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Documento 62017CC0070

Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 13 de setembro de 2018.
Abanca Corporación Bancaria SA contra Alberto García Salamanca Santos e Bankia SA contra Alfonso Antonio Lau Mendoza e Verónica Yuliana Rodríguez Ramírez.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunal Supremo e pelo Juzgado de Primera Instancia n.° 1 de Barcelona.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Artigos 6.° e 7.° — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário — Declaração do caráter parcialmente abusivo da cláusula — Poderes do juiz nacional perante uma cláusula qualificada de “abusiva” — Substituição da cláusula abusiva por uma disposição de direito nacional.
Processos apensos C-70/17 e C-179/17.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2018:724

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 13 de setembro de 2018 ( 1 )

Processo C‑70/17

Abanca Corporación Bancaria SA

contra

Alberto García Salamanca Santos

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Proteção dos consumidores — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário — Artigo 6.o, n.o 1 — Artigo 7.o, n.o 1 — Declaração do caráter parcialmente abusivo — Poderes do juiz nacional — Aplicação de uma disposição de direito nacional de caráter supletivo»

e

Processo C‑179/17

Bankia SA

contra

Alfonso Antonio Lau Mendoza,

Verónica Yuliana Rodriguez Ramirez

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Proteção dos consumidores — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário — Artigo 6.o, n.o 1 — Poderes do juiz nacional — Aplicação de uma disposição de direito nacional de caráter supletivo»

Índice

 

I. Introdução

 

II. Quadro jurídico

 

A. Direito da União

 

B. Direito espanhol

 

III. Factos na origem dos litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 

A. Processo C‑70/17

 

B. Processo C‑179/17

 

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

 

V. Análise

 

A. Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais no processo C‑179/17

 

B. Quanto ao mérito nos processos C‑70/17 e C‑179/17

 

1. Considerações gerais

 

2. Observações preliminares

 

3. Resenha da jurisprudência pertinente

 

a) Quanto à qualificação pelo juiz nacional da cláusula contratual de cláusula abusiva

 

b) Quanto às consequências a retirar do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula contratual

 

1) Regra geral na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça: obrigação de o juiz nacional se abster de aplicar uma cláusula abusiva sem estar habilitado a alterar o seu conteúdo

 

2) Exceção à regra: o Acórdão Kásler e Káslerné Rábai

 

4. Quanto à primeira questão no processo C‑70/17: alcance do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado à luz da jurisprudência referida

 

a) Jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) relativa à regra da divisibilidade da cláusula

 

1) Interpretação do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha)

 

2) Ponto de vista concordante da doutrina alemã maioritária

 

b) Cláusula controvertida

 

1) Divisibilidade da cláusula ou alteração salvadora da mesma

 

2) A finalidade da cláusula controvertida é preservada, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, sem referência ao número de prestações mensais não pagas que permitem a sua execução?

 

5. Quanto à segunda questão no processo C‑70/17 e primeira questão no processo C‑179/17: possibilidade de prosseguir com o processo de execução hipotecária através da aplicação supletiva de uma disposição nacional, como o artigo 693.o, n.o 2, da LEC

 

a) Os contratos de mútuo hipotecário em causa podem subsistir juridicamente após a supressão das cláusulas abusivas controvertidas?

 

b) Quanto à aplicação supletiva do artigo 693.o, n.o 2, da LEC

 

c) As vantagens do processo de execução hipotecária justificam a prossecução da execução hipotecária após o reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado?

 

d) Quanto à possibilidade de informar o consumidor das vantagens relativas ao prosseguimento da execução hipotecária: Acórdão Pannon GSM

 

6. Quanto às segunda e terceira questões no processo C‑179/17

 

C. Observação final

 

VI. Conclusão

I. Introdução

1.

O advogado‑geral A. Saggio, nas Conclusões que apresentou, em 16 de dezembro de 1999, nos processos apensos Océano Grupo Editorial e Salvat Editores ( 2 ), indicava que o Tribunal de Justiça era chamado a pronunciar‑se, pela primeira vez, nestes processos, sobre a Diretiva 93/13/CEE do Conselho ( 3 ). Era pedido ao Tribunal de Justiça por um órgão jurisdicional espanhol que se pronunciasse sobre o poder do juiz de apreciar oficiosamente o caráter abusivo das cláusulas contratuais. Desde então, tanto quanto sei, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se 26 vezes sobre a interpretação desta diretiva a pedido de órgãos jurisdicionais espanhóis. Grande parte destes pedidos é posterior ao Acórdão Aziz ( 4 ), proferido em 14 de março de 2013, em plena crise económica.

2.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 93/13 tem desempenhado um papel importante, senão determinante, na consolidação do mercado interno e na proteção do consumidor visado pela referida diretiva, que constitui atualmente um elemento indispensável para a proteção dos consumidores da União Europeia no quotidiano. Este trabalho jurisprudencial foi, e ainda é realizado em estreita cooperação não só com os juízes espanhóis, mas também com os órgãos jurisdicionais de muitos outros Estados‑Membros.

3.

Nos presentes processos, os pedidos de decisão prejudicial têm de novo por objeto a interpretação da Diretiva 93/13. O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) e o Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona, Espanha) interrogam‑se, designadamente, sobre a compatibilidade da jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) relativa à interpretação das cláusulas de vencimento antecipado com o sistema de proteção dos consumidores instituído por esta diretiva.

4.

Com as suas questões, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça, se o direito da União se opõe a que uma jurisprudência nacional permita ao juiz nacional sanar a nulidade de uma cláusula de vencimento antecipado abusiva, alterando esta cláusula e substituindo a parte alterada por uma disposição de direito nacional, para permitir às instituições financeiras prosseguirem com o processo especial de execução sobre um bem imóvel hipotecado (a seguir, «processo de execução hipotecária»), na medida em que tal processo é mais favorável ao consumidor devedor que a execução de uma decisão de condenação proferida no âmbito de um processo declarativo.

5.

O Tribunal de Justiça já se pronunciou por diversas vezes sobre estas questões e a sua jurisprudência a esse respeito não só se encontra bem assente e aplicada há vários anos nos Estados‑Membros, como, também, é bem conhecida do consumidor da União. Cabe‑lhe assim decidir se pretende infletir ou confirmar a sua jurisprudência ( 5 ).

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

6.

Resulta do quarto considerando da Diretiva 93/13 «que compete aos Estados‑Membros providenciar para que não sejam incluídas cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores».

7.

O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 dispõe:

«As disposições da presente diretiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas […].»

8.

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, desta diretiva prevê:

«1.   Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.   Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.»

9.

O artigo 4.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.   A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

10.

O artigo 6.o, n.o 1, desta mesma diretiva dispõe o seguinte:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

11.

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

B. Direito espanhol

12.

O artigo 1011.o do Código Civil espanhol prevê:

«Quem, no cumprimento das suas obrigações, atuar com dolo, negligência ou atrasar ou desrespeitar, seja de que forma for, os termos das referidas obrigações, deve reparar o prejuízo daí resultante.»

13.

O artigo 1124.o do Código Civil dispõe:

«A faculdade de resolução das obrigações considera‑se implícita nas obrigações sinalagmáticas, no caso de um dos contratantes não cumprir as suas obrigações.

O lesado pode optar por exigir o cumprimento ou a resolução da obrigação, juntamente com o ressarcimento dos danos e o pagamento de juros em ambos os casos. Também pode pedir a resolução, mesmo que já tenha optado pelo cumprimento, quando este se afigure impossível.

O Tribunal decreta[…] a resolução requerida, caso não haja fundamentos justificados que o autorizem a fixar um prazo.»

14.

Nos termos do artigo 552.o, n.o 1, da Ley 1/2000 de Enjuiciamiento Civil (Lei 1/2000 relativa ao Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000 ( 6 ), na versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «LEC»), sobre o controlo oficioso das cláusulas abusivas:

«O tribunal verifica oficiosamente se a cláusula de um dos títulos executivos previstos no artigo 557.o, n.o 1, pode ser qualificada de abusiva. Se considerar que uma das cláusulas pode ser assim qualificada, ouve as partes no prazo de quinze dias. Ouvidas as partes, o tribunal decide, no prazo de cinco dias úteis, em conformidade com o disposto no artigo 561.o, n.o 1, alínea 3.»

