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Documento 62018CJ0039

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 10 de julho de 2019.
Comissão Europeia contra Icap Management Services Ltd e Icap New Zealand Ltd.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Setor dos produtos derivados de taxas de juro expressas em ienes japoneses — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE — Responsabilidade de uma empresa pelo seu papel de facilitador do acordo — Cálculo da coima — Dever de fundamentação.
Processo C-39/18 P.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2019:584

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

10 de julho de 2019 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Setor dos produtos derivados de taxas de juro expressas em ienes japoneses — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo EEE — Responsabilidade de uma empresa pelo seu papel de facilitador do acordo — Cálculo da coima — Dever de fundamentação»

No processo C‑39/18 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de janeiro de 2018,

Comissão Europeia, representada por B. Mongin, M. Farley, T. Christoforou e V. Bottka, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

NEX International Limited, anteriormente Icap plc, com sede em Londres (Reino Unido),

Icap Management Services Ltd, com sede em Londres,

Icap New Zealand Ltd, com sede em Wellington (Nova Zelândia), representadas por C. Riis‑Madsen, advokat, e par S. Frank, avocat,

recorrentes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen, J. Malenovský, C. G. Fernlund (relator) e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de fevereiro de 2019,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de maio de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        Através do seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 10 de novembro de 2017, Icap e o./Comissão (T‑180/15, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2017:795), que anulou parcialmente a Decisão C(2015) 432 final da Comissão, de 4 de fevereiro de 2015, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE (processo AT.39861 — produtos derivados de taxas de juro em ienes) (a seguir «decisão controvertida»).

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

2        Resulta dos antecedentes do litígio expostos nos n.os 1 a 21 do acórdão recorrido que a Icap plc (à qual a NEX International Limited sucedeu nos direitos e obrigações), a Icap Management Services Ltd e a Icap New Zealand Ltd (a seguir, conjuntamente, «Icap») fazem parte de uma empresa de serviços de corretagem através de redes vocais e eletrónicas que é igualmente um fornecedor de serviços de pós‑negociação.

3        Através da decisão controvertida, a Comissão considerou que a Icap tinha participado em seis infrações ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo sobre o espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), relativas à manipulação das taxas de referência interbancárias London Offered Rate (LIBOR, taxa interbancária praticada em Londres) e Tokyo Offered Rate [TIBOR, taxa interbancária praticada em Tóquio (Japão)] no mercado dos produtos derivados de taxas de juro expressas em ienes japoneses, as quais tinham sido anteriormente declaradas pela Decisão C (2013) 8602 final da Comissão, de 4 de dezembro de 2013, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE (processo AT.39861 — Produtos derivados de taxas de juro expressas em ienes japoneses).

4        Em 29 de outubro de 2013, a Comissão instaurou contra a Icap um processo por infração.

5        Em 12 de novembro de 2013, a Icap informou a Comissão de que tinha intenção de não optar por um processo de transação.

6        Em 4 de fevereiro de 2015, a Comissão adotou a decisão controvertida, aplicando à Icap seis coimas no montante total de 14 960 000 euros, por ter «facilitado» as seis infrações seguintes:

–        a «infração UBS/RBS de 2007», entre 14 de agosto e 1 de novembro de 2007;

–        a «infração UBS/RBS de 2008», entre 28 de agosto e 1 de novembro de 2007;

–        a «infração UBS/DB», entre 22 de maio e 10 de agosto de 2009;

–        a «infração Citi/RBS», entre 3 de março e 22 de junho de 2010;

–        a «infração Citi/DB», entre 7 de abril e 7 de junho de 2010, e

–        a «infração Citi/UBS», entre 28 de abril e 2 de junho de 2010.

7        Os n.os 81 a 21 do acórdão recorrido têm o seguinte teor:

«18      A Comissão recordou preliminarmente que, em aplicação das orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir “orientações de 2006”), o montante de base da coima deve ser determinado atendendo ao contexto em que a infração foi praticada e, em especial, à gravidade e à duração da infração e que o papel desempenhado por cada um dos participantes deve ser objeto de uma avaliação individual que reflita ao mesmo tempo eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes (considerando 284 da decisão [controvertida]).

