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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019CC0014

    Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 19 de março de 2020.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:220

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MICHAL BOBEK

    apresentadas em 19 de março de 2020 ( 1 ) ( i )

    Processo C‑14/19 P

    Centro de Satélites da União Europeia (SATCEN)

    contra

    KF

    «Competência do juiz da União — Política externa e de segurança comum — Artigos 19.o e 24.o TUE — Artigos 263.o, 268.o, 270.o e 275.o TFUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Decisões do Conselho 2009/747/PESC e 2014/401/PESC — Estatuto do Pessoal SATCEN — Agentes — Princípio da igualdade — Proteção jurisdicional efetiva — Comissão de Recursos do SATCEN — Exceção de ilegalidade — Suspensão — Processos disciplinares — Demissão — Direito de ser ouvido — Acesso ao processo»

    I. Introdução

    1.

    Há, na minha perspetiva, dois aspetos de importância jurídica geral no presente processo que transcendem os limites deste recurso: primeiro, qual é o âmbito da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia no campo da política externa e de segurança comum (a seguir «PESC») quanto ao que poderia ser qualificado como atos comuns de gestão do pessoal? Estão esses atos excluídos da fiscalização do Tribunal de Justiça por força do artigo 24.o, n.o 1, TUE e do artigo 275.o TFUE?

    2.

    Segundo, admitindo que o Tribunal de Justiça da União Europeia mantém alguma competência no que respeita a esses atos, o que implica a existência dessa competência para os mecanismos especiais e especializados de resolução de litígios do pessoal estabelecidos em diferentes órgãos e agências da União, como a Comissão de Recursos do Centro de Satélites da União Europeia (a seguir «SATCEN»)?

    II. Quadro factual e jurídico

    3.

    Os factos e o quadro jurídico do presente processo, tal como resultam do acórdão recorrido ( 2 ), podem ser resumidos do seguinte modo.

    A.   Centro de Satélites da União Europeia

    4.

    O SatCen, o recorrente, tem origem na decisão do Conselho de Ministros da União da Europa Ocidental (a seguir «UEO»), de 27 de junho de 1991, relativa à criação de um centro de exploração de dados por satélite e adotada com base na decisão do Conselho, de 10 de dezembro de 1990, relativa à cooperação espacial na UEO ( 3 ).

    5.

    Através da Ação Comum 2001/555/PESC do Conselho, de 20 de julho de 2001 ( 4 ), o SatCen foi criado sob a forma de uma agência na União Europeia, que incorpora as estruturas do centro de exploração dos dados de satélite UEO existente. O SatCen tornou‑se operacional a partir de 1 de janeiro de 2002.

    6.

    Em seguida, o Conselho adotou a Decisão 2014/401/PESC, de 26 de junho de 2014, relativa ao Centro de Satélites da União Europeia e que revoga a Ação Comum 2001/555/PESC, relativa à criação do Centro de Satélites da União Europeia ( 5 ), que passou a constituir o quadro jurídico aplicável ao SATCEN. Resulta do segundo considerando e do artigo 5.o dessa decisão que o SATCEN funciona como «capacidade autónoma europeia» e que é dotado da personalidade jurídica necessária ao exercício das suas funções e à consecução dos seus objetivos. Segundo o artigo 2.o, n.os 1 e 3 desta decisão, as principais funções do SATCEN consistem em apoiar o processo de tomada de decisão e as ações da União no domínio da PESC, e nomeadamente, da política comum de segurança e defesa, fornecendo, a pedido do Conselho ou do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (a seguir «Alto Representante»), produtos e serviços resultantes da exploração dos meios espaciais e dados colaterais pertinentes, incluindo imagens aéreas e de satélite, bem como serviços afins.

    7.

    Nos termos do artigo 7.o, n.os 3, 4 e 6, alínea e), da Decisão 2014/401, o diretor do SATCEN é o representante legal desse organismo, e é i) responsável pelo recrutamento de todo o restante pessoal do SATCEN e ii) responsável de todas as questões respeitantes ao pessoal.

    8.

    Nos termos do artigo 8.o, n.os 1 e 3 da Decisão 2014/401, o pessoal do SATCEN é composto por agentes contratados, nomeados pelo diretor do SATCEN, e por peritos destacados. Com base no artigo 8.o, n.o 5, dessa decisão, o Conselho, no âmbito da Ação Comum 2001/555, adotou a Decisão 2009/747/PESC, de 14 de setembro de 2009, relativa ao Estatuto do Pessoal do [SatCen] (a seguir «Estatuto do Pessoal do SatCen») ( 6 ).

    9.

    No que respeita aos litígios entre o SatCen e seus agentes sobre questões reguladas pelo Estatuto do Pessoal do SatCen, o artigo 28.o, n.o 5, do Estatuto do Pessoal do SatCen prevê o seguinte:

    «Depois de se esgotar a primeira via de recurso (recurso gracioso), o agente tem a liberdade de interpor um recurso contencioso perante a Comissão de Recursos do [SatCen].

    A composição, o funcionamento e o procedimento específicos desta instância encontram‑se descritos no anexo X.»

    10.

    O artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen estabelece o seguinte:

    «As decisões da Comissão de Recursos são vinculativas para ambas as partes. Não podem ser objeto de recurso. A Comissão pode:

    a)

    Anular ou confirmar a decisão impugnada;

    b)

    A título acessório, condenar o [SatCen] a reparar os prejuízos materiais sofridos pelo agente desde o dia em que a decisão anulada começou a produzir efeitos;

    c)

    Além disso, decidir que o [SatCen] reembolse, dentro de um limite por ela fixado, as despesas justificadas incorridas pelo requerente […]».

    11.

    Nos termos do ponto 1 do anexo X do Estatuto do Pessoal do SatCen:

    «[…] A Comissão de Recursos é competente para dirimir os litígios a que pode dar lugar a violação do presente [Estatuto do Pessoal] ou dos contratos previstos no artigo 7.o do Estatuto do Pessoal. Para o efeito, recebe reclamações apresentadas por agentes ou antigos agentes, ou pelos seus herdeiros e/ou pelos seus representantes, contra uma decisão do diretor.»

    B.   Factos na origem do litígio e decisões impugnadas

    12.

    A recorrida no presente recurso foi recrutada pelo SatCen como agente contratual a partir de 1 de agosto de 2009, por um período de três anos, para ocupar as funções de chefe da divisão administrativa. No termo do seu período experimental, em 31 de janeiro de 2010, a recorrida foi confirmada nas suas funções pelo diretor do SATCEN, que, a este respeito, constatou que a recorrente «trabalh[ava] com tato e diplomacia, não deixando, contudo, de ser firme na comunicação das suas decisões».

    13.

    No âmbito da avaliação anual relativa ao ano de 2010, a recorrida foi objeto de um relatório de avaliação, datado de 28 de março de 2011, por parte do diretor adjunto do SatCen, no qual o seu desempenho global foi considerado insuficiente. Foi‑lhe atribuída a classificação mais baixa. A recorrida contestou esta conclusão e o modo como tinha sido realizada a avaliação.

    14.

    Em 27 de março de 2012, no âmbito da avaliação anual relativa ao ano de 2011, o diretor adjunto do SatCen constatou a evolução positiva da recorrida em relação ao ano precedente e considerou que o seu desempenho global era bom, tendo em conta os esforços que tinha envidado. Em 24 de maio de 2012, o contrato da recorrida no processo principal foi prorrogado por um período de quatro anos, até 31 de julho de 2016.

    15.

    No âmbito da avaliação anual para o ano de 2012, o diretor do SatCen, por nota interna de 17 de outubro de 2012, deu instruções ao diretor adjunto para recolher informações junto do pessoal sobre a correção e as relações humanas no SatCen, em especial no que respeita aos agentes com responsabilidades de gestão, nomeadamente os chefes de divisão, identificando, sendo caso disso, situações potenciais de pressão psicológica ou intimidação que pudessem provocar, nos seus subordinados, ansiedade, perda de autoestima, perda de motivação e até choros.

    16.

    Em 14 de novembro de 2012, doze agentes do SatCen apresentaram uma queixa ao diretor e ao diretor adjunto para denunciar «a situação difícil com que [estavam] confrontados há mais de três anos para exercerem a sua atividade profissional de maneira normal», precisando que esta situação «decorr[ia] do comportamento e da conduta do chefe da divisão administrativa, [a recorrida]».

    17.

    No início de 2013, o diretor adjunto do SatCen deu seguimento à suprarreferida nota interna, enviando a 40 agentes, de várias divisões, um questionário pedindo‑lhes, através de perguntas de escolha múltipla, que avaliassem as relações humanas com o seu chefe de divisão. Por nota interna de 7 de março de 2013, o diretor adjunto do SatCen informou o diretor do SatCen de que, tendo em conta as respostas ao questionário, «afigura[va‑se] claramente que, atendendo às respostas negativas gerais do pessoal da divisão administrativa, exist[ia] um verdadeiro problema de relações humanas com o chefe da divisão administrativa».

    18.

    Por nota interna de 8 de março de 2013, o diretor do SatCen pediu ao diretor adjunto do SatCen, com base no artigo 27.o do Estatuto do Pessoal do SatCen, a abertura de um inquérito administrativo contra o recorrido.

    19.

    O inquérito administrativo consistiu no envio, em 12 de junho de 2013, de um questionário de escolha múltipla a 24 agentes do SatCen, para determinar se tinham, ou não, sido confrontados com determinados tipos de comportamento por parte da recorrida e se tinham verificado algumas consequências, para si próprios ou para outros agentes, devido aos comportamentos em causa. Nos questionários, pedia‑se igualmente ao pessoal que apresentasse depoimentos ou provas que corroborassem as respostas dadas. Dos 24 agentes interrogados, 6 não responderam.

    20.

    Entretanto, em resposta à sua avaliação anual referente a 2012, nos termos da qual o seu desempenho global foi de novo considerado insuficiente, a recorrida, por carta de 20 de março de 2013, por um lado, contestou a referida avaliação e, por outro, pediu ao diretor do SatCen que tomasse as medidas necessárias para pôr termo à situação de assédio de que era vítima.

    21.

    Em 2 de julho de 2013, o diretor adjunto do SatCen finalizou o seu inquérito. De acordo com o relatório de inquérito, a recorrida teve um comportamento «intencional, repetido, duradouro ou sistemático», «que se destinava a desacreditar ou pôr em causa as pessoas em questão», e «[uma vez que esse comportamento imputado à recorrida foi] confirmado e [considerando] a sua natureza, frequência e efeitos relativamente a certos agentes, constitu[ía] assédio moral». Em 3 de julho de 2013, o diretor do SatCen informou a recorrida das conclusões do relatório do inquérito administrativo e convocou‑a para uma entrevista, em 5 de julho de 2013.

    22.

    Em 5 de julho de 2013, o diretor do SatCen constatou que, na sequência do seu inquérito, o diretor adjunto do SatCen chegou à conclusão de que o comportamento imputado à recorrida se confirmava e constituía assédio moral. Com base nesses motivos, e após ouvir a recorrida no mesmo dia, decidiu, por um lado, abrir um processo disciplinar no Conselho de Disciplina contra a recorrida (a seguir «decisão de abertura de um processo disciplinar») e, por outro, suspender a recorrida das suas funções, mantendo o pagamento da sua remuneração (a seguir «decisão de suspensão»).

    23.

    Em 28 de agosto de 2013, a recorrida apresentou ao diretor do SatCen uma reclamação administrativa contra, nomeadamente, a decisão de abertura de um processo disciplinar, a decisão de suspensão e a decisão pela qual o diretor do SatCen indeferiu tacitamente o seu pedido de assistência por alegado assédio moral.

    24.

    Por carta de 4 de outubro de 2013, o diretor do SatCen indeferiu a reclamação administrativa apresentada em 28 de agosto de 2013 pela recorrida.

    25.

    Em 25 de outubro de 2013, o diretor do SatCen enviou ao Conselho de Disciplina um relatório, que também transmitiu à recorrida, nos termos do artigo 10.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SatCen.

    26.

    Em 1 de novembro de 2013, a recorrida enviou uma carta ao presidente do Conselho de Disciplina, pedindo‑lhe que lhe concedesse um prazo de, pelo menos, 45 dias, para preparar a sua defesa. Pediu igualmente cópias de todos os documentos utilizados durante o inquérito administrativo, a convocatória perante o Conselho de Disciplina dos 12 agentes que subscreveram a queixa contra ela apresentada em 14 de novembro de 2012 e dos 18 agentes que preencheram o questionário de escolha múltipla no quadro do inquérito administrativo e, por último, a divulgação da identidade dos 6 agentes que se recusaram a preencher esse questionário.

    27.

    Por carta de 21 de novembro de 2013, o chefe da administração do SatCen recusou que a recorrida tivesse acesso às suas mensagens de correio eletrónico e a outros documentos do seu computador, bem como ao seu telemóvel profissional.

    28.

    Por carta de 28 de novembro de 2013, o presidente do Conselho de Disciplina informou a recorrida da realização de uma audiência no Conselho de Disciplina em 13 ou 14 de janeiro de 2014. Nessa mesma carta, pediu‑lhe para apresentar as suas observações escritas ao Conselho de Disciplina, pelo menos uma semana antes da audiência. A recorrida comunicou as suas observações escritas em 21 de dezembro de 2013.

    29.

    Em 2 de dezembro de 2013, a recorrente interpôs recurso na Câmara de Recursos, por um lado, da decisão do diretor do SatCen de 4 de outubro de 2013, que indeferiu a sua reclamação contra as decisões de suspensão, de abertura de um processo disciplinar e de indeferimento do pedido de assistência, e, por outro, da decisão de 21 de novembro de 2013, referida no n.o 27, supra.

    30.

    Por carta de 9 de dezembro de 2013, a recorrida pediu ao presidente do Conselho de Disciplina o adiamento da audiência. Indicou igualmente o nome das treze testemunhas cuja notificação para comparecer solicitava. Por carta de 16 de dezembro de 2013, o presidente do Conselho de Disciplina manteve a data da audiência para 13 ou 14 de janeiro de 2014 e informou a recorrida da sua decisão de ouvir duas das testemunhas que arrolava.

    31.

    Em 17 de dezembro de 2013, a recorrida apresentou ao diretor do SatCen uma reclamação contra a decisão do Conselho de Disciplina de 16 de dezembro de 2013.

    32.

    Em 4 de fevereiro de 2014, após a audiência que teve lugar em 13 de janeiro de 2014, o Conselho de Disciplina emitiu um parecer fundamentado, no qual, por um lado, considerou, por unanimidade, que a recorrida não tinha cumprido as suas obrigações profissionais e, por outro, recomendou que fosse despromovida, em pelo menos dois graus, por forma a deixar de ocupar responsabilidades de gestão.

    33.

    Após ouvir a recorrida, em 25 de fevereiro de 2014, o diretor do SatCen demitiu‑a, em 28 de fevereiro de 2014, por motivos disciplinares, produzindo a decisão efeitos um mês após essa data (a seguir «decisão de demissão»), considerando que:

    «Tendo em conta a gravidade do seu incumprimento decorrente do relatório do diretor para o Conselho de Disciplina, confirmada pelo parecer do Conselho de Disciplina, a impossibilidade de a reclassificar num nível e numa função propostos no parecer do Conselho de Disciplina e a sua recusa em reconhecer que a sua conduta era inadequada, decido, em conformidade com o artigo 7.o do anexo IX [do Estatuto do Pessoal do SatCen] aplicar‑lhe a seguinte sanção:

    a demissão, que implica a rescisão do seu contrato com o SatCen da UE.

    [O seu] contrato cessa, nos termos do artigo 7.o, n.o 3, alínea a), vii), do [Estatuto do Pessoal do SatCen], no prazo de um mês a contar da notificação desta decisão.»

    34.

    Em 17 de abril de 2014, a recorrida apresentou uma reclamação administrativa contra a decisão de demissão, que foi indeferida por decisão do diretor do SatCen de 4 de junho de 2014. Em 12 de junho de 2014, a recorrida impugnou a decisão de demissão na Comissão de Recursos.

    35.

    Por Decisão de 26 de janeiro de 2015 (a seguir «decisão da Comissão de Recursos»), notificada à recorrida em 23 de março de 2015, a Comissão de Recursos indeferiu o pedido da recorrente de anulação da decisão de abertura de um processo disciplinar e da decisão de suspensão. Além disso, após ter julgado improcedentes todos os fundamentos invocados pela recorrida contra a decisão de demissão, a Comissão de Recursos apenas anulou essa decisão na medida em que a data de produção de efeitos tinha sido fixada em 31 de março de 2014 e não em 4 de abril de 2014.

    III. Acórdão recorrido e tramitação processual no Tribunal de Justiça

    36.

    Em 28 de maio de 2015, a recorrida apresentou no Tribunal Geral um pedido de anulação e um pedido de indemnização. Em aplicação do artigo 263.o TFUE, a recorrida pediu i) a anulação da decisão de abertura de um processo disciplinar, das decisões de suspensão, de demissão, da decisão através da qual o diretor do SatCen indeferiu tacitamente o seu pedido de assistência por alegado assédio moral e da decisão da Comissão de Recursos (em conjunto, «as decisões impugnadas»); ii) na medida do necessário, a anulação da decisão do diretor do SatCen de 4 de outubro de 2013 que indeferiu a sua reclamação contra a decisão de indeferimento do seu pedido de assistência, da decisão de abertura de um processo disciplinar e da decisão de suspensão, bem como da decisão do diretor do SatCen de 4 de junho de 2014 que indeferiu a sua reclamação contra a decisão de demissão. Com base no artigo 268.o TFUE, a recorrida pediu a reparação do prejuízo alegadamente sofrido. Pediu igualmente a condenação do SatCen nas despesas, acrescidas de juros.

    37.

    No acórdão recorrido, por um lado, o Tribunal Geral declarou‑se competente para decidir o litígio. Esta competência resulta, respetivamente, tratando‑se da fiscalização da legalidade das decisões impugnadas, do artigo 263.o TFUE, e, tratando‑se do pedido de reconhecimento da responsabilidade extracontratual da União, do artigo 268.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, tomando em consideração o artigo 19.o, n.o 1, TUE e o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («a Carta») ( 7 ). Em seguida, o Tribunal Geral negou provimento à exceção de inadmissibilidade apresentada pelo SatCen que se baseia na existência de uma relação laboral de natureza contratual entre a recorrida e o SatCen ( 8 ). O Tribunal Geral acolheu então as exceções de inadmissibilidade apresentadas pelo SatCen relativas ao pedido de anulação da decisão de indeferir o pedido de assistência (na medida em que a recorrida não respeitou o procedimento administrativo prévio) e da decisão de abertura de um processo disciplinar (sendo apenas um ato preparatório) ( 9 ). Por último, o Tribunal Geral declarou admissíveis os argumentos relativos à ilegalidade do processo no Conselho de Disciplina ( 10 ).

    38.

    Quanto ao mérito do litígio, por um lado, o Tribunal Geral julgou procedente a exceção de ilegalidade suscitada pela recorrida contra o artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen, declarando esta disposição inaplicável ao caso em apreço. Nessa base, o Tribunal Geral declarou que «a decisão da Comissão de Recursos, adotada com base nos poderes que esta disposição lhe conferia, fica privada de base legal, pelo que deve ser anulada, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os outros fundamentos invocados pela recorrente contra a decisão da Comissão de Recursos» ( 11 ). O Tribunal Geral anulou também a decisão de demissão ( 12 ) e a decisão de suspensão ( 13 ), porque constatou que, na instrução do inquérito administrativo iniciado contra a recorrida, o SatCen i) não cumpriu a sua obrigação de conduzir o inquérito administrativo de forma diligente e imparcial, e ii) violou os direitos da recorrida de ser ouvida e de acesso ao processo.

    39.

    O Tribunal Geral incidiu, em seguida, sobre os pedidos de indemnização apresentados pela recorrida. Em primeiro lugar, o Tribunal Geral declarou‑se impossibilitado de conceder uma indemnização pelo prejuízo material alegadamente sofrido pela recorrida, uma vez que seria prematuro fazê‑lo «sem conhecer as medidas adotadas pelo SatCen para executar o acórdão [do Tribunal Geral]». Em segundo lugar, o Tribunal Geral decidiu atribuir, ex æquo et bono, uma indemnização de 10000 euros pelos danos morais que a recorrida sofreu devido ao estado de incerteza quanto aos factos que lhe eram imputados e a uma ofensa à honra e à sua reputação profissional ( 14 ).

    40.

    Com este fundamento, o acórdão recorrido; i) anulou a decisão da Câmara de Recursos; ii) anulou a decisão de suspensão; iii) anulou a decisão de demissão; iv) condenou o SatCen a pagar à recorrida o montante de 10000 euros a título de reparação dos danos morais sofridos; v) negou provimento ao recurso quanto ao restante; vi) condenou o SatCen a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela recorrida; e vii) condenou o Conselho a suportar as suas próprias despesas.

    41.

    No seu recurso para o Tribunal de Justiça, interposto em 10 de janeiro de 2019, o SatCen pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, que negue provimento aos recursos interpostos pela recorrida e que condene esta última nas despesas do processo. O Conselho interveio em apoio dos pedidos do SatCen.

    42.

    Por seu turno, a recorrida pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene o SatCen nas despesas.

    43.

    As partes apresentaram as suas observações na audiência que se realizou no Tribunal de Justiça em 4 de dezembro de 2019.

    IV. Avaliação

    44.

    O SatCen invoca quatro fundamentos de recurso. Os primeiro e segundo fundamentos são dirigidos contra a apreciação pelo Tribunal Geral da sua competência para conhecer do litígio e da admissibilidade dos pedidos da recorrida. O terceiro e quarto fundamentos dizem respeito à apreciação do Tribunal Geral quanto ao mérito.

    45.

    Começarei a minha análise com o primeiro e segundo fundamentos do recurso do SatCen. Estes fundamentos podem, na minha opinião, ser tratados de modo mais satisfatório em conjunto na medida em que estão interligados. Ambos pretendem demonstrar — através de argumentos que se sobrepõem em larga medida — que não existe, nos Tratados da União Europeia, fundamento para as conclusões do Tribunal Geral quanto à sua competência para decidir sobre os pedidos apresentados pela recorrida.

    A.   Quanto aos primeiro e segundo fundamentos

    1. Argumentos das partes

    46.

    Em primeiro lugar, o SatCen critica o acórdão recorrido por concluir, nos n.os 80 a 114, que o Tribunal Geral é competente para se pronunciar sobre todos os pedidos apresentados pela recorrida. O SatCen alega, por um lado, que, à luz do princípio da atribuição de competências, para que o Tribunal de Justiça da União Europeia tenha competência, deve haver uma disposição expressa nesse sentido. Ora, tal disposição não existe no presente caso. Em contrapartida, como o Tribunal de Justiça declarou no seu Acórdão Elitaliana ( 15 ), o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente quando a decisão impugnada afeta o orçamento da União. O orçamento do SatCen, no entanto, é constituído apenas pelas contribuições dos Estados‑Membros. Segundo o SATCEN, o Tribunal Geral também não pode fundar a sua competência apenas no princípio da igualdade de tratamento, equiparando os agentes a outras categorias de pessoal.

    47.

    Em segundo lugar, o SatCen alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, nos n.os 118 a 123 do acórdão recorrido, que o recurso de anulação da recorrida é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 263.o TFUE e que o seu pedido de indemnização por responsabilidade extracontratual está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 268.o TFUE. Em particular, o SatCen alega que a recorrida, enquanto agente do SatCen, não pode ser considerada um «terceiro» na aceção do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE. Além disso, o Acórdão H/Conselho e o. ( 16 ) não pode, segundo o SatCen, ser aplicado por analogia, uma vez que o caso em apreço diz respeito a um agente contratual, e não a um agente destacado por um Estado‑Membro ou por uma instituição da UE.

    48.

    Em terceiro lugar, o SatCen alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 124 a 132 do acórdão recorrido, ao julgar improcedente a sua exceção de inadmissibilidade relativa à natureza contratual do litígio. Devido à natureza contratual da relação existente entre a recorrida e o SatCen, e desde que o artigo 270.o TFUE não seja aplicável ao presente caso, a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia só pode decorrer, segundo o SatCen, de uma cláusula compromissória contida no contrato, em conformidade com o artigo 272.o TFUE. Ora, tal cláusula compromissória não constava do contrato da recorrida com o SatCen.

    49.

    O Conselho apoia os argumentos do SatCen.

    50.

    Em contrapartida, a recorrida considera que estes argumentos carecem de fundamento. Em seu entender, o Tribunal Geral declarou corretamente a sua competência para decidir sobre todos os pedidos apresentados por ela, bem como a sua admissibilidade.

    2. Competência (N.o 1): o alcance da derrogação no domínio da PESC

    51.

    A fim de analisar os argumentos apresentados pelo SatCen, considero útil começar por algumas observações gerais sobre o alcance da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia no domínio da PESC, à luz do artigo 24.o, n.o 1, TUE e do artigo 275.o TFUE.

    a) O entendimento até então

    52.

    O artigo 24.o, n.o 1, TUE e o artigo 275.o TFUE excluem a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia no que respeita às disposições relativas à PESC e aos atos adotados com base nessas disposições, com duas exceções. Estas duas disposições foram objeto de vários acórdãos do Tribunal de Justiça. No âmbito do presente processo, os seguintes acórdãos têm um significado particular.

    53.

    Nos Acórdãos Maurícias ( 17 ) e Tanzânia ( 18 ), o Tribunal de Justiça decidiu, nomeadamente, que podia verificar se um acordo internacional relativo à PESC foi negociado e celebrado em conformidade com o processo previsto no artigo 218.o TFUE. Com efeito, na medida em que esse processo está previsto numa disposição não abrangida pela PESC, o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre alegados erros processuais que conduzem a uma violação desta.

    54.

    No Acórdão Elitaliana, o Tribunal de Justiça declarou‑se competente para conhecer de um recurso de anulação de uma decisão tomada por uma missão civil PESC relativa à adjudicação de um contrato público que gerou despesas para o orçamento da União, com base numa alegada violação das regras de direito aplicáveis em matéria de contratos públicos da União. O contrato regia‑se pelo Regulamento Financeiro ( 19 ), instrumento jurídico não abrangido pela PESC.

    55.

    No Acórdão Rosneft ( 20 ), o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 19.o, 24.o e 40.o TUE, o artigo 275.o TFUE e o artigo 47.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir a título prejudicial, nos termos do artigo 267.o TFUE, da validade de um ato adotado com base nas disposições relativas à PESC que impõem medidas restritivas, desde que o pedido de decisão prejudicial tenha por objeto a fiscalização do respeito do artigo 40.o TUE por essa decisão ou a legalidade de medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas.

    56.

    Por último, no Acórdão H/Conselho e o., o Tribunal decidiu que o Tribunal de Justiça da União Europeia era competente para conhecer de um recurso de anulação interposto contra as decisões tomadas pelo chefe de uma missão PESC, relativas à transferência de um agente destacado de um Estado‑Membro de um serviço da missão para outro. É importante notar que o Tribunal de Justiça precisou que esta competência existe igualmente para os atos que têm simultaneamente elementos que relevam e não relevam da PESC (a seguir «decisões híbridas») ( 21 ).

    57.

    Os principais princípios que decorrem destes processos são os seguintes.

    58.

    Em primeiro lugar, na medida em que o artigo 24.o, n.o 1, TUE e o artigo 275.o TFUE introduzem uma derrogação (a seguir «derrogação PESC») à regra de competência geral, pela qual o artigo 19.o TUE atribui ao Tribunal de Justiça da União Europeia competência para assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados, estas disposições devem ser interpretadas restritivamente.

    59.

    Em segundo lugar, embora um ato da União possa ser relativo à PESC, ou mesmo ser adotado num «contexto PESC», desde que o ato assente numa base jurídica (material ou processual) que não releve da PESC, o juiz da União é competente para fiscalizar o respeito das disposições pertinentes não abrangidas pela PESC.

    60.

    Em terceiro lugar, os atos adotados pelas instituições ou pelos órgãos da União, como os atos de gestão do pessoal, não estão excluídos da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia pelo simples facto de serem adotados com base em disposições PESC.

    61.

    Assim, lidos em conjunto, estes princípios indicam que, para ser abrangido pela derrogação PESC, um ato da União deve preencher dois requisitos. Por um lado, deve basear‑se formalmente em disposições abrangidas pela PESC. Por outro lado, o ato deve também corresponder, quanto ao seu conteúdo ou substancialmente, a uma medida PESC.

    62.

    O primeiro desses requisitos decorre da redação do artigo 24.o, n.o 1, TUE e do artigo 275.o TFUE. É certo que o segundo requisito não é expressamente visado por estas disposições. É igualmente verdade que a introdução progressiva de tal requisito suplementar por ato judicial teve como consequência que o âmbito de aplicação da derrogação PESC se reduziu, tendo os atos que parecem estar abrangidos pela derrogação, pelo menos numa leitura mais formal dos Tratados, sido sujeitos a fiscalização.

    63.

    No entanto, esta evolução parece‑me totalmente correta. Antes de descrever os critérios de interpretação deste segundo requisito, explicarei em que medida uma interpretação sistemática, histórica e teleológica do artigo 24.o, n.o 1, TUE e do artigo 275.o TFUE apoia a orientação que o Tribunal de Justiça adotou.

    b) Quanto aos elementos pertinentes para a interpretação correta do artigo 24.o, n.o 1, TUE e do artigo 275.o TFUE

    64.

    Quando analisado à luz do panorama constitucional da União Europeia, não resulta estranho que o artigo 24.o, n.o 1, TUE e o artigo 275.o TFUE sejam objeto de interpretação restritiva.

    65.

    Em primeiro lugar, não se deve ignorar que, embora a PESC seja um domínio sujeito a «regras e procedimentos específicos» ( 22 ), é também parte integrante do direito da União. A falta de competência em matéria de PESC não significa a ausência de quaisquer critérios substantivos. Desde logo, a ação externa da União, quer no contexto da PESC quer de outras políticas, guia‑se pelo mesmo conjunto de princípios e objetivos ( 23 ). «A União vela pela coerência entre os diferentes domínios da sua ação externa e entre estes e as suas outras políticas» ( 24 ).

    66.

    Mais importante ainda, pode argumentar‑se que os atos adotados no âmbito da PESC devem respeitar os princípios gerais do direito da União, incluindo os direitos fundamentais consagrados na Carta. Com efeito, o artigo 51.o, n.o 1, da Carta adota uma definição institucional do âmbito de aplicação deste instrumento no que respeita à ação da União: a Carta é aplicável sempre que uma instituição, órgão ou organismo da União age. O artigo 24.o, n.o 1, do TUE e o artigo 275.o TFUE não põem em causa esta afirmação: introduzem uma exclusão da fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia, mas não excluem a aplicabilidade da Carta, nem de outras disposições do direito primário na matéria. Assim, apesar das importantes limitações quanto ao controlo judicial dos atos da PESC — o que levou o advogado‑geral N. Wahl a designar a PESC como lex imperfecta ( 25 ) — não deixa de ser verdade que, mesmo para esses atos, são aplicáveis regras. A lex imperfecta não significa absentia legis.

    67.

    Em segundo lugar, a partir do acórdão seminal de Les Verts I ( 26 ), o Tribunal de Justiça tem afirmado consistentemente que a (agora) União Europeia é uma comunidade de direito e que os Tratados estabeleceram um sistema completo de vias de recurso e de processos destinados a confiar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a fiscalização da legalidade dos atos das instituições. Atualmente, o Estado de direito figura não apenas entre os valores fundadores da União enunciados no artigo 2.o TUE, mas também, em conformidade com os artigos 21.o e 23.o TUE, entre os princípios orientadores da ação externa da União, incluindo no domínio específico da PESC.

    68.

    O Tribunal de Justiça tem sublinhado regularmente que a própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de direito ( 27 ). Em particular, o sistema do Tratado consiste em permitir um recurso direto contra quaisquer disposições adotadas pelas instituições que se destinem a produzir efeitos jurídicos ( 28 ).

    69.

    Dito isto, é certamente verdade, como argumenta o SatCen, que — à luz do artigo 13.o, n.o 2, TUE e do artigo 51.o, n.o 2 da Carta — o artigo 47.o da Carta não pode criar uma competência do Tribunal de Justiça da União Europeia quando os Tratados a excluem ( 29 ). Contudo, como o Tribunal Geral sublinhou corretamente no n.o 85 do acórdão recorrido, o princípio da tutela jurisdicional efetiva implica que a exclusão da competência do Tribunal relativamente a atos que possam afetar pessoas deve ser interpretada restritivamente ( 30 ). Dito de uma forma simples, o artigo 47.o da Carta não permite que o Tribunal reescreva os Tratados, mas requer que o mesmo interprete as disposições existentes de modo a que possam atingir o seu pleno potencial para proporcionar uma tutela jurisdicional para quem seja afetado pelos atos das instituições e órgãos da União.

    70.

    Em terceiro lugar, a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça confirma muito claramente que, independentemente do regime jurídico em que operam, as instituições da União estão, em princípio, sujeitas a fiscalização jurisdicional. Em conformidade com o artigo 19.o TUE, cabe, em princípio, ao Tribunal de Justiça da União Europeia assegurar a execução dessa missão, a fim de assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados.

    71.

    Assim, por exemplo, no Acórdão Florescu ( 31 ), o Tribunal de Justiça considerou que um memorando de entendimento celebrado, em 2009, pela Comissão Europeia (em nome da então Comunidade Europeia) e a Roménia devia ser considerado um ato adotado pelas instituições na aceção do artigo 267.o TFUE, apesar da sua natureza sui generis. No Acórdão James Elliot Construction ( 32 ), o Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que era competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação de normas técnicas harmonizadas (a seguir «HTS»), não obstante o facto de as HTS não serem atos vinculativos, mas documentos de uso voluntário, e de serem formalmente adotadas por organismos privados. O Tribunal de Justiça declarou que as HTS produzem efeitos jurídicos e que a Comissão estava envolvida no processo de adoção e de execução destas últimas. Além disso, no Acórdão Ledra ( 33 ), o Tribunal de Justiça considerou que uma conduta ilícita por parte das instituições da União que atuavam fora do âmbito desta podia dar origem a uma ação de indemnização por responsabilidade extracontratual nos termos dos artigos 268.o e 340.o TFUE.

    72.

    Em quarto lugar, uma análise histórica do artigo 24.o, n.o 1, TUE e do artigo 275.o TFUE não permite levar a uma interpretação dessas disposições que vá além do estritamente necessário para preservar as especificidades da PESC. A derrogação PESC visa principalmente salvaguardar o distintivo «equilíbrio institucional» procurado pelos redatores dos Tratados no que diz respeito a tal política ( 34 ). Devido ao seu cunho fortemente político, foi decidido que ficaria maioritariamente ao Conselho Europeu e ao Conselho definir e implementar a PESC, e ao Alto Representante e aos Estados‑Membros executá‑la ( 35 ). Além disso, foi também considerado que as novas disposições PESC, apesar de integrarem formalmente os Tratados da União, «não afetam as responsabilidades dos Estados‑Membros, tal como presentemente consagradas, para a formulação e condução das respetivas políticas de negócios estrangeiros» ( 36 ).

    73.

    Tendo em conta estas considerações, o alcance restrito dado à derrogação PESC é consistente com vários princípios constitucionais fundamentais da União. Passo agora à questão de saber o que esses princípios podem significar na prática.

    c) Conteúdo verdadeiramente inerente à PESC?

    74.

    O artigo 24.o, n.o 1, TUE e o artigo 275.o TFUE são expressões de um «excecionalismo baseado no conteúdo»: os redatores dos Tratados consideraram que os assuntos relativos à PESC são inerentemente políticos e, por conseguinte, não são passíveis de fiscalização jurisdicional. Neste contexto, não se pode perder de vista que a PESC é, pela sua própria natureza, uma política operacional: uma política através da qual a União prossegue os seus objetivos (definidos em termos gerais) mediante um conjunto de ações (definidas em termos gerais), de natureza primordialmente executiva e política ( 37 ).

    75.

    Como resulta bastante claro das disposições do título V, capítulo 2, do Tratado da União Europeia (nomeadamente do artigo 25.o TUE), as regras e os atos da PESC destinam‑se principalmente a reger a atuação das instituições e órgãos da União, por um lado, e dos Estados‑Membros, por outro. A medida «típica» da PESC não visa criar direitos e obrigações para os particulares ( 38 ).

    76.

    Deste modo, os redatores dos Tratados decidiram que qualquer litígio relativo à aplicação destas disposições devia ser resolvido a nível político, sem envolver os órgãos jurisdicionais. Nesta perspetiva, a impossibilidade de os particulares contestarem a legalidade das medidas PESC no Tribunal de Justiça da União Europeia não deve criar uma lacuna importante no ordenamento jurídico da União.

    77.

    A determinação de saber se o Tribunal está «dentro ou fora» de um determinado assunto deve, portanto, seguir fielmente a lógica subjacente às escolhas tomadas pelos redatores dos Tratados e que acabámos de referir. Em conformidade com esta abordagem, a derrogação PESC não pode ser entendida como abrangendo atos que, embora relativos à PESC, ou mesmo formalmente adotados no âmbito desta, não se referem imediata ou diretamente à definição, realização ou execução dessa política. Por outras palavras, quando o nexo entre um ato da União e uma ação ou uma operação relacionadas com a política externa ou com a segurança da União é apenas indireto, seria difícil justificar a exclusão da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Qualquer intervenção dos órgãos jurisdicionais da União não estaria, nesses casos, em condições de limitar (ou, pelo menos, de muito provavelmente limitar) a margem de manobra de que as instituições da União e os Estados‑Membros devem dispor quando atuam no domínio da PESC.

    78.

    Além disso, posso acrescentar que a competência (limitada) do Tribunal de Justiça da União Europeia para fiscalizar a legalidade de certos atos formalmente adotados no âmbito da PESC não implica de modo algum que o juiz da União possa fiscalizar (ou, aliás, esteja disposto a fiscalizar) opções de política externa ou de segurança que são eminentemente políticas. Independentemente de saber se o artigo 24.o, n.o 1, TUE e o artigo 275.o TFUE codificam uma forma de «doutrina da questão política», o Tribunal de Justiça tem demonstrado que tem plena consciência dos limites impostos pelos Tratados ( 39 ) e, em particular, pelo princípio da separação de poderes ao seu papel constitucional ( 40 ). O Tribunal de Justiça tem também declarado repetidamente que quando as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação e, em particular, quando têm a incumbência de tomar decisões que são, nomeadamente, de natureza política e são chamados a efetuar apreciações complexas, as apreciações que subjazem ao exercício desse poder são sujeitas a uma fiscalização jurisdicional limitada ( 41 ).

    79.

    Por estas razões, é evidente que o facto de um ato se basear formalmente em disposições da PESC ou ter sido adotado nesse contexto não é suficiente para desencadear a derrogação PESC. O ato deve conter igualmente conteúdo verdadeiramente inerente à PESC.

    80.

    Isso suscita naturalmente a questão: o que é um conteúdo verdadeiramente inerente à PESC? Reconheço que não é possível imaginar um teste à prova de bala que sirva para traçar uma linha clara entre os conteúdos no âmbito e conteúdos fora do âmbito da PESC. Esta delimitação implica necessariamente uma apreciação caso a caso, que dependerá fortemente do contexto.

    81.

    No entanto, resulta da jurisprudência existente ( 42 ) que os atos administrativos normais, a saber, atos de administração da União que não estão indissociavelmente ligados à prossecução da PESC, não apresentam um conteúdo (suficientemente no âmbito da) da PESC para serem excluídos da fiscalização jurisdicional. Entre esses atos figuram «por norma» (e em especial) decisões em matéria de gestão do pessoal; as decisões relativas ao orçamento e à despesa; as decisões relativas aos processos normais e ordinários de contratos públicos.

    82.

    Sublinho os qualificativos «por norma», «normais» e «ordinários»: a bitola é que o conteúdo da decisão é comum, por oposição ao que é específico à PESC. Em abstrato, essa ideia talvez seja mais bem capturada por um exercício de reflexão sobre o paralelismo dos conteúdos: poderia o ato controvertido, formalmente baseado numa disposição relativa à PESC, ser adotado num contexto diferente da PESC? Em caso afirmativo, o seu conteúdo e as considerações que levaram à sua adoção seriam semelhantes, ou mesmo idênticos, se tivessem sido adotados num contexto que não releva da PESC? Em caso de resposta afirmativa a estas duas questões, é provável que o ato não tenha um verdadeiro conteúdo em matéria de PESC.

    83.

    Com efeito, os atos administrativos comuns não têm normalmente qualquer conotação política ou estratégica. Apesar da sua adoção no âmbito da PESC, dizem respeito ao normal funcionamento da administração da União. Além disso, podem muito bem afetar a posição de determinadas pessoas ou entidades. Nestas condições, não resta outra opção que aplicar, em toda a sua dimensão, o direito à ação, consagrado no artigo 47.o da Carta. Estes atos devem ser suscetíveis de fiscalização jurisdicional, independentemente da sua designação formal.

    84.

    Por último, como referimos anteriormente ( 43 ), o Tribunal de Justiça precisou recentemente que as considerações precedentes são igualmente válidas para as decisões híbridas. No entanto, não entendo esta afirmação no sentido de que o juiz da União deva fiscalizar qualquer violação ou qualquer alegado erro relativamente a tais decisões. Pode certamente ser difícil distinguir o conteúdo de tais atos. Uma vez que uma decisão híbrida é suscetível de ser objeto de uma fiscalização com base no seu conteúdo que não releva da PESC, podem produzir‑se algumas intrusões colaterais no conteúdo que releva da PESC.

    85.

    Precisamente por estas razões, sugiro que se entenda a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia nesta matéria como uma escala ou um contínuo gradual, e não como uma questão de tudo ou nada, segundo a qual a mera existência de um conteúdo híbrido torna automaticamente todo o conteúdo objeto de fiscalização. Num extremo do espetro, figuram as decisões que, embora formalmente baseadas numa disposição da PESC, têm um conteúdo com muito poucas afinidades em relação a esta. No outro extremo, figuram decisões que estão manifestamente abrangidas pela derrogação PESC. Depois, na zona cinzenta intermediária, figuram as decisões híbridas ou de conteúdo múltiplo, em relação às quais prudência e autocontenção são aconselháveis ( 44 ). Se o conteúdo não abrangido pela PESC de um ato for meramente acessório do conteúdo abrangido pela PESC, este poderá prevalecer e, portanto, limitar ou até excluir fiscalização jurisdicional.

    d) Quanto ao presente caso

    86.

    À luz das considerações precedentes, considero que o Tribunal Geral não cometeu um erro ao declarar‑se competente para conhecer do litígio.

    87.

    As decisões impugnadas são atos de gestão normal do pessoal, que não têm, certamente à luz do processo apresentado e alegado no Tribunal Geral, qualquer conteúdo específico em matéria de PESC. As decisões impugnadas confundem‑se, de facto, com as que poderiam, numa situação semelhante, ser adotadas relativamente a qualquer pessoal contratado por um órgão ou organismo da União criado no âmbito de qualquer outra política da União.

    88.

    Além disso, contrariamente ao que sustenta o SatCen, o facto de a regulamentação da União alegadamente violada pelas decisões impugnadas não dizer respeito ao orçamento da União é, em nossa opinião, irrelevante. Não se pode deduzir do Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Elitaliana, que os atos da União adotados no âmbito da PESC só são suscetíveis de fiscalização quando violem regras que regulam o orçamento da União. O elemento nesse processo que tornava o ato impugnável perante o juiz da União era o facto de, apesar da sua emanação de uma entidade criada no âmbito da PESC (e, portanto, potencialmente sob a égide das disposições relativas à PESC), a decisão impugnada ser i) adotada com fundamento em disposições não abrangidas pela PESC e, ii) o recorrente invocar violações de disposições não abrangidas pela PESC.

    89.

    Assim, o elemento orçamental do Acórdão Elitaliana constituía, na minha opinião, um exemplo concreto da regra mais geral que procurei esboçar na secção anterior das presentes conclusões: as decisões de contratação pública que estavam em causa neste processo eram exemplos de atos administrativos normais que não estavam indissociavelmente ligadas à execução da PESC e, portanto, não estavam excluídas da fiscalização jurisdicional.

    3. Competência (N.o 2): a natureza contratual do vínculo laboral e a ausência de uma cláusula compromissória

    90.

    A seguir, explicarei por que razão considero que o Tribunal Geral também não cometeu um erro de direito ao declarar‑se competente, apesar de dois outros elementos invocados pelo SatCen: o facto de o vínculo laboral se ter baseado num contrato entre a recorrida e o SatCen, e a ausência de uma cláusula compromissória específica neste contrato de trabalho atribuindo competência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

    a) Observações preliminares sobre questões de pessoal

    91.

    A relação entre a União Europeia e o seu pessoal é regida essencialmente pelo Estatuto dos Funcionários e o Regime aplicável aos outros agentes da Comunidade Económica Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (a seguir «Estatuto Geral do Pessoal») ( 45 ). Nos termos do artigo 270.o TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem o «monopólio» sobre litígios entre a União e os seus agentes, «dentro dos limites e condições estabelecidas pelo [Estatuto Geral do Pessoal]».

    92.

    No entanto, agências e outros organismos da União Europeia têm muitas vezes os seus próprios Estatutos do Pessoal, que podem, ou não, ser semelhantes ao Estatuto Geral do Pessoal ( 46 ). Como referido no n.o 8, supra, o SatCen tem o seu próprio Estatuto do Pessoal. No que diz respeito ao presente litígio, o Estatuto do Pessoal do SatCen foi adotado por Decisão do Conselho de 14 de setembro de 2009 ( 47 ).

    93.

    Segundo o artigo 1.o, n.o 1, do Estatuto do Pessoal do SatCen, as regras aí previstas são aplicáveis, salvo exceções, ao «pessoal empregado mediante contrato pelo [SATCEN]».

    94.

    O artigo 1.o, n.o 2, do Estatuto do Pessoal do SatCen define, por sua vez, o termo «membro do pessoal» como abrangendo duas categorias distintas de pessoal:

    «a)

    Agentes, que têm um contrato com o [SatCen] e ocupam um lugar previsto no quadro de pessoal anexo anualmente ao orçamento do [SATCEN];

    b)

    Agentes locais que têm um contrato com o [SatCen] ao abrigo da legislação nacional.»

    95.

    Por esta razão, o Estatuto do Pessoal do SatCen cria essencialmente um sistema de duas vias no recrutamento do pessoal ( 48 ). O SATCEN pode, por um lado, recrutar o seu pessoal como «agentes», e, nesse caso, a relação contratual entre o pessoal e a Agência será regida essencialmente pelas disposições do Estatuto do Pessoal do SatCen. Por outro lado, o SatCen pode recrutar pessoal como «agentes locais», com contratos que são regidos pela legislação nacional.

    96.

    De um ponto de vista contratual, portanto, as duas categorias de pessoal não são análogas. Inevitavelmente, esta diferença tem repercussões no foro jurisdicional competente para decidir sobre qualquer conflito laboral entre o membro do pessoal e o empregador.

    97.

    No que respeita aos agentes locais, tanto o SatCen como as pessoas contratadas dispõem de uma margem de apreciação mais ampla para negociar os diferentes aspetos da sua futura relação profissional. Os elementos essenciais desta relação estão enunciados no próprio contrato que é completado, se for caso disso, pela legislação nacional aplicável. Contrariamente aos agentes, a pertinência do Estatuto do Pessoal do SatCen (ou de qualquer ato semelhante das instituições da União) neste contexto é muito mais limitada. Assim, as relações profissionais entre o empregador e os seus membros do pessoal podem ser devidamente definidas como sendo de natureza contratual.

    98.

    Assim, no que respeita aos agentes locais, a responsabilidade contratual da agência rege‑se, em conformidade com o artigo 340.o, primeiro parágrafo, TFUE, «pela lei aplicável ao contrato em causa». O contrato pode, assim, incluir uma cláusula compromissória ou um regime especial que atribuam competência, por exemplo, aos órgãos jurisdicionais locais ou a outros órgãos jurisdicionais nacionais. Também não estão excluídas outras formas de arbitragem. Além disso, nos termos do artigo 272.o TFUE, pode igualmente ser atribuída competência ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Com efeito, nesses casos, o Tribunal de Justiça da União Europeia não pode ser considerado como tendo competência exclusiva, uma vez que isso seria contrário às disposições dos artigos 272.o e 274.o TFUE ( 49 ).

    99.

    Em contrapartida, quando recruta agentes, o SatCen dispõe de uma menor margem de manobra. É certo que a relação profissional entre o agente e a agência da União é iniciada através de um contrato. No entanto, seria impreciso considerar que essa relação se baseia unicamente num contrato. O contrato de trabalho permite essencialmente aceder a um posto cujas características principais não são livremente determinadas pelas partes no contrato. A relação profissional entre o agente e a agência é, de facto, regida, em grande medida, por um ato de direito público da União: o Estatuto do Pessoal do SatCen. Assim, o procedimento seguido para o recrutamento, a definição do contrato em causa e o quadro jurídico em que esse contrato é celebrado comportam o exercício de prerrogativas que são conferidas à agência por um ato da União de alcance geral ( 50 ).

    100.

    Por outras palavras, o contrato é essencialmente um meio de aderir ao regime previsto a título obrigatório pelo Estatuto do Pessoal do SatCen. O mesmo se aplica à escolha (ou, mais precisamente, à ausência desta) de um foro competente de resolução de litígios laborais. Estes elementos são enunciados em termos obrigatórios no Estatuto do Pessoal do SatCen. Neste sentido, a agência em questão não atua como qualquer outro empregador (privado).

    101.

    Neste contexto, uma qualquer decisão quanto à responsabilidade contratual da agência em causa decorrente de uma violação do contrato de trabalho implicaria invariavelmente a interpretação de disposições contidas num ato de direito público, adotado pelas instituições da União segundo os processos previstos pelos Tratados da União e publicado no Jornal Oficial da União Europeia (série L). A este respeito, importa recordar que, segundo o artigo 19.o, n.o 1, TUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia «garante o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados» ( 51 ).

    102.

    Isto leva‑me à situação particular da recorrida e à forma como tal situação foi apreciada no acórdão recorrido.

    b) Quanto ao presente caso

    103.

    É ponto assente que o SatCen recrutou a recorrida como agente na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), do Estatuto do Pessoal do SATCEN. Tanto a proposta feita pelo SatCen à recorrida como o contrato celebrado entre as partes evidenciam claramente este aspeto. As cartas de 7 e 8 de julho de 2009 do diretor do SatCen à recorrida fazem mesmo referência à «nomeação» desta para o lugar proposto.

    104.

    Não se contesta que o Estatuto geral dos funcionários não é aplicável no caso em apreço e, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça da União Europeia não tem competência (exclusiva) para fiscalizar as decisões impugnadas e o pedido de indemnização ao abrigo do artigo 270.o TFUE ( 52 ).

    105.

    No entanto, nos n.os 99, 120 e 123 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral reconheceu a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia no caso em apreço, em conformidade com os artigos 263.o e 268.o TFUE.

    106.

    À luz do quadro jurídico acima exposto, partilho desta análise. Os argumentos apresentados pelo SatCen e pelo Conselho contra esta conclusão assentam, em nossa opinião, numa leitura errada do acórdão recorrido ou são, em todo o caso, juridicamente incorretos.

    107.

    Em primeiro lugar, é inexato afirmar que o Tribunal Geral fez derivar a sua competência, no caso em apreço, unicamente do princípio da igualdade. O Tribunal Geral declarou claramente que a sua competência se baseava nos artigos 263.o e 268.o TFUE. A este respeito, o Tribunal Geral explicou porque o pedido da recorrida não estava abrangido pela derrogação referida no artigo 24.o, n.o 1, TUE e artigo 275.o TFUE, que deve ser interpretada restritivamente ( 53 ). Uma das razões para isso é precisamente que uma interpretação divergente seria contrária ao princípio da igualdade, na medida em que agentes em situações similares seriam tratados de maneira diferente no que diz respeito à fiscalização de litígios laborais por um órgão jurisdicional ( 54 ).

    108.

    Resulta igualmente claro das considerações precedentes que não convencem as declarações do SatCen segundo as quais o Tribunal Geral violou o princípio da atribuição de competências ao invocar uma competência, quando nenhuma disposição do Tratado o prevê.

    109.

    Em segundo lugar, o SatCen alega que as decisões impugnadas não produzem efeitos jurídicos em relação a terceiros na aceção do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE, pelo que não podem ser impugnadas ao abrigo desta disposição. Na medida em que a recorrida é membro do pessoal do SatCen, não pode ser considerada um «terceiro» relativamente ao seu empregador. Assim sendo, uma vez que o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE permite aos particulares impugnar atos «nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos», essas decisões não podem — segundo o SatCen — ser objeto de fiscalização pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

    110.

    Acho que o argumento do SatCen não é sustentável. O primeiro e segundo parágrafos do artigo 263.o TFUE têm por objeto a admissibilidade de recursos de anulação interpostos pelos Estados‑Membros, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão contra qualquer ato da União destinado a produzir efeitos jurídicos. Todavia, para que um ato possa ser impugnado, esses efeitos devem ser produzidos «em relação a terceiros». Esta qualificação destina‑se a excluir dos atos impugnáveis os atos ditos interna corporis: atos que dizem respeito à organização interna da instituição, e que não produzem nenhum efeito jurídico fora desse contexto ( 55 ). Há dois motivos principais para tal exclusão: Em primeiro lugar, devido ao seu estatuto constitucional, as instituições da União devem ter o poder de organizar o seu funcionamento interno da forma que consideram adequada. Em segundo lugar, uma instituição ou um Estado‑Membro não têm um interesse jurídico em agir contra disposições cujos efeitos são puramente internos a outra instituição.

    111.

    Ora, tal não é o manifestamente o caso no presente processo. As decisões impugnadas têm por finalidade afetar a situação jurídica da recorrida, que tem — pelo menos neste contexto — uma personalidade jurídica distinta da da agência. Além disso, essas decisões são, incontestavelmente, atos de que a recorrida é destinatária na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, constituem atos suscetíveis de recurso de anulação as medidas que produzem efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis de afetar os interesses de um recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica ( 56 ).

    112.

    Além disso, seguindo a sua conclusão lógica, os argumentos apresentados pelo SatCen deixariam uma categoria do seu pessoal, ou antes a categoria principal do seu pessoal, sem acesso a nenhum órgão jurisdicional. Uma categoria de pessoal claramente definida por um ato de direito derivado, o Estatuto do Pessoal do SatCen, que faz parte de qualquer interpretação razoável de um regime da União ( 57 ), não está abrangida pelo artigo 270.o TFUE nem pelo artigo 263.o TFUE. Ficaria encurralada numa espécie de «terra de ninguém» judicial.

    113.

    Em terceiro e último lugar, não estou convencido pelo argumento do SatCen de que, devido à natureza contratual da sua relação com a recorrida, o Tribunal Geral só seria competente se o contrato contivesse uma cláusula compromissória em benefício do Tribunal de Justiça da União Europeia. Nos n.os 99 a 101, supra, expliquei porque entendo que, numa situação como a que está em causa no presente processo, o litígio levanta questões que vão além do mero cumprimento pelo empregador (SatCen) do contrato celebrado com um dos seus membros do pessoal (a recorrida). No que respeita ao pessoal, como a recorrida, os litígios laborais incidem essencialmente sobre a questão de saber se a agência da União agiu em conformidade com as regras gerais estabelecidas por uma decisão do Conselho: o Estatuto do Pessoal do SatCen.

    114.

    Por conseguinte, o facto de a recorrida se encontrar ou não numa posição análoga à da recorrente no processo que deu origem ao Acórdão do Tribunal de Justiça H/Conselho e o. — questão que foi longamente debatida entre as partes — é irrelevante no âmbito do presente processo. Acrescento, de passagem, que — como reconheceu o Conselho na audiência — se o pessoal destacado dos Estados‑Membros há‑de ter acesso ao Tribunal de Justiça da União Europeia da mesma forma que o pessoal destacado das instituições da União (como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão H/Conselho e o.), deveria ser esse o caso, a fortiori, para os agentes como a recorrida. Enquanto os primeiros poderiam ter beneficiado mais facilmente de uma tutela jurisdicional adequada por parte dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros a partir dos quais foram destacados ( 58 ), o mesmo não acontece necessariamente com os segundos. Com efeito, os agentes são diretamente recrutados por uma instituição ou um órgão da União e não têm (nem podem ter) nenhuma ligação profissional com as autoridades nacionais.

    115.

    Por último, verifico que, nos n.os 124 a 132 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral explicou devidamente as razões pelas quais a recorrida se encontrava, em seu entender, numa situação comparável à do restante pessoal das instituições ou órgãos da União. Não vejo nestas passagens qualquer erro manifesto de direito nem qualquer desvirtuação de factos ou de provas.

    116.

    Por estas razões, há que julgar improcedentes o primeiro e segundo fundamentos do recurso apresentados pelo SatCen.

    4. O alcance e as consequências da competência do Tribunal de Justiça: a exceção de ilegalidade do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen

    117.

    Partilho da conclusão do Tribunal Geral segundo a qual o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente no presente processo.

    118.

    No entanto, não partilho das consequências que o Tribunal Geral associou a tal conclusão. Com efeito, sou de opinião que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao julgar procedente a exceção de ilegalidade, suscitada pela recorrida, em relação ao artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen.

    119.

    Antes do mais, saliento que o SatCen não invocou este ponto nas suas alegações como fundamento autónomo de recurso. Todavia, o erro do Tribunal Geral a este respeito é a consequência lógica dos argumentos apresentados pelo SatCen no âmbito do seu primeiro e segundo fundamentos de recurso. Na hipótese de o SatCen obter ganho de causa com esses fundamentos, também cairiam inevitavelmente as conclusões do Tribunal Geral relativas à ilegalidade do artigo 28.o, n.o 6 do Estatuto do Pessoal do SatCen.

    120.

    A eventual nulidade do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen reveste igualmente uma importância prática mais ampla, uma vez que, como o SatCen confirmou na audiência, na sequência da prolação do acórdão recorrido, foi suspensa a operação da Comissão de Recursos pelo SatCen. Por conseguinte, a decisão do Tribunal de Justiça sobre este ponto preciso determina não só o futuro do referido órgão mas também indiretamente o de outros órgãos semelhantes constituídos noutros organismos ou órgãos da União para resolver os litígios nos processos de pessoal.

    121.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, na medida em que precisa que as decisões da Comissão de Recursos não podem ser objeto de recurso, o artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen é contrário ao artigo 19.o TUE e ao artigo 256.o TFUE. Assim, o Tribunal Geral considerou que, ao criar uma Comissão de Recursos cuja competência é exclusiva e alternativa à do Tribunal Geral, e ao manter essa Comissão de Recursos mesmo após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Decisão 2009/747 violou os Tratados. O artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen foi declarado, portanto, inaplicável ao caso em apreço ( 59 ).

    122.

    Acho essa conclusão demasiado ampla e desnecessária. Sugiro que, lido no seu contexto legislativo, bem como no seu contexto mais amplo, é possível uma outra interpretação do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen: uma que esteja em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, TUE e com o artigo 47.o da Carta, respeitando as escolhas institucionais específicas efetuadas pelo legislador da União, neste caso, o Conselho.

    a) O artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen: um recurso administrativo ou jurisdicional?

    123.

    O artigo 28.o, n.o 1, do Estatuto do Pessoal do SatCen permite, na sua parte pertinente, que qualquer pessoa a quem o presente Estatuto seja aplicável «pode apresentar um requerimento ao diretor, convidando‑o a tomar uma decisão a seu respeito sobre questões abrangidas pelo [Estatuto do Pessoal do SatCen]». Qualquer decisão (explícita ou tácita) do diretor pode, em conformidade com o artigo 28.o, n.os 2 a 4, do Estatuto do Pessoal do SatCen, ser objeto de um processo de reclamação administrativa e de mediação (sendo este último apenas facultativo). Por sua vez, o artigo 28.o, n.o 5, do Estatuto do Pessoal do SatCen prevê que, «[d]epois de se esgotar a primeira via de recurso (recurso gracioso), o agente tem a liberdade de interpôr um recurso contencioso perante a Comissão de Recurso[s] do [SatCen]» ( 60 ).

    124.

    Assim, lido no seu conjunto, o artigo 28.o do Estatuto do Pessoal do SatCen parece dizer unicamente respeito aos recursos admnistrativos, incluindo os que têm lugar perante a Comissão de Recursos. Tal procedimento é, de facto, referido como de resolução de litígios, tanto no artigo 28.o, n.o 5, do Estatuto do Pessoal do SatCen como no anexo X (Comissão de Recursos) de tal Estatuto ( 61 ). Não há nada no artigo 28.o, nem, tão pouco, em nenhuma outra disposição do Estatuto do Pessoal do SATCEN relativo à fiscalização por um órgão jurisdicional das decisões do SatCen adotadas em matérias abrangidas pelo Estatuto.

    125.

    É neste contexto que figura o controvertido artigo 28.o, sexto parágrafo. A frase essencial de abertura desta disposição precisa que «[a]s decisões da Comissão de Recurso[s] são vinculativas para ambas as partes. Não podem ser objeto de recurso. A Comissão pode: […].»

    126.

    Situada no seu contexto interno, a afirmação segundo a qual «não podem ser objeto de recurso» pode, por um lado, ser interpretada como a intenção do legislador da União que pretende excluir qualquer via de recurso de caráter jurisdicional, pretendendo, portanto, excluir qualquer acesso ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Todavia, nesse caso, poder‑se‑ia sugerir que só o artigo 28.o, n.o 6, segundo período, do Estatuto do Pessoal do SatCen devia ser suprimido, e não o artigo 28.o, n.o 6, na sua totalidade. Por outro lado, a mesma frase também pode ser lida no sentido de que indica que nenhum recurso de natureza administrativa no sistema do Estatuto do Pessoal do SatCen é possível após a decisão da Comissão de Recursos nesta matéria, sendo, no entanto, omisso quanto a um eventual recurso perante um tribunal.

    127.

    Não tem muita utilidade, nesta fase, dedicar‑se a um exercício linguístico comparativo, discutindo se as diferentes versões linguísticas (que fazem igualmente fé) têm exatamente o mesmo significado ou se algumas delas se prestam mais a um recurso administrativo, ao passo que outras, mais a um recurso jurisdicional. Como habitualmente, a consulta das diferentes versões linguísticas do Estatuto permite antes sublinhar a sua diversidade semântica ( 62 ).

    128.

    Observo, pelo contrário, que vários outros textos, incluindo disposições de direito primário, empregam uma linguagem diferente quando se referem a um recurso jurisdicional. Nos termos do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, «[t]oda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal […]» ( 63 ).

    129.

    Por conseguinte, quando o artigo 28.o do Estatuto do Pessoal do SatCen é lido no seu todo, e à luz (ou ao contrário) do artigo 47.o da Carta e do artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE, não é manifesto que o seu sexto parágrafo vise excluir qualquer recurso jurisdicional das decisões da Comissão de Recursos do SatCen. Penso antes que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que apenas visa qualquer outro recurso de natureza administrativa.

    b) O contexto mais amplo: uma competência «tolerante» ou «intolerante»?

    130.

    O Tribunal de Justiça da União Europeia dispõe de competência intrínseca, por atribuição para a interpretação dos atos do direito da União, salvo se essa competência estiver expressamente excluída com base nas disposições do Tratado. Este é efetivamente o ponto de partida.

    131.

    Ao mesmo tempo, o legislador da União dispõe de uma margem de apreciação para definir o sistema de resolução de litígios que considere adequado para qualquer agência, órgão ou organismo da União, desde que esse sistema não invada as prerrogativas do Tribunal de Justiça da União Europeia e a sua competência por atribuição.

    132.

    Estas duas propostas podem ser reconciliadas de maneira proporcionada e tolerante. Embora reconhecendo esse amplo grau de discrição e aceitando uma série de potenciais modelos institucionais, há uma regra de ouro que subsiste: no âmbito da elaboração de um regime de direito derivado, o legislador da União é obrigado a garantir, nalguma fase do processo, a possibilidade de recorrer a um órgão jurisdicional independente de um processo relativo a uma decisão definitiva em questões de pessoal. Se a decisão disser respeito ao exercício do poder público da União por um organismo da União no âmbito de um regime legislativo da União, esse órgão jurisdicional é, em última análise, o Tribunal de Justiça da União Europeia.

    133.

    A um nível mais geral, é o duplo imperativo da tutela jurisdicional independente das pessoas e a interpretação uniforme do direito da UE que é válido não apenas para os Estados‑Membros que aplicam o direito da UE a nível nacional ( 64 ), mas também às instituições da União que negoceiam e concebem mecanismos externos de resolução de litígios que podem implicar determinados elementos de interpretação do direito da União ( 65 ). Portanto, a mesma lógica deve poder aplicar‑se a fortiori a qualquer mecanismo de resolução de litígios internos à União, nomeadamente no que diz respeito a questões de pessoal que são tratadas no seio dos vários organismos ou agências da União submetidos a regulamentos do pessoal, fora do âmbito de aplicação do Estatuto Geral dos Funcionários.

    134.

    Nesse contexto, eu concordaria com o Tribunal Geral que a discussão sobre se a Comissão de Recursos do SatCen satisfaz as condições de um tribunal imparcial e independente tem pouca importância para o propósito do presente litígio ( 66 ), mas por outro motivo: mesmo se a Comissão de Recursos do SatCen preenchesse esses requisitos, satisfazendo assim potencialmente o imperativo de uma tutela jurisdicional efetiva, a questão da falta de uniformidade na interpretação do direito da União continuaria a existir. Mais uma vez, se esse exame limita as opções institucionais nos Estados‑Membros, ou mesmo noutros regimes de direito internacional nos quais a União é ou pretende ser parte, tal deve ser o caso, a fortiori, para os regimes internos da União.

    135.

    Dito isto, daí não decorre necessariamente que o acesso ao juiz da União deva ser concedido imediatamente e que uma agência ou um organismo da União não possa dispor do seu próprio mecanismo interno de resolução de litígios, mesmo de natureza semijudicial, que devam ser utilizados em primeiro lugar, potencialmente a título obrigatório. Pode afigurar‑se do interesse de uma boa administração da justiça que, em situações como a que está em causa no presente recurso, o litígio seja submetido, em primeiro lugar, a uma instância que, embora constituída dentro ou ligada a uma agência, deva apreciar a questão de forma autónoma no âmbito de um processo quase jurisdicional. Um olhar novo e neutro pode não só ser mais bem‑sucedido em ajudar as partes a encontrar uma solução amigável como também pode contribuir para clarificar aspetos do litígio que podem eventualmente ter de ser decididos pelos órgãos jurisdicionais da União. A existência de um sistema de recursos internos que precede, mas não impede, em última instância, os processos judiciais, pode assim oferecer às partes uma forma rápida, prática e menos onerosa de resolver os litígios. Além disso, pode contribuir para evitar litígios desnecessários no Tribunal de Justiça da União Europeia.

    136.

    Todavia, como já foi salientado, o SatCen não invocou, no presente processo, um alegado erro de interpretação do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen pelo Tribunal Geral. De qualquer modo, o erro em questão não podia ter levado à anulação do acórdão recorrido na medida em que não põe em causa as conclusões materiais de tal acórdão no que diz respeito às decisões impugnadas: a decisão de abertura de um processo disciplinar, a decisão de suspensão e a decisão de demissão.

    137.

    É verdade que o Tribunal Geral declarou que apenas anulava a decisão da Comissão de Recursos porque, tendo considerado inválido o artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SatCen, tal decisão ficou privada de base legal ( 67 ). Contudo, a decisão da Comissão de Recursos confirmou (majoritariamente) as decisões impugnadas ( 68 ). A decisão da Comissão de Recursos não produziu nenhum efeito distinto dos decorrentes das decisões impugnadas na situação jurídica da recorrida ( 69 ). Por conseguinte, as razões que levaram o Tribunal Geral a anular estas últimas decisões teriam também sido válidas e suficientes para anular a primeira delas.

    B.   Quanto ao terceiro fundamento

    1. Argumentos das partes

    138.

    Com o seu terceiro fundamento, o SatCen alega que o Tribunal Geral, na sua apreciação da legalidade da decisão de demissão, desvirtuou os factos em duas ocasiões.

    139.

    Em primeiro lugar, o Tribunal Geral não teve em conta o facto de as pessoas que preencheram o questionário preparado pelo investigador já terem sido ouvidas oralmente por esse mesmo investigador durante o inquérito efetuado entre os meses de janeiro e fevereiro de 2013. Além disso, realizaram‑se igualmente reuniões bilaterais com 24 agentes no decurso do inquérito administrativo. Uma vez que estes factos não foram tidos em conta, o Tribunal Geral concluiu erradamente que a utilização do questionário constituía um instrumento manifestamente inadequado para estabelecer os factos e avaliar o comportamento da recorrida, em contraste com as entrevistas bilaterais, que teriam sido mais adequadas.

    140.

    Em segundo lugar, o SatCen argumenta que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao considerar que a decisão se baseava unicamente em acusações que designam categorias gerais de comportamento, sem estabelecer a existência de um acontecimento ou de um comportamento preciso que pudessem ser qualificados de «assédio». Com efeito, foram anexados ao relatório de inquérito documentos justificativos suplementares, incluindo depoimentos escritos dos agentes, cartas e atestados médicos. Estes documentos, porém, não foram tidos em conta pelo Tribunal Geral.

    141.

    Na sua contestação, a recorrida alega que as alegadas entrevistas a que se refere o SatCen não tinham sido mencionadas no processo no Tribunal Geral e, portanto, constituem factos novos, inadmissíveis nesta fase do processo. Além disso, o SatCen não forneceu nenhuma informação sobre o conteúdo dessas entrevistas. De qualquer modo, segundo a recorrida, a existência de reuniões prévias não pode invalidar as conclusões do Tribunal Geral quanto à inadequação do inquérito e à falta de imparcialidade.

    2. Análise

    142.

    No início, importa recordar que, em sede de recurso, são admissíveis as alegações relativas à constatação e apreciação dos factos no caso de o recorrente alegar que o Tribunal Geral chegou a conclusões quanto à matéria de facto cuja inexatidão material resulta dos autos do processo ou que desvirtuou os elementos de prova que lhe foram submetidos. Existe, nomeadamente, desvirtuação de elementos de prova quando, sem ser necessário recorrer a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigura manifestamente errada ( 70 ).

    143.

    Não é o que sucede no presente caso.

    144.

    Em primeiro lugar, observo que, embora se possa deduzir da integralidade do relatório que os membros do pessoal aos quais o questionário tinha sido enviado tinham igualmente sido interrogados previamente, não é menos verdade que as conclusões desse relatório apenas se baseiam nas respostas dadas ao questionário. Tendo em conta estes elementos, o facto de os agentes que preencheram os questionários já terem sido ouvidos antes durante o inquérito geral sobre as relações humanas é irrelevante.

    145.

    Além do mais, o Tribunal Geral não criticou, em si mesmo, o uso de um questionário. Nos n.os 200 a 207 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral explicou, com algum pormenor, as razões pelas quais o questionário utilizado no inquérito era, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, inadequado para demonstrar a realidade do assédio imputado à recorrida.

    146.

    Em segundo lugar, contrariamente ao que sustenta o SatCen, não existe nenhuma documentação suplementar, incluindo depoimentos escritos dos agentes, anexa ao relatório de inquérito apresentado no Tribunal Geral. Assim, o Tribunal Geral pode ser dificilmente acusado de não ter tido em conta «toda a documentação» alegadamente utilizada pelo investigador para chegar às suas conclusões. Com efeito, não consegui identificar nenhum documento semelhante nos autos do processo. O único exemplo de depoimento escrito que faz referência a elementos factuais concretos e precisos figura nas respostas às questões de resposta aberta, à margem do questionário de escolha múltipla. Todavia, o Tribunal Geral teve em conta estas respostas, como resulta do n.o 203 do acórdão recorrido.

    147.

    Portanto, não parece que o acórdão recorrido esteja viciado por não ter em consideração certos elementos de prova ou de facto, nem que tenha desvirtuado os elementos de prova e os factos que examinou.

    C.   Quanto ao quarto fundamento

    1. Argumentos das partes

    148.

    Com o seu quarto fundamento, o SatCen alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação dos artigos 1.o e 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SatCen e do conceito de «direitos de defesa», consagrados no artigo 41.o da Carta.

    149.

    Em primeiro lugar, o SatCen alega que o direito de uma pessoa investigada por assédio de comentar os factos investigados, antes do encerramento do inquérito administrativo, pode ser limitado para proteger os interesses dos terceiros envolvidos. De qualquer modo, as diferentes entrevistas preliminares, nomeadamente aquelas levadas a cabo durante a notação anual em relação às quais a recorrida poderia ter apresentado as suas observações, devem ser consideradas suficientes para garantir o direito a ser ouvido.

    150.

    Em segundo lugar, o SatCen alega que não resulta do Estatuto do Pessoal do SatCen, nem da jurisprudência, que devia ter decorrido um período mínimo de tempo entre a convocatória para uma audição prévia à abertura de um processo disciplinar e a data dessa audição. De qualquer modo, o prazo deve ser apreciado à luz do princípio da proporcionalidade, tendo em conta, nomeadamente, os factos graves imputados à recorrida e a urgência da situação. Além disso, a decisão de abertura de um processo disciplinar não constitui um ato lesivo aos interesses da recorrida, mas um simples ato preparatório.

    151.

    Em terceiro lugar, o SatCen sustenta que o diretor do SatCen, no exercício do seu poder de apreciação, decidiu legitimamente fazer prevalecer os direitos e interesses dos autores de queixas por assédio sobre o direito de acesso da recorrida aos documentos antes da adoção da decisão de abertura de um processo disciplinar. De facto, dada a dimensão reduzida da agência e o facto de 8 das 13 pessoas sob a supervisão da recorrida terem apresentado queixa, existia um risco elevado de represálias, que persistia mesmo após o encerramento do inquérito.

    152.

    Em resposta, a recorrida defende a fundamentação do acórdão recorrido. Em particular, alega que o argumento relativo à existência de um risco de represálias não foi invocado no Tribunal Geral e é, portanto, inadmissível. Em todo o caso, na sua opinião, o SatCen não explicou por que razão continuaria a existir qualquer risco de represálias mesmo depois de a recorrida ter sido suspensa e ter deixado de ter acesso às instalações do SatCen.

    2. Análise

    153.

    Considero que o quarto fundamento deve igualmente ser julgado improcedente.

    154.

    Em especial, no n.o 221 do acórdão, o Tribunal Geral salientou corretamente que, no âmbito de um inquérito como o de que foi objeto a recorrida, a administração deve conciliar dois direitos: o direito da pessoa objeto do inquérito de exercer os seus direitos de defesa, por um lado, e o direito dos queixosos a que as suas denúncias sejam corretamente examinadas e tratadas de forma confidencial, por outro ( 71 ).

    155.

    Em seguida, o Tribunal Geral verificou se o SatCen tinha conciliado corretamente os interesses conflituantes da recorrida e dos queixosos. À luz das circunstâncias do caso, o Tribunal Geral chegou à conclusão de que não o tinha feito. No n.o 222 do acórdão recorrido, tendo em conta a regulamentação pertinente que figura no Estatuto do Pessoal do SatCen ( 72 ), o Tribunal Geral considerou que a divulgação dos depoimentos à recorrida não podia ter comprometido o bom desenrolar do inquérito. No n.o 223 desse acórdão, o Tribunal Geral salientou igualmente que, a fim de proteger o dever de confidencialidade da administração, sem deixar de respeitar o direito de defesa da recorrida, o SatCen podia ter permitido a esta última ter acesso a uma versão anónima dos depoimentos.

    156.

    Parece‑me que as considerações do Tribunal Geral sobre este ponto são válidas. Não me parece óbvio que, como o SatCen alega, era totalmente impossível facultar o acesso à recorrida de uma versão anónima dos depoimentos, ainda que parcialmente ocultada ( 73 ) ou sob a forma de um resumo ( 74 ). Percebo que, à luz da reduzida dimensão da Agência, o SatCen teve que considerar criteriosamente os riscos de retaliação que poderiam ter surgido se a recorrida tivesse podido identificar os queixosos. Ora, esse risco podia ter sido minimizado com um exercício diligente de anonimização e de ocultação. A menos que sejam ocultadas ao ponto de se tornarem totalmente desprovidas de sentido, um acesso limitado ou parcial aos depoimentos é certamente preferível a uma recusa total de acesso.

    157.

    De qualquer modo, e talvez mais importante ainda, o risco de represálias já não estava certamente presente a partir do momento em que a recorrida foi suspensa das suas funções. Ora, mesmo nesse momento, não teve acesso aos depoimentos (incluindo sob uma forma anónima ou ocultada).

    158.

    Neste contexto, não creio que o Tribunal Geral tenha aplicado critérios jurídicos errados ao verificar se o SatCen tinha conseguido estabelecer um justo equilíbrio entre os direitos de defesa da recorrida e o direito à confidencialidade dos agentes que participaram no inquérito. Também não observo qualquer desvirtuação dos factos nem dos elementos de prova pelo Tribunal Geral na sua apreciação das circunstâncias do caso concreto.

    159.

    Do mesmo modo, não encontro nenhum erro de direito por parte do Tribunal Geral quando, no n.o 216 do acórdão recorrido, considerou pouco razoável o facto de a recorrida «dispo[r] de um prazo inferior a 48 horas para apresentar as suas observações sobre o relatório [de inquérito]». É certo que nenhuma disposição do Estatuto do Pessoal do SatCen prevê um prazo preciso a este respeito. Todavia, segundo jurisprudência constante, quando a duração do processo não é fixada por uma disposição do direito da União, o caráter «razoável» do prazo de adoção de um ato pela instituição deve ser apreciado em função de todas as circunstâncias próprias de cada processo, designadamente da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento das partes no processo ( 75 ).

    160.

    Tendo em conta estes elementos, parece‑me que a apreciação concreta do caráter razoável de um prazo num caso concreto constitui, exceto em caso de desvirtuação de elementos de facto ou de prova, uma questão que não pode ser objeto de recurso. Em todo o caso, se se considerarem os factos particularmente graves imputados à recorrida e a duração do inquérito no momento em que a recorrida foi convidada a reagir ao relatório de inquérito, não creio de todo que a conclusão do Tribunal Geral quanto ao prazo que lhe foi concedido seja pouco razoável.

    V. Despesas

    161.

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1 desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    162.

    A recorrida pediu a condenação nas despesas. Uma vez que o SatCen, a meu ver, foi vencido, há que condená‑lo nas despesas do processo.

    163.

    O Conselho, por seu turno, deve ser condenado a suportar as suas próprias despesas.

    VI. Conclusão

    164.

    À luz do que foi exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que decida:

    negar provimento ao recurso.

    condenar o Centro de Satélites da União Europeia (SatCen) a suportar as despesas.

    condenar o Conselho a suportar as suas próprias despesas.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( i ) A primeira página das conclusões, com a eliminação de um dos indicadores entre aspas do presente texto, foi objeto de uma modificação de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.

    ( 2 ) Acórdão de 25 de outubro de 2018, KF/SatCen (T‑286/15, EU:T:2018:718).

    ( 3 ) Em 30 de março de 2010, os Estados‑Membros da UEO, por declaração comum, formalizaram a dissolução dessa organização a partir de 30 de junho de 2011, devido, nomeadamente, ao facto de «[a] entrada em vigor do Tratado de Lisboa marcar o início de uma nova fase para a segurança e a defesa europeias».

    ( 4 ) JO 2001, L 200, p. 5.

    ( 5 ) JO 2014, L 188, p. 73.

    ( 6 ) JO 2009, L 276, p. 1. Este Estatuto, aplicável no caso em apreço ratione temporis, foi posteriormente substituído, com efeitos a partir de 1 de junho de 2017, pela Decisão (PESC) 2017/824 do Conselho, de 15 de maio de 2017, relativa ao Estatuto do Pessoal do Centro de Satélites da União Europeia (JO 2017, L 123, p. 7).

    ( 7 ) Acórdão recorrido, n.os 80 a 114.

    ( 8 ) Acórdão recorrido, n.os 118 a 132.

    ( 9 ) Acórdão recorrido, n.os 133 a 138 e 139 a 143, respetivamente.

    ( 10 ) Acórdão recorrido, n.os 144 a 150.

    ( 11 ) Acórdão recorrido, em particular n.os 160 e 161.

    ( 12 ) Acórdão recorrido, n.os 168 a 231.

    ( 13 ) Acórdão recorrido, em particular n.os 232 a 241.

    ( 14 ) Acórdão recorrido, n.os 242 a 261.

    ( 15 ) Acórdão de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753) (a seguir «Acórdão Elitaliana»).

    ( 16 ) Acórdão de 19 de julho de 2016 (C‑455/14 P, EU:C:2016:569) (a seguir «H/Conselho e o.»).

    ( 17 ) Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025).

    ( 18 ) Acórdão de 14 de junho de 2016, Parlamento/Conselho (C‑263/14, EU:C:2016:435).

    ( 19 ) Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1).

    ( 20 ) Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236) (a seguir «Acórdão Rosneft»).

    ( 21 ) V. H/Conselho e o., n.os 54 e 55.

    ( 22 ) Artigo 24.o, n.o 1, TUE.

    ( 23 ) Artigo 21.o, n.o 3 (o sublinhado é meu).

    ( 24 ) V. artigo 21.o, n.os 1 e 2, TUE. Ver, mais genericamente, artigo 7.o TFUE.

    ( 25 ) V. Conclusões no processo H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:212, n.o 45).

    ( 26 ) Acórdão de 23 de abril de 1986, Les Verts/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166, n.o 23) (a seguir «Acórdão Les Verts I»). Mais recentemente, v. Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923, n.o 54 e jurisprudência referida).

    ( 27 ) V. Acórdão de 6 de outubro de 2015, Schrems (C‑362/14, EU:C:2015:650, n.o 95 e jurisprudência referida).

    ( 28 ) V., nomeadamente, Acórdão Les Verts I, n.o 24, e Acórdão Elitaliana, n.o 67.

    ( 29 ) V., neste sentido, o Acórdão de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, EU:C:2002:462, n.o 44). V., mais recentemente, Acórdão Rosneft, n.o 74.

    ( 30 ) Neste sentido, v. também o Acórdão Rosneft, n.o 74.

    ( 31 ) Acórdão de 13 de junho de 2017, Florescu e o. (C‑258/14, EU:C:2017:448).

    ( 32 ) Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821).

    ( 33 ) Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE (C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701).

    ( 34 ) V., por exemplo, Convenção Europeia, Círculo de Discussão sobre o Tribunal de Justi[ç]a, «Relatório complementar sobre a questão da Fiscalização jurisdicional em matéria de Política Externa e de Segurança Comum» (CONV689/1/03REV1), n.o 5. De um modo mais geral, na origem dessas disposições, com referências aos atos preparatórios pertinentes, ver Deinza, E., The Intergovernmental Pillars of the European Union, Oxford University Press, Oxford, 2002, pp. 311 a 322; ou Heliskoski, J., «Made in Luxembourg: The fabrication of the law on jurisdiction of the court of justice of the European Union in the field of the Common Foreign and Security Policy», Europe and the World: A law review, vol. 2(1):3, UCL Press, 2018, pp. 2 a 5.

    ( 35 ) Artigo 24.o, n.o 1, e artigo 26.o TUE.

    ( 36 ) V. Declaração n.o 13 («Declaração sobre a política externa e de segurança comum») anexa ao Tratado de Lisboa.

    ( 37 ) Quanto a esta conceção, ver Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:212, n.o 59).

    ( 38 ) V., por exemplo, o artigo 24.o, n.o 1, TFUE: «Fica excluída a adoção de atos legislativos».

    ( 39 ) V., por exemplo, o Acórdão de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conselho (C‑440/14 P, EU:C:2016:128, n.o 77 e a jurisprudência citada). Quanto à autolimitação do Tribunal de Justiça ver, na doutrina, com as referências aí citadas, Koutrakos, P., «Judicial Review in the Common Foreign and Security Policy», International and Comparative Law Quarterly, vol. 67, Cambridge University Press, 2017, p. 13.

    ( 40 ) Como o Supremo Tribunal dos Estados Unidos declarou, «a não fiscalização de uma questão política decorre essencialmente da separação de poderes» [v. Baker/Carr, 369 U.S. 186 (1962)]. V. também as Conclusões do advogado‑geral M Wathelet no processo Rosneft (C‑72/15, EU:C:2016:381, n.o 52).

    ( 41 ) V., por último, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão (C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.os 95 e 96 e jurisprudência referida).

    ( 42 ) V. a jurisprudência suprarreferida, nos n.os 54 e 56 das presentes conclusões.

    ( 43 ) V. n.o 56 das presentes conclusões.

    ( 44 ) V. igualmente, n.o 78, supra, das presentes conclusões. Mesmo se, em tais situações, se admita com reticências a competência do órgão jurisdicional relativamente a determinados elementos de uma decisão, a intensidade da fiscalização só pode ser limitada.

    ( 45 ) Regulamento n.o 31 (CEE), 11 (CEEA) (JO 1962, P 045, p. 1385), conforme alterado.

    ( 46 ) Existem igualmente agências, missões e outros organismos da União Europeia que não têm o seu próprio estatuto do pessoal e que contratam o seu pessoal através de contratos de diversa natureza. Em função do quadro jurídico aplicável a esses contratos, as considerações desenvolvidas nas presentes conclusões a respeito da situação da recorrida podem ou não ser pertinentes em relação ao pessoal dessas agências, dessas missões e demais organismos da União Europeia. V., a este respeito, processo C‑730/18 P, SC/Eulex Kosovo, atualmente pendente.

    ( 47 ) Esta decisão revogou o antigo Estatuto do Pessoal do SATCEN, adotado pelo Conselho em 21 de dezembro de 2001 (JO 2002, L 39, p. 44), conforme posteriormente alterado.

    ( 48 ) Em seguida, centrar‑me‑ei no pessoal contratado diretamente pelo SatCen, deixando de parte o pessoal que poderia ser potencialmente destacado dos Estados‑Membros e das instituições da União.

    ( 49 ) Por seu turno, o artigo 274.o TFUE estabelece que «[s]em prejuízo da competência atribuída ao [Tribunal de Justiça da União Europeia], os litígios em que a União seja parte não ficam, por este motivo, subtraídos à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais». Sobre este ponto, ver, por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão (C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 19).

    ( 50 ) V., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2004, Pflugradt/BCE (C‑409/02 P, EU:C:2004:625, n.os 33 e segs.), mencionado no n.o 129 do acórdão recorrido. Do mesmo modo, conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Pflugradt/BCE (EU:C:2004:416, n.os 32 a 36).

    ( 51 ) V., também, n.o 107 do acórdão recorrido.

    ( 52 ) V. também n.o 122 do acórdão recorrido.

    ( 53 ) V., em particular, os n.os 80 a 84 do acórdão recorrido.

    ( 54 ) N.os 94 a 97 do acórdão recorrido.

    ( 55 ) V., a esse respeito, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Verts/Parlamento (190/84, EU:C:1988:94, n.o 8) (Les Verts II); de 23 de março de 1993, Weber/Parlamento (C‑314/91, EU:C:1993:109, n.o 9); e de 6 de abril de 2000, Espanha/Comissão (C‑443/97, EU:C:2000:190, n.o 28).

    ( 56 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, EU:C:1981:264, n.o 9); e de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423, n.o 13).

    ( 57 ) Assim, distingue‑se dos agentes locais cujos contratos podem ser regidos por legislação doméstica, acompanhada de uma cláusula compromissória a favor dos órgãos jurisdicionais domésticos (do Estado‑Membro) (v. n.os 97 e 98, supra).

    ( 58 ) É importante notar que esses órgãos jurisdicionais têm a faculdade, ou a obrigação, nos termos do artigo 267.o TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão de interpretação ou de validade de um ato da União.

    ( 59 ) V. n.os 152 a 160 do acórdão recorrido.

    ( 60 ) O sublinhado é meu.

    ( 61 ) V., em particular, artigo 1.o do anexo X.

    ( 62 ) V., para um exercício semelhante com o igualmente ambivalente artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (a seguir Código de Vistos) (JO 2009, L 243, p. 1), minhas Conclusões no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.os 28 a 33).

    ( 63 ) O sublinhado é meu.

    ( 64 ) V. Acórdão de 13 de dezembro de 2017, El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:960, n.o 41).

    ( 65 ) V., neste sentido, Parecer 1/09 (Acordo sobre a criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes) de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.os 66, 68 e 80); Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH) de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.os 174 a176, e 246); e Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canadá), de 30 de abril de 2019, EU:C:2019:341, n.o 111).

    ( 66 ) N.o 110 do acórdão recorrido.

    ( 67 ) N.o 161 do acórdão recorrido.

    ( 68 ) V., em particular, n.os 38, 45 e 46 do acórdão recorrido.

    ( 69 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, LL/Parlamento (C‑326/16 P, EU:C:2018:83, n.os 38 e 39).

    ( 70 ) V., para esse efeito, Acórdão de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão (C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.os 57 e 60 e a jurisprudência citada).

    ( 71 ) V., neste sentido, Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/EIB (C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 52).

    ( 72 ) Em especial, o artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN, que prevê que o diretor do SATCEN deve comunicar a qualquer pessoa sujeita a inquérito todas as provas constantes do processo entre o fim desse inquérito e a adoção da decisão de abertura de um processo disciplinar.

    ( 73 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo HF/Parlamento (C‑570/18 P, EU:C:2020:44, n.os 71 e 72).

    ( 74 ) V., neste sentido, Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/EIB (C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 59).

    ( 75 ) V., nomeadamente, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Reapreciação do processo Arango Jaramillo e o./BEI (C‑334/12 RX‑II, EU:C:2013:134, n.o 28 e jurisprudência referida).

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