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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62017CJ0379

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 4 de outubro de 2018.
Processo instaurado por Società Immobiliare Al Bosco Srl.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Prazo previsto no direito do Estado‑Membro requerido para executar uma decisão de arresto — Aplicação deste prazo a um título de arresto obtido noutro Estado‑Membro e declarado executório no Estado‑Membro requerido.
Processo C-379/17.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2018:806

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

4 de outubro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Prazo previsto no direito do Estado‑Membro requerido para executar uma decisão de arresto — Aplicação deste prazo a um título de arresto obtido noutro Estado‑Membro e declarado executório no Estado‑Membro requerido»

No processo C‑379/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), por decisão de 11 de maio de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de junho de 2017, no processo instaurado por

Società Immobiliare Al Bosco Srl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader (relatora), A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de abril de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Techert e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 38.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado pela Società Immobiliare Al Bosco Srl (a seguir «Al Bosco») destinado a obter a execução na Alemanha, através de um registo de uma hipoteca para garantia de um crédito sobre bens imóveis, de uma decisão de arresto proferida pelo Tribunale di Gorizia (Tribunal de Primeira Instância de Gorizia, Itália) contra Gunter Hober e declarada executória na Alemanha pelo Landgericht München (Tribunal Regional de Munique, Alemanha).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2, 6, 10, 16 e 17 do Regulamento n.o 44/2001 têm a seguinte redação:

«(2)

Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento.

[…]

(6)

Para alcançar o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões sejam determinadas por um instrumento jurídico comunitário vinculativo e diretamente aplicável.

[…]

(10)

Para efeitos da livre circulação das decisões judiciais, as decisões proferidas num Estado‑Membro vinculado pelo presente regulamento devem ser reconhecidas e executadas num outro Estado‑Membro vinculado pelo presente regulamento, mesmo se o devedor condenado estiver domiciliado num Estado terceiro.

[…]

(16)

A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado‑Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, exceto em caso de impugnação.

(17)

A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado‑Membro uma decisão proferida noutro Estado‑Membro. Para este fim, a declaração de executoriedade de uma decisão deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, sem a possibilidade de o tribunal invocar por sua própria iniciativa qualquer dos fundamentos previstos pelo presente regulamento para uma decisão não ser executada.»

4

O artigo 38.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«As decisões proferidas num Estado‑Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.»

5

O artigo 41.o do referido regulamento prevê:

«A decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53.o, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34.o e 35.o A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo.»

6

Nos termos do artigo 66.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p 1), que revogou o Regulamento n.o 44/2001:

«[…] o Regulamento (CE) n.o 44/2001 continua a aplicar‑se às decisões proferidas em ações judiciais intentadas, aos instrumentos autênticos formalmente redigidos ou registados e às transações judiciais aprovadas ou celebradas antes de 10 de janeiro de 2015 e abrangidas pelo âmbito de aplicação daquele regulamento.»

Direito alemão

7

O § 929 do Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil, a seguir «ZPO»), sob a epígrafe «Fórmula executória; prazo de execução», integra a secção 5, relativa aos arrestos e às medidas provisórias, do livro 8 do ZPO, relativo às medidas de execução. Esta disposição prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«(2)   A execução de uma ordem de arresto não é permitida após o termo do prazo de um mês a contar da data em que aquela ordem foi emitida ou notificada à parte que pediu a sua emissão.

(3)   É permitida a execução da ordem de arresto sem notificação prévia do devedor. No entanto, a execução da ordem fica sem efeito se a notificação do devedor não tiver lugar na semana seguinte à execução da ordem e antes do termo do prazo para a execução fixado no número anterior.»

8

Nos termos do § 932 do ZPO, sob a epígrafe «Arresto efetuado por registo de hipoteca»:

«(1)   A execução do arresto de um imóvel […] realiza‑se através do registo de uma hipoteca para garantia do crédito […].