19      A Comissão observou que as orientações de 2006 forneciam poucas orientações sobre o método de cálculo da coima para os facilitadores. Visto que a Icap era um operador ativo nos mercados de serviços de corretagem, e não no dos produtos derivados de taxas de juro, considerou que não podia substituir as despesas de corretagem pelas dos preços dos produtos derivados de taxas de juro em ienes japoneses, para estabelecer o volume de negócios e fixar o montante da coima, uma vez que essa substituição não reflete a gravidade nem a natureza da infração. Daí deduziu, em substância, que devia ser aplicado o ponto 37 das orientações de 2006, que permite que estas sejam afastadas no que diz respeito à determinação do montante de base da coima (considerando 287 da decisão [controvertida]).

20      Tendo em conta a gravidade dos comportamentos em causa e a duração da participação da Icap em cada uma das seis das infrações em causa, a Comissão fixou, em relação a cada uma delas, o montante de base da coima, a saber, 1 040 000 euros pela infração UBS/RBS de 2007, 1 950 000 euros pela infração UBS/RBS de 2008, 8 170 000 euros pela infração UBS/DB, 1 930 000 euros pela infração Citi/RBS, 1 150 000 euros pela infração Citi/DB e 720 000 euros pela infração Citi/UBS (considerando 296 da decisão [controvertida]).

21      No que diz respeito à fixação do montante definitivo da coima, a Comissão não teve em conta a existência de nenhuma circunstância agravante ou atenuante e registou que o limiar de 10% do volume de negócios anual não tinha sido ultrapassado (considerando 299 da decisão [controvertida]). Assim, no artigo 2.° do dispositivo da decisão impugnada, a Comissão aplica às recorrentes coimas cujo montante definitivo é equivalente ao seu montante de base.»

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

8        Por petição que deu entrada na secretaria do Tribunal Geral em 14 de abril de 2015, a Icap interpôs recurso pedindo a anulação da decisão controvertida e, a título subsidiário, a redução do montante das coimas aplicadas.

9        Em apoio dos seus pedidos, a Icap invocava seis fundamentos. Através dos quatro primeiros fundamentos, contestava a legalidade do artigo 1.° da decisão controvertida, relativo à existência das infrações. O quinto e o sexto fundamentos eram dirigidos contra o artigo 2.° desta decisão, relativo às coimas aplicadas.

10      Através do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça, por um lado, anulou parcialmente o artigo 4.° da decisão controvertida e, por outro, anulou o artigo 2.° desta decisão.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

11      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

–        anule o acórdão, na medida em que este anula as coimas fixadas no artigo 2.° da decisão controvertida;

–        julgue improcedentes o quinto e o sexto fundamentos ido recurso interposto pela ICAP no Tribunal Geral, relativos às coimas, e que determine o montante das coimas adequadas aplicadas à ICAP no exercício da sua competência de plena jurisdição;

–        condene a ICAP a suportar a totalidade das despesas do presente processo e que adapte a condenação relativa às despesas que figura no acórdão recorrido, a fim de ter em conta o resultado do presente recurso.

12      A Icap pede ao Tribunal de Justiça que:

–        negue provimento ao recurso, na totalidade ou em parte e

–        condene a Comissão na totalidade das despesas do presente processo, incluindo nas de primeira instância.

 Quanto ao recurso

13      A Comissão invoca um fundamento único, relativo a um erro de direito na interpretação e na aplicação da jurisprudência relativa à fundamentação das decisões que aplicam coimas.

 Argumentos das partes

14      A Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a determinação do montante das coimas aplicadas à Icap não estava suficientemente fundamentado na decisão controvertida.

15      Esta instituição alega que o Tribunal Geral, nos n.os 287 a 291 do acórdão recorrido, baseou‑se numa interpretação errada do dever de fundamentação. O Tribunal Geral ignorou a jurisprudência resultante dos Acórdãos de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão (C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.° 61), e 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.os 66 a 68), segundo a qual a Comissão cumpre esta obrigação quando indica a uma empresa considerada responsável por uma infração ao artigo 101.° TFUE, pelo seu papel de facilitador, os elementos de apreciação que lhe permitam medir a gravidade e a duração da infração, sem que seja, porém, obrigada a indicar todos os dados quantitativos e os cálculos efetuados para chegar a uma determinação do montante da coima.

16      Além disso, o Tribunal Geral, nos n.os 295 e 296 do acórdão recorrido, não teve em consideração o Acórdão de 28 de janeiro de 2016, Quimitécnica.com e de Mello/Comissão (C‑415/14 P, não publicado, EU:C:2016:58, n.° 53), do qual, no entanto, resulta que a fundamentação de um ato da Comissão deve ser apreciada tendo em conta o seu contexto, o qual inclui os intercâmbios entre esta última e os interessados, que possam ter existido antes e depois da adoção do ato em questão.

17      A Comissão considera que a decisão controvertida indica suficientemente os fatores de gravidade e de duração da participação da Icap na infração e que a sua fundamentação é, a este respeito, comparável à da decisão em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717).

18      A Comissão considera que foi além do que era obrigada a fazer a fim de responder à Icap, que se considerava vítima de uma disparidade de tratamento em relação à empresa R. P. Martin, igualmente condenada ao pagamento de coimas pelo seu papel de facilitador no mesmo cartel, mas que, contrariamente à Icap, tnha optado por uma transação.

19      A Comissão expõe, em primeiro lugar, ter tomado como base de cálculo o valor das vendas e o volume de negócios mundial aplicados aos bancos participantes. Seguidamente, diz ter tido em conta a duração da participação da Icap e, finalmente, aplicado uma redução ao montante de base hipotético para obter uma coima fixa, adequada e proporcionada. O mesmo método foi aplicado à empresa R. P. Martin, no respeito do princípio da igualdade de tratamento. Todavia, esta última empresa beneficiou de uma redução de 25% ao abrigo de clemência, e de uma redução de 10% ao abrigo do processo de transação. O seu volume de negócios foi, além disso, cerca de vinte vezes inferior ao da Icap e a sua participação na infração durou cerca de um mês, ao passo que a da Icap durou mais de dois meses.

20      Para a hipótese de o tribunal de Justiça querer pronunciar‑se sobre o montante das coimas ao abrigo da sua competência de plena jurisdição, a Comissão convida‑o a fixar o montante de cada coima na proporção da redução das durações consideradas pelo Tribunal Geral, que adquiriram força de caso julgado.

21      A Icap sustenta que este fundamento não é procedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

22      O fundamento do recurso coloca, no essencial, a questão de saber se o Tribunal Geral desrespeitou a o alcance do dever de fundamentação que incumbe à Comissão, ao decidir, em substância, nos n.os 287 a 296 do acórdão recorrido, que esta última não se pode limitar à garantia geral de que os montantes de base tidos em conta em relação às empresas responsáveis pelas infrações ao artigo 101.° TFUE, por terem facilitado um cartel, refletem a gravidade, a duração e a natureza da sua participação nas infrações bem como o efeito dissuasivo das coimas, quando é pacífico que esses montantes foram determinados com fundamento numa metodologia específica, que não foi divulgada a essas empresas.

23      Conforme lembra o Tribunal Geral nos n.os 287 e 288 do acórdão recorrido, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida no artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato incriminado, de maneira a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao juiz da União exercer a sua fiscalização. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre as exigências fixadas no artigo 296.° TFUE deve ser apreciada não só tendo em conta a sua redação mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.° 63, e de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.° 87).

24      No que respeita às decisões que apliquem coimas às empresas por violação do artigo 101.° TFUE, o dever de fundamentação reveste importância especial. Incumbe à Comissão fundamentar a sua decisão e, nomeadamente, explicar a ponderação e a avaliação que fez dos elementos tomados em consideração. A existência de fundamentação deve ser verificada oficiosamente pelo juiz (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.° 61).

25      Embora seja verdade que a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação quanto ao método de cálculo das coimas em caso de violação das regras da União em matéria de concorrência (Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Heineken Nederland e Heineken/Comissão, C‑452/11 P, não publicado, EU:C:2012:829, n.° 92 e jurisprudência referida), adotou, contudo, por razões de transparência, as orientações de 2006, nas quais indica a que título levará em consideração tal ou tal circunstância da infração e as consequências que daí poderão resultar para o montante da coima (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.° 59).