15.

O artigo 557.o da LEC tem a seguinte redação:

«1.   Quando é ordenada a execução dos títulos referidos no artigo 517.o, n.o 2, pontos 4, 5, 6 e 7, bem como de outros documentos com força executiva previstos no artigo 517.o, n.o 2, ponto 9, o executado apenas pode deduzir oposição, no prazo e nas modalidades previstos no artigo anterior, se invocar um dos seguintes fundamentos:

[…]

7

O título executivo contém cláusulas abusivas.»

2.   Se a oposição referida no número anterior for deduzida, o secretário judicial suspende a execução por medida de organização do processo.»

16.

Nos termos do artigo 561.o, n.o 1, alínea 3, da LEC:

«Se uma ou várias cláusulas forem declaradas abusivas, o despacho proferido especifica as respetivas consequências, julgando a execução improcedente ou ordenando a sua prossecução sem aplicação das cláusulas consideradas abusivas.»

17.

Segundo o artigo 693.o, n.o 2, da LEC, relativo ao vencimento antecipado de dívidas a pagar em prestações:

«O pagamento total da dívida (capital e juros) pode ser reclamado se o vencimento da totalidade da dívida mutuária tiver sido acordado em caso de não pagamento de, pelo menos, três prestações mensais, sem que o devedor cumpra a sua obrigação de pagamento, ou de um número de prestações tal que pressuponha que o devedor não cumpriu a sua obrigação de pagamento durante um período, pelo menos, equivalente a três meses, e este acordo constar do contrato de mútuo e do respetivo registo.»

18.

O artigo 695.o da LEC, relativo à oposição à execução hipotecária, tem a seguinte redação:

«1.   Nos processos objeto do presente capítulo, a oposição deduzida pelo executado só pode admitida com base nos seguintes fundamentos:

[…]

4)

O caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitua o fundamento da execução ou que tenha permitido determinar a quantia exigível.

2.   Deduzida a oposição referida no número anterior, o secretário judicial procede à suspensão da execução e convoca as partes para comparecerem no tribunal que proferiu o despacho de execução. Deverá proceder‑se à citação para comparência pelo menos quinze dias antes da realização da audiência em questão. Nessa audiência, o tribunal ouve as partes, admite os documentos apresentados e adota a decisão pertinente, sob a forma de despacho, no segundo dia.

3.   […]

Caso o quarto fundamento [do n.o 1 do presente artigo] seja acolhido, é declarada a rejeição da execução se a cláusula contratual constituir o fundamento da execução. Nos outros casos, a execução prossegue não se aplicando a cláusula abusiva.

[…]»

19.

A Diretiva 93/13 foi transposta para a ordem jurídica espanhola pela Ley 7/1998 sobre condiciones generales de la contratación (Lei 7/1998, relativa às condições gerais dos contratos), de 13 de abril de 1998 ( 7 ), e pelo Real Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias (Real Decreto Legislativo 1/2007, que reformula a Lei geral relativa à proteção dos consumidores e dos utentes e outras leis complementares), de 16 de novembro de 2007 ( 8 )).

20.

Segundo o artigo 83.o do Real Decreto Legislativo 1/2007, conforme alterado pela Lei 3/2014, de 27 de março de 2014 ( 9 ):

«As cláusulas abusivas são nulas de pleno direito e consideram‑se não escritas. Para o efeito, o juiz, após consultar as partes, declara a nulidade das cláusulas abusivas constantes do contrato, o qual continuará, no entanto, a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

III. Factos na origem dos litígios nos processos principais e questões prejudiciais

21.

Os factos pertinentes dos litígios nos processos principais, conforme resultam das decisões de reenvio, podem ser resumidos da seguinte forma.

A. Processo C‑70/17

22.

Em 30 de maio de 2008, Alberto García Salamanca Santos e Verónica Varela obtiveram um empréstimo com garantia hipotecária sobre a sua habitação, junto da Abanca Corporación Bancaria SA (a seguir «Abanca»). Este empréstimo, no montante de 100000 euros e com a duração de trinta anos, era reembolsável em 360 prestações mensais.

23.

Em conformidade com a cláusula 6 bis do contrato de mútuo, relativa ao vencimento antecipado, em caso de não pagamento de qualquer prestação de capital ou juros no seu vencimento, o credor hipotecário podia considerar o vencimento do empréstimo e exigir judicialmente o pagamento da totalidade do capital, acrescido de juros de mora, encargos e despesas.

24.

A. García Salamanca Santos intentou uma ação pedindo a anulação de várias cláusulas do contrato de mútuo, incluindo a cláusula 6 bis, com fundamento no seu caráter abusivo. O órgão jurisdicional de primeira instância julgou parcialmente procedente o pedido e anulou, entre outras, a cláusula controvertida. Esta decisão foi confirmada em sede de recurso pela Audiencia Provincial (Audiência Provincial, Espanha) de Pontevedra.

25.

Chamado a conhecer de um recurso de cassação pela Abanca, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) indica que as questões controvertidas se destinam a determinar se a cláusula de vencimento antecipado constante dos contratos de mútuo com hipoteca celebrados com consumidores é abusiva e a apurar a extensão da invalidade decorrente do reconhecimento do caráter abusivo. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas sobre a possibilidade de reconhecer o caráter parcialmente abusivo desta cláusula. Estas dúvidas prendem‑se, nomeadamente, com a interpretação das cláusulas de vencimento antecipado realizada na sua própria jurisprudência e que permite aplicar supletivamente uma regulamentação nacional, como o artigo 693.o, n.o 2, da LEC, para poder prosseguir com a execução hipotecária.

26.

Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, por Acórdão de 23 de dezembro de 2015 ( 10 ), confirmado pelo Acórdão de 18 de fevereiro de 2016 ( 11 ), o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) considerou que a validade das cláusulas de vencimento antecipado exige que tais cláusulas modulem a gravidade do incumprimento em função da duração e do montante do empréstimo e permitam ao consumidor afastar a sua aplicação adotando um comportamento diligente de reparação. O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) especificou, todavia, que a execução hipotecária pode prosseguir se a faculdade de declarar o vencimento antecipado do empréstimo for exercida de forma não abusiva, devido às vantagens que o processo especial confere ao consumidor.

27.

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em direito espanhol, quando, no âmbito de um contrato de mútuo com garantia hipotecária, o mutuário não cumprir a obrigação de reembolso do montante recebido, o mutuante pode instaurar uma ação declarativa ( 12 ) ou uma ação execução hipotecária ( 13 ). Esclarece que a ação de execução hipotecária é mais favorável ao devedor consumidor do que a rejeição da execução hipotecária ( 14 ). Neste último caso, o consumidor é obrigado a recorrer ao processo declarativo. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, intentar uma ação declarativa com vista à resolução do contrato de mútuo hipotecário por incumprimento do devedor, em conformidade com o artigo 1124.o do Código Civil (faculdade legal, não contratual), teria efeitos prejudiciais para o consumidor, nomeadamente «o cúmulo da condenação nas despesas no processo declarativo e no processo de execução hipotecária, bem como o aumento dos juros de mora pelo período da duração do processo declarativo».

28.

Foi nestas circunstâncias que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), após ter ouvido as partes, por decisão de 8 de fevereiro de 2017, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de fevereiro de 2017, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 ser interpretado no sentido de que um tribunal nacional, ao apreciar o caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado integrada num contrato de empréstimo hipotecário celebrado com um consumidor, que prevê [o vencimento por não pagamento de uma (única) prestação], além de outras situações de não pagamento de outras prestações, apenas pode declarar o caráter abusivo do ponto ou da situação de não pagamento de uma prestação e que o acordo relativo ao vencimento antecipado por não pagamento de prestações, igualmente previsto nessa cláusula em termos gerais, continua a ser válido, independentemente de a apreciação em concreto da validade ou do caráter abusivo dever ser diferida para o momento do exercício dessa faculdade [de declarar o vencimento antecipado do empréstimo]?

