — Veículos a motor — Emissão de poluentes — Dispositivo manipulador — Programa que atua sobre o calculador do controlo motor — Tecnologias e estratégias que permitem limitar a produção das emissões de poluentes — Motores diesel»

    Introdução

    1.

    O pedido de decisão prejudicial apresentado, no caso em apreço, pelo vice‑presidente responsável pela instrução do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França) tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, ponto 10, bem como do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 715/2007 ( 2 ).

    2.

    Neste contexto, o Tribunal de Justiça é convidado a esclarecer, pela primeira vez, o significado de vários conceitos consagrados pelo referido regulamento, incluindo os conceitos de «dispositivo manipulador» e de «sistema de controlo das emissões» ( 3 ).

    Quadro jurídico

    Direito internacional

    3.

    O Regulamento n.o 83 da Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas (UNECE) — Prescrições uniformes relativas à homologação de veículos no que respeita à emissão de poluentes em conformidade com as exigências do motor em matéria de combustível ( 4 ) define requisitos técnicos para a homologação dos veículos a motor ( 5 ).

    4.

    Os pontos 2.16 a 2.16.3 deste regulamento preveem:

    «2.16. [Entende‑se por] “Dispositivo manipulador” (defeat device), qualquer elemento sensível à temperatura, à velocidade do veículo, à rotação do motor, às mudanças de velocidade, à força de aspiração ou a qualquer outro parâmetro e destinado a ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, de forma a reduzir a eficácia desse sistema em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normal do veículo. Esse elemento não será considerado como dispositivo manipulador se:

    2.16.1. se justificar a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo; ou

    2.16.2. se esse dispositivo não funcionar para além do necessário ao arranque do motor; ou

    2.16.3. se as condições estiverem substancialmente incluídas nos processos de ensaio de Tipo I ou de Tipo VI.»

    Direito da União

    Decisão 97/836/CE

    5.

    O artigo 1.o da Decisão 97/836/CE ( 6 ) dispõe:

    «A Comunidade adere ao Acordo da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas (UNECE) relativo à adoção de prescrições técnicas uniformes aplicáveis aos veículos de rodas, aos equipamentos e às peças suscetíveis de serem montados ou utilizados num veículo de rodas e às condições de reconhecimento recíproco das homologações emitidas em conformidade com essas prescrições a seguir designado “acordo revisto”.

    […]»

    6.

    Nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, «[…] a Comunidade declarará limitar a sua adesão à aplicação dos regulamentos da UNECE cuja lista figura no anexo II da presente decisão».

    7.

    O Regulamento n.o 83 (UNECE) consta do anexo II desta decisão.

    Diretiva 2007/46/CE

    8.

    Em conformidade com os artigos 34.o e 35.o, bem como com o anexo IV da Diretiva 2007/46/CE ( 7 ), o Regulamento n.o 83 (UNECE) é incorporado no procedimento de homologação comunitária de veículos.

    Regulamento n.o 715/2007

    9.

    Os considerandos 1, 5, 6 e 12 do Regulamento n.o 715/2007 têm a seguinte redação:

    «(1)

    […] Os requisitos técnicos para a homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões deverão, pois, ser harmonizados a fim de evitar que os Estados‑Membros apliquem requisitos divergentes e de assegurar um nível elevado de proteção do ambiente.

    […]

    (5)

    Para atingir os objetivos da UE em matéria de qualidade do ar, é necessário um esforço contínuo de redução das emissões dos veículos. […]

    (6)

    A fim de melhorar a qualidade do ar e de respeitar os valores limite de poluição atmosférica, afigura‑se, sobretudo, necessária uma redução considerável das emissões de óxido de azoto dos veículos equipados com motor diesel.

    […]

    (12)

    Deverão ser prosseguidos os esforços tendentes à aplicação de limites mais estritos às emissões, incluindo a redução das emissões de dióxido de carbono, bem como à garantia de que os limites estejam relacionados com o desempenho real dos veículos durante a sua utilização.»

    10.

    O artigo 3.o deste regulamento, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

    «[…] entende‑se por:

    4)   “Gases poluentes”, as emissões pelo escape de monóxido de carbono, óxidos de azoto expressos em equivalente de dióxido de azoto (NO2) e hidrocarbonetos.

    […]

    6)   “Emissões pelo tubo de escape”, a emissão de gases e partículas poluentes.

    […]

    10)   “Dispositivo manipulador” (defeat device), qualquer elemento sensível à temperatura, à velocidade do veículo, à velocidade do motor (RPM), às mudanças de velocidade, à força de aspiração ou a qualquer outro parâmetro e destinado a ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, de forma a reduzir a eficácia desse sistema em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo.

    […]»

    11.

    O artigo 4.o, n.os 1 e 2, dispõe:

    «1.   Os fabricantes devem demonstrar que todos os novos veículos vendidos, matriculados ou postos em circulação na Comunidade estão homologados em conformidade com o disposto no presente regulamento e nas respetivas medidas de execução. Os fabricantes devem igualmente demonstrar que todos os novos dispositivos de controlo da poluição de substituição sujeitos a homologação e que sejam vendidos ou entrem em circulação na Comunidade estão homologados em conformidade com o disposto no presente regulamento e respetivas medidas de execução.

    Estas obrigações abrangem a observância dos limites de emissão definidos no anexo I e das medidas de execução referidas no artigo 5.o

    2.   Os fabricantes devem garantir que sejam respeitados os procedimentos de homologação destinados a verificar a conformidade da produção, a durabilidade dos dispositivos de controlo da poluição e a conformidade em circulação.

    Além disso, as medidas técnicas adotadas pelos fabricantes deverão ser adequadas para garantir que as emissões do tubo de escape e resultantes da evaporação sejam eficazmente limitadas, nos termos do presente regulamento, ao longo da vida normal dos veículos e em condições de uso normais. […]»

    12.

    Nos termos do artigo 5.o, n.os 1 e 2:

    «1.   O fabricante deve equipar os veículos de forma a que os componentes suscetíveis de afetar as emissões sejam concebidos, construídos e montados de modo a permitir que o veículo cumpra, em utilização normal, o disposto no presente regulamento e nas respetivas medidas de execução.

    2.   A utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões é proibida. A proibição não se aplica:

    a)

    Se se justificar a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo;

    b)

    Se esse dispositivo não funcionar para além do necessário ao arranque do motor;

    ou

    c)

    Se as condições estiverem substancialmente incluídas nos processos de ensaio para verificação das emissões por evaporação e da média das emissões pelo tubo de escape.»

    Regulamento n.o 692/2008

    13.

    O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 692/2008 ( 8 ) prevê que este «institui medidas de aplicação dos artigos 4.o, 5.o e 8.o do [Regulamento n.o 715/2007]».

    14.

    Nos termos do artigo 2.o, ponto 18, deste regulamento, entende‑se por «sistema de controlo das emissões», no contexto do sistema OBD (ou seja, de um sistema de diagnóstico a bordo ( 9 )), «o sistema eletrónico de controlo responsável pela gestão do motor e qualquer componente do sistema de escape ou do sistema de evaporação relacionado com as emissões que envie ou receba sinais a esse/ou desse sistema de controlo».

    Direito francês

    15.

    O artigo L.213‑1 do code de la consommation (Código do Consumo) impõe uma sanção penal a «[…] quem, sendo ou não parte no contrato, enganar ou tentar enganar o outro contraente, por qualquer meio ou procedimento, mesmo por intermédio de terceiro […] quando o engano incida sobre: 1.o a natureza, o tipo, a origem, as qualidades substanciais, a composição ou o teor dos princípios úteis dos produtos; 2.o a quantidade das coisas entregues ou a sua identidade mediante a entrega de produto diferente da coisa determinada que foi objeto do contrato; ou 3.o a sua aptidão para o uso, os riscos inerentes à utilização do produto, os controlos efetuados, o modo de utilização ou as precauções a tomar. […]» ( 10 ).

    16.

    O artigo L.213‑2 do Código do Consumo prevê que a pena pode ser agravada se os crimes cometidos «tiverem tido por consequência tornar a utilização do produto perigosa para a saúde humana ou animal» ( 11 ).

    17.

    Nos termos do artigo L.213‑6 do Código do Consumo, as pessoas coletivas penalmente responsáveis pelos crimes definidos nos artigos L.213‑1 e L.213‑2 deste mesmo código incorrem igualmente nas penas previstas nos artigos 131‑39, pontos 2 a 9, do code pénal (Código Penal). Pode tratar‑se, por exemplo, de uma proibição relativa à atividade «no exercício da qual ou por ocasião do exercício da qual o crime foi cometido».

    Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    18.

    A sociedade X é um fabricante de automóveis que comercializa veículos a motor em França. Resulta da decisão de reenvio que esta sociedade colocou no mercado veículos equipados com um programa informático (a seguir «programa informático controvertido»), suscetível de falsear os resultados dos testes de homologação relativos às emissões de gases poluentes, como os óxidos de azoto (a seguir «NOx»).

    19.

    No âmbito da fase de homologação relativa às emissões de gases poluentes, os veículos são testados de acordo com um protocolo cujos parâmetros são definidos de forma precisa por via regulamentar. Dizem respeito, nomeadamente, ao perfil de velocidade seguido, à temperatura e ao pré‑condicionamento do veículo. O perfil de velocidade utilizado para efeitos do teste de homologação (o New European Driving Cycle, abreviado «NEDC») consiste na repetição de quatro ciclos urbanos, bem como de um ciclo extraurbano, num laboratório (e não em condições reais). Este teste de homologação visa, designadamente, determinar se o volume de NOx emitido não ultrapassa os limites impostos pelo Regulamento n.o 715/2007.

    20.

    Os veículos em causa no caso em apreço contêm uma válvula de recirculação dos gases de escape (RGE).

    21.

    A válvula RGE constitui uma das tecnologias utilizadas pelos fabricantes de veículos automóveis (como a sociedade X) para controlar e reduzir as emissões finais de NOx. Trata‑se de um sistema que consiste em redirecionar uma parte dos gases de escape dos motores de combustão para o coletor de admissão dos gases, ou seja, a entrada de ar fornecido ao motor, a fim de reduzir as emissões finais de NOx.

    22.

    Mais precisamente, o sistema de despoluição por recirculação dos gases de escape é constituído por uma conduta que permite enviar os gases de escape (resultantes da combustão incompleta do combustível) para a admissão, sendo esta conduta equipada com permutador térmico destinado a arrefecer os gases queimados e com uma válvula RGE que faz variar o caudal de gases queimados reintroduzidos na admissão.

    23.

    A abertura da referida válvula RGE é pilotada pelo calculador de controlo motor. Este calculador é um sistema informático a bordo do veículo que comanda os seus dispositivos físicos. Segundo as informações fornecidas pelos seus sensores, o referido calculador comanda os acionadores. Estes controlam o estado dos diferentes elementos mecânicos do motor. A abertura da válvula RGE (da qual depende o volume de gases reintroduzido na admissão e, por conseguinte, o grau de eficácia do sistema de redução da poluição) é comandada em tempo real pelo calculador de controlo motor, que, segundo as informações recolhidas pelos diferentes sensores (velocidade, temperatura, etc.) envia instruções ao acionador da válvula RGE. O grau de abertura desta válvula é, portanto, determinado pelo calculador e, in fine, pelo código‑fonte do programa informático nele integrado (ou seja, no presente caso, o programa informático controvertido ( 12 )).

    24.

    No caso em apreço, em 28 de setembro de 2015, na sequência de publicações na imprensa, o vice‑presidente do conseil régional d’Île‑de‑France (França), responsável pelos transportes, denunciou à Procuradoria de Paris (França) as práticas da sociedade X relativas à válvula RGE e ao programa informático controvertido com que estavam equipados alguns dos seus veículos.

    25.

    Em 2 de outubro de 2015, a Procuradoria de Paris qualificou essas práticas como fraude agravada, e pediu ao Office central de lutte contre les atteintes à l’environnement et à la santé publique (OCLAESP) (Serviço central de luta contra os atentados ao ambiente e à saúde pública) que efetuasse um inquérito sobre as condições da colocação em circulação dos veículos em causa no mercado francês.

    26.

    Concomitantemente, o ministère de l’Écologie (Ministério da Ecologia, França) pediu ao Service National des Enquêtes (SNE) (Serviço Nacional de Investigação) da Direction Générale de la Concurrence et de la Répression des Fraudes (DGCCRF) (Direção‑Geral da Concorrência, do Consumo e do Combate à Fraude) que desse início a investigações para determinar se os veículos comercializados no território francês estavam equipados com o programa informático controvertido.

    27.

    O SNE elaborou um relatório, ao qual foram anexados os resultados dos testes e ensaios efetuados pela Union technique de l’automobile, du motocycle et du cycle (UTAC) (União Técnica do Automóvel, do Motociclo e do Velocípede), que é o único laboratório habilitado a realizar os testes de homologação dos veículos em França. Estes testes e ensaios destinavam‑se a demonstrar a eventual existência de uma fraude. Revelaram que, em certos veículos da sociedade X, as emissões de NOx eram multiplicadas, por vezes por 3,6, relativamente aos valores teóricos apresentados na fase da sua homologação.

    28.

    Os testes complementares confiados ao Institut français du pétrole énergies nouvelles (IFPEN) (Instituto Francês do Petróleo Novas Energias), relativos a três veículos, permitiram também constatar que as emissões de NOx eram especificamente reduzidas sempre que era detetado um ciclo de homologação ( 13 ), sendo então significativamente aumentada a abertura da válvula RGE.

    29.

    Em outubro de 2015, a Procuradoria de Paris organizou uma busca nas instalações da filial francesa da sociedade X, a fim de determinar se havia elementos objetivos que permitissem considerar que esta filial tinha conhecimento da existência do programa informático controvertido.

    30.

    Em janeiro de 2016, o presidente da referida filial foi ouvido no âmbito de um interrogatório em liberdade. Declarou ter descoberto a existência do programa informático controvertido através da imprensa e ignorar o seu funcionamento. Neste contexto, o presidente desta filial precisou, todavia, que o referido programa estava instalado em determinados motores diesel, num total de (aproximadamente) 950000 veículos em França, que iriam ser objeto de recolha para atualização do referido programa. Acrescentou que não reconhecia o caráter fraudulento desse programa que tinha por objetivo, na sua opinião, «otimizar as emissões de NOx, reduzindo‑as».

    31.

    O inquérito conduziu à abertura de uma instrução, que foi confiada ao juiz de reenvio e a dois outros juízes de instrução, em 19 de fevereiro de 2016. O despacho de acusação precisa que a alegada infração consiste em ter «desde 1 de setembro de 2009, […] por qualquer meio, mesmo por intermédio de um terceiro, sendo ou não parte no contrato, enganado os adquirentes de veículos com motor […] diesel, sobre as qualidades substanciais dos veículos e sobre os controlos efetuados, com a circunstância de os factos terem tido como consequência tornar a utilização do produto perigosa para a saúde humana ou animal», em violação, nomeadamente, dos artigos L.213‑1 e L.213‑2 do Código do Consumo.

    32.

    Nesta fase do processo penal, a sociedade X beneficia do estatuto de témoin assisté (testemunha assistida). Convocada para comparecer perante os juízes de instrução em 28 de março de 2017, a sociedade X recusou formalmente responder às questões que lhe foram colocadas por estes. A sociedade X recusou igualmente pôr à disposição dos juízes de instrução os elementos de investigação que estes solicitavam (relativos, nomeadamente, às metodologias de calibração dos motores utilizados pela sociedade X).

    33.

    Por outro lado, após a abertura da instrução, constituíram‑se partes civis mais de 1200 pessoas.

    34.

    No âmbito deste procedimento, um perito foi encarregado de proceder a uma análise dos resultados dos testes efetuados pela autoridade administrativa (ou seja, dos testes realizados pela UTAC e pelo IFPEN) e a quaisquer outras análises técnicas, com vista a descrever o mecanismo do programa informático controvertido e a expor os seus efeitos em termos de aumento da emissão de NOx pelos veículos equipados com o mesmo.

    35.

    No seu relatório apresentado em 26 de abril de 2017 (a seguir «relatório de peritagem»), o perito salientou que, segundo a regulamentação em vigor, os sistemas de controlo das emissões deviam estar operacionais durante o funcionamento normal do veículo. Revelou‑se que, em condições normais de condução, nos veículos examinados, a válvula RGE não era pilotada em conformidade com o modo correspondente à homologação. O modo de operação normal não permitia, como demonstravam os testes efetuados pela UTAC, respeitar os limites máximos regulamentares em matéria de poluição. Sem essa deteção do ciclo de homologação e sem essa modulação do funcionamento da válvula RGE, não teria sido possível, quanto aos veículos postos em causa, respeitar esses limites em condições normais de utilização. A eficácia do sistema de despoluição era, portanto, reduzida numa situação real.

    36.

    O perito concluiu, assim, que existia um dispositivo que permitia a deteção do ciclo de homologação e a adaptação do funcionamento do sistema de recirculação dos gases de escape (a seguir «sistema RGE») com vista a essa homologação. A existência deste dispositivo implica um aumento das emissões de NOx dos veículos que circulam em situação normal. O perito precisou igualmente que, se o funcionamento da válvula RGE em circulação real tivesse sido conforme ao que se verificava nos testes de homologação, esses veículos teriam produzido, designadamente em circulação urbana, muito menos (cerca de 50 %) NOx, mas provavelmente, em contrapartida, um pouco mais (cerca de 5 %) de monóxido de carbono, de hidrocarbonetos não queimados e de dióxido de carbono ( 14 ). A potência desses veículos teria também, provavelmente, sido reduzida de modo marginal. As operações de manutenção teriam sido mais frequentes e onerosas, devido, nomeadamente, à maior acumulação de sujidade no motor.

    37.

    Por último, o perito precisou que o sistema RGE é um dispositivo de controlo da poluição, no sentido de que equipa os motores com o único objetivo de reduzir as emissões de NOx, que a diminuição da sua abertura reduz a eficácia do sistema de controlo das emissões e se traduz num aumento das emissões de NOx e que esta diminuição se constata efetivamente em condições normais de utilização dos veículos. Em contrapartida, a diminuição da abertura da válvula RGE traduz‑se, na prática, numa maior capacidade de aceleração do motor e num maior potencial de potência. Resulta igualmente numa menor acumulação de sujidade nas condutas de admissão, nas válvulas e na câmara de combustão, contribuindo, assim, para a longevidade e a fiabilidade do motor.

    38.

    Tendo em conta estes elementos técnicos, o juiz de reenvio salienta que o tipo legal do crime de fraude — se for considerado preenchido — consiste em ter enganado os adquirentes dos veículos em questão quanto às suas qualidades substanciais, a saber, a não conformidade com o Regulamento n.o 715/2007, resultante da presença, nesses veículos, de um dispositivo manipulador previsto no artigo 3.o, ponto 10, e no artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento, que consiste em programar o calculador motor que atua sobre a válvula RGE, de modo a identificar o ciclo de homologação para que o sistema de controlo das emissões de NOx seja intensificado durante esse ciclo e não em condições normais de utilização.

    39.

    A fraude era acompanhada de uma circunstância agravante, no sentido de que a utilização dos veículos se tinha tornado perigosa para a saúde humana e animal, uma vez que os gases de escape dos motores diesel foram classificados como cancerígenos pelo Centro Internacional de Investigação sobre o Cancro (CIRC) em 2012.

    40.

    O juiz de reenvio recorda que os dispositivos utilizados para atuar sobre o funcionamento dos sistemas de controlo das emissões podem apresentar‑se sob diferentes formas. A definição do «dispositivo manipulador», que figura no artigo 3.o do Regulamento n.o 715/2007, inclui vários conceitos que ainda não foram objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça.

    41.

    Dado que a qualificação de fraude, conforme prevista no âmbito do presente litígio, assenta na qualificação de «dispositivo manipulador», o juiz de reenvio considera que necessita de esclarecimentos quanto ao alcance das disposições acima referidas para tomar uma decisão tanto sobre a eventual constituição de arguida da sociedade X como à sua submissão a julgamento no termo da instrução.

    42.

    Atendendo aos elementos que precedem, vice‑presidente responsável pela instrução do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1.

    Interpretação do conceito de elemento

    a)

    O que abrange o conceito de elemento, previsto no artigo 3.o, [ponto 10], do [Regulamento n.o 715/2007], que define o dispositivo manipulador (defeat device)?

    b)

    Pode um programa integrado no calculador do controlo motor ou, de modo mais geral, que atua sobre este, ser considerado um elemento na aceção deste artigo?

    2.

    Interpretação do conceito de sistema de controlo das emissões

    a)

    O que abrange o conceito de sistema de controlo das emissões previsto no artigo 3.o, [ponto 10], do [Regulamento n.o 715/2007], que define o dispositivo manipulador (defeat device)?

    b)

    Este sistema de controlo das emissões inclui apenas as tecnologias e estratégias que visam tratar e reduzir as emissões (nomeadamente [de] NOx) após a sua formação, ou integra igualmente as diferentes tecnologias e estratégias que permitam limitar na origem a produção das emissões, tais como a tecnologia [RGE]?

    3.

    Interpretação do conceito de dispositivo manipulador (defeat device)

    a)

    Configura um dispositivo manipulador, na aceção do artigo 3.o, [ponto 10], do [Regulamento n.o 715/2007], um dispositivo que deteta qualquer parâmetro relacionado com o desenrolar dos procedimentos de homologação previstos pelo [Regulamento n.o 715/2007], a fim de ativar ou [potenciar], durante esses procedimentos, o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, e, assim, obter a homologação do veículo?

    b)

    Em caso de resposta afirmativa, este dispositivo manipulador [defeat device] é proibido nos termos do disposto no artigo 5.o, n.o 2, do [Regulamento n.o 715/2007]?

    c)

    Pode um dispositivo como o descrito na questão 3‑1 ser qualificado de “dispositivo manipulador” se a ativação [reforçada] do sistema de controlo das emissões for efetiva, não só durante os procedimentos de homologação, mas também de forma pontual, sempre que as condições exatas detetadas para [potenciar] o sistema de controlo das emissões durante os procedimentos de homologação se reúnam em circulação real?

    4.

    Interpretação das exceções previstas no artigo 5.o

    a)

    O que abrangem as três exceções previstas no artigo 5.o, n.o 2, [do Capítulo II] do [Regulamento n.o 715/2007]?

    b)

    A proibição do dispositivo manipulador [defeat device] que ativa ou [potencia] o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, especificamente, durante os procedimentos de homologação, pode ser excluída por um dos três fundamentos elencados no artigo 5.o, n.o 2?

    c)

    O retardar do envelhecimento do motor ou da acumulação de sujidade no mesmo faz parte dos imperativos para “proteger o motor de danos ou acidentes” ou “para garantir um funcionamento seguro do veículo” que podem justificar a presença de um dispositivo manipulador na aceção do artigo 5.o, n.o 2, alínea a)?»

    43.

    Apresentaram observações escritas os Governos francês e italiano, as partes no processo principal (a sociedade X e as partes civis A e outros) e a Comissão Europeia.

    44.

    Os governos acima referidos, bem como as partes no litígio no processo principal (a sociedade X e as partes civis A, B, AGLP, C e outros) e a Comissão, apresentaram igualmente observações orais na audiência de alegações realizada em 7 de novembro de 2019.

    Análise

    Observações preliminares

    45.

    Parece‑me oportuno, a título preliminar, expor de forma mais pormenorizada o quadro regulamentar da homologação dos veículos a motor na União Europeia.

    46.

    No direito da União, a homologação dos modelos de veículos a motor é objeto de uma regulamentação pormenorizada que tem como base jurídica as disposições relativas ao estabelecimento e ao funcionamento do mercado interno (atualmente, o artigo 114.o TFUE).

    47.

    A Diretiva 2007/46 institui um quadro harmonizado que contém as disposições administrativas bem como os requisitos técnicos de ordem geral aplicáveis à homologação de todos os veículos a motor novos (ligeiros ou pesados) que sejam abrangidos pelo seu âmbito de aplicação.

    48.

    No setor automóvel, cada legislação‑quadro estabelece, assim, o procedimento e as consequências jurídicas da homologação de veículos. As condições materiais aplicáveis à homologação são, por sua vez, objeto de regulamentação separada.

    49.

    A homologação funciona da seguinte forma: o fabricante apresenta o protótipo de um veículo às autoridades competentes a fim de demonstrar que o mesmo preenche todas as condições materiais instituídas nos atos legislativos previstos no anexo IV da Diretiva 2007/46. Quando a homologação é concedida pela autoridade administrativa competente, o fabricante inicia a produção do modelo de veículo em questão. Cada veículo produzido em conformidade com o modelo homologado pode ser colocado no mercado sem que sejam exigidos testes adicionais.

    50.

    Neste contexto, os requisitos técnicos harmonizados relativos às emissões são especificados no artigo 5.o do Regulamento n.o 715/2007. Este último obriga os fabricantes a equipar os seus veículos de modo a que estes sejam, em utilização normal, conformes com as exigências do referido regulamento e das suas disposições de execução.

    51.

    O artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento dispõe, além disso, sob reserva de determinadas exceções taxativamente enumeradas, que é proibida a utilização de «dispositivos manipuladores» (definidos no artigo 3.o, ponto 10, do mesmo regulamento).

    52.

    Por conseguinte, nos termos do artigo 5.o do Regulamento n.o 715/2007, os veículos devem ser concebidos não só de forma a respeitarem, em utilização normal, os limites estabelecidos pelo regulamento, como também de modo a que a eficácia do seu sistema de controlo das emissões não possa ser reduzida «em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo» ( 15 ).

    53.

    Para efeitos da aplicação do artigo 5.o do Regulamento n.o 715/2007, a Comissão previu, no Regulamento n.o 692/2008, procedimentos específicos de ensaio em laboratório através dos quais os fabricantes podem demonstrar, para obter uma homologação, que um novo modelo de veículos respeita os limites previstos em termos de emissões.

    54.

    No caso em apreço, as medições das emissões previstas pelo procedimento de ensaio baseavam‑se apenas no ciclo de condução então aplicável, a saber, o NEDC (conforme acima definido) ( 16 ). Trata‑se de testes normalizados, realizados em laboratório, e não em condições reais — o que os torna mais permeáveis a estratagemas de deteção e de evasão.

    Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

    55.

    Antes de proceder ao exame do mérito das questões submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça, há que determinar a sua admissibilidade.

    56.

    Algumas das partes no litígio no processo principal (A e o.) alegaram nas suas observações que a qualificação de «dispositivo manipulador» diz respeito apenas à regularidade da homologação dos veículos. Independentemente de ser ou não demonstrada, não tem impacto na existência da fraude quanto às «qualidades substanciais» ou aos controlos efetuados. Com efeito, segundo estas partes, o Código do Consumo sanciona a fraude «por qualquer meio ou procedimento»: não é relevante, portanto, que se trate (ou não) de uma infração às disposições do Regulamento n.o 715/2007. Assim, as questões prejudiciais não são úteis para a resolução do litígio no processo principal ( 17 ).

    57.

    A sociedade X sustenta igualmente que estas questões prejudiciais são inúteis para a resolução do litígio no processo principal. Na sua opinião, este litígio (conforme exposto na decisão de reenvio) consiste em determinar se pode ser constituída arguida por fraude e, por esse motivo, submetida a julgamento. A sociedade X alega que, no direito penal francês, o crime de fraude exige a reunião de um elemento material e de um elemento intencional, cuja existência não é certa no caso em apreço. A sociedade X sustenta que, independentemente da resposta que o Tribunal de Justiça possa vir a dar às questões formuladas pelo juiz de reenvio, não pode em caso algum ser constituída arguida (nem, a fortiori, submetida a julgamento).

    58.

    Além disso, a sociedade X invoca o princípio da legalidade dos crimes e das penas: na falta de um texto que incrimine expressamente os factos objeto do processo no caso em apreço, não pode ser condenada por fraude.

    59.

    Por outro lado, a sociedade X alega que, nesta fase, não existe nenhum litígio perante o órgão jurisdicional de reenvio relacionado com as questões submetidas, uma vez que ainda nunca expressou a sua posição ( 18 ), oralmente ou por escrito, quanto a essas mesmas questões perante o juiz de reenvio. Estas questões mais não são do que um mero pedido de opinião consultiva sobre regras de direito da União, sem relação com qualquer litígio. A este respeito, essas mesmas questões são puramente hipotéticas. É o caso, nomeadamente, da quarta questão prejudicial, relativa às exceções referidas no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, que a sociedade X nunca invocou até à data no âmbito do processo pendente perante o juiz de reenvio.

    60.

    Além disso, segundo a sociedade X, as questões prejudiciais submetidas não foram objeto de debate contraditório antes da sua apresentação ao Tribunal de Justiça, o que é contrário ao princípio da boa administração da justiça.

    61.

    Por último, na audiência de alegações, a sociedade X sustentou igualmente que as questões prejudiciais submetidas eram «prematuras», uma vez que as análises realizadas até à data (e refletidas, nomeadamente, no relatório de peritagem) não permitiam definir o quadro factual do litígio com suficiente precisão.

    62.

    Na minha opinião, a argumentação apresentada pelas partes A e o., e pela sociedade X, deve ser julgada totalmente improcedente.

    63.

    Antes de mais, importa observar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se ( 19 ).

    64.

    A propósito, e embora esta questão não tenha sido suscitada pelas partes no processo principal, recordo igualmente que, segundo jurisprudência constante, «o juiz de instrução em matéria penal ou o magistrado que exerce as funções de instrução penal constituem órgãos jurisdicionais na aceção do [artigo 267.o TFUE], chamados a decidir de forma independente e de acordo com o direito em processos para os quais a lei lhes atribui competência no quadro de um processo destinado a obter decisões de caráter jurisdicional» ( 20 ).

    65.

    Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ( 21 ).

    66.

    No caso em apreço, resulta claramente da decisão de reenvio que a qualificação do programa informático controvertido (que determina o grau de abertura da válvula RGE e, desse modo, o nível de emissões finais de NOx) como «dispositivo manipulador» à luz do artigo 3.o, ponto 10, e do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 pode ter impacto sobre a declaração de existência de uma infração no direito penal francês (a saber, uma fraude agravada, nos termos dos artigos L.213‑1 e L.213‑2 do Código do Consumo). A argumentação das partes A e outros e da sociedade X quanto à inutilidade das questões submetidas deve, portanto, ser julgada improcedente, uma vez que as questões submetidas têm uma relação manifesta com o objeto do litígio no processo principal.

    67.

    Embora a interpretação das disposições do Regulamento n.o 715/2007 seja suscetível de ter incidência sobre a declaração de existência da infração, os argumentos de direito penal francês invocados pela sociedade X (nomeadamente quanto à existência do elemento material e/ou intencional) não podem ser acolhidos. São irrelevantes para a apreciação da admissibilidade das questões prejudiciais (do ponto de vista do direito da União) e dizem respeito a questões que são da competência exclusiva do juiz de reenvio ( 22 ).

    68.

    Os argumentos relativos ao princípio da legalidade dos crimes e das penas são, por sua vez, igualmente irrelevantes, dado que o regulamento acima referido rege a homologação dos veículos a motor e não institui, enquanto tal, regras de natureza penal.

    69.

    Quanto ao caráter alegadamente hipotético das questões prejudiciais, a argumentação da sociedade X deixa‑me também com muitas dúvidas.

    70.

    O facto de a estratégia processual da sociedade X perante o juiz de reenvio consistir em não responder às interrogações dos investigadores, em recusar comunicar o código‑fonte do programa informático controvertido ou em negar o caráter fraudulento deste último não permite demonstrar a inexistência de um litígio: pelo contrário, inclino‑me a pensar que esta estratégia revela a existência de uma verdadeira controvérsia, de interesse fundamental para o resultado do processo penal pendente perante o juiz de reenvio.

    71.

    No que respeita, nomeadamente, à quarta questão prejudicial (relativa à interpretação das exceções à proibição dos dispositivos manipuladores prevista no artigo 5.o, n.o 2, do regulamento acima referido), a sociedade X alegou que nunca invocou as referidas exceções perante o juiz de reenvio, pelo que a questão acima referida é hipotética. Interrogada sobre este aspeto pelo Tribunal de Justiça, a sociedade X admitiu todavia, muito claramente, que não excluía a possibilidade de invocar essas exceções posteriormente, no decurso do processo pendente perante o juiz de reenvio. Esta confissão parece‑me igualmente reveladora de que estas questões não são apenas «um mero pedido de opinião consultiva» relativo a problemáticas puramente hipotéticas.

    72.

    No que respeita à inexistência de debate contraditório perante o juiz de reenvio, saliento simplesmente que o artigo 267.o TFUE não submete o recurso ao Tribunal de Justiça ao caráter contraditório do processo no decurso do qual o juiz nacional formula uma questão prejudicial ( 23 ). Por esta razão, o argumento apresentado pela sociedade X deve igualmente ser julgado improcedente.

    73.

    Por último, quanto ao caráter alegadamente prematuro das questões prejudiciais formuladas no caso em apreço, observo que cabe exclusivamente ao juiz de reenvio decidir sobre o momento em que opta por interrogar o Tribunal de Justiça ( 24 ). Saliento, além disso, que a argumentação da sociedade X quanto a este aspeto me parece pouco convincente. Os factos na origem do litígio no processo principal foram revelados em 2015 e foram objeto de várias análises técnicas (análises essas que foram, por sua vez, objeto de um exame detalhado, cujas conclusões constam do relatório de peritagem). A este respeito, parece‑me difícil sustentar (como fez a sociedade X, na audiência) «que não foi apurado nesta fase qualquer quadro factual preciso». Pelo contrário, considero que o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas.

    74.

    Por conseguinte, atendendo às considerações precedentes, considero demonstrada a admissibilidade das questões prejudiciais.

    Quanto à primeira questão prejudicial

    75.

    Com a sua primeira questão prejudicial (composta por duas subquestões, que devem ser examinadas conjuntamente), o juiz de reenvio pretende determinar — em substância — se um programa integrado no calculador de controlo motor ou, de modo mais geral, que atua sobre este, pode ser considerado um «elemento», na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007.

    76.

    Na minha opinião, esta questão exige uma resposta afirmativa.

    77.

    O conceito de «dispositivo manipulador» previsto no artigo 3.o, ponto 10, do regulamento acima referido designa qualquer elemento sensível «qualquer elemento sensível à temperatura, à velocidade do veículo, à velocidade do motor (RPM), às mudanças de velocidade, à força de aspiração ou a qualquer outro parâmetro e destinado a ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, de forma a reduzir a eficácia desse sistema em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo».

    78.

    Como o Governo francês salientou com razão, esta definição confere um amplo alcance ao conceito de elemento. Esse elemento pode ser constituído tanto por peças mecânicas como por um programa informático que comande a ativação de tais peças, desde que atue sobre o funcionamento do sistema de controlo das emissões e reduza a sua eficácia. É também esta, de resto, a posição defendida pela sociedade X nas suas observações escritas.

    79.

    Esclareço que se deve tratar de um elemento proveniente do fabricante do veículo. No caso de um programa informático a bordo, pouco importa que seja pré‑instalado antes da venda do veículo ou posteriormente descarregado, por ocasião de uma atualização (imposta ou recomendada pelo referido fabricante): em contrapartida, não pode tratar‑se de um elemento instalado apenas por iniciativa do proprietário ou utilizador do veículo, sem conexão com o fabricante.

    80.

    Por conseguinte, há que responder à primeira questão prejudicial do seguinte modo: o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um programa integrado no calculador do controlo motor ou, de modo mais geral, que atua sobre este, pode ser considerado um elemento na aceção desta disposição, desde que faça parte integrante do referido calculador.

    Quanto à segunda questão prejudicial

    81.

    Com a sua segunda questão prejudicial (composta por duas subquestões, que examinarei conjuntamente), o juiz de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «sistema de controlo das emissões» abrange exclusivamente as tecnologias e as estratégias que reduzem as emissões a jusante (após a sua formação) ou se, pelo contrário, este conceito engloba também as tecnologias e estratégias que, tal como o sistema RGE, reduzem as emissões a montante (no momento da sua formação).

    82.

    Existem, com efeito, duas grandes categorias de métodos que permitem aos fabricantes otimizar o desempenho dos seus veículos no que respeita às emissões poluentes: por um lado, as estratégias ditas «internas do motor» (como o sistema RGE), que consistem em minimizar a formação de gases poluentes no próprio motor, e, por outro, as estratégias ditas de «pós‑tratamento», que consistem em tratar as emissões após a sua formação (por exemplo, o sistema catalítico de captação dos NOx).

    83.

    A sociedade X defende uma interpretação muito restritiva do conceito de «sistema de controlo das emissões». Na sua opinião, este conceito só pode designar os componentes relativos às emissões que se situem dentro do sistema de escape, com exclusão das estratégias internas do motor. Esta interpretação baseia‑se (essencialmente) no artigo 2.o, ponto 18, do Regulamento n.o 692/2008, nos termos do qual, no contexto do sistema OBD, o «[s]istema de controlo das emissões» designa «o sistema eletrónico de controlo responsável pela gestão do motor e qualquer componente do sistema de escape […] relacionado com as emissões que envie ou receba sinais a esse/ou desse sistema de controlo» ( 25 ).

    84.

    Não partilho da análise da sociedade X.

    85.

    Antes de mais, saliento que o Regulamento n.o 715/2007 não define o conceito de «sistema de controlo das emissões».

    86.

    A fim de esclarecer o seu alcance, há que recorrer aos critérios de interpretação consagrados pelo Tribunal de Justiça. Recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, para interpretar uma disposição do direito da União «há que ter em consideração não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte» ( 26 ).

    Interpretação literal

    87.

    A nível literal, um «sistema de controlo das emissões» é um componente de um veículo destinado a controlar as emissões deste.

    88.

    A este respeito, observo que o sistema RGE pode, portanto, ser abrangido, a priori, pelo âmbito de aplicação deste conceito, uma vez que a sua finalidade é a redução das emissões finais de NOx. O relatório de peritagem anexo à decisão de reenvio indica claramente que o sistema RGE «equipa os motores com o único objetivo de reduzir as emissões de NOx» e que «os gases que circulam através do sistema RGE são in fine expelidos para a atmosfera» ( 27 ). Trata‑se efetivamente de um «dispositivo de controlo das emissões de Nox» ( 28 ).

    89.

    É também esta a posição defendida pela Comissão nas suas observações escritas, em que observa (em meu entender, com razão) que o sistema RGE faz manifestamente parte de um sistema de controlo das emissões, uma vez que permite controlar o volume das referidas emissões em função de parâmetros preestabelecidos, reinjetando um volume mais ou menos elevado de gases de escape no sistema de admissão do motor ( 29 ).

    90.

    Os Governos francês e italiano, bem como as partes civis que se exprimiram através de observações escritas ou na audiência, adotaram uma interpretação semelhante.

    91.

    Ao contrário da sociedade X, não penso que esta leitura do conceito de «sistema de controlo das emissões» seja demasiado extensiva ou suscetível de englobar qualquer componente de um veículo que tenha qualquer incidência no volume das emissões poluentes. Na audiência, a sociedade X sustentou que o sistema de abertura elétrica das janelas ou o sistema de ar condicionado tinham igualmente impacto nas emissões do veículo, sem que por isso se possa falar de um «sistema de controlo das emissões». Estes exemplos não me parecem relevantes: os mecanismos referidos pela sociedade X não têm o objetivo de limitar as emissões de NOx, ao passo que é justamente essa a finalidade do sistema RGE ( 30 ). É precisamente esta diferença de finalidade que, na minha opinião, justifica que se classifique o sistema RGE como um sistema de controlo das emissões ( 31 ).

    Interpretação contextual

    92.

    A nível contextual, há que examinar, em primeiro lugar, as outras disposições do Regulamento n.o 715/2007, a fim de determinar se podem fornecer um complemento de resposta útil.

    93.

    O artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impõe aos fabricantes uma obrigação de resultado: devem assegurar que as medidas técnicas adotadas são adequadas para garantir que as emissões do tubo de escape sejam eficazmente limitadas. O artigo 3.o, n.o 6, define o conceito de «emissões pelo tubo de escape»: trata‑se da emissão de gases e partículas poluentes, sem mais pormenores.

    94.

    Por conseguinte, nem o artigo 4.o, n.o 2, nem o artigo 3.o, ponto 6, precisam em que fase do funcionamento do veículo (ou por que meio técnico) essas emissões devem ser moduladas ou reduzidas.

    95.

    O Regulamento n.o 715/2007 é tecnologicamente neutro, na medida em que não impõe uma solução tecnológica particular. Fixa apenas um objetivo a atingir quanto à limitação das emissões, sendo estas últimas medidas à saída do tubo de escape.

    96.

    A distinção feita pela sociedade X entre as estratégias internas do motor e os métodos de pós‑tratamento dos gases de escape não encontra, portanto, justificação no texto do Regulamento n.o 715/2007. Além disso, do ponto de vista factual, esta distinção não parece fazer muito sentido. Embora a sociedade X tenha podido sustentar facilmente, na audiência, que «o que não sai do motor não é uma emissão», não deixa de ser verdade que, na prática, como a Comissão salientou com um bom senso de grande simplicidade, os NOx continuam a ser NOx: acabam sempre por sair pelo tubo de escape (quer a sua formação tenha sido limitada a montante, ao nível do motor, quer tenham sido tratados a jusante, no sistema de escape) ( 32 ).

    97.

    A distinção bizantina entre métodos de redução a montante e a jusante proposta pela sociedade X também não se justifica à luz do Regulamento n.o 83 (UNECE), designadamente do seu ponto 2.16 ( 33 ). O facto de o ponto 6.5.1.3 do apêndice 1 do anexo 11 deste regulamento evocar dois métodos de pós‑tratamento como sistemas de controlo das emissões (ou sistemas antipoluição) não implica ipso facto que outros métodos (como o sistema RGE) não possam ser abrangidos pelo âmbito de aplicação deste conceito: trata‑se aqui apenas de exemplos isolados, e não de uma enumeração taxativa.

    98.

    E o que dizer do Regulamento n.o 692/2008, invocado pela sociedade X, tanto nas suas observações escritas como na audiência?

    99.

    Começo por salientar que o Regulamento n.o 692/2008, adotado pela Comissão ( 34 ), é um instrumento de nível inferior relativamente ao Regulamento n.o 715/2007 (que emana do Conselho e do Parlamento Europeu): não pode, em princípio, limitar o âmbito de aplicação deste último. Além disso, o artigo 2.o, ponto 18, do Regulamento n.o 692/2008 (invocado pela sociedade X) é aplicável «no contexto do sistema [de diagnóstico a bordo]» e não tem alcance geral.

    100.

    Por outro lado, a posição adotada pela sociedade X parece basear‑se numa leitura incorreta deste artigo 2.o, ponto 18. Com efeito, segundo a sociedade X, esta disposição pressupõe que um sistema de controlo das emissões só possa ser um componente «relacionado com as emissões» e «que esteja situado dentro do sistema de escape» ( 35 ). Ora, a referida disposição visa qualquer componente (relativo às emissões) do sistema de escape, designadamente na versão francesa do regulamento ( 36 ). Por conseguinte, não é necessário que este componente esteja situado fisicamente dentro do sistema de escape.

    101.

    À semelhança da Comissão, inclino‑me a supor que esta leitura incorreta tem origem na versão inglesa do Regulamento n.o 692/2008, que se refere a «any emission‑related component in the exhaust […] system» ( 37 ). Esta formulação (na versão inglesa ( 38 )) não me parece correta, à luz do Regulamento n.o 715/2007, cuja versão inglesa menciona sistematicamente as «tailpipe emissions» (na versão francesa, este termo é traduzido por «émissions au tuyau arrière d’échappement» ( 39 )). Os termos utilizados demonstram claramente o raciocínio subjacente ao Regulamento n.o 715/2007: as emissões são sempre medidas à saída do sistema de escape, porque acabam sempre por ser expelidas por este (antes de poluírem o ar). No entanto, o mecanismo que permite controlar as emissões não tem necessariamente de estar situado dentro do sistema de escape stricto sensu.

    102.

    Por último, observo ainda que o apêndice 2 do anexo XI do referido Regulamento n.o 692/2008 inclui expressamente o sistema RGE na sua lista de sistemas de controlo das emissões. Isto confirma, se necessário for, a incorreção da interpretação defendida pela sociedade X relativamente ao artigo 2.o, ponto 18.

    Interpretação teleológica

    103.

    Passo agora às finalidades do Regulamento n.o 715/2007, bem como sobre ao seu impacto para a interpretação da expressão «sistema de controlo das emissões».

    104.

    Resulta dos considerandos 1 e 5 do referido regulamento que este visa, nomeadamente, assegurar um nível elevado de proteção do ambiente e que a realização dos objetivos da União em matéria de qualidade do ar exige um esforço contínuo de redução das emissões dos veículos. O considerando 6 precisa que «[a] fim de melhorar a qualidade do ar e de respeitar os valores limite de poluição atmosférica, afigura‑se, sobretudo, necessária uma redução considerável das emissões [de NOx] dos veículos equipados com motor diesel».

    105.

    Além disso, resulta do artigo 4.o do regulamento que este visa assegurar uma limitação efetiva das emissões, ao longo da vida normal dos veículos e em condições de uso normais.

    106.

    Tendo em conta a vontade do legislador da União, conforme expressa com toda a clareza nestas disposições, considero, tal como o Governo francês e a Comissão, que importa dar uma interpretação alargada ao conceito de «sistema de controlo das emissões». A limitação do alcance deste conceito aos métodos de pós‑tratamento dos gases de escape (excluindo as estratégias internas do motor, como o sistema RGE) privaria o Regulamento n.o 715/2007 de uma parte considerável do seu efeito útil. A este respeito, a distinção avançada pela sociedade X não se justifica.

    Conclusão

    107.

    À luz da interpretação literal, contextual, e também teleológica das disposições do Regulamento n.o 715/2007, considero que a resposta à segunda questão prejudicial deve ser formulada do seguinte modo: o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «sistema de controlo das emissões» inclui tanto as tecnologias, estratégias e peças mecânicas ou informáticas que permitem reduzir as emissões (incluindo de NOx) a montante, tal como o sistema RGE, como as que permitem tratá‑las e reduzi‑las a jusante, após a sua formação.

    Quanto à terceira questão prejudicial

    108.

    A terceira questão prejudicial inclui três subquestões: abordarei a segunda subquestão ao examinar a quarta questão prejudicial, na secção seguinte das presentes conclusões.

    109.

    A primeira e terceira subquestões dizem respeito — em substância — à questão de saber se o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo que deteta qualquer parâmetro relacionado com o desenrolar dos procedimentos de homologação previstos nesse mesmo regulamento, a fim de ativar ou potenciar, durante esses procedimentos, o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, e assim obter a homologação do veículo, constitui um «dispositivo manipulador» na aceção desta disposição, mesmo se a ativação do funcionamento potenciado do sistema de controlo das emissões puder também ocorrer de forma pontual, sempre que as condições exatas que têm como efeito desencadear essa ativação se verifiquem em circulação real.

    110.

    Na minha opinião, esta questão exige uma resposta afirmativa.

    111.

    Um «dispositivo manipulador» é um elemento que deteta diversos parâmetros (temperatura, velocidade do veículo, etc.) a fim de ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte de um sistema de controlo das emissões, e que reduz a sua eficácia, em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento normal e a utilização normal de um veículo.

    112.

    A sociedade X invoca dois argumentos para refutar essa qualificação no caso em apreço.

    113.

    Com o seu primeiro argumento, afirma que o sistema RGE não constitui um sistema de controlo das emissões e que, por conseguinte, um elemento que module o funcionamento do sistema RGE não pode ser qualificado de «dispositivo manipulador». Atendendo à resposta que me proponho dar à segunda questão prejudicial, este argumento não pode ser acolhido. Por conseguinte, não me alargarei mais a este respeito.

    114.

    O seu segundo argumento é o seguinte: os dispositivos manipuladores que controlam, potenciando‑o, o funcionamento de um sistema de controlo das emissões durante os testes em laboratório (tais como os testes NEDC) não reduzem a eficácia do referido sistema. Só a modulação induzida durante a utilização normal de um veículo permite demonstrar a existência de um dispositivo manipulador.

    115.

    Este argumento parece‑me simultaneamente falacioso e improcedente, tanto a nível factual como a nível jurídico.

    116.

    A nível factual, resulta da decisão de reenvio e do relatório de peritagem que o sistema RGE funciona segundo dois modos, comandados pelo programa informático controvertido. Quando é detetado um ciclo característico do teste de homologação, o sistema RGE passa ao «modo 1». Caso contrário, quando deteta a inexistência das condições características do teste de homologação, o sistema opta pelo «modo 0».

    117.

    Em modo 1, a válvula RGE apresenta um grau de abertura acrescido e permite ao veículo respeitar as limitações regulamentares em termos de emissões de NOx. Pelo contrário, em modo 0 (ou seja, na prática, a modo que prevalece em condições reais de condução), a válvula RGE não é completamente desativada, mas a sua abertura é reduzida. Essa modulação conduz a emissões de NOx muito superiores às que surgem na fase de teste ( 40 ) e, em qualquer caso, a um resultado que não respeita os limites estabelecidos pelo Regulamento n.o 715/2007 ( 41 ).

    118.

    Como a Comissão e o Governo francês salientaram, com razão, é manifesto, portanto, que o dispositivo em causa «modula» o funcionamento de uma parte do sistema de controlo das emissões, uma vez que faz variar o nível de emissões em função da deteção de diversos parâmetros predefinidos, passando de um modo para o outro.

    119.

    Por outras palavras, ao optar, por defeito, pelo modo 0 em condições normais de utilização do veículo, o procedimento aplicado tem por efeito modular, reduzindo‑a, a eficácia do sistema de controlo das emissões. O facto de este processo só desencadear uma ativação potenciada quando são detetadas as condições específicas do teste de homologação não tem qualquer incidência sobre esta conclusão.

    120.

    A nível jurídico, há que concluir que a tese defendida pela sociedade X também não corresponde ao texto, nem ao contexto, nem ao objetivo do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007.

    121.

    Com efeito, como a Comissão salientou, com razão, esta disposição não assenta numa dicotomia entre a fase dos testes efetuados para efeitos da homologação de um veículo e o período subsequente de utilização normal do veículo. A homologação dos veículos a motor assenta em procedimentos de teste que devem, na medida do possível, corresponder ao que será a utilização normal futura do veículo, na sequência da sua colocação no mercado. Pressupõe‑se que o teste reproduz ex ante as condições reais de condução que o veículo encontrará na sua utilização normal.

    122.

    O método de teste NEDC constitui, de certo modo, um percurso teórico, que resume (esquematicamente) estas «circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo». A desativação parcial ou total de um sistema de controlo das emissões, programada para ocorrer sistematicamente fora desse percurso teórico, conduz necessariamente à redução da eficácia desse sistema em condições de utilização normais. Esta desativação artificial só pode resultar numa violação do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007.

    123.

    Por conseguinte, não existe nenhuma base textual que suporte a posição que a sociedade X pretende defender.

    124.

    Além disso, a nível contextual, importa também ter em conta o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007: este último consagra a obrigação de garantir uma limitação efetiva das emissões do tubo de escape ao longo da vida normal dos veículos e em condições de uso normais ( 42 ). Um dispositivo cuja única finalidade seja assegurar o respeito dos limites regulamentares durante os testes efetuados em laboratório seria de facto contrário a esta obrigação. O relatório de peritagem aponta neste sentido: segundo o perito, «no espírito da lei, os sistemas de controlo das emissões devem estar operacionais durante o funcionamento normal do veículo» ( 43 ). Aceitar o postulado da sociedade X equivaleria a «admitir que a legislação não se destina a reduzir as emissões poluentes no dia a dia […] mas apenas a submeter as tecnologias a exames de passagem de grau» ( 44 ). É evidente que tal interpretação não respeitaria a lógica sistemática do Regulamento n.o 715/2007.

    125.

    A reflexão formulada pelo perito leva‑me naturalmente ao aspeto teleológico da questão: atendendo aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 715/2007 (como expostos nos n.os 104 e 105 das presentes conclusões), não há qualquer dúvida de que a tese defendida pela sociedade X teria como resultado restringir de maneira injustificada o efeito útil do Regulamento n.o 715/2007 e da proibição dos dispositivos previstos no artigo 3.o, ponto 10, e no artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento.

    126.

    Por último, tal como a Comissão e o Governo francês, considero que o facto de a modulação no sentido de potenciar o funcionamento do sistema de controlo das emissões poder ocorrer pontualmente durante a utilização normal do veículo é irrelevante. Como a Comissão observou, as probabilidades de tal coincidência se verificar são infinitesimais (tendo em conta as especificidades do teste NEDC). O respeito, pelo veículo, dos limites fixados pelo regulamento em causa deve ser a regra durante a sua utilização normal, e não uma exceção relacionada com a reunião acidental de condições análogas às dos testes de homologação.

    127.

    Atendendo aos desenvolvimentos precedentes, considero que a resposta à terceira questão prejudicial deve ser formulada do seguinte modo: o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo que deteta qualquer parâmetro relacionado com o desenrolar dos procedimentos de homologação previstos por este mesmo regulamento, a fim de ativar ou modular, no sentido de potenciar, durante esses procedimentos, o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, e, assim, obter a homologação do veículo, constitui um «dispositivo manipulador» na aceção desta disposição, mesmo que a modulação no sentido de intensificar o funcionamento desse sistema de controlo das emissões possa também ocorrer de forma pontual, sempre que as condições exatas que a desencadeiam se verifiquem por acaso em condições normais de utilização do veículo.

    Quanto à quarta questão prejudicial

    128.

    Com a terceira questão, alínea b), bem como com a quarta questão (que é, por sua vez, composta por três subquestões), o juiz de reenvio interroga‑se sobre a licitude de um dispositivo manipulador como o que está em causa no processo principal e, em particular, sobre a questão de saber se tal dispositivo pode ser abrangido pelo âmbito de aplicação de uma das exceções à proibição prevista no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. O juiz de reenvio procura, mais precisamente, determinar se o retardar do envelhecimento do motor ou da acumulação de sujidade no mesmo pode fazer parte dos imperativos de «proteger o motor de danos ou acidentes» ou de «funcionamento seguro do veículo», na aceção do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), desse regulamento e justificar, desse modo, a presença do referido dispositivo manipulador.

    129.

    Recordo que a utilização de dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões é proibida e que esta proibição de princípio só admite três exceções, a saber: a) se se justificar a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo; b) se esse dispositivo não funcionar para além do necessário ao arranque do motor; ou c) se as condições estiverem substancialmente incluídas nos processos de ensaio para verificação das emissões por evaporação e da média das emissões pelo tubo de escape.

    130.

    As exceções previstas no artigo 5.o, n.o 2, alíneas b) e c), são manifestamente irrelevantes no caso em apreço, tendo em conta os elementos de facto atrás expostos.

    131.

    Em contrapartida, há que analisar a exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007, que permite justificar a presença de um dispositivo manipulador quando este é necessário para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir o funcionamento seguro do veículo.

    132.

    Importa salientar que, segundo jurisprudência constante, as exceções são de interpretação estrita, de modo a que os regimes gerais não sejam esvaziados de conteúdo ( 45 ). A este respeito, a interpretação das exceções não pode exceder as hipóteses previstas de maneira explícita pela disposição em causa ( 46 ).

    133.

    Devo, portanto, afastar desde já o argumento apresentado pela sociedade X, segundo o qual haveria que optar por uma interpretação ou uma aplicação «ampla» da exceção em causa ( 47 ).

    134.

    No caso em apreço, importa proceder à interpretação dos termos «acidente» e «dano». Na minha opinião, o alcance destes termos pode ser esclarecido através de uma leitura literal e teleológica dos mesmos.

    135.

    A nível literal, observo que é geralmente admitido que o termo «acidente» se refere a um acontecimento imprevisto e súbito que causa danos ou perigos, tais como ferimentos ou a morte ( 48 ). O termo «dano» designa, por sua vez, um prejuízo que resulta geralmente de uma causa violenta ou súbita ( 49 ). Os termos «accident» e «damage» utilizados na versão inglesa do Regulamento n.o 715/2007 não contradizem, na minha opinião, esta aceção ( 50 ).

    136.

    Quando a letra de uma disposição do direito da União é clara e precisa, deve ser respeitada ( 51 ).

    137.

    Um dispositivo manipulador só pode, portanto, justificar‑se, ao abrigo do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do regulamento acima referido, se se revelar necessário para proteger o motor contra a ocorrência de danos súbitos.

    138.

    Na minha opinião, não se pode acolher, portanto, a interpretação extensiva do Governo italiano segundo a qual o conceito de «dano» devia ser alargado de modo a incluir o desgaste, a perda de eficiência ou a perda de valor patrimonial do veículo resultante do envelhecimento do motor bem como da acumulação progressiva de sujidade no mesmo.

    139.

    Como a Comissão e o Governo francês observaram com razão, o envelhecimento e a acumulação de sujidade no motor ou numa peça do motor são o resultado inexorável de uma utilização normal do veículo. Trata‑se de efeitos normais e previsíveis da acumulação progressiva de impurezas no motor, ao longo da vida normal do veículo, em condições de utilização normais — efeitos esses que podem, de resto, ser atenuados através de uma manutenção regular, planeada a longo prazo. Não se trata, portanto, de acidentes, nem de danos, nem de ameaças ao funcionamento seguro do veículo.

    140.

    Passo agora ao aspeto teleológico da questão. Na minha opinião, atendendo aos objetivos do Regulamento n.o 715/2007 e, em particular, ao da proteção do ambiente e de melhoria da qualidade do ar na União ( 52 ), a interpretação extensiva defendida pelo Governo italiano não se justifica de modo algum.

    141.

    Esta interpretação esvaziaria a regra geral (ou seja, a proibição dos dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões) da sua substância.

    142.

    Com efeito, cabe aos fabricantes de veículos assegurar que estes respeitem os limites fixados pela legislação em matéria de emissões, ao longo do seu funcionamento normal ( 53 ), e que estes veículos funcionem de forma segura, respeitando esses limites. Embora não se possa excluir que o funcionamento de um sistema de controlo das emissões possa afetar negativamente (a longo prazo) a longevidade ou a fiabilidade do motor, esta circunstância não justifica de modo algum que se desative o referido sistema durante o funcionamento normal do veículo, em condições de utilização normais, com o único objetivo de proteger o motor contra o envelhecimento ou a acumulação progressiva de sujidade.

    143.

    Por outras palavras, a interpretação apresentada (no caso em apreço) pelo Governo italiano dificilmente poderia ser acolhida, dado que equivale a privar a proibição acima referida de qualquer efeito útil e contraria claramente a vontade do legislador da União, que é a de assegurar a redução das emissões poluentes fixando limites que devem ser respeitados na utilização normal de todos os veículos colocados no mercado.

    144.

    Além disso, essa interpretação implicaria de facto a primazia de interesses económicos (como a preservação do valor de revenda do veículo) sobre a saúde pública ( 54 ). Este resultado seria contrário tanto à letra como ao espírito do Regulamento n.o 715/2007 ( 55 ).

    145.

    Que conclusão se deve daqui retirar no caso em apreço?

    146.

    Na minha opinião, só os riscos imediatos de danos que afetam a fiabilidade do motor e que criem um perigo concreto na condução do veículo são suscetíveis de justificar a existência de um dispositivo manipulador.

    147.

    É ao juiz de reenvio — que tem competência exclusiva para apreciar a matéria de facto — que caberá determinar se o dispositivo em causa no processo principal se inscreve no âmbito da exceção acima analisada ( 56 ).

    148.

    Contudo, parece‑me oportuno observar que, segundo o relatório de peritagem, o sistema RGE «não é destrutivo para o motor» ( 57 ). Este sistema é suscetível, todavia, de prejudicar o desempenho do motor com o uso e o acelerar a acumulação de sujidade no mesmo, o que pode tornar as operações de manutenção «mais frequentes e mais dispendiosas» ( 58 ). À luz desta conclusão, parece‑me que o dispositivo manipulador em causa não é necessário para proteger o motor de acidentes ou de danos e para garantir o funcionamento seguro do veículo.

    149.

    A resposta à terceira questão prejudicial, alínea b), e à quarta questão prejudicial deve ser formulada do seguinte modo: o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que o objetivo de retardar o envelhecimento do motor ou a acumulação de sujidade no mesmo não justifica o recurso a um dispositivo manipulador, na aceção desta disposição.

    Conclusão

    150.

    Atendendo às considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo vice‑presidente responsável pela instrução do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França):

    Primeira questão prejudicial:

    O artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007, relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos (JO 2007, L 171, p. 1), deve ser interpretado no sentido de que um programa integrado no calculador do controlo motor ou, de modo mais geral, que atua sobre este, pode ser considerado um elemento na aceção desta disposição, desde que faça parte integrante do referido calculador.

    Segunda questão prejudicial:

    O artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «sistema de controlo das emissões» inclui tanto as tecnologias, estratégias e peças mecânicas ou informáticas que permitem reduzir as emissões (incluindo de óxidos de azoto) a montante, tal como um sistema de recirculação dos gases de escape, como as que permitem tratá‑las e reduzi‑las a jusante, após a sua formação.

    Terceira questão prejudicial:

    O artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo que deteta qualquer parâmetro relacionado com o desenrolar dos procedimentos de homologação previstos por este mesmo regulamento, a fim de ativar ou de modular, no sentido de potenciar, durante esses procedimentos, o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, e, assim, obter a homologação do veículo, constitui um «dispositivo manipulador» na aceção desta disposição, mesmo que a modulação no sentido de potenciar o funcionamento desse sistema de controlo das emissões possa também ocorrer de forma pontual, sempre que as condições exatas que a desencadeiam se verifiquem por acaso em condições normais de utilização do veículo.

    Quarta questão prejudicial:

    O artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que o objetivo de retardar o envelhecimento do motor ou a acumulação de sujidade no mesmo não justifica o recurso a um dispositivo manipulador, na aceção desta disposição.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007, relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos (JO 2007, L 171, p. 1).

    ( 3 ) Foram submetidas ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais análogas nos processos C‑690/18, C‑691/18 e C‑692/18, atualmente suspensos até à prolação do acórdão no presente processo.

    ( 4 ) Este regulamento foi adotado ao abrigo do Acordo relativo à adoção de condições uniformes de homologação e ao reconhecimento recíproco da homologação dos equipamentos e peças de veículos a motor, celebrado em Genebra a 20 de março de 1958 acordo cujo título foi seguidamente alterado para «Acordo relativo à adoção de prescrições técnicas uniformes aplicáveis aos veículos de rodas, aos equipamentos e às peças suscetíveis de serem montados e/ou utilizados num veículo de rodas e às condições de reconhecimento recíproco das homologações emitidas em conformidade com essas prescrições». O referido regulamento é objeto de atualizações regulares. Cito aqui uma versão publicada em 2006 (JO 2006, L 375, p. 243) [a seguir «Regulamento n.o 83 (UNECE)»]. Observo que, numa versão posterior (JO 2015, L 172, p. 1), o ponto 2.16 da versão em língua francesa deste regulamento menciona o «système antipollution», em vez do «système de contrôle des émissions».

    ( 5 ) A União está vinculada por este instrumento: v. n.o 5 das presentes conclusões.

    ( 6 ) Decisão do Conselho de 27 de novembro de 1997, relativa à adesão da Comunidade Europeia ao Acordo da Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas relativo à adoção de prescrições técnicas uniformes aplicáveis aos veículos de rodas, aos equipamentos e às peças suscetíveis de serem montados ou utilizados num veículo de rodas e às condições de reconhecimento recíproco das homologações emitidas em conformidade com essas prescrições («acordo de 1958 revisto») (JO 1997, L 346, p. 78).

    ( 7 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos («Diretiva‑Quadro») (JO 2007, L 263, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1060/2008 da Comissão, de 7 de outubro de 2008 (JO 2008, L 292, p. 1) (a seguir «Diretiva 2007/46»). V. considerando 3 do Regulamento n.o 1060/2008, que remete expressamente para o Regulamento n.o 83 (UNECE).

    ( 8 ) Regulamento da Comissão, de 18 de julho de 2008, que executa e altera o Regulamento (CE) n.o 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos (JO 2008, L 199, p. 1).

    ( 9 ) OBD é a abreviatura do termo inglês «on‑board diagnostics».

    ( 10 ) Até 18 de março de 2014, a violação deste artigo era punida com pena de prisão até dois anos e multa até 35000 euros ou somente uma destas duas penas. De 19 de março de 2014 a 30 de junho de 2016, a violação deste artigo é punível com pena de prisão até dois anos e multa de 300000 euros. O referido artigo prevê, além disso, que «o montante da multa pode ser elevado, proporcionalmente à vantagem obtida com o incumprimento, a 10 % do volume de negócios médio anual, calculado com base no volume de negócios dos últimos três anos, conhecido à data dos factos».

    ( 11 ) Na sua versão aplicável até 18 de março de 2014, o artigo L.213‑2 do Código do Consumo previa a possibilidade de elevar ao dobro a pena prevista no artigo L.213‑1. De 19 de março de 2014 a 30 de junho de 2016, as penas normalmente previstas podem ser elevadas a sete anos de prisão e a multa de 750000 euros (incluindo em caso de tentativa de crime). O montante da pena de multa pode também ser elevado, proporcionalmente à vantagem obtida com o incumprimento, a 10 % do volume de negócios médio anual, calculado com base no volume de negócios dos últimos três anos, conhecido à data dos factos.

    ( 12 ) O juiz de reenvio salienta que a sociedade X recusou remeter aos investigadores o código‑fonte em questão, invocando «razões de confidencialidade».

    ( 13 ) V. n.o 36 das presentes conclusões para mais precisões a este respeito.

    ( 14 ) V. p. 76 do relatório de peritagem.

    ( 15 ) Refiro‑me aqui ao texto do artigo 3.o, ponto 10, in fine, do Regulamento n.o 715/2007.

    ( 16 ) V. n.o 19 das presentes conclusões. Desde então, os testes em laboratório foram modernizados e completados por outro procedimento de ensaio para a medição das emissões em condições reais de condução (em inglês, «real driving emissions» ou «RDE»).

    ( 17 ) Na audiência, o mandatário das partes A e o. pareceu, todavia, reconsiderar esta afirmação, indicando que não pretendia contestar a admissibilidade das questões prejudiciais e que a qualificação de «dispositivo manipulador» reforçava a caracterização da infração penal, sem ser intrinsecamente necessária para demonstrar a existência dessa infração.

    ( 18 ) A sociedade X contesta, a este respeito, que se possa invocar um memorando jurídico elaborado a seu pedido pelo escritório de advogados Freshfields Bruckhaus Deringer, em dezembro de 2015 — memorando que foi transmitido aos investigadores antes da abertura formal da instrução e que visava demonstrar a razão pela qual o sistema RGE não podia ser considerado um «dispositivo manipulador».

    ( 19 ) V. Acórdão de 4 de dezembro de 2018, Minister for Justice and Equality e Commissioner of An Garda Síochána (C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 26 e jurisprudência referida).

    ( 20 ) Despacho de 15 de janeiro de 2004, Saetti e Frediani (C‑235/02, EU:C:2004:26, n.o 23 e jurisprudência referida).

    ( 21 ) V. Acórdão de 4 de dezembro de 2018, Minister for Justice and Equality e Commissioner of An Garda Síochána (C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 27 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

    ( 22 ) V. Acórdão de 13 de novembro de 2018, Čepelnik (C‑33/17, EU:C:2018:896, n.o 24 e jurisprudência referida).

    ( 23 ) V. Acórdão de 25 de junho de 2009, Roda Golf & Beach Resort (C‑14/08, EU:C:2009:395, n.o 33 e jurisprudência referida).

    ( 24 ) Por outro lado, segundo jurisprudência constante, o facto de um processo penal se encontrar na fase da instrução não obsta a que o juiz que conhece do processo submeta questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça: v. Despacho de 15 de janeiro de 2004, Saetti e Frediani (C‑235/02, EU:C:2004:26, n.o 23 e jurisprudência referida). Para desenvolvimentos mais amplos, v. igualmente: Von Bardeleben, E., Donnat, F. e Siritzky, D., La Cour de justice de l’Union européenne et le droit du contentieux européen, La Documentation française, Paris, 2012, pp. 179 e 180.

    ( 25 ) O sublinhado é meu.

    ( 26 ) V. Acórdão de 7 de fevereiro de 2018, American Express (C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 54 e jurisprudência referida).

    ( 27 ) Esta afirmação figura na p. 65 do relatório de peritagem (o sublinhado é meu). Observo, para todos os efeitos úteis, que esta afirmação não foi contestada pela sociedade X.

    ( 28 ) V. p. 66 (ponto 8.5) do relatório de peritagem.

    ( 29 ) A este respeito, o facto de, ao mesmo tempo que reduz fortemente o volume de NOx, a ativação da válvula RGE poder aumentar de modo marginal outros tipos de emissões (monóxido de carbono ou partículas) é irrelevante: remeto, a este respeito, para os dados quantificados evocados no n.o 36 das presentes conclusões.

    ( 30 ) A sociedade X sustentou também que, por razões de previsibilidade, se impunha uma leitura restritiva, uma vez que o procedimento (no caso em apreço) visa demonstrar a existência de uma infração penal. Como observei no n.o 68 das presentes conclusões, este aspeto é irrelevante: o Regulamento n.o 715/2007 não contém quaisquer disposições penais.

    ( 31 ) O sistema RGE enquadra‑se, na minha opinião, tanto na categoria mais ampla de «componentes suscetíveis de afetar as emissões» (prevista no artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 715/2007) como na categoria, mais restrita, dos «sistemas de controlo das emissões» (na aceção do artigo 3.o, ponto 10, bem como do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007). Além disso, o sistema RGE constitui também um dispositivo de controlo da poluição, na aceção do artigo 3.o, ponto 11, do referido regulamento, a saber, um componente de um veículo que controla e/ou limita as emissões do tubo de escape (o que explica, por exemplo, a referência ao sistema RGE no ponto 3.3 do anexo I do Regulamento n.o 692/2008). Nada na regulamentação que examinei permite considerar que um dado elemento não pode enquadrar‑se simultaneamente em várias categorias (no caso em apreço, «componentes suscetíveis de afetar as emissões», «dispositivos de controlo da poluição» e «sistemas de controlo das emissões»).

    ( 32 ) V., também, n.o 88 das presentes conclusões: os gases que circulam através do sistema RGE são (por fim) expelidos para a atmosfera.

    ( 33 ) Observo, por outro lado, que, na versão francesa deste mesmo regulamento adotada em 2015, a expressão «système de contrôle des émissions» foi substituída pela expressão «système antipollution». Esta alteração, que não tem necessariamente equivalente nas outras versões linguísticas, parece‑me militar igualmente no sentido de uma aceção ampla deste conceito. V. também nota 4 das presentes conclusões.

    ( 34 ) Trata‑se, com efeito, de um regulamento adotado pela Comissão com vista à aplicação de certas disposições do Regulamento n.o 715/2007 (a saber, os seus artigos 4.o, 5.o e 8.o).

    ( 35 ) Refiro‑me às observações escritas apresentadas pela sociedade X.

    ( 36 ) A título de exemplo, observo que é também esse o caso na versão italiana (que contém a expressão «del sistema di scarico»), na versão espanhola («del sistema de escape») ou, ainda, na versão polaca (em que o termo «układu» é declinado no genitivo e não no locativo) do regulamento em causa. O sublinhado é meu.

    ( 37 ) O sublinhado é meu.

    ( 38 ) Esta formulação é também utilizada na versão alemã do Regulamento n.o 692/2008, que contém os termos «im Abgas‑ oder Verdunstungssystem». O sublinhado é meu.

    ( 39 ) A versão alemã do Regulamento n.o 715/2007 refere‑se às «Auspuffemissionen».

    ( 40 ) O relatório de peritagem menciona «um aumento por um fator de 3 das emissões de NOx, muito acima das margens de erro na medição e no protocolo instituído»: v. p. 74 do relatório de peritagem.

    ( 41 ) Ibidem.

    ( 42 ) V. igualmente artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 715/2007, que menciona uma «utilização normal» dos veículos.

    ( 43 ) V. p. 75 do relatório de peritagem.

    ( 44 ) Ibidem.

    ( 45 ) Acórdão de 22 de abril de 2010, Comissão/Reino Unido (C‑346/08, EU:C:2010:213, n.o 39 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

    ( 46 ) V., entre outros, Acórdãos de 16 de maio de 2013, Melzer (C‑228/11, EU:C:2013:305, n.o 24), e de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi (C‑463/12, EU:C:2015:144, n.o 87 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

    ( 47 ) Segundo a sociedade X, esta interpretação (ou aplicação) ampla devia ser privilegiada, com fundamento em que a exceção acima referida «não impõe a utilização da melhor tecnologia disponível e […] deve ser‑lhe dada uma interpretação caso a caso e não um sentido abstrato». Saliento, a este respeito, que a exceção em causa não remete de modo algum para a necessidade (nem para a desnecessidade) de recorrer à «melhor tecnologia disponível». Na medida em que enuncia uma regra de aplicação geral, esta exceção deve necessariamente ter um alcance normativo e abstrato. O argumento invocado pela sociedade X é, portanto, inoperante.

    ( 48 ) Quanto à aceção deste termo em língua francesa, v. dicionário Le Petit Robert, Société du Nouveau Littré, Paris, 1973, s.v. «Accident».

    ( 49 ) Quanto à aceção deste termo em língua francesa, v. dicionário Le Petit Robert, Société du Nouveau Littré, Paris, 1973, s.v. «Dégât».

    ( 50 ) Assim, em inglês, a palavra «damage» pode ser definida do seguinte modo: «physical harm that impairs the value, usefulness, or normal function of something» (v., neste sentido, Oxford Dictionary of English, OUP, 2016). «Accident» é definido no mesmo dicionário do seguinte modo: «An unfortunate incident that happens unexpectedly and unintentionally, typically resulting in damage or injury. An event that happens by chance or that is without apparent or deliberate cause».

    ( 51 ) Acórdão de 8 de dezembro de 2005, BCE/Alemanha (C‑220/03, EU:C:2005:748, n.o 31).

    ( 52 ) V. n.os 104 e 105 das presentes conclusões.

    ( 53 ) V. igualmente n.os 50 e 52 das presentes conclusões.

    ( 54 ) Em princípio, deve ser atribuída à proteção da saúde pública importância preponderante relativamente às considerações económicas: v., por analogia, Acórdão de 17 de julho de 1997, Affish (C‑183/95, EU:C:1997:373, n.o 43).

    ( 55 ) Saliento que a interpretação que proponho é semelhante à que passou a ser adotada pela Comissão, na sua Comunicação C(2017) 352 final, de 26 de janeiro de 2017 [Orientações para a avaliação de estratégias auxiliares em matéria de emissões e a presença de dispositivos manipuladores no que diz respeito à aplicação do Regulamento (CE) n.o 715/2007 relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6)]. Todavia, a comunicação acima referida não tem efeito vinculativo e não pode (enquanto tal) servir de base ao trabalho interpretativo do Tribunal de Justiça. Por outro lado, importa salientar que os factos na origem do litígio no processo principal são anteriores à adoção desta comunicação. Por estas razões, na minha opinião, esta comunicação não deve ser tomada em conta no caso em apreço.

    ( 56 ) Com efeito, segundo jurisprudência constante, o juiz nacional tem competência exclusiva para verificar e apreciar os factos em causa no processo principal: v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Dodič (C‑194/18, EU:C:2019:385, n.o 45).

    ( 57 ) V. pp. 74 e 75 do relatório de peritagem.

    ( 58 ) V. p. 76 do relatório de peritagem.

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