26      As orientações de 2006 assentam, assim, na tomada em consideração do valor das vendas dos produtos em causa em relação à infração para a fixação do montante de base das coimas a aplicar. Estas orientações preveem, nos n.os 6 e 13, que o valor dessas vendas, em conjugação com a duração da infração, visa «refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração».

27      Porém, este método pode, por vezes, revelar‑se inadaptado às circunstâncias particulares de um processo. É esse, designadamente, o caso quando uma empresa declara responsável por uma infração ao artigo 101.° TFUE por ter facilitado um cartel não realiza nenhum volume de negócios sobre os mercados dos produtos pertinentes. Numa situação deste tipo, o Tribunal de Justiça decidiu que a Comissão podia recorrer a um método de cálculo diferente do descrito nas orientações de 2006 e, em conformidade com o n.° 37 destas, podia estabelecer de modo fixo o montante de base da coima aplicada à empresa que, através da sua atividade de consultadoria, tinha facilitado um cartel (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.os 65 a 67).

28      Tratando‑se de determinar o alcance do dever de fundamentação que incumbe à Comissão sempre que esta se afasta da metodologia geral prevista pelas orientações de 2006, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, embora uma decisão da Comissão que se situe na linha de uma prática decisória constante possa ser fundamentada de forma sucinta, nomeadamente fazendo referência a essa prática, quando a mesma vai sensivelmente mais longe do que as decisões anteriores, a Comissão deve desenvolver o seu raciocínio de forma explícita (v., nomeadamente, Acórdãos de 26 de novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão, 73/74, EU:C:1975160, n.° 31, e de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑295/09 P, EU:C:2011:620, n.° 155).

29      Importa recordar igualmente a jurisprudência constante que reconheceu que as orientações enunciam uma regra de conduta indicativa da prática a seguir, de que a Comissão não se pode afastar num caso específico sem apresentar razões que sejam compatíveis, nomeadamente, com o princípio da igualdade de tratamento (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de maio de 2013, Quinn Barlo e o./Comissão, C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351, n.° 53; e de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.° 60 e jurisprudência referida).

30      Quando a Comissão invoca o n.° 37 das orientações de 2006 é obrigada a expor as razões que lhe permitem considerar que as particularidades do processo que lhe está submetido ou a necessidade de alcançar um nível dissuasivo justificam que se «afaste do método indicado nas orientações, como decidiu, em substância, o Tribunal Geral no n.° 289 do acórdão recorrido.

31      Além disso, a Comissão dá cumprimento ao seu dever de fundamentação quando expõe, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração (Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.° 68). Ainda que não seja obrigada a indicar todos os elementos quantitativos relativos a cada uma das etapas intermédias do modo adotado de cálculo da coima, cabe‑lhe, no entanto, como o Tribunal julgou no n.° 291 do acórdão recorrido, explicar a ponderação e a avaliação por ela feitas dos elementos tios em consideração (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comission, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.° 61).

32      Embora a menção destes elementos seja necessária, a questão de saber se a mesma é suficiente deve ser apreciada tendo em conta as circunstâncias em causa e o contexto no qual se inscreve a decisão da Comissão.

33      É certo que, num processo no qual a Comissão tinha determinado de modo fixo o montante de base da coima aplicada à empresa que tinha facilitado o cartel, o Tribunal de justiça decidiu que era suficiente a fundamentação que se limita a enunciar que tinha sido tomada em conta a gravidade e a duração das infrações na determinação desse montante (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.os 68 e 69). Todavia, não se pode inferir deste acórdão que essa fundamentação é sempre suficiente, sejam quais forem as particularidades da situação em causa.

34      Além disso, quando a Comissão se afasta das orientações de 2006 e aplica uma outra metodologia especificamente adaptada às particularidades da situação das empresas que facilitaram um cartel, é necessário, tendo em conta os direitos de defesa, que essa metodologia seja divulgada às interessadas a fim de que estas possam dar a conhecer o seu ponto de vista acerca dos elementos nos quais a Comissão tenciona basear a sua decisão (v., por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 2013, Sabou, C‑276/12, EU:C:2013:678, n.° 38 e jurisprudência referida). Com efeito, a divulgação contribui para a equidade, para a imparcialidade e para a qualidade das decisões da Comissão de que depende, em última instância, a confiança que o público e as empresas colocam na legitimidade da ação desta instituição em matéria de concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service, C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.os 31, 33, 34 e 53).

35      No caso vertente, é pacífico que a Comssão determinou o montante de base das coimas aplicadas à Icap e à R. P. Martin com fundamento no mesmo método especificamente elaborado para responder à situação particular dos facilitadores e que assenta num teste em cinco etapas que é suscetível de medir a duração e a gravidade do seu envolvimento nas infrações em questão. Assim, as circunstâncias do presente processo são diferentes das que estavam em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717), no qual a Comissão tinha determinado de modo fixo o montante de base da coima aplicada ao único facilitador do cartel.

36      Além do mais, o Tribunal Geral referiu, no n.° 293 do acórdão recorrido, que o considerando 287 da decisão impugnada «não fornece precisões quanto ao método alternativo privilegiado pela Comissão, antes se limitando a assegurar, de um modo geral, que os montantes de base refletem a gravidade, a duração e a natureza da participação da Icap nas infrações em causa, bem como a necessidade de garantir que as coimas têm um efeito suficientemente dissuasivo.»

37      Vistos os elementos de direito recordados nos n.os 28 a 34 do presente acórdão, foi acertadamente que o Tribunal Geral aprovou a apreciação, que figura no n.° 294 do acórdão recorrido, segundo a qual, por um lado geral «[r]edigido desta forma, o considerando 287 da decisão [controvertida] não permite aos recorrentes compreender a justeza da metodologia privilegiada pela Comissão nem ao Tribunal Geral verificar essa justeza. Esta insuficiência de fundamentação encontra‑se igualmente nos considerandos 290 a 296 da referida decisão, que não fornecem as informações mínimas que teriam permitido compreender e verificar a pertinência e a ponderação dos elementos tomados em consideração pela Comissão na determinação do montante de base das coimas, isso em violação da jurisprudência» (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comission, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.° 61).

38      Contrariamente ao que a Comissão sustenta, a obrigação de fundamentar suficientemente a pertinência e a ponderação dos elementos por ela tidos em consideração na determinação do método alternativo por ela privilegiado não implica, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.° 31 do presente acórdão, que seja obrigada a fornecer elementos quantitativos relativos ao modo de cálculo da coima ou que tenha de explicar em pormenor os cálculos internos por ela efetuados. No caso vertente, a Comissão, de resto, não afirmou que a enumeração das cinco etapas que comporta o método alternativo adotado, e que foi por ela exposto unicamente na fase do processo instaurado no Tribunal Geral, a levava a revelar dados quantitativos ou cálculos internos.

39      A Comissão objeta igualmente que o Tribunal Geral não teve em consideração as informações relativas à metodologia de cálculo, que foram fornecidas à recorrente no âmbito do procedimento administrativo bem como na fase contenciosa.

40      Todavia, dada a importância que reveste o dever de fundamentação tendo em conta os elementos recordados no n.° 34 do presente acórdão, foi sem cometer nenhum erro de direito que o Tribunal Geral declarou, no n.° 295 do acórdão recorrido, que, «embora a fundamentação de um ato impugnado deva ser examinada tomando em consideração o seu contexto, não se pode considerar que o facto de ter havido [...] discussões preparatórias e informais pode dispensar a Comissão da sua obrigação de esclarecer, na decisão impugnada, a metodologia que aplicou para determinar os montantes das coimas aplicadas».

41      Além disso, tendo em conta a inexistência de qualquer explicação quanto à pertinência e à ponderação dos elementos tidos em conta pela Comissão na determinação do método de cálculo do montante de base da coima aplicada à Icap, foi acertadamente que o Tribunal Geral considerou, no n.° 296 do acórdão recorrido, que uma «explicitação fornecida na fase do processo no Tribunal Geral não [podia] ser tomada em consideração para apreciar o respeito, pela Comissão, do seu dever de fundamentação».

42      Por conseguinte, o fundamento único do recurso é julgado improcedente.

43      Resulta das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

44      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Icap pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.

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