2)

Um tribunal nacional, em conformidade com a Diretiva 93/13, uma vez declarado o caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo ou crédito com garantia hipotecária, tem a faculdade de declarar que a aplicação supletiva de uma norma de direito nacional, embora preveja o início ou o prosseguimento do processo de execução contra o consumidor, é mais vantajosa para este do que suspender o referido processo especial de execução hipotecária e permitir ao credor pedir a resolução do contrato de mútuo ou crédito, ou exigir as quantias em dívida, e a subsequente execução da sentença de condenação, sem as vantagens que a execução especial hipotecária confere ao consumidor?»

B. Processo C‑179/17

29.

Em 22 de junho de 2005, a instituição bancária Bankia SA, exequente no processo principal, e Alfonso Antonio Lau Mendoza e Verónica Yuliana Rodríguez Ramírez, executados, celebraram um contrato de mútuo com hipoteca, no montante de 188000 euros, para a aquisição de um imóvel para sua habitação principal, cuja duração foi fixada, após novação do contrato, em 37 anos.

30.

Nos termos da cláusula 6 bis do contrato de mútuo com hipoteca, intitulada «Resolução antecipada pela instituição de crédito»:

«Não obstante a duração estipulada do presente contrato, o banco credor pode declarar o vencimento do empréstimo, considerando o empréstimo resolvido e a dívida antecipadamente vencida na totalidade, nomeadamente por não pagamento no vencimento de uma, de várias ou de todas as prestações de reembolso previstas na segunda cláusula [relativa à amortização]».

31.

Na sequência do não pagamento de 36 prestações mensais pelos devedores, a Bankia requereu ao órgão jurisdicional de reenvio a execução hipotecária do bem hipotecado para garantia do pagamento do empréstimo concedido.

32.

O Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona) interroga‑se sobre as consequências do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado no âmbito de um processo de execução hipotecária, especialmente, à luz da recente jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal). Com efeito, esta jurisprudência permite prosseguir a execução hipotecária apesar do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado em que se baseia o presente processo. O órgão jurisdicional de reenvio indica que deve respeitar a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) enquanto complemento da ordem jurídica espanhola, mas tem simultaneamente de se conformar com o direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

33.

No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio aborda certas questões jurídicas que, no seu entender, são suscetíveis de ser particularmente importantes para responder às questões suscitadas nos presentes processos. Estas questões jurídicas referem‑se, por um lado, a falta de certeza quanto ao êxito da ação declarativa baseada no artigo 1124.o do Código Civil ( 15 ). A este respeito, o referido órgão jurisdicional especifica que, até agora, a jurisprudência constante e assente do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), considerou que o artigo 1124.o do Código Civil — aplicável unicamente às obrigações sinalagmáticas — não pode ser aplicado aos contratos de mútuo com hipoteca (contrato real unilateral). Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o pedido declaratório relativo a um contrato de mútuo hipotecário baseado no artigo 1124.o do Código Civil deve ser indeferido pelo juiz nacional ( 16 ). Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio insiste que, mesmo que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decida clarificar esta jurisprudência e admitir a aplicação deste artigo aos mútuos hipotecários ( 17 ), a eventual rejeição do pedido de resolução não pode ser excluída se o juiz considerar que se justifica conceder um prazo ao devedor para cumprimento da obrigação, conforme permite expressamente o artigo 1124.o do Código Civil ( 18 ).

34.

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a aplicação supletiva do artigo 693.o, n.o 2, da LEC, é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, para este órgão jurisdicional é evidente que o contrato de mútuo pode subsistir sem a cláusula de vencimento antecipado e que esta disposição não é aplicável a título supletivo, dado que o «requisito essencial para a sua aplicação», a saber, «a existência de um acordo contratual de vencimento antecipado entre as partes que foi precisamente declarado abusivo, não está preenchido» ( 19 ). Esse órgão jurisdicional considera, por conseguinte, que, se estas questões não forem examinadas no âmbito do presente reenvio prejudicial, as dúvidas que alimenta quanto à possibilidade de prosseguir a execução hipotecária no litígio do processo principal irão subsistir e novas questões prejudiciais poderão ser suscitadas.

35.

Foi nestas circunstâncias que o Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona), por decisão de 30 de março de 2017, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de abril de 2017, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É compatível com os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13[…], relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, uma jurisprudência (acórdão do Tribunal Supremo [Supremo Tribunal] de 18 de fevereiro de 2016) segundo a qual, apesar do caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado e de esta constituir o fundamento do processo executivo, a execução hipotecária não deve ser arquivada pelo facto de o seu prosseguimento ser mais vantajoso para o consumidor, dado que, [no caso de uma] eventual execução de uma decisão proferida num processo declarativo baseado no artigo 1124.o do Código Civil, o consumidor não poderia beneficiar dos privilégios processuais próprios da execução hipotecária, mas sem ter em conta a referida jurisprudência, que, segundo jurisprudência reiterada e assente do próprio Tribunal Supremo [Tribunal Supremo], este artigo 1124.o do Código Civil (previsto para os contratos que dão origem a obrigações sinalagmáticas) não é aplicável ao contrato de mútuo, por se tratar de um contrato real e unilateral que não fica concluído até à entrega do preço e que, por isso, apenas gera obrigações para o mutuário e não para o mutuante (credor), pelo que, se esta jurisprudência do próprio Tribunal Supremo no processo declarativo fosse seguida, o consumidor poderia obter uma decisão que julgasse improcedente o pedido de resolução e de indemnização, deixando assim de poder sustentar‑se que o prosseguimento da execução hipotecária lhe é mais vantajoso?

2)

Caso se admita a aplicação do artigo 1124.o do Código Civil aos contratos de mútuo ou em todos os casos de contratos de crédito, é compatível com os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13[…], relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, uma jurisprudência como a indicada, que, para avaliar se é mais vantajoso para o consumidor o prosseguimento da execução hipotecária ou um processo declarativo baseado no artigo 1124.o do Código Civil, não tem em conta o facto de que, neste processo, a resolução do contrato e o pedido de indemnização podem ser julgados improcedentes se o tribunal aplicar a previsão desse mesmo artigo 1124.o do Código Civil segundo a qual “[o] tribunal decreta[…] a resolução requerida, caso não haja fundamentos justificados que o autorizem a fixar um prazo”, tendo em conta que, precisamente no contexto de empréstimos e créditos hipotecários para a aquisição de habitação com duração prolongada (20 ou 30 anos), é relativamente provável que os tribunais apliquem este fundamento de improcedência, especialmente quando o incumprimento efetivo da obrigação de pagamento não tenha sido muito grave?

3)

Caso se aceite que é mais vantajoso para o consumidor o prosseguimento da execução hipotecária com os efeitos do vencimento antecipado, é compatível com os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13[…], relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, uma jurisprudência como a indicada, que aplica supletivamente uma norma legal (artigo 693.o, n.o 2, da LEC) apesar de o contrato poder subsistir sem a cláusula de vencimento antecipado, e que confere efeitos ao referido artigo 693.o, n.o 2, da LEC embora não se verifique o seu pressuposto essencial: a existência, no contrato, de uma cláusula válida e eficaz de vencimento antecipado, que precisamente foi qualificada de abusiva, nula e inválida?»

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

36.

Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de março de 2017, foi indeferido o pedido do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) para que o processo C‑70/17 fosse submetido à tramitação acelerada prevista no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 24 de outubro de 2017, os processos C‑92/16, C‑167/16, C‑486/16, C‑70/17 e C‑179/17 foram objeto de tratamento coordenado.

37.

Foram apresentadas observações escritas pela Abanca, pelos Governos espanhol e polaco e pela Comissão Europeia no processo C‑70/17 e pela Bankia, pelos Governos espanhol e húngaro e pela Comissão no processo C‑179/17.

38.

Por decisão de 20 de fevereiro de 2018, o Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, decidiu remeter os processos à Grande Secção, com a mesma composição e, em aplicação do artigo 77.o deste regulamento, organizou uma audiência comum a estes processos.

39.

Foram ouvidas as alegações da Abanca, da Bankia, do Governo espanhol e da Comissão na audiência comum realizada em 15 de maio de 2018.

V. Análise

A. Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais no processo C‑179/17

40.

Antes de abordar a análise quanto ao mérito, o Governo espanhol, nas suas observações escritas, contestou a admissibilidade do reenvio prejudicial no processo C‑179/17. Este governo sustenta que o objetivo prosseguido pelo referido reenvio é completar o quadro jurídico exposto pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) no processo C‑70/17. A este respeito, alega, em primeiro lugar, que o objeto de uma questão prejudicial é a interpretação das regras do direito da União. Ora, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio têm unicamente por objeto a interpretação de regras de direito nacional. Em segundo lugar, o Governo espanhol alega que o órgão jurisdicional de reenvio põe em causa a apreciação jurídica das regras do direito nacional realizada pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), quando este órgão jurisdicional é o órgão jurisdicional supremo, em todas as ordens jurisdicionais, ao qual cabe interpretar o direito nacional, de tal modo que, por força do artigo 123.o, n.o 1, da Constituição espanhola e do artigo 1.o, n.o 6, do Código Civil, a sua jurisprudência completa a ordem jurídica espanhola. Finalmente, em terceiro lugar, o Governo espanhol não entende em que medida os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13 seriam aplicáveis para efeitos de apreciação do eventual erro que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) pode ou não ter cometido na análise e na interpretação do quadro jurídico nacional espanhol.

41.

A este respeito, parece‑me oportuno recordar os princípios relativos à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade das questões prejudiciais nos termos do artigo 267.o TFUE.

42.

Em primeiro lugar, é ponto assente que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir ( 20 ). Este processo visa contribuir, direta e reciprocamente, para a elaboração de uma decisão a fim de assegurar a aplicação uniforme do direito da União no conjunto dos Estados‑Membros ( 21 ).

43.

Segundo a fórmula consagrada pelo Tribunal de Justiça, no âmbito desta cooperação judiciária, os órgãos jurisdicionais nacionais, aos quais foi submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, têm competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poderem proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal ( 22 ). Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se ( 23 ).

44.

O Tribunal de Justiça declarou igualmente que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. A rejeição pelo Tribunal de Justiça de um pedido de decisão prejudicial submetido por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ( 24 ).

45.

Em segundo lugar, saliento que o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que os órgãos jurisdicionais nacionais dispõem da mais ampla faculdade de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão de interpretação das disposições pertinentes do direito da União ( 25 ) e que uma regra de direito nacional não pode impedir um órgão jurisdicional nacional de utilizar esta faculdade ( 26 ), transformando‑se esta faculdade em obrigação para os órgãos jurisdicionais que se pronunciam em última instância, sob reserva das exceções reconhecidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 27 ). Tanto esta faculdade como esta obrigação são, com efeito, inerentes ao sistema de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, e às funções de juiz encarregado da aplicação do direito da União confiadas por esta disposição aos órgãos jurisdicionais nacionais ( 28 ).

46.

Em terceiro lugar, recordo, como julgou o Tribunal de Justiça em diversas ocasiões, que a existência de uma regra de direito interno que vincula os órgãos jurisdicionais que não decidem em última instância à apreciação jurídica feita por um órgão jurisdicional de grau superior não pode, por esse simples facto, privá‑los da referida faculdade ( 29 ). Por outro lado, o Tribunal de Justiça também julgou que o órgão jurisdicional que não decide em última instância deve ter a faculdade, designadamente se considerar que a apreciação jurídica feita pelo tribunal de grau superior o pode levar a proferir uma sentença contrária ao direito da União, de colocar ao Tribunal de Justiça as questões que o preocupam ( 30 ). Por conseguinte, quando um órgão jurisdicional nacional, ao qual foi submetido um processo, considera que, no âmbito deste, se suscita uma questão relativa à interpretação do direito da União, esse órgão jurisdicional tem a faculdade ou a obrigação, consoante o caso, de se dirigir ao Tribunal de Justiça a título prejudicial, sem que regras nacionais de natureza legislativa ou jurisprudencial possam constituir um obstáculo ao exercício desta faculdade ou desta obrigação ( 31 ).

47.

Regressando ao caso em apreço, considero que as três questões, tal como formuladas, têm claramente por objeto a interpretação dos artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13. Assim, a presunção de pertinência de que beneficia o pedido de decisão prejudicial no processo C‑179/17 não é ilidida pelas objeções feitas pelo Governo espanhol. Além disso, tendo em conta que o Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona) tem dúvidas sobre a apreciação jurídica efetuada pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) que pode levá‑lo a proferir uma sentença contrária ao direito da União, tem a faculdade de recorrer ao Tribunal de Justiça e de lhe colocar as questões que considera pertinentes.

48.

Nestas condições, à luz dos princípios relativos à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade das questões prejudiciais nos termos do artigo 267.o TFUE, referidos nos números anteriores e invocados inúmeras vezes pelo Tribunal de Justiça desde a introdução do contencioso prejudicial, não vejo qualquer obstáculo a que o Tribunal de Justiça se pronuncie no presente processo interpretando as disposições da Diretiva 93/13. Por conseguinte, considero que o pedido de decisão prejudicial no processo C‑179/17 é admissível.

B. Quanto ao mérito nos processos C‑70/17 e C‑179/17

49.

Embora as questões prejudiciais submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos presentes processos tenham sido suscitadas no âmbito de dois processos nacionais diferentes ( 32 ), os dois pedidos prejudiciais apresentados pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) (processo C‑70/17) e pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona) (processo C‑179/17) têm por objeto, em substância, a interpretação da Diretiva 93/13 e a compatibilidade da jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) relativa às cláusulas de vencimento antecipado, com o sistema de proteção dos consumidores instituído por esta diretiva, designadamente nos seus artigos 6.o e 7.o e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 33 ).

50.

Uma vez que os dois processos suscitam essencialmente as mesmas questões de direito da União, proponho conclusões comuns.

1.   Considerações gerais

51.

A título de introdução, parece‑me útil fazer algumas observações que permitirão definir o quadro em que se insere a Diretiva 93/13 e analisar em que medida o direito da União, designadamente graças a esta diretiva, colocou a proteção do consumidor no centro do processo de integração europeia.

52.

Se se olhar para trás, verifica‑se que, durante os primeiros anos da construção da União Europeia, a proteção do consumidor era considerada um «subproduto» do mercado comum ( 34 ). Com efeito, foi na cimeira realizada em Paris, em 19 e 20 de outubro de 1972, que os Chefes de Estado ou de Governo aprovaram, pela primeira vez, o princípio de uma política de proteção e de informação dos consumidores. Contudo, foi preciso esperar três anos para que fosse oficialmente lançada a política de proteção do consumidor ( 35 ) e vinte anos para aceder ao estatuto de política «comunitária», quando o Tratado de Maastricht introduziu, em 1992, o artigo 129.o CE, que passou a artigo 153.o CE, e posteriormente o artigo 169.o TFUE, que consagrou no direito primário a especificidade da política de proteção do consumidor, conferindo‑lhe existência plena e autonomia ( 36 ).

53.

Assim, desde a sua origem ( 37 ), o fio condutor da política de proteção do consumidor é melhorar qualitativamente as condições de vida na União ( 38 ). Cerca de 46 anos mais tarde, o objetivo permanece inalterado: proteger os interesses económicos do consumidor ( 39 ). A proteção dos consumidores tornou‑se assim um dos capítulos essenciais do direito da União que, com uma dupla dimensão — tanto económica como social — tem um impacto sobre a vida quotidiana dos consumidores da União. Regras estritas asseguram a proteção dos seus interesses em muitos domínios ( 40 ), designadamente o das cláusulas contratuais abusivas. Este capítulo da proteção do consumidor ensina‑nos que, com a Diretiva 93/13, o grau de proteção concedido ao consumidor da União se revela bastante elevado e que este último beneficia de um acesso mais justo ao crédito em geral, e ao crédito hipotecário em particular, conferindo‑lhe direitos que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger ( 41 ).

54.

No entanto, importa não esquecer um aspeto essencial desta diretiva: a harmonização da proteção do consumidor é julgada necessária para o reforço do mercado interno e, consequentemente, para o reforço da vida económica e social. Assim, o legislador da União considerou que, tendo em conta que as legislações dos Estados‑Membros respeitantes às cláusulas dos contratos celebrados entre o vendedor de bens ou o prestador de serviços e o consumidor, revelavam numerosas disparidades, daí resultando que os mercados nacionais de venda de bens e de oferta de serviços aos consumidores diferiam de país para país e que se podiam verificar distorções de concorrência entre vendedores de bens e prestadores de serviços nomeadamente aquando da comercialização noutros Estados‑Membros, era essencial legislar nesta matéria ( 42 ).

55.

Em especial, o legislador da União considerou que as legislações dos Estados‑Membros respeitantes às cláusulas abusivas em contratos celebrados com os consumidores apresentavam divergências marcantes e que «para facilitar o estabelecimento do mercado interno e proteger os cidadãos que, na qualidade de consumidores, adquirem bens e serviços através de contratos regidos pela legislação de outros Estados‑Membros», era essencial eliminar desses contratos as cláusulas abusivas. Indicou que, desta forma, os vendedores de bens e os prestadores de serviços seriam ajudados na sua atividade de venda de bens e de prestação de serviços, tanto no seu próprio país como no mercado interno e que a concorrência seria assim estimulada, contribuindo para aumentar a escolha dos cidadãos da [União], enquanto consumidores ( 43 ).

56.

É assim este o contexto no qual se inscreve, de forma geral, o direito da União em matéria de proteção dos consumidores e, mais especificamente, a Diretiva 93/13.

57.

A resposta que proporei a seguir pretende também inscrever‑se neste contexto.

2.   Observações preliminares

58.

Uma primeira observação relativa aos dois presentes processos impõe‑se de imediato: resulta dos n.os 27, 33 e 34 das presentes conclusões que o Juzgado de Primera Instancia de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona), na sua decisão de reenvio (processo C‑179/17), apresentou uma interpretação do quadro jurídico nacional em causa distinta da interpretação adotada pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) na sua decisão de reenvio (processo C‑70/17).

59.

Neste contexto, assinalo desde já que o Tribunal declarou reiteradamente que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar, nos processos que lhes são submetidos, qual a interpretação correta do direito nacional ( 44 ).

60.

Assim, o facto de os dois órgãos jurisdicionais terem apresentado uma interpretação diferente do quadro jurídico nacional em causa não impede o Tribunal de Justiça de dar uma interpretação útil do direito da União. Além disso, esta divergência de interpretação do direito nacional não pode pôr em causa as características essenciais do sistema de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituído pelo artigo 267.o TFUE, tal como decorrem de uma jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça ( 45 ).

61.

Por outro lado, esta cooperação baseia‑se na igualdade dos órgãos jurisdicionais que decidem em última instância e dos órgãos jurisdicionais de grau inferior. Assim, independentemente da interpretação do direito nacional, perante uma divergência quanto à interpretação do direito da União, cada um pode — ou, eventualmente, deve poder — submeter questões ao Tribunal de Justiça ( 46 ).

62.

A minha segunda observação, que apenas diz respeito ao processo C‑70/17, visa sublinhar que, como resulta da decisão de reenvio do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), este órgão jurisdicional levantou dois problemas distintos. O primeiro é de ordem jurídica e diz respeito às consequências resultantes do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula contratual que permite às instituições bancárias resolverem o contrato de mútuo hipotecário por incumprimento das obrigações do devedor, de que depende a instauração ou a prossecução do processo de execução hipotecária. Nesse âmbito, coloca‑se a questão de saber se os órgãos jurisdicionais espanhóis podem alterar este tipo de cláusula, a fim de permitir às instituições bancárias prosseguirem com a execução hipotecária. É esta questão que analisarei a seguir.

63.

O segundo problema é de ordem económica e refere‑se ao contexto socioeconómico do crédito hipotecário para a compra de habitação em Espanha. O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) informa‑nos que o sistema bancário espanhol poderia conhecer perturbações graves e sistémicas se os bancos estivessem impossibilitados de recorrer à execução hipotecária. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica, por um lado, que o mesmo tipo de cláusulas, que preveem o vencimento antecipado (abusivas), foi utilizado em quase todos os contratos de mútuo hipotecário e, por outro, que, devido a ligação entre a concessão massiva de créditos hipotecários às famílias para a aquisição de habitação e as garantias do mutuante para efeitos de cobrança coerciva dos créditos, a impossibilidade de obter o reembolso do empréstimo pela instauração do processo especial de execução hipotecária, em caso de incumprimento pelo mutuário, poderia ter por consequência uma contração do crédito futuro, que tornaria extraordinariamente difícil o acesso à habitação pela propriedade.

64.

Para responder às dúvidas dos órgãos jurisdicionais de reenvio nos presentes processos, considero necessário, em primeiro lugar, recordar a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça, antes de examinar, em segundo lugar, o alcance do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado, como resulta desta jurisprudência. A este respeito, para melhor compreender a interpretação que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) adotou, no âmbito do pedido de decisão prejudicial, sobre a possibilidade de limitar a apenas uma das suas partes a declaração do caráter abusivo da cláusula controvertida, abordarei inicialmente a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) relativa à regra da Teilbarkeit der Klausel (divisibilidade da cláusula) a que alude o próprio órgão jurisdicional de reenvio. Em seguida, procurarei tirar as conclusões que se impõem para efeitos de aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça a processos como o processo principal. Por fim, tecerei algumas observações conclusivas sobre a oportunidade de reconsiderar a jurisprudência existente do Tribunal de Justiça.

3.   Resenha da jurisprudência pertinente

65.

Parece‑me importante recordar que o processo de controlo das cláusulas abusivas por parte do juiz nacional inclui duas etapas sucessivas e diferentes que implicam duas operações ou exercícios distintos. A primeira etapa é a da qualificação, pelo juiz nacional, da cláusula contratual como cláusula abusiva, enquanto a segunda diz respeito às consequências que o juiz nacional deve retirar da qualificação da cláusula de abusiva. Este exercício do juiz nacional que consiste em retirar todas as consequências da constatação do caráter abusivo da cláusula distingue‑se, tanto do ponto de vista temporal como material, do exercício de qualificação que o precedeu. O facto de estas duas operações se sucederem no tempo não deve levar‑nos a confundi‑las. As suas diferenças resultam, por outro lado, claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, como se verá a seguir.

a)   Quanto à qualificação pelo juiz nacional da cláusula contratual de cláusula abusiva

66.

Há que recordar, em primeiro lugar, que, no Acórdão Océano Grupo Editorial et Salvat Editores ( 47 ), o Tribunal de Justiça declarou pela primeira vez que «o sistema de proteção implementado pela [D]iretiva [93/13] repousa na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas». Esta ideia subjacente à referida diretiva, implica que o juiz chamado a pronunciar‑se deve assegurar o efeito útil da proteção pretendida pelas disposições da diretiva ( 48 ) e, consequentemente, está obrigado a apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 ( 49 ).

67.

Importa assinalar, em segundo lugar, que, no processo que deu origem ao Acórdão VB Pénzügyi Lízing, relativo à obrigação do juiz nacional apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula atributiva de jurisdição no âmbito de uma oposição deduzida por um consumidor contra uma injunção de pagamento, o Tribunal de Justiça julgou que compete ao juiz nacional pronunciar‑se sobre o caráter abusivo de uma cláusula contratual ( 50 ). Isto foi confirmado no Acórdão Invitel, em que o Tribunal de Justiça especificou, nomeadamente, que se limita a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações, que este último deve ter em conta, para apreciar o caráter abusivo da cláusula em causa ( 51 ).

68.

Em terceiro lugar, saliento que, para que uma cláusula contratual que não foi objeto de negociação individual seja considerada abusiva, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 faz referência ao desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato ( 52 ). Assim, quando este artigo se refere ao conceito de «desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor» entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, apenas define de forma abstrata os elementos que permitem considerar abusiva uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual ( 53 ). Foi por esta razão que o Tribunal de Justiça, remetendo para as conclusões da advogada‑geral J. Kokott ( 54 ), precisou que, para saber se uma cláusula dá origem, em detrimento do consumidor, a um «desequilíbrio significativo» entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, há que ter em conta, designadamente, as regras aplicáveis em direito nacional, na falta de acordo das partes. Segundo o Tribunal de Justiça, é através de uma análise comparativa deste tipo que o juiz nacional poderá avaliar se e, sendo caso disso, em que medida o contrato coloca o consumidor numa situação jurídica menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor ( 55 ).

69.

No que se refere, em especial, à cláusula relativa ao vencimento antecipado, o Tribunal, seguindo a mesma linha de raciocínio seguida no Acórdão Aziz ( 56 ), recordou, no Acórdão Banco Primus ( 57 ), os elementos que o juiz nacional deve ter em conta na apreciação do caráter abusivo da referida cláusula. Resulta destes acórdãos que o órgão jurisdicional de reenvio deve apreciar, designadamente, i) se a faculdade de o profissional declarar exigível a totalidade do empréstimo depende do incumprimento pelo consumidor de uma obrigação com caráter essencial no âmbito da relação contratual em causa, ii) se essa faculdade está prevista para os casos em que esse incumprimento é suficientemente grave atendendo à duração e ao montante do empréstimo, iii) se a referida faculdade derroga as regras de direito comum aplicáveis na matéria, na falta de disposições contratuais específicas, e, por último, iv) se o direito nacional confere ao consumidor meios adequados e eficazes que lhe permitam, quando sujeito à aplicação desta cláusula, sanar os efeitos da exigibilidade do empréstimo ( 58 ). Estes elementos permitem ao juiz nacional apreciar se uma cláusula contratual é abusiva.

70.

Neste contexto, coloca‑se a questão do momento a que se deve reportar o juiz nacional para a apreciação do caráter abusivo da cláusula, a fim de verificar estes elementos de apreciação e de poder pronunciar‑se sobre o caráter abusivo da cláusula. Esta questão fundamental já foi decidida pelo Tribunal de Justiça. No Acórdão Aziz, o Tribunal considerou que, «nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva [93/13], o caráter abusivo de uma cláusula contratual deve ser apreciado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração» ( 59 ). A este respeito, o Tribunal recordou que, nesta perspetiva, devem igualmente ser apreciadas as consequências que a referida cláusula pode ter no âmbito do direito aplicável ao contrato, o que implica um exame do sistema jurídico nacional ( 60 ). Por conseguinte, para apreciar o caráter abusivo da cláusula contratual, o juiz nacional deve reportar‑se não ao momento da execução do contrato mas ao momento da conclusão ou da assinatura do mesmo ( 61 ).

71.

Após ter reconhecido o caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado, como sucede no caso em apreço, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o juiz nacional é obrigado a retirar todas as consequências deste reconhecimento.

b)   Quanto às consequências a retirar do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula contratual

72.

Quanto às consequências a retirar do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula, importa recordar que a regra geral, bem consolidada na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e que decorre do teor do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, é que o juiz nacional tem a obrigação de afastar a aplicação de uma cláusula abusiva. Esta regra só tem uma exceção até à data: a prevista no Acórdão Kásler e Káslerné Rábai ( 62 ). No entanto, como me proponho explicar adiante, para que a exceção reconhecida nesse acórdão possa ser aplicada pelo juiz nacional em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal submeteu‑a a certos requisitos. Posto isto, passo agora à análise da regra geral.

1) Regra geral na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça: obrigação de o juiz nacional se abster de aplicar uma cláusula abusiva sem estar habilitado a alterar o seu conteúdo

73.

Antes de abordar a génese da obrigação de o juiz nacional se abster de aplicar uma cláusula abusiva na jurisprudência do Tribunal de Justiça, há que dizer algumas palavras sobre a origem desta jurisprudência e, consequentemente, desta obrigação: o Acórdão Banco Español de Crédito ( 63 ).

74.

No processo que deu origem a esse acórdão, que dizia respeito a um processo de injunção de pagamento, o Tribunal era, pela primeira vez, interrogado sobre a questão de saber se a Diretiva 93/13 se opunha a uma regulamentação nacional ( 64 ) que permitia ao juiz nacional, quando declarava a nulidade de uma cláusula abusiva constante de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, completar o referido contrato alterando o conteúdo dessa cláusula. Na sua resposta, o Tribunal começou por recordar que a redação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, embora reconheça aos Estados‑Membros uma determinada margem de autonomia no que se refere à definição dos regimes jurídicos aplicáveis às cláusulas abusivas, impõe, no entanto, expressamente que se preveja que as ditas cláusulas «não vinculem o consumidor» ( 65 ).

75.

Partindo desta premissa o Tribunal de Justiça recordou em seguida, por um lado, a jurisprudência constante segundo a qual, por força da referida disposição, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais que constatam o caráter abusivo de cláusulas contratuais retirar todas as consequências daí decorrentes de acordo com o direito nacional, de forma a que o consumidor não fique vinculado pelas referidas cláusulas ( 66 ). Por outro lado, o Tribunal salientou que o legislador da União tinha expressamente previsto, no artigo 6.o, n.o 1, segunda parte, e no vigésimo primeiro considerando da Diretiva 93/13, que um contrato celebrado por um profissional com um consumidor continuaria a vincular as partes «nos mesmos termos», se pudesse subsistir «sem as cláusulas abusivas» ( 67 ). Consequentemente, o Tribunal declarou que «os tribunais nacionais […] estão obrigados a afastar a aplicação de uma cláusula contratual abusiva de modo a que não produza efeitos vinculativos relativamente ao consumidor, mas não estão habilitados a modificar o seu conteúdo» ( 68 ). Também teve o cuidado de especificar, e de recordar, posteriormente, por diversas vezes, que o contrato deve subsistir, em princípio, sem nenhuma modificação a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas, na medida em que, em conformidade com as regras de direito interno, a subsistência do contrato seja juridicamente possível ( 69 ).

76.

Com efeito, se o juiz nacional tivesse a faculdade de modificar o conteúdo das cláusulas abusivas, isso contribuiria para eliminar o efeito dissuasivo exercido sobre os profissionais decorrente da pura e simples não aplicação ao consumidor de tais cláusulas abusivas, pois seriam tentados a utilizar as ditas cláusulas, sabendo que, mesmo que viessem a ser invalidadas, o contrato poderia sempre ser integrado, na medida do necessário, pelo tribunal nacional de modo a garantir o interesse dos ditos profissionais ( 70 ).

77.

Resulta do que precede que, tendo em conta o desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, se este último contiver cláusulas abusivas, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a afastá‑las em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13.

78.

Na verdade, o Tribunal declarou que esta disposição é uma disposição imperativa que, tendo em conta a inferioridade de uma das partes no contrato [o consumidor], pretende substituir o equilíbrio formal que este estabelece entre os direitos e obrigações das partes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estas ( 71 ). Parece‑me claro que, com esta afirmação, o Tribunal se refere à razão de ser do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, sem procurar estabelecer um enquadramento para efeitos da sua aplicação em casos concretos ( 72 ).

79.

Também não restam dúvidas de que o restabelecimento do equilíbrio entre o consumidor e o profissional não pode traduzir‑se na possibilidade de alterar cláusulas contratuais abusivas. Com efeito, por um lado, esta possibilidade seria contrária ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, que seria esvaziado de sentido e, por conseguinte, ao efeito útil da proteção pretendida por esta ( 73 ). Por outro lado, a referida possibilidade não permitiria manter o efeito dissuasivo exercido sobre os profissionais pela impossibilidade de aplicar tais cláusulas ao consumidor.

2) Exceção à regra: o Acórdão Kásler e Káslerné Rábai

80.

O processo que deu origem ao Acórdão Kásler e Káslerné Rábai ( 74 ) referia‑se a um contrato de mútuo hipotecário celebrado entre uma instituição bancária e um consumidor, em moeda estrangeira (franco suíço), cujo montante era calculado, no dia da concessão, em forints húngaros, pela aplicação da taxa de câmbio de compra da divisa. O mutuário devia, em contrapartida, reembolsar o empréstimo em forints à taxa de câmbio de venda desta mesma divisa. Com a sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio perguntava, em substância, se, numa situação em que um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor não pode subsistir após a supressão de uma cláusula abusiva, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que permite ao juiz nacional sanar a nulidade da cláusula abusiva substituindo‑a por uma disposição de direito nacional de caráter supletivo.

81.

Na sua resposta, o Tribunal de Justiça declarou que, quando um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor não pode subsistir após a supressão de uma cláusula abusiva, a referida disposição não se opõe a uma regra de direito nacional que permite ao órgão jurisdicional nacional sanar a nulidade desta cláusula substituindo‑a por uma disposição de direito nacional de caráter supletivo.

82.

Resulta claramente desse acórdão que, como já referi no n.o 72 das presentes conclusões, devem estar preenchidos dois requisitos para que o juiz nacional possa suprimir a cláusula abusiva substituindo‑a por uma disposição de direito nacional de caráter supletivo. Por um lado, esta substituição deve ter como resultado «que o contrato [possa] subsistir apesar da supressão da cláusula abusiva» e «continua a ser vinculativo para as partes» ( 75 ), para que o juiz nacional não se veja obrigado a anular o contrato na sua totalidade. Por outro lado, caso o tribunal seja obrigado a anular o contrato na totalidade, a referida substituição deve permitir evitar que o consumidor seja exposto a «consequências particularmente prejudiciais, de modo que o caráter dissuasivo resultante da anulação do contrato poderia ficar comprometido» ( 76 ).

83.

É à luz da jurisprudência recordada nos n.os 65 a 82 das presentes conclusões que há que responder às questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio.

4.   Quanto à primeira questão no processo C‑70/17: alcance do reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado à luz da jurisprudência referida

84.

Com a sua primeira questão prejudicial no processo C‑70/17, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) pretende, em substância, saber se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional que tenha declarado o caráter abusivo de uma cláusula contratual que permite exigir o vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário, designadamente em caso de falta de pagamento de uma única prestação mensal, possa manter a validade parcial dessa cláusula através da simples supressão do motivo de vencimento que a torna abusiva.

85.

O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) indica na sua decisão de reenvio que é possível que o caráter abusivo de uma cláusula contratual diga respeito não à totalidade da cláusula apreciada mas apenas a uma parte desta, no caso em apreço, a parte relativa «ao número e [à] importância [das cantis não pagas] que [permitem] o vencimento antecipado». No caso em apreço, o não pagamento refere‑se a «uma única prestação mensal». O órgão jurisdicional de reenvio sustenta, referindo‑se à jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), que, neste caso, a referida cláusula poderia ser mantida mediante a simples supressão da parte que a torna abusiva, desde que a referida cláusula alterada fosse gramaticalmente inteligível, tivesse um sentido jurídico e que esta supressão não pressupusesse a introdução de uma regra nova ou distinta da inicialmente contida na cláusula.

86.

A este respeito, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) refere‑se à jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) relativa à regra da divisibilidade da cláusula, designadamente ao Acórdão de 10 de outubro de 2013 ( 77 ). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a divisibilidade da cláusula não é automaticamente contrária ao direito da União. Com efeito, não se trata de uma revisão da cláusula, mas de uma invalidade parcial, útil em caso de nulidade da cláusula devido ao seu caráter abusivo, em que após a supressão da parte considerada abusiva, o contrato subsiste com o resto da cláusula. Assim, se resultar da apreciação da parte restante da cláusula que esta é razoável e transparente, a referida parte deve ser considerada válida e suscetível de produzir efeitos.

87.

Para melhor compreender o sentido e as implicações desta primeira questão prejudicial submetida pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), apresentarei sucessivamente a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) relativa à regra da divisibilidade da cláusula e em seguida a sua apreciação pela doutrina alemã.

a)   Jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) relativa à regra da divisibilidade da cláusula

88.

O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) desenvolveu, desde os anos 80, uma jurisprudência matizada quanto à interpretação das cláusulas parcialmente abusivas. A base legal desta interpretação é o § 306 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão). Considera‑se hoje que esta disposição, que é anterior à Diretiva 93/13, transpõe o artigo 6.o desta diretiva. O problema apresentado por aquele órgão jurisdicional na sua jurisprudência é o seguinte: é possível dividir uma cláusula, que está parcialmente «infetada» por um elemento abusivo, numa parte abusiva e numa parte não abusiva? Na afirmativa, quais são as consequências desta divisão?

1) Interpretação do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha)

89.

Em 1981, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), aceitou, pela primeira vez ( 78 ), «decompor/dividir» uma cláusula contratual em várias partes, em que uma (ou mais) é abusiva, a fim de «salvar» a parte restante da cláusula. A ideia é sempre que i) a parte «infetada» possa ser suprimida sem outra alteração, ii) que a frase subsistente conserve um sentido, mesmo sem os elementos suprimidos e iii) que a finalidade inicial da frase subsistente seja preservada, isto é, não mude de sentido ( 79 ). Se estes requisitos não estiverem preenchidos, especialmente se a operação não puder ser realizada por um simples «risco de lápis», não se trata de uma «divisão» mas de uma «redução/alteração salvadora» (geltungserhaltende Reduktion). Esta redução ou alteração salvadora é, por conseguinte, considerada, pelo menos para as situações abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, inadmissível pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) ( 80 ). Segundo esse órgão jurisdicional, os principais argumentos contra essa alteração salvadora são, por um lado, que o utilizador das cláusulas poderia simplesmente incluir cláusulas abusivas sabendo que o juiz as alteraria de modo a que tornarem‑se admissíveis e, por outro lado, que não cabe ao juiz do mérito encontrar uma solução que seja admissível ( 81 ).

90.

Para ilustrar a prática alemã da divisão da cláusula, referir‑me‑ei ao Acórdão do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) de 10 de outubro de 2013 ( 82 ), mencionado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) na sua de decisão de reenvio. Este processo refere‑se à autorização dada por um paciente ao seu dentista em relação a três pontos, a saber: 1) autorizar a divulgação de dados pessoais, 2) autorizar a cessão de um crédito a uma empresa de cobrança, 3) autorizar a cessão ulterior deste mesmo crédito pelo cessionário inicial a uma instituição bancária, para fins de refinanciamento. O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) declarou que, embora o terceiro ponto, relativo à «cessão ulterior», não fosse compatível com a legislação sobre as cláusulas abusivas, o resto do contrato continuava a ser válido pelo facto de a cláusula ser divisível. Com efeito, a cláusula estava redigida do seguinte modo (as partes a suprimir estão entre parênteses retos e são realçadas em itálico):

«Autorização para cessão

i) Autorizo que o dentista referido na folha de rosto divulgue à sociedade ZA Zahnärtzliche Abrechnungsgesellschaft (a seguir «ZAAG») todos os documentos necessários para a emissão da fatura e a cobrança da dívida, — se necessário por via judicial —, em especial o meu nome, a minha morada, a minha data de nascimento, o código correspondente às prestações, o montante faturado, as notas relativas aos cuidados, as faturas de análise, os formulários, etc.

ii) Para o efeito, autorizo expressamente o dentista a não invocar o segredo médico e dou expressamente o meu consentimento a que o dentista ceda o crédito resultante dos cuidados à ZAAG[, que poderá, sendo caso disso, cedê‑lo à D. Bank e.G. para efeito de refinanciamento].

iii) Estou informado de que, após a cessão do crédito resultante dos cuidados, a ZAAG terá a qualidade de credora, de modo que, em caso de litígio, é contra ela que terei de suscitar e invocar todas as exceções contra o crédito, inclusive as que são baseadas nos cuidados e antecedentes médicos, e que o dentista poderá ser ouvido na qualidade de testemunha. […]» ( 83 ).

91.

Resulta claramente da sua redação que esta cláusula era divisível em três partes distintas. Por conseguinte, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) suprimiu simplesmente a parte que se considerava que preenchia os critérios de uma cláusula abusiva ou «infetada», sem alterar o texto quanto ao restante e sem aplicar qualquer disposição de direito nacional de caráter supletivo a fim de manter a cláusula após adaptação. Resulta da sua jurisprudência que a frase, na parte restante, não deve mudar de sentido.

2) Ponto de vista concordante da doutrina alemã maioritária

92.

Em 1988, para descrever este método de «divisão», a doutrina alemã introduziu a expressão blue pencil test ( 84 ), que era utilizada originalmente em direito da concorrência ( 85 ). Esta expressão, que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) não utilizou inicialmente, é sugestiva. Com efeito, remete para o facto de riscar com lápis azul o elemento que se considera que preenche os critérios do caráter abusivo.

93.

A ideia subjacente ao blue pencil test, ou seja, a divisão das cláusulas em parte abusiva e em parte não abusiva, foi, maioritariamente, bem recebida na Alemanha ( 86 ). O principal argumento aduzido pela doutrina alemã é o mesmo que o adotado pela jurisprudência: admitir a solução de uma redução/alteração salvadora significaria que o utilizador das cláusulas poderia, sem correr nenhum risco, conceber cláusulas abusivas, sabendo que a jurisprudência as alteraria a um nível admissível. Por outras palavras, essa redução/alteração salvadora não teria um efeito dissuasivo ( 87 ), motivo pelo qual não pode ser admitida ( 88 ).

94.

Tendo o contexto jurisprudencial e doutrinal da regra da divisibilidade da cláusula ou blue pencil test sido assim exposto, e sem querer pronunciar‑me sobre a compatibilidade desta regra com o direito da União, parece‑me claro desde já que o exercício proposto pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) não é uma divisão da cláusula ou blue pencil test, mas uma alteração salvadora da mesma. Proponho‑me, assim, explicá‑lo nos desenvolvimentos que se seguem.

b)   Cláusula controvertida

1) Divisibilidade da cláusula ou alteração salvadora da mesma

95.

Resulta do n.o 84 das presentes conclusões que a proposta do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) consiste em manter a cláusula controvertida, suprimindo unicamente a parte que a torna abusiva, ou seja, o não pagamento de qualquer prestação. Para melhor entender a interpretação apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio ao Tribunal de Justiça, parece‑me útil transcrever a seguir a cláusula controvertida, tal como resulta do quadro jurídico apresentado no processo C‑70/17, incluindo a cisão proposta pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), a fim de apreciar se, à luz do blue pencil test a que alude na sua decisão de reenvio, a referida cláusula é ou não divisível (as partes a suprimir figuravam entre parentes retos e eram destacadas em itálico):

«O Banco pode, sem necessidade de interpelação, declarar o empréstimo exigível e pedir judicialmente o reembolso da totalidade da dívida, tanto dos montantes vencidos como dos vincendos, acrescidos de juros, de juros de mora, de encargos e despesas, nos seguintes casos: a) Não pagamento [de qualquer] prestação de capital ou de juros, incluindo todos os elementos que a compõem, pedindo as partes a menção expressa desta cláusula no registo predial, em conformidade com o artigo 693.o da LEC» ( 89 ).

96.

Podemos considerar que a cláusula respeita as exigências do blue pencil test e que é assim divisível em várias partes diferenciadas?

97.

Penso que não.

98.

Em primeiro lugar, resulta da aplicação do blue pencil test, conforme exposta no n.o 90 das presentes conclusões, que a cláusula controvertida no processo C‑70/17 ( 90 )não é divisível. Com efeito, na cláusula contratual examinada no Acórdão Bundesgerishof, citado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) na sua decisão de reenvio, três tipos de direitos são abrangidos: uma autorização de divulgação de dados pessoais e dois acordos de cessão, o primeiro a uma empresa de cobrança e o segundo a uma instituição bancária. O facto de suprimir a parte da cláusula referente à cessão de um crédito a uma instituição bancária, em princípio, não afeta as outras partes da cláusula, na medida em que as três partes são independentes.

99.

No entanto, a situação é diferente relativamente à cláusula controvertida na origem do processo C‑70/17. Com efeito, a parte «infetada» apenas diz respeito à alínea a), a saber, o direito de o banco declarar o empréstimo exigível em caso de «não pagamento [de qualquer] prestação de capital ou de juros […]». Consequentemente, em aplicação da regra do blue pencil test, a cláusula controvertida apenas preenche o primeiro requisito para ser divisível, ou seja, que a parte «infetada» possa ser suprimida sem outra alteração, em dois casos. O primeiro é aquele em que a cláusula controvertida compreenderia vários fundamentos de vencimento antecipado, e estaria, por exemplo, assim redigida: «[…] nos seguintes casos: a) Não pagamento de uma, [de] várias ou [de] todas as prestações vencidas […]». Os termos «de uma» seriam então o único fundamento a suprimir, sem qualquer intervenção sobre os outros elementos da alínea a). Neste caso, a mesma cláusula, no sentido formal do termo, abrange várias situações identificáveis e dissociáveis. Ora, tal não acontece, a meu ver, com a cláusula controvertida na origem do processo C‑70/17 ( 91 ). O segundo caso é aquele em que a parte «infetada» seria toda a alínea a). A alínea a) poderia então ser suprimida sem intervenção sobre as outras alíneas b), c) ou d) da cláusula ( 92 ).

100.

Em segundo lugar, mesmo admitindo que a parte «infetada» da cláusula controvertida na origem do processo C‑70/17 possa ser retirada sem outra alteração ( 93 ) — o que não admito com base nos dados de que disponho — a cisão da parte «infetada» deveria permitir ler corretamente a cláusula. O resultado seria o seguinte: «Não pagamento de prestação vencida de capital ou de juros». É muito provável que as opiniões sejam partilhadas quanto à questão de saber se a cláusula, tal como resulta da cisão, é gramaticalmente compreensível ou não. Podemos deduzir claramente da leitura da cláusula cindida quantas prestações mensais devem não ser pagas para que o credor possa invocar o vencimento antecipado do contrato de mútuo? É evidente que não.

101.

Seja como for, mesmo que se considerasse que a cláusula controvertida, após a cisão, é gramaticalmente clara e compreensível, o que, na minha opinião, é contestável do ponto de vista da segurança jurídica, estou convencido de que, após suprimir a parte abusiva, a finalidade inicial desta cláusula seria posta em causa, na medida em que, ao referir‑se de forma geral ao «não pagamento de prestação vencida», revestiria irremediavelmente um sentido jurídico novo. Ora, como indiquei nos n.os 89 a 93 das presentes conclusões, tal resultado não é permitido pelo blue pencil test, tal como interpretado pela jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) e evocado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal). Assim, não estando preenchidos os requisitos previstos por esta regra, devo concluir que o exercício proposto pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) não é uma «divisão» da cláusula controvertida, mas uma «redução/alteração salvadora» da mesma que implica que seja reescrita.

102.

Para preservar a finalidade desta cláusula, seria necessário introduzir uma regra nova ou distinta da regra original, o que não é admitido pelo blue pencil test, como admite o próprio Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) na decisão de reenvio. Uma vez que a cláusula não pode ser executada sem aplicação de uma disposição de direito nacional de caráter supletivo, como o artigo 693.o, n.o 2, da LEC, parece‑me claro que a alteração pretendida pelo órgão jurisdicional de reenvio não se pode limitar «a um simples risco de lápis» como exige o blue pencil test.

103.

Em todo o caso, recordo, a este respeito, que no âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, a alteração salvadora é excluída pela jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) ( 94 ) evocada pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal). Resulta do n.o 93 das presentes conclusões que este tipo de alteração não tem qualquer efeito dissuasivo e que não compete ao juiz que deva apreciar o mérito, encontrar uma solução que seja admissível ( 95 ).

104.

Tendo constatado que o exercício proposto pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) no processo C‑70/17 não é uma «divisão» da cláusula controvertida, mas uma «alteração salvadora» desta cláusula, há agora que examinar, no âmbito da primeira questão prejudicial, a questão fundamental de saber se o direito da União se opõe à alteração proposta pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) de uma cláusula de vencimento antecipado cujo caráter abusivo foi declarado pelo juiz nacional.

2) A finalidade da cláusula controvertida é preservada, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, sem referência ao número de prestações mensais não pagas que permitem a sua execução?

105.

Em primeiro lugar, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 66 das presentes conclusões, cabe ao órgão jurisdicional nacional pronunciar‑se sobre o caráter abusivo de uma cláusula contratual ( 96 ). No âmbito da apreciação do referido caráter abusivo, o juiz nacional deve começar por determinar o que pode ser considerado uma cláusula ( 97 ), a saber, uma obrigação contratual distinta das restantes estipulações do contrato e que pode ser objeto de uma análise individual do seu eventual caráter abusivo. Esta análise prévia é indispensável, na medida em que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 75 das presentes conclusões, após ter verificado e declarado o seu caráter abusivo (etapa do controlo relativo à apreciação ou à qualificação da cláusula) ( 98 ), os juízes nacionais devem afastar a aplicação de uma cláusula contratual abusiva de modo a que não produza efeitos vinculativos relativamente ao consumidor, sem estar habilitados a alterar o seu conteúdo (etapa do controlo das consequências da declaração do caráter abusivo da cláusