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Documento 62017CJ0347

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 12 de setembro de 2019.
A e o. contra Staatssecretaris van Economische Zaken.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Rotterdam.
Reenvio prejudicial — Proteção da saúde — Normas de higiene — Regulamento (CE) n.o 853/2004 — Regulamento (CE) n.o 854/2004 — Higiene dos géneros alimentícios de origem animal — Carne de aves de capoeira — Inspeção post mortem das carcaças — Contaminação visível de uma carcaça — Abordagem de tolerância zero.
Processo C-347/17.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2019:720

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de setembro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção da saúde — Normas de higiene — Regulamento (CE) n.o 853/2004 — Regulamento (CE) n.o 854/2004 — Higiene dos géneros alimentícios de origem animal — Carne de aves de capoeira — Inspeção post mortem das carcaças — Contaminação visível de uma carcaça — Abordagem de tolerância zero»

No processo C‑347/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão, Países Baixos), por Decisão de 8 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de junho de 2017, no processo

A e o.

contra

Staatssecretaris van Economische Zaken,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Malenovský, L. Bay Larsen, M. Safjan e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de outubro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A e o., por E. Dans, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, M. L. Noort, C. S. Schillemans e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren, M. Wolff e P. Ngo, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, inicialmente por T. Henze e S. Eisenberg, e em seguida por esta última, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A. Bouquet e F. Moro, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de novembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento (CE) n.o 853/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal (JO 2004, L 139, p. 55, e retificações no JO 2004, L 226, p. 22, e no JO 2013, L 160, p. 15), e do anexo I, secção I, capítulo II, D, ponto 1, do Regulamento (CE) n.o 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano (JO 2004, L 139, p. 206, e retificações no JO 2004, L 226, p. 83, e no JO 2013, L 160, p. 17), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 739/2011 da Comissão, de 27 de julho de 2011 (JO 2011, L 196, p. 3) (a seguir «Regulamento n.o 854/2004»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A e o., sete matadouros de aves de capoeira estabelecidos nos Países Baixos, ao Staatssecretaris van Economische Zaken (Secretário de Estado dos Assuntos Económicos, Países Baixos, a seguir «Secretário de Estado»), a respeito de coimas administrativas por este aplicadas por infrações à lei neerlandesa sobre os animais.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento (CE) n.o 178/2002

3

O Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, P. 1), dispõe, no seu artigo 3.o, pontos 9 e 14:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

9)

“risco”, uma função da probabilidade de um efeito nocivo para a saúde e da gravidade desse efeito, como consequência de um perigo;

[…]

14)

“perigo”, um agente biológico, químico ou físico presente nos géneros alimentícios ou nos alimentos para animais, ou uma condição dos mesmos, com potencialidades para provocar um efeito nocivo para a saúde».

4

O artigo 14.o desse regulamento, sob a epígrafe «Requisitos de segurança dos géneros alimentícios», enuncia:

«1.   Não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros.

2.   Os géneros alimentícios não serão considerados seguros se se entender que são:

a)

prejudiciais para a saúde;

b)

impróprios para consumo humano.

3.   Ao determinar se um género alimentício não é seguro, deve‑se ter em conta:

a)

as condições normais de utilização do género alimentício pelo consumidor e em todas as fases da produção, transformação e distribuição;

b)

as informações fornecidas ao consumidor, incluindo as constantes do rótulo, ou outras informações geralmente à disposição do consumidor destinadas a evitar efeitos prejudiciais para a saúde decorrentes de um género alimentício específico ou de uma categoria específica de géneros alimentícios.

[…]

5.   Ao determinar se um género alimentício é impróprio para consumo humano, deve‑se ter em conta se é inaceitável para consumo humano de acordo com o uso a que se destina, quer por motivos de contaminação, de origem externa ou outra, quer por putrefação, deterioração ou decomposição.

[…]»

5

Nos termos do artigo 17.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Responsabilidades»:

«1.   Os operadores das empresas do setor alimentar e do setor dos alimentos para animais devem assegurar, em todas as fases da produção, transformação e distribuição nas empresas sob o seu controlo, que os géneros alimentícios ou os alimentos para animais preencham os requisitos da legislação alimentar aplicáveis às suas atividades e verificar o cumprimento desses requisitos.

2.   Os Estados‑Membros porão em vigor a legislação alimentar e procederão ao controlo e à verificação da observância dos requisitos relevantes dessa legislação pelos operadores das empresas do setor alimentar e do setor dos alimentos para animais em todas as fases da produção, transformação e distribuição.

Para o efeito, manterão um sistema de controlos oficiais e outras atividades, conforme adequado às circunstâncias, incluindo a comunicação pública sobre a segurança e os riscos dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, a vigilância da sua segurança e outras atividades de controlo que abranjam todas as fases da produção, transformação e distribuição.

Os Estados‑Membros estabelecerão igualmente as regras relativas às medidas e sanções aplicáveis às infrações à legislação alimentar e em matéria de alimentos para animais. As medidas e sanções previstas devem ser eficazes, proporcionadas e dissuasivas.»

Regulamento (CE) n.o 852/2004

6

O Regulamento (CE) n.o 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à higiene dos géneros alimentícios (JO 2004, L 139, p. 1), prevê, no seu artigo 2.o, n.o 1, alínea f):

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

f)

“Contaminação”, a presença ou introdução de um risco».

7

O artigo 3.o deste regulamento, sob a epígrafe «Obrigação geral», dispõe:

«Os operadores das empresas do setor alimentar asseguram que todas as fases da produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios sob o seu controlo satisfaçam os requisitos pertinentes em matéria de higiene estabelecidos no presente regulamento.»