[…]

(3)   O pedido de registo da hipoteca realiza‑se, na aceção do § 929, n.os 2 e 3, na execução da ordem de arresto.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

9

A Al Bosco, uma sociedade imobiliária de direito italiano, obteve, em 19 de novembro de 2013, uma decisão do Tribunale di Gorizia (Tribunal de Primeira Instância de Gorizia) que o autorizou a proceder a um arresto contra G. Hober até um montante de 1000000 euros sobre valores móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos.

10

Em 22 de agosto de 2014, esta decisão de arresto foi declarada executória na Alemanha pelo Landgericht München (Tribunal Regional de Munique) ao abrigo do Regulamento n.o 44/2001.

11

Em 23 de abril de 2015, a Al Bosco solicitou o registo de uma hipoteca sobre os bens imóveis do devedor situados na Alemanha, a saber, fração autónoma para habitação em propriedade horizontal e dois lugares de estacionamento em garagem subterrânea. O seu pedido foi indeferido pelo Amtsgericht München — Grundbuchamt (Tribunal de Primeira Instância de Munique, Conservatória do Registo Predial, Alemanha).

12

A Al Bosco recorreu desta decisão para o Oberlandesgericht München (Tribunal Regional Superior de Munique, Alemanha). Este último negou provimento ao recurso devido ao termo do prazo de um mês previsto no § 929, n.o 2, do ZPO. Com efeito, esse tribunal considerou que esse prazo é aplicável à execução do título de arresto emitido por um tribunal italiano, que, uma vez reconhecido na Alemanha, é comparável a um título de arresto emitido por um tribunal alemão. Além disso, considera que esta disposição diz respeito, não à validade de um título de arresto obtido noutro Estado‑Membro, mas à sua execução, que está sujeita à lex fori.

13

Em 15 de junho de 2016, a Al Bosco interpôs recurso da decisão do Oberlandesgericht München (Tribunal Regional Superior de Munique). No seu recurso, alega que o prazo de execução do arresto previsto no artigo 675.o do Código de Processo Civil italiano, nos termos do qual a decisão que autoriza o arresto perde os seus efeitos se não for executada no prazo de 30 dias a contar da sua prolação, foi cumprido uma vez que as penhoras foram efetuadas no prazo de 30 dias a partir da Decisão de 19 de novembro de 2013. A Al Bosco alega que o prazo de direito alemão não tem de ser cumprido além do prazo previsto no direito italiano.

14

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se uma disposição nacional como o § 929, n.o 2, do ZPO está relacionada com o caráter executório da decisão que autoriza um arresto, a qual, em conformidade com o artigo 38.o do Regulamento n.o 44/2001, está abrangida pelo direito do Estado‑Membro no qual esse título foi emitido, ou se esta disposição visa a execução propriamente dita de um título executivo emitido noutro Estado‑Membro, pertencendo essas normas, em princípio, ao direito do Estado‑Membro requerido.

15

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o fundamento da execução na Alemanha de um título de arresto adotado noutro Estado‑Membro é a decisão nacional relativa à declaração de exequatur. Caso seja solicitado o registo de uma hipoteca para garantia de um crédito, as condições de execução previstas pelo direito alemão são analisadas de forma autónoma pelo serviço responsável pelo registo predial. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o tribunal de recurso considerou corretamente, sem que tal tenha sido contestado no âmbito do recurso perante o órgão jurisdicional de reenvio, que o arresto proferido em Itália, tendo em conta a sua função, era um título de arresto previsto pelo direito alemão que é executado através do pedido de registo de uma hipoteca, em conformidade com o § 932 do ZPO. As condições de execução aplicáveis ao caso em apreço são, assim, as previstas nas disposições alemãs em matéria de execução do título de arresto, nomeadamente o § 929, n.o 2, do ZPO.

16

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, terminado o prazo previsto no § 929, n.o 2, do ZPO, a decisão de arresto já não pode ser executada. A este respeito, precisa que esse prazo, quando é aplicável a decisões proferidas noutros Estados‑Membros, é calculado a partir da data de notificação da declaração de exequatur ao credor. Esta disposição destina‑se à proteção do devedor a fim de impedir que decisões adotadas na sequência de um processo sumário de medidas provisórias permaneçam exequíveis durante um período relativamente longo e apesar de eventuais alterações das circunstâncias.

17

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, por um lado, do ponto de vista da técnica jurídica, o prazo de execução é suscetível de estar abrangido pelo direito nacional do juiz requerido sem ser regulado pelo Regulamento n.o 44/2001, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (Acórdãos de 3 de outubro de 1985, Capelloni e Aquilini, 119/84, EU:C:1985:388, n.o 16; de 29 de abril de 1999, Coursier, C‑267/97, EU:C:1999:213, n.o 28; e de 28 de abril de 2009, Apostolides,C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 69). Por outro lado, este prazo implica que o caráter executório do título termine com o decurso de um determinado período. O efeito do referido prazo não é, em última instância, diferente do de uma anulação do título no âmbito de um processo de recurso. Por conseguinte, a aplicação desse prazo a uma decisão de arresto de outro Estado‑Membro pode ser incompatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual a aplicação das normas processuais do Estado‑Membro de execução não deve afetar o efeito útil do Regulamento n.o 44/2001, pondo em causa os princípios estabelecidos por este (Acórdãos de 3 de outubro de 1985, Capelloni e Aquilini, 119/84, EU:C:1985:388, n.o 21, e de 28 de abril de 2009, Apostolides, C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 69).

18

Por último, esse órgão jurisdicional indica que a jurisprudência nacional e a doutrina dividem‑se no que se refere ao alcance do § 929, n.o 2, do ZPO. A este respeito, alguns tribunais alemães declararam que esta disposição diz respeito ao caráter executório da decisão que autoriza um arresto e que apenas é aplicável aos títulos de arresto alemães, enquanto outros consideram que a referida disposição é também aplicável aos títulos de arresto emitidos noutros Estados‑Membros e que tenham sido declarados executórios na Alemanha. O tribunal de recurso considerou que há que analisar o cumprimento do prazo de execução estabelecido pelo direito do Estado‑Membro de origem no âmbito do processo de exequatur, bem como o previsto pelo direito do Estado‑Membro requerido aquando da execução propriamente dita.

19

Além disso, na perspetiva do direito comparado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) considera que também há que aplicar o prazo de execução de cinco anos, previsto no artigo 518.o da Ley de Enjuiciamiento Civil (Código de Processo Civil), nomeadamente aplicável às decisões judiciais, às decisões proferidas noutros Estados‑Membros, e que devam ser declaradas executórias em Espanha em conformidade com os artigos 38.o e seguintes do Regulamento n.o 44/2001.

20

Nestas circunstâncias, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É compatível com o artigo 38.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 44/2001] que um prazo previsto no direito do Estado da execução, por força do qual um título já não pode ser executado após o decurso de um determinado período de tempo, também seja aplicado a um título funcionalmente comparável emitido noutro Estado‑Membro, e reconhecido e declarado [executório] no Estado da execução?»

Quanto à questão prejudicial

21

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 38.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê a observância de um prazo para a execução de uma decisão de arresto seja aplicada a tal decisão adotada noutro Estado‑Membro e que reveste caráter executório no Estado‑Membro requerido.

22

A título preliminar, há que recordar que, ao abrigo do artigo 66.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, o Regulamento n.o 44/2001 continua a ser aplicável às decisões proferidas em ações judiciais intentadas antes de 10 de janeiro de 2015 e abrangidas pelo âmbito de aplicação deste último regulamento. No caso em apreço, é o que sucede com a decisão de emissão do título de arresto em Itália que foi declarada executória na Alemanha em 22 de agosto de 2014.

23

Resulta da redação do artigo 38.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 que as decisões proferidas num Estado‑Membro e que nesse Estado tenham força executória podem ser executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.

24

Para efeitos da emissão da declaração que confere força executória a uma decisão proferida num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido, como resulta do artigo 41.o do Regulamento n.o 44/2001, as autoridades do Estado‑Membro requerido devem limitar‑se a uma simples fiscalização formal dos documentos exigidos em conformidade com o artigo 53.o desse regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Prism Investments, C‑139/10, EU:C:2011:653, n.os 28 a 30).

25

A natureza limitada desta fiscalização justifica‑se pela finalidade do processo de exequatur que não é dar início a um novo processo, mas antes permitir, com base na confiança mútua na justiça dos Estados‑Membros, que a decisão proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido seja executada neste último através da sua inserção na sua ordem jurídica. Este procedimento permite assim que uma decisão proferida num Estado‑Membro diferente do requerido produza neste último os efeitos próprios de um título nacional com caráter executório (Acórdão de 13 de outubro de 2011, Prism Investments, C‑139/10, EU:C:2011:653, n.o 31).

26

Importa igualmente recordar que o Regulamento n.o 44/2001 se limita a regular o processo de exequatur dos títulos executivos emitidos pelo tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido e não versa sobre a execução propriamente dita, que permanece submetida ao direito nacional do tribunal que conhece dela, sem que a aplicação das normas processuais do Estado‑Membro requerido no quadro da execução possa afetar o efeito útil do sistema instituído pelo regulamento em matéria de exequatur, pondo em causa os princípios estabelecidos na matéria, expressa ou implicitamente, pelo próprio regulamento (Acórdão de 28 de abril de 2009, Apostolides, C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 69).

27

Por conseguinte, importa determinar, em primeiro lugar, se o prazo previsto no § 929, n.o 2, do ZPO está relacionado com o caráter executório da decisão que autoriza um arresto proferida por um tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido ou se esta disposição é relativa à execução propriamente dita.

28

A este respeito, há que recordar que o objeto do processo de exequatur é o reconhecimento dos efeitos de uma decisão de outro Estado‑Membro no Estado‑Membro requerido. Este reconhecimento diz respeito às características próprias da referida decisão, abstraindo dos elementos de facto e de direito respeitantes ao cumprimento das obrigações que dela decorrem (Acórdão de 13 de outubro de 2011, Prism Investments, C‑139/10, EU:C:2011:653, n.o 39).

29

No presente caso, resulta da decisão de reenvio que a decisão de arresto proferida pelo Tribunale di Gorizia (Tribunal de Primeira Instância de Gorizia) foi declarada executória na Alemanha, em conformidade com as normas do exequatur.

30

Resulta das disposições do direito alemão, e nomeadamente do § 932, n.o 1, do ZPO, que a execução de uma decisão de arresto imobiliário é realizada através do registo de uma hipoteca para garantia de um crédito. Além disso, não é permitida a execução de uma decisão de arresto após o termo do prazo previsto no § 929, n.o 2, do ZPO. Como decorre da decisão de reenvio, o referido prazo de execução limita a execução de uma decisão de arresto, mas não a sua validade.

31

Ora, tanto o registo de uma hipoteca para garantia de um crédito na Conservatória do Registo Predial como o prazo aplicável à realização deste registo dizem respeito à execução de uma decisão que autoriza um arresto, emitida por um tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido, como a que está em causa no processo principal, revestida de força executória na sequência do seu reconhecimento no Estado‑Membro requerido. Assim, ambos estão abrangidos pelas regras processuais do direito alemão para a execução de decisões que autorizem arrestos.

32

O facto de a aplicação de um prazo de execução, como o previsto no § 929, n.o 2, do ZPO, implicar uma limitação temporal dos efeitos executórios de uma decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido não põe em causa a interpretação nos termos da qual esse prazo está abrangido pela fase de execução propriamente dita.

33

Com efeito, uma vez que a execução propriamente dita de uma decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido e revestida de força executória neste Estado‑Membro não foi sujeita a uma harmonização pelo legislador da União, aplicam‑se as regras processuais relativas à execução do Estado‑Membro requerido.

34

Em especial, é facto assente que, na medida em que o Regulamento n.o 44/2001 não estabeleceu regras relativamente à execução das decisões proferidas por um tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido, este último continua a ter a liberdade de prever, na sua ordem jurídica, a aplicação de um prazo para proceder à execução dessas decisões, que foram reconhecidas e declaradas executórias neste último Estado‑Membro.

35

A este respeito, segundo jurisprudência constante, depois de esta decisão ter sido integrada na ordem jurídica do Estado‑Membro requerido, as regras nacionais deste último Estado relativas à execução aplicam‑se do mesmo modo que às decisões adotadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais (Acórdão de 13 de outubro de 2011, Prism Investments, C‑139/10, EU:C:2011:653, n.o 40 e jurisprudência referida).

36

As disposições processuais do Estado‑Membro requerido são as únicas aplicáveis. Com efeito, os tribunais do Estado‑Membro requerido não são obrigados a aplicar eventuais disposições do direito nacional do Estado‑Membro de origem que preveem, para a execução de decisões proferidas pelos tribunais do Estado‑Membro de origem, prazos diferentes dos prazos previstos no direito do Estado‑Membro requerido.

37

Esta interpretação é confirmada pelo considerando 26 do Regulamento n.o 1215/2012, lido em conjugação com o seu artigo 39.o, que integrou a jurisprudência referida no n.o 35 do presente acórdão, e segundo o qual as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros devem ser tratadas como se se tratasse de decisões proferidas no Estado‑Membro requerido.

38

Numa perspetiva sistemática mais ampla, há que observar que a referida interpretação é igualmente confirmada pelo artigo 23.o do Regulamento (UE) n.o 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial (JO 2014, L 189, p. 59), segundo o qual a decisão de arresto é executada nos termos dos procedimentos aplicáveis à execução de decisões nacionais equivalentes no Estado‑Membro de execução.

39

O facto de o incumprimento, pelo requerente, do prazo previsto no § 929, n.o 2, do ZPO ter como efeito que a execução de uma decisão que autoriza um arresto proferida por um tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido já não ser possível através do registo de uma hipoteca para garantia de um crédito no registo predial do Estado‑Membro requerido, apesar de essa decisão continuar a ter força executória no Estado‑Membro de origem, não é suscetível de colocar em causa essa interpretação.

40

Com efeito, embora, em princípio, o reconhecimento tenha por efeito atribuir às decisões a autoridade e a eficácia de que gozam no Estado‑Membro onde foram proferidas, não há contudo nenhuma razão para atribuir a uma decisão, no momento da sua execução, efeitos que uma decisão do mesmo tipo, diretamente proferida no Estado‑Membro requerido, não produziria (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Prism Investments, C‑139/10, EU:C:2011:653, n.o 38 e jurisprudência referida).

41

Ora, há que observar que a aplicação de um prazo, como o previsto no § 929, n.o 2, do ZPO, corresponde aos requisitos decorrentes da jurisprudência referida no número anterior.

42

Com efeito, por um lado, uma vez que uma decisão que autoriza um arresto proferida por um tribunal como o tribunal italiano em causa no processo principal foi declarada executória na Alemanha, a mesma é suscetível de ter, neste Estado‑Membro, a autoridade e a eficácia que tinha no Estado‑Membro de origem. Por outro lado, o incumprimento do prazo de execução previsto no § 929, n.o 2, do ZPO para as decisões do mesmo tipo no Estado‑Membro requerido implicaria que, depois de a sua força executória ter sido reconhecida, as decisões que autorizam um arresto proferidas pelos tribunais de um Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha tivessem efeitos diferentes dos concedidos pelo direito nacional às decisões que autorizam arrestos proferidas por um tribunal nacional, nomeadamente, o facto de poderem ser executadas sem limitação temporal ou durante um prazo desproporcionadamente mais longo do que as decisões nacionais.

43

Além disso, uma interpretação segundo a qual um prazo estabelecido para a execução das decisões de arresto está relacionado com a força executória das decisões, que é regulada pelo direito processual do Estado‑Membro de origem, pelo que o prazo de execução eventualmente previsto por este último deve ser aplicável à execução das decisões que autorizem arrestos proferidas por um tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido e que sejam revestidas de força executória neste último Estado‑Membro, implicaria um encargo desproporcionado para as autoridades competentes para proceder à execução. Tal como indica o órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, no presente caso, a autoridade alemã responsável pelo registo predial não pode determinar se o direito do Estado‑Membro no qual a decisão de arresto foi proferida prevê um prazo de execução, nem as modalidades desta execução, sendo que também não lhe seria permitido aplicar uma regra de direito deste Estado‑Membro.

44

Em segundo lugar, como resulta do n.o 26 do presente acórdão, há que analisar se a aplicação das regras processuais do Estado‑Membro requerido no âmbito da execução é suscetível de pôr em causa o efeito útil do sistema previsto pelo Regulamento n.o 44/2001.

45

No que diz respeito aos objetivos do Regulamento n.o 44/2001, resulta dos seus considerandos 2, 6, 16 e 17 que o mesmo pretende alcançar o objetivo da livre circulação das decisões dos Estados‑Membros em matéria civil e comercial, simplificando as formalidades para que o respetivo reconhecimento e execução sejam rápidos e simples (Acórdão de 7 de julho de 2016, Lebek, C‑70/15, EU:C:2016:524, n.o 33).

46

Contudo, este objetivo não pode ser atingindo pondo em causa outro princípio importante, o da segurança jurídica das inscrições nos registos prediais, quer quanto à proteção dos titulares dos direitos aí inscritos quer quanto à proteção de terceiros.

47

Essa limitação temporal da execução é igualmente justificada à luz da natureza do processo de arresto, que se distingue pelo seu caráter provisório, na medida em que, em geral, está sujeito ao requisito de urgência para garantir o pagamento de um crédito cuja cobrança se afigura ameaçada. Esta conceção é partilhada na maior parte dos Estados‑Membros a fim de assegurar a segurança jurídica na cobrança dos créditos.

48

Como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, esta limitação temporal da execução visa impedir que as decisões adotadas na sequência de um processo sumário permaneçam exequíveis durante um longo período e apesar de eventuais alterações das circunstâncias.

49

Além disso, um prazo para a execução das decisões que autorizam um arresto como o previsto no § 929, n.o 2, do ZPO não põe em causa o efeito útil do Regulamento n.o 44/2001, uma vez que as decisões proferidas num Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha são, em princípio, reconhecidas e declaradas executórias de pleno direito neste último Estado‑Membro, pelo que é cumprido o objetivo desse regulamento que é o de assegurar a livre circulação das decisões judiciais. Esse prazo, que é aplicado como regra processual para a execução das decisões de arresto, segundo o direito do Estado‑Membro requerido, constitui um requisito ao qual está sujeita a execução de um título revestido de força executória.

50

Ora, o prazo de um mês assim imposto para a execução das decisões de arresto, incluindo quando se trata de decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros diferentes do Estado‑Membro requerido, e que é calculado a partir da data em que a declaração de exequatur foi notificada ao credor, não implica um risco real de que este último não possa executar no Estado‑Membro requerido uma decisão de arresto proferida noutro Estado‑Membro revestida de força executória.

51

Resulta do acima exposto que há que responder à questão submetida que o artigo 38.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê a observância de um prazo para a execução de uma decisão de arresto seja aplicada a tal decisão adotada noutro Estado‑Membro e que reveste caráter executório no Estado‑Membro requerido.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 38.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê a observância de um prazo para a execução de uma decisão de arresto seja aplicada a tal decisão adotada noutro Estado‑Membro e que reveste caráter executório no Estado‑Membro requerido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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