8

O artigo 4.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Requisitos gerais e específicos de higiene», prevê:

«1.   Os operadores das empresas do setor alimentar que se dediquem à produção primária e a determinadas atividades conexas enumeradas no anexo I cumprem as disposições gerais de higiene previstas na parte A do anexo I e em quaisquer outras disposições específicas previstas no Regulamento (CE) n.o 853/2004.

2.   Os operadores das empresas do setor alimentar que se dediquem a qualquer fase da produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios a seguir às fases a que se aplica o n.o 1, cumprem os requisitos gerais de higiene previstos no anexo II e em quaisquer outras disposições específicas previstas no Regulamento (CE) n.o 853/2004.

3.   Os operadores das empresas do setor alimentar, tomarão, se for caso disso, as seguintes medidas específicas de higiene:

a)

Respeito dos critérios microbiológicos aplicáveis aos géneros alimentícios;

b)

Os processos necessários para respeitar os alvos estabelecidos para cumprir os objetivos do presente regulamento;

c)

Respeito dos critérios de temperatura aplicáveis aos géneros alimentícios;

d)

Manutenção da cadeia de frio;

e)

Recolha de amostras e análises.

[…]»

9

O artigo 5.o do Regulamento n.o 852/2004, sob a epígrafe «Análise dos perigos e controlo dos pontos críticos», dispõe, no seu n.o 1:

«Os operadores das empresas do setor alimentar criam, aplicam e mantêm um processo ou processos permanentes baseados nos princípios [Hazard Analysis Critical Control Point (HACCP) (sistema de análise dos perigos e pontos críticos do seu domínio)].»

Regulamento n.o 853/2004

10

Os considerandos 1, 2, 4, 9 e 10 do Regulamento n.o 853/2004 têm a seguinte redação:

«(1)

Com o Regulamento (CE) n.o 852/2004 […], o Parlamento Europeu e o Conselho estabeleceram as regras básicas de higiene a respeitar pelos operadores do setor alimentar.

(2)

Certos géneros alimentícios podem apresentar riscos específicos para a saúde humana que tornem necessário o estabelecimento de regras específicas de higiene. É esse nomeadamente o caso dos géneros alimentícios de origem animal, nos quais se têm frequentemente constatado riscos microbiológicos e químicos.

[…]

(4)

Em matéria de saúde pública, essas regras contêm princípios comuns, relacionados em particular com as responsabilidades dos fabricantes e das autoridades competentes, com os requisitos estruturais, operacionais e de higiene que devem ser cumpridos nos estabelecimentos, com os processos de aprovação dos estabelecimentos, e com as condições de armazenagem e transporte e a marcação de salubridade dos produtos.

[…]

(9)

A reformulação das referidas regras tem essencialmente por objetivo assegurar um elevado nível de proteção do consumidor nomeadamente em matéria de segurança dos géneros alimentícios sujeitando todas as empresas do setor alimentar da Comunidade às mesmas regras, e garantir o correto funcionamento do mercado interno dos produtos de origem animal, contribuindo desta forma para atingir os objetivos da política agrícola comum.

(10)

Há que manter e, se necessário para garantir a proteção do consumidor, reforçar as regras pormenorizadas de higiene aplicáveis aos produtos de origem animal.»

11

O artigo 2.o do Regulamento n.o 853/2004, sob a epígrafe «Definições», estipula:

«Para efeitos do presente regulamento são aplicáveis as seguintes definições:

1)

As definições previstas no Regulamento (CE) n.o 178/2002;

2)

As definições previstas no Regulamento (CE) n.o 852/2004;

3)

As definições previstas no anexo I; e

4)

As definições técnicas previstas nos anexos II e III.»

12

O artigo 3.o do Regulamento n.o 853/2004, sob a epígrafe «Obrigações gerais», previa, no seu n.o 1:

«Os operadores das empresas do setor alimentar devem dar cumprimento às disposições pertinentes dos anexos II e III.»

13

O anexo III, secção I, intitulada «Carne de ungulados domésticos», capítulo IV, ponto 10, deste regulamento prevê:

«As carcaças não podem apresentar qualquer contaminação fecal visível. Qualquer contaminação visível deve ser retirada quanto antes através da aparagem ou de meios que tenham um efeito equivalente.»

14

O anexo III, secção II, intitulada «Carnes de aves de capoeira e de lagomorfos», capítulo II, intitulado «Requisitos aplicáveis aos matadouros», do referido regulamento prevê:

«Os operadores das empresas do setor alimentar devem garantir que a construção, a conceção e o equipamento dos matadouros em que sejam abatidas aves de capoeira ou lagomorfos satisfaçam os requisitos seguintes.

1)

Devem dispor de uma sala ou local coberto destinado à receção dos animais e à sua inspeção ante mortem.

2)

Para evitar contaminar a carne, devem:

a)

Possuir um número suficiente de salas adequadas para as operações a efetuar;

b)

Dispor de uma sala separada para a evisceração e posterior preparação, incluindo a adição de condimentos a carcaças de aves de capoeira inteiras, a não ser que a autoridade competente autorize, caso a caso, a separação no tempo dessas operações no interior de um determinado matadouro;

c)

Garantir a separação, no espaço ou no tempo, das seguintes operações:

i)

atordoamento e sangria,

ii)

depena ou esfola, eventualmente associada a escalda, e

iii)

expedição da carne;

d)

Possuir instalações que impeçam o contacto entre a carne e o chão, paredes e dispositivos fixos;

e

e)

Dispor de cadeias de abate (quando existam) concebidas de modo a permitir um andamento constante do processo de abate e a evitar a contaminação cruzada entre as diferentes partes da cadeia. Quando funcionar nas mesmas instalações mais de uma cadeia de abate, deverá existir uma separação adequada entre essas cadeias, a fim de evitar a contaminação cruzada.

[…]

6)

Deve existir um local separado que disponha de instalações adequadas para a limpeza, lavagem e desinfeção:

a)

Do equipamento de transporte, como as jaulas;

e

b)

Dos meios de transporte.

No que se refere à alínea b), esta condição não é obrigatória se existirem nas proximidades locais e estruturas oficialmente aprovados.

[…]»

15

O anexo III, secção II, capítulo IV, do Regulamento n.o 853/2004, intitulado «Higiene do abate», dispõe:

«Os operadores das empresas do setor alimentar responsáveis por matadouros em que sejam abatidas aves de capoeira ou lagomorfos devem garantir o cumprimento dos requisitos seguintes.

[…]

2)

Os operadores dos matadouros devem seguir as instruções da autoridade competente para assegurar que a inspeção ante mortem seja efetuada nas devidas condições.

3)

Quando os estabelecimentos tiverem sido aprovados para o abate de diferentes espécies de animais ou para o manuseamento de ratites de criação e de caça miúda selvagem, devem ser tomadas precauções para evitar a contaminação cruzada, separando, no tempo ou no espaço, as operações efetuadas nas diferentes espécies. Devem existir instalações separadas para a receção e a armazenagem das carcaças de ratites de criação abatidas na exploração e para a caça miúda selvagem.

4)

Os animais levados para a sala de abate devem ser abatidos sem demoras desnecessárias.

5)

O atordoamento, a sangria, a esfola ou a depena, a evisceração e outras preparações devem ser efetuadas sem demoras desnecessárias, de forma a evitar a contaminação da carne. Serão, nomeadamente, tomadas medidas para evitar o derrame do conteúdo do aparelho digestivo durante a evisceração.

6)

Os operadores dos matadouros devem seguir as instruções da autoridade competente para garantir que a inspeção post mortem seja efetuada em condições adequadas, assegurando, em especial, que os animais abatidos possam ser devidamente inspecionados.

7)

Após a inspeção post mortem:

a)

As partes impróprias para consumo humano devem ser removidas logo que possível do setor limpo do estabelecimento;

b)

A carne retida ou declarada imprópria para consumo humano e os subprodutos não comestíveis não devem entrar em contacto com a carne declarada própria para consumo humano; e

c)

As vísceras ou partes de vísceras que permaneçam na carcaça, com exceção dos rins, devem ser retiradas, de preferência inteiramente e logo que possível, salvo indicação em contrário da autoridade competente.

8)

Após a inspeção e a evisceração, os animais abatidos devem ser limpos e refrigerados até atingirem uma temperatura não superior a 4 °C assim que possível, a não ser que a carne seja desmanchada a quente.

9)

Quando as carcaças forem submetidas a um processo de refrigeração por imersão, devem ser respeitadas as seguintes disposições:

a)

Devem ser tomadas todas as precauções para evitar a contaminação das carcaças, tendo em conta parâmetros como o peso da carcaça, a temperatura da água, o volume e a direção do fluxo de água e o tempo de refrigeração;

b)

O equipamento deve ser completamente esvaziado, limpo e desinfetado sempre que necessário e pelo menos uma vez por dia.

10)

Os animais doentes ou suspeitos de doença e os animais abatidos em aplicação de programas de erradicação ou controlo de doenças não devem ser abatidos no estabelecimento, exceto quando a autoridade competente o permitir. Nesse caso, o abate deve ser efetuado sob supervisão oficial, devendo ser tomadas medidas para evitar a contaminação; as instalações devem ser limpas e desinfetadas antes de serem novamente utilizadas.»

Regulamento n.o 854/2004

16

O Regulamento n.o 854/2004 enuncia, nos seus considerandos 4 e 8:

«(4)

Os controlos oficiais dos produtos de origem animal devem abranger todos os aspetos importantes para a proteção da saúde pública e, se for caso disso, da saúde e do bem‑estar dos animais; devem basear‑se nas informações pertinentes mais recentes, devendo, por conseguinte, poder ser adaptados à medida que surjam novas informações relevantes.

[…]

(8)

São necessários controlos oficiais da produção de carne para assegurar que os operadores das empresas do setor alimentar cumpram as regras de higiene e respeitem os critérios e objetivos previstos na legislação comunitária. Estes controlos deverão incluir auditorias das atividades das empresas do setor alimentar e inspeções, nomeadamente a fiscalização dos próprios controlos realizados pelos operadores das empresas do setor alimentar.»

17

O artigo 4.o desse regulamento, sob a epígrafe «Princípios gerais para os controlos oficiais de todos os produtos de origem animal abrangidos pelo presente regulamento», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros garantirão que os operadores das empresas prestam toda a assistência necessária às autoridades competentes para que estas possam realizar controlos oficiais.

Devem nomeadamente:

permitir o acesso a edifícios, locais, instalações e demais infraestruturas,

[…]

2.   A autoridade competente efetua controlos oficiais para verificar o cumprimento, pelos operadores das empresas do setor alimentar, dos requisitos do:

a)

Regulamento (CE) n.o 852/2004;

b)

Regulamento (CE) n.o 853/2004;

[…]

3.   Os controlos oficiais referidos no n.o 1 devem compreender:

a)

Auditorias das boas práticas de higiene e dos procedimentos baseados no sistema de análise de perigos e controlo dos pontos críticos (HACCP);

[…]

e

c)

Quaisquer funções específicas de verificação constantes dos anexos.

[…]

5.   As auditorias aos procedimentos baseados no sistema HACCP devem verificar se os operadores das empresas do setor alimentar os aplicam de forma constante e correta, e nomeadamente assegurar que os procedimentos forneçam as garantias especificadas na secção II do anexo II ao Regulamento (CE) n.o 853/2004. Essas auditorias devem determinar nomeadamente se os procedimentos garantem na medida do possível que os produtos de origem animal:

a)

Observam os critérios microbiológicos previstos na legislação comunitária;

[…]»

18

O artigo 5.o do Regulamento n.o 854/2004 prevê:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que os controlos oficiais de carne fresca sejam efetuados nos termos do anexo I.

1)

O veterinário oficial deve efetuar inspeções em matadouros, instalações de tratamento e de desmancha de caça que comercializem carne fresca, de acordo com os requisitos gerais do capítulo II da secção I do anexo I e com os requisitos específicos da secção IV, especialmente no que diz respeito a:

a)

Informações sobre a cadeia alimentar;

b)

Inspeção ante mortem;

c)

Bem‑estar dos animais;

d)

Inspeção post mortem;

e)

Matérias de risco especificadas e outros subprodutos animais;

e

f)

Testes laboratoriais.

[…]»

19

O anexo I, secção I, capítulo I, deste regulamento, intitulado «Funções de controlo», dispõe:

«1.

Para além dos requisitos gerais do n.o 4 do artigo 4.o relativos às auditorias em matéria de boas práticas de higiene, o veterinário oficial deve verificar a observância permanente dos procedimentos estabelecidos pelos operadores das empresas do setor alimentar em matéria de recolha, transporte, armazenagem, manuseamento, transformação e utilização ou eliminação de subprodutos de origem animal, incluindo matérias de risco especificadas pelas quais os operadores das empresas do setor alimentar são responsáveis.

2.

Para além dos requisitos gerais do n.o 5 do artigo 4.o em matéria de procedimentos baseados no sistema HACCP, o veterinário oficial deve verificar se os procedimentos dos operadores garantem, na medida do possível, que a carne:

[…]

b)

Não apresenta contaminação fecal ou outra;

[…]»

20

O anexo I, secção I, capítulo II, parte D, do referido regulamento, intitulada «Inspeção post mortem», prevê:

«1.

As carcaças e as miudezas que as acompanham devem ser submetidas a uma inspeção post mortem imediatamente após o abate. Todas as superfícies externas devem ser analisadas. Para esse fim, podem ser necessárias instalações técnicas especiais ou uma manipulação mínima da carcaça e das miudezas. Deve ser prestada especial atenção à deteção de doenças zoonóticas e de doenças dos animais para as quais foram estabelecidas normas de saúde animal na legislação da União. A velocidade da cadeia de abate e a quantidade de pessoal de inspeção presente devem ser de molde a permitir uma inspeção correta.

2.

Devem ser efetuados exames suplementares, tais como a palpação e a incisão de partes da carcaça e das miudezas e testes laboratoriais, sempre que tal seja considerado necessário para:

[…]

b)

Detetar:

[…]

ii)

resíduos ou contaminantes em teores superiores aos estabelecidos na legislação comunitária,

iii)

a não conformidade com os critérios microbiológicos,

ou

iv)

outros fatores que possam implicar que a carne seja declarada imprópria para consumo humano ou que sejam impostas restrições à sua utilização,

em especial, no caso de animais abatidos com caráter de urgência.

[…]»

21

O anexo I, secção II, capítulo V, do mesmo regulamento, intitulado «Decisões relativas à carne», dispõe:

«1.

A carne deve ser declarada imprópria para consumo se:

[…]

g)

Não estiver em conformidade com os critérios microbiológicos estabelecidos na legislação comunitária para determinar se os géneros alimentícios podem ser colocados no mercado;

[…]

i)

Contiver resíduos ou contaminantes em teores superiores aos estabelecidos na legislação comunitária. A ultrapassagem dos teores autorizados deverá conduzir a análises adicionais sempre que apropriado;

[…]

s)

Apresentar conspurcação ou contaminação de natureza fecal ou outra;

[…]

u)

Na opinião do veterinário oficial, após análise de todas as informações relevantes, puder constituir um perigo para a saúde pública ou animal, ou for, por quaisquer outras razões, imprópria para consumo humano.

[…]»

22

O anexo I, secção IV, capítulo V, parte B, do Regulamento n.o 854/2004 dispõe:

«1.

Todas as aves devem ser sujeitas a inspeção post mortem nos termos das secção I e III. Além disso, o veterinário oficial deve efetuar pessoalmente as seguintes verificações:

a)

Inspeção diária das vísceras e das cavidades corporais de uma amostra representativa de aves;

b)

Inspeção pormenorizada de uma amostra aleatória, efetuada em cada lote de aves da mesma origem, de partes de aves ou de aves inteiras declaradas impróprias para consumo humano na sequência da inspeção post mortem;

e

c)

Outros exames necessários quando houver razões para suspeitar que a carne dessas aves pode ser imprópria para consumo humano.

[…]»

Direito neerlandês

23

O artigo 6.2, n.o 1, da Wet houdende een integraal kader voor regels over gehouden dieren en daaraan gerelateerde onderwerpen (Lei que Aprova um Regime Jurídico Integral para os Animais em Cativeiro e Assuntos Conexos), de 19 de maio de 2011 (Stb. 2011, n.o 345, a seguir «Lei dos Animais»), prevê:

«É proibido praticar atos que infrinjam normas de regulamentos da União Europeia que versem sobre matérias a que a presente lei se aplica e para os quais remetam normas de um regulamento administrativo, ou normas aprovadas ao abrigo de um regulamento administrativo, ou normas de uma portaria do ministro.»

24

O artigo 8.7 da Lei dos Animais dispõe:

«O nosso ministro pode aplicar uma coima a quem cometer uma contraordenação.»

25

O artigo 2.4 da Regeling van de Minister van Economische Zaken, nr. WJZ/12346914, houdende regels met betrekking tot dierlijke producten (Portaria do ministro da Economia n.o WJZ/12346914, que estabelece regras para os produtos de origem animal), de 7 de dezembro de 2012 (Stcrt. 2012, n.o 25949), dispõe, no seu n.o 1, alínea d):

«As normas de regulamentos da União Europeia a que se refere o artigo 6.2, n.o 1, alínea d), da Lei dos Animais são:

[…]

d)

Os artigos 3.o e 4.o, n.os 1 a 4, 5.o e 7.o, n.o 1, do Regulamento […] n.o 853/2004».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

No âmbito dos controlos efetuados pela Nederlandse Voedsel‑ en Warenautoriteit (Autoridade Neerlandesa Fiscalizadora dos Géneros Alimentícios e dos Bens de Consumo, Países Baixos) junto de vários matadouros de aves de capoeira, foi detetada uma contaminação por matérias fecais, pelo conteúdo do papo e pelo fel de carcaças de aves de capoeira no final da cadeia de pronto a cozinhar, imediatamente antes da refrigeração. Essa Autoridade levantou autos de notícia dos quais decorre que a contaminação resultava de medidas insuficientes para prevenir a contaminação e que esses matadouros tinham cometido uma infração ao artigo 6.2, n.o 1, da Lei dos Animais e do artigo 2.4, n.o 1, da Portaria do ministro da Economia n.o WJZ/12346914, e, portanto, do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 853/2004 e do anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, deste regulamento.

27

Com base nesses autos de notícia, o Secretário de Estado, por Decisões de 27 de novembro, 11 de dezembro e 18 de dezembro de 2015, aplicou várias coimas aos matadouros em causa no processo principal, no montante de 2500 euros, por infração à Lei dos Animais. Os referidos matadouros apresentaram reclamações contra essas decisões junto do Secretário de Estado, que as indeferiu, respetivamente, em 29 de abril, 2 de maio e 3 de maio de 2016.

28

Os matadouros em causa no processo principal interpuseram recurso destas últimas decisões no Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão, Países Baixos).

29

Os matadouros em causa no processo principal alegam que não se pode deduzir nem da redação nem do contexto das disposições do anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 que estas imponham uma norma de «tolerância zero» para evitar qualquer contaminação. Sustentam que as carcaças ainda devem poder ser limpas na fase da refrigeração ou numa fase posterior durante a desmancha e a embalagem. Contestam igualmente o facto de a contaminação poder ter sido causada por matérias fecais, pelo conteúdo do papo e por fel. Além disso, põem em causa as modalidades de controlo sublinhando que, aquando dos controlos, as carcaças não podem ser retiradas da cadeia e que só as superfícies externas podem ser examinadas visualmente.

30

Em contrapartida, o Secretário de Estado sustenta que as referidas disposições contêm a norma de «tolerância zero», segundo a qual as carcaças de aves de capoeira não podem apresentar qualquer contaminação visível depois da fase da evisceração e da limpeza, bem como antes da fase da refrigeração. Sublinha, a este respeito, que a fase antes da refrigeração é uma fase durante a qual o controlo deve ser efetuado. Alega que o conceito de «contaminação» abrange igualmente a contaminação por matérias fecais, pelo conteúdo do papo e por fel. No que se refere aos controlos, o Secretário de Estado considera que as carcaças podem ser retiradas da cadeia e que as superfícies internas e a parte inferior dos tecidos adiposos podem igualmente ser examinadas.

31

Nestas condições, o Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão), tendo dúvidas quanto à interpretação que deve ser feita dos textos do direito da União aplicáveis, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as disposições do [a]nexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento [n.o 853/2004] ser interpretadas no sentido de que uma carcaça de uma ave de capoeira, após evisceração e limpeza, já não pode apresentar qualquer contaminação visível?

2)

As disposições do [a]nexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do [Regulamento n.o 853/2004] incluem a contaminação por fezes, por fel ou pelo conteúdo do papo?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a disposição do [a]nexo III, secção II, capítulo IV, ponto 8, do [Regulamento n.o 853/2004] deve ser interpretada no sentido de que a limpeza tem de ser feita imediatamente após a evisceração ou, com fundamento nesta disposição, a eliminação de contaminação visível também pode ser feita durante a refrigeração ou a desmancha, ou durante a embalagem?

4)

O [a]nexo I, secção I, capítulo II, parágrafo D, ponto 1, do [Regulamento n.o 854/2004] permite que a autoridade competente, quando da fiscalização, retire carcaças da linha de abate e inspecione o respetivo interior e exterior, e a parte inferior do tecido adiposo das mesmas, para verificar se há contaminação visível?

5)

Em caso de resposta negativa à primeira questão e, portanto, caso a contaminação visível de uma carcaça de uma ave de capoeira possa permanecer, como devem ser interpretadas as disposições do [a]nexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do [Regulamento n.o 853/2004]? De que forma é então possível alcançar a finalidade deste regulamento, isto é, garantir um elevado nível de proteção da saúde pública?»

Quanto às questões prejudiciais

32

A título liminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe, sendo caso disso, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça pode entender ser necessário levar em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não tenha feito referência no enunciado das suas questões (Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Município de Palmela, C‑144/16, EU:C:2017:76, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

33

No caso vertente, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que inverter a ordem das questões e examinar, em primeiro lugar, a segunda questão, em seguida conjuntamente a primeira, terceira e, caso necessário, quinta questões e, por último, a quarta questão, conforme reformuladas.

Quanto à segunda questão

34

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «contaminação» engloba não só a contaminação por matéria fecal mas também a contaminação pelo conteúdo do papo e por fel.

35

Importa salientar que nem o ponto 5 nem o ponto 8 do anexo III, secção II, capítulo IV, do Regulamento n.o 853/2004 especificam quais podem ser as fontes de contaminação das carcaças no abate. Com efeito, o referido ponto 5 limita‑se a indicar que «[o] atordoamento, a sangria, a esfola ou a depena, a evisceração e outras preparações devem ser efetuadas sem demoras desnecessárias, de forma a evitar a contaminação da carne. Serão, nomeadamente, tomadas medidas para evitar o derrame do conteúdo do aparelho digestivo durante a evisceração». Quanto ao referido ponto 8, este não faz referência ao termo «contaminação».

36

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a matéria fecal, o conteúdo do papo e o fel fazem parte do «aparelho digestivo», na aceção do anexo III, secção II, capítulo IV, ponto 5, do Regulamento n.o 853/2004 e, a este título, se podem ser considerados como fontes de contaminação na aceção deste regulamento.

37

A este respeito, há que salientar que as versões linguísticas deste regulamento diferem quanto aos termos utilizados no anexo III, secção II, capítulo IV, ponto 5, segundo período, do Regulamento n.o 853/2004. Assim, enquanto as versões em línguas neerlandesa, alemã e sueca desta disposição, que utilizam, respetivamente, as expressões «inhoud van maag en darmen», «Magen‑ und Darminhalt» e «mag‑ och tarminnehåll», evocam o conteúdo do estômago e dos intestinos, as versões nas línguas dinamarquesa, inglesa e francesa da referida disposição, que utilizam, respetivamente, as expressões «fordøjelseskanalens indhold», «digestive tract contents» e «contenu du tractus digestif», têm um sentido visivelmente mais amplo.

38

Neste contexto, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. As disposições do direito da União devem, com efeito, ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União. Em caso de disparidade entre as diferentes versões linguísticas de um diploma do direito da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., designadamente, Acórdão de 25 de outubro de 2018, Tänzer & Trasper, C‑462/17, EU:C:2018:866, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

39

No que respeita, em primeiro lugar, à sistemática geral da disposição em causa, importa salientar que, em conformidade com o artigo 2.o do Regulamento n.o 853/2004, as definições mencionadas nos Regulamentos n.os 178/2002 e 852/2004 são aplicáveis para efeitos do Regulamento n.o 853/2004. A este respeito, o artigo 2.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento n.o 852/2004 define o termo «contaminação» como «a presença ou introdução de risco». Quanto ao conceito de «perigo», este é definido no artigo 3.o, ponto 14, do Regulamento n.o 178/2002 como «um agente biológico, químico ou físico presente nos géneros alimentícios ou nos alimentos para animais, ou uma condição dos mesmos, com potencialidades para provocar um efeito nocivo para a saúde».

40

Como salientou o advogado‑geral no n.o 51 das suas conclusões, o legislador da União pretendeu manifestamente encorajar a prossecução de um elevado nível de segurança dos géneros alimentícios, mantendo um conceito amplo de contaminação.

41

Esta análise é confirmada pela própria redação do texto do anexo III, secção II, capítulo IV, ponto 5, do Regulamento n.o 853/2004. Com efeito, a utilização da expressão «toute contamination» em língua francesa ou alemã e da expressão «a contaminação» em língua neerlandesa ou espanhola, bem como o emprego, nesse mesmo ponto, do advérbio «nomeadamente», demonstram que esse legislador tomou a seu cargo a tarefa de não limitar a obrigação de evitar qualquer contaminação a uma forma particular de contaminação. De igual modo, o anexo III, secção II, capítulo IV, ponto 8, desse regulamento prevê o procedimento a seguir após a inspeção e a evisceração, a saber, nomeadamente, a limpeza das carcaças, sem no entanto restringir essa obrigação à eliminação de certas formas de contaminação.

42

Por outro lado, resulta do anexo I, secção I, capítulo I, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004 que o veterinário oficial, quando efetua um controlo relativo aos procedimentos dos operadores das empresas do setor alimentar, como os matadouros, deve assegurar que estes últimos garantem, na medida do possível, que a carne «não apresenta contaminação fecal ou outra». Não se pode deixar de observar que os termos empregues no que se refere à natureza da contaminação são igualmente bastante abrangentes, confirmando assim o emprego do termo «outra» que as fontes de contaminação não são objeto de uma limitação particular.

43

No que se refere, em segundo lugar, à finalidade do Regulamento n.o 853/2004, importa recordar que o considerando 9 deste regulamento indica que a sua reformulação tem essencialmente por objetivo assegurar um elevado nível de proteção do consumidor nomeadamente em matéria de segurança dos géneros alimentícios. Além disso, o considerando 10 do referido regulamento demonstra claramente que o legislador da União faz da saúde dos consumidores a sua principal preocupação, na medida em que é referido que «[há] que manter e, se necessário para garantir a proteção do consumidor, reforçar as regras pormenorizadas de higiene aplicáveis aos produtos de origem animal».

44

Por conseguinte, tanto a sistemática geral do Regulamento n.o 853/2004 como o objetivo de um elevado nível de proteção dos consumidores que este pretende alcançar impõem que sejam abrangidas todas as fontes de contaminação. Assim, o conceito de «aparelho digestivo» não pode ser limitado aos intestinos e ao seu conteúdo. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 50 das suas conclusões, o aparelho digestivo compreende todos os órgãos que constituem o sistema digestivo, mas também o conteúdo desses órgãos, desde a boca ao ânus. As matérias fecais, o conteúdo do papo e o fel fazem, portanto, parte do aparelho digestivo e devem, portanto, ser considerados abrangidas pelas obrigações previstas no anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004.

45

Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «contaminação» engloba não só a contaminação por matéria fecal mas também a contaminação pelo conteúdo do papo e por fel.

Quanto à primeira, terceira e quinta questões

46

Com a primeira e terceira questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 deve ser interpretado no sentido de que uma carcaça de aves de capoeira já não deve apresentar contaminação visível depois da fase de limpeza e se esta fase deve ocorrer antes da fase de refrigeração. No caso de esta disposição ser interpretada no sentido de que não exige a inexistência de contaminação visível, o órgão jurisdicional de reenvio, com a sua quinta questão, pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se a referida disposição, lida em conjugação com as disposições do Regulamento n.o 852/2004, deve ser interpretada no sentido de que, para garantir o objetivo de um elevado nível de proteção da saúde pública, o controlo das autoridades competentes se deve limitar à verificação do respeito das normas HACCP pelos matadouros.

47

Num primeiro momento, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, na realidade, se o anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 prevê uma norma de tolerância zero, a saber, que as carcaças de aves de capoeira não devem apresentar qualquer contaminação, seja visível ou invisível, logo após a fase de evisceração. Num segundo momento, questiona‑se se, no caso de esta norma ser aplicável, a sua aplicação deve ter lugar no final da cadeia de abate, isto é, antes da fase de refrigeração.

48

Importa salientar que nem a definição do conceito de «contaminação» no artigo 2.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento n.o 852/2004 nem o anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 distinguem a contaminação visível da contaminação invisível.

49

Todavia, resulta dos n.os 39 a 41 do presente acórdão que o conceito de «contaminação», na aceção do anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 é definido de forma ampla. Esse conceito não pode, portanto, limitar‑se apenas ao conceito de contaminação visível.

50

A este respeito, há que notar que o legislador da União teve o cuidado de fazer uma distinção entre as diferentes espécies de animais, nomeadamente, distinguindo as carnes de ungulados domésticos das carnes de aves de capoeira e de lagomorfos. Ora, no anexo III, secção I, capítulo IV, deste regulamento, dedicado à higiene do abate relativo a carne de ongulados domésticos, indicou expressamente, no ponto 10, que as carcaças abrangidas por essa categoria «não podem apresentar qualquer contaminação fecal visível» e que «qualquer contaminação visível deve ser retirada quanto antes através da aparagem ou de meios que tenham um efeito equivalente».

51

Não se pode deixar de observar que tal precisão não consta do capítulo dedicado à higiene do abate das carnes de aves de capoeira e de lagomorfos. Assim, o legislador da União pretendeu conservar uma definição ampla do conceito de contaminação no anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004, englobando tanto a contaminação visível como a contaminação invisível.

52

Por conseguinte, em conformidade com o anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004, o conceito de «contaminação» abrange tanto a contaminação visível como a contaminação invisível.

53

No que se refere à questão de saber em que fase é exigida a inexistência de qualquer contaminação, seja visível ou não, há que salientar que os recorrentes no processo principal alegam, nomeadamente, que é impossível satisfazer uma norma de tolerância zero e que as eventuais contaminações presentes na carcaças na fase da cadeia de pronto a cozinhar são eliminadas durante o processo de refrigeração ou no momento da desmancha e da embalagem. Alegam então que os matadouros têm uma simples obrigação de meios relativamente à inexistência de contaminação ao longo do processo de abate.

54

Este argumento não pode ser acolhido.

55

Resulta da redação do anexo III, secção II, capítulo IV, ponto 5, do Regulamento n.o 853/2004 que, na fase do abate, devem ser tomadas todas as medidas para evitar a contaminação, nomeadamente através do derrame do aparelho digestivo durante a evisceração. A utilização do verbo «evitar» demonstra que o legislador da União não pretendeu impor uma obrigação de resultado nesta fase do processo, mas, em contrapartida, incitou os matadouros a pôr em prática todas as medidas possíveis para atuar de modo a não contaminar as carcaças. Com efeito, a inexistência de qualquer contaminação visível nessa fase faria recair sobre os matadouros uma obrigação não razoável.

56

Esta análise é confirmada, como salientou o advogado‑geral nos n.os 62 e 63 das suas conclusões, pelo facto de a inspeção post mortem, destinada a afastar as carcaças contaminadas e impróprias para consumo humano, ocorrer após a fase de evisceração, em conformidade com o que resulta de uma leitura conjugada do anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 6 e 7, do Regulamento n.o 853/2004 e do anexo I, secção IV, capítulo V, B, ponto 1, do Regulamento n.o 854/2004. Em particular, este último ponto prevê que todas as aves de capoeira devem ser sujeitas a inspeção post mortem nos termos do anexo I, secções I e III, do Regulamento n.o 854/2004 e que, além disso, o veterinário oficial deve efetuar pessoalmente uma inspeção diária das vísceras e das cavidades corporais de uma amostra representativa de aves. A este respeito, o veterinário oficial deve verificar, em conformidade com o anexo I, secção I, capítulo I, ponto 2, deste regulamento, se os procedimentos dos operadores garantem, na medida do possível, que a carne não apresenta contaminação fecal ou outra.

57

A inspeção post mortem destina‑se precisamente a triar as partes impróprias para o consumo humano e as outras partes que podem passar para a fase de limpeza, a fim de que lhes sejam removidas todas as sujidades residuais, como o sangue ou o conteúdo dos intestinos. Esta fase afigurar‑se‑ia, assim, totalmente supérflua se fosse aplicado um limite de tolerância zero logo após a fase da evisceração, que não tolerasse qualquer contaminação visível.

58

Em contrapartida, resulta da ordem das etapas de transformação adotada pelo legislador da União no anexo III, secção II, capítulo IV, ponto 8, do Regulamento n.o 853/2004 que a limpeza deve ocorrer antes da refrigeração e, portanto, antes da desmancha, da embalagem e da colocação à disposição ao consumidor. Portanto, após a fase da limpeza, não pode subsistir qualquer contaminação visível.

59

Assim, na fase de limpeza, a vigilância efetuada pelo veterinário oficial já permitiu aplicar as medidas necessárias para reduzir o perigo para um nível aceitável, através da limpeza das partes que ainda podem ser limpas, e, não podendo diminuir o perigo para um nível aceitável, adotar as medidas corretivas adequadas para eliminar esse perigo, ou seja, declarar as partes em questão impróprias para o consumo humano e isto em conformidade com os «princípios HACCP», na aceção do artigo 5.o do Regulamento n.o 852/2004.

60

Por outro lado, o facto de controlar a fase de limpeza apresentando uma carcaça isenta de qualquer contaminação visível na fase de refrigeração, na da desmancha e na da embalagem é tanto mais primordial quanto estas fases constituem, por si só, um ponto crítico devido aos numerosos contactos da carne com as superfícies ou materiais contaminados. Se o perigo da etapa precedente não for controlado, corre o risco de se repercutir ou mesmo de se ampliar na etapa seguinte. Como tal, o objetivo que visa atingir um elevado nível de proteção dos consumidores seria gravemente comprometido.

61

Assim, contrariamente ao que sustentam os recorrentes no processo principal, a fase de refrigeração não está vocacionada para limpar as carcaças a fim de eliminar qualquer contaminação visível, mas visa, nomeadamente, travar a multiplicação de germes e conservar carne a fim de prosseguir a etapa da desmancha e da embalagem nas melhores condições.

62

Por conseguinte, há que responder à primeira e terceira questões que o anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 deve ser interpretado no sentido de que uma carcaça de aves de capoeira já não deve apresentar contaminação visível depois da fase de limpeza e antes da fase de refrigeração.

63

À luz da resposta dada à primeira e terceira questões, não há que responder à quinta questão.

Quanto à quarta questão

64

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o anexo I, secção I, capítulo II, D, ponto 1, do Regulamento n.o 854/2004 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade competente para inspecionar as carcaças de aves de capoeira as retire da cadeia de abate e proceda a um exame tanto externo como interno dessas carcaças, levantando, se necessário, os tecidos adiposos dessas carcaças.

65

Resulta do considerando 4 desse regulamento que os controlos oficiais dos produtos de origem animal devem abranger todos os aspetos importantes para a proteção da saúde pública.

66

Por outro lado, o artigo 4.o, n.o 1, desse regulamento indica que «[o]s Estados‑Membros garantirão que os operadores das empresas prestam toda a assistência necessária às autoridades competentes para que estas possam realizar controlos oficiais».

67

Importa igualmente recordar que o anexo I, secção I, capítulo II, D, ponto 1, do referido regulamento prevê que, para efeitos da inspeção post mortem, «[t]odas as superfícies externas devem ser analisadas» e, «[p]para esse fim, podem ser necessárias instalações técnicas especiais ou uma manipulação mínima da carcaça e das miudezas», «[devendo a] velocidade da cadeia de abate e a quantidade de pessoal de inspeção presente […] ser de molde a permitir uma inspeção correta». Além disso, em conformidade com o anexo I, secção IV, capítulo V, B, ponto 1, alínea a), desse regulamento, para além da inspeção post mortem prevista para todas as carnes frescas, «o veterinário oficial deve efetuar pessoalmente […] [a inspeção] diária das vísceras e das cavidades corporais de uma amostra representativa de aves».

68

Acresce que o anexo I, secção I, capítulo II, D, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004 prevê que a autoridade competente pode proceder a exames suplementares, tais como a palpação e a incisão de partes da carcaça e das miudezas e testes laboratoriais, se tal for considerado necessário.

69

Resulta do exposto que, para alcançar um elevado nível de proteção da saúde pública, o legislador da União previu normas de controlo mínimas no que respeita à carne de aves de capoeira, a saber, o exame externo das carcaças, bem como o exame interno sobre uma amostra de carcaças, deixando à autoridade competente uma ampla margem de manobra para poder proceder a controlos mais aprofundados, tais como análises, se considerar necessário.

70

A este respeito, a retirada de uma carcaça de aves de capoeira da cadeia de abate para examinar os tecidos adiposos pode, nomeadamente, revelar‑se necessária a fim de detetar uma patologia nefasta para a saúde humana, como a gripe aviária, e proporcionada atendendo à importância que reveste o objetivo de proteção da saúde pública.

71

Em todo o caso, caberá ao juiz nacional, tendo em conta os elementos que lhe são submetidos, determinar se os meios implementados para a inspeção das carcaças de aves de capoeira são adequados à realização do objetivo legitimamente prosseguido pela regulamentação em causa e não vão além do necessário para o alcançar.

72

Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o anexo I, secção I, capítulo II, D, ponto 1, do Regulamento n.o 854/2004 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a autoridade competente para inspecionar as carcaças de aves de capoeira as retire da cadeia de abate e proceda a um exame tanto externo como interno dessas carcaças, levantando, se necessário, os tecidos adiposos destas carcaças, desde que esse exame não exceda o necessário para garantir a eficácia desse controlo, o que caberá ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Quanto às despesas

73

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento (CE) n.o 853/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «contaminação» engloba não só a contaminação por matéria fecal mas também a contaminação pelo conteúdo do papo e por fel.

 

2)

O anexo III, secção II, capítulo IV, pontos 5 e 8, do Regulamento n.o 853/2004 deve ser interpretado no sentido de que uma carcaça de aves de capoeira já não deve apresentar contaminação visível depois da fase de limpeza e antes da fase de refrigeração.

 

3)

O anexo I, secção I, capítulo II, D, ponto 1, do Regulamento (CE) n.o 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano, conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 739/2011 da Comissão, de 27 de julho de 2011, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a autoridade competente para inspecionar as carcaças de aves de capoeira as retire da cadeia de abate e proceda a um exame tanto externo como interno dessas carcaças, levantando, se necessário, os tecidos adiposos destas carcaças, desde que esse exame não exceda o necessário para garantir a eficácia desse controlo, o que caberá ao órgão jurisdicional nacional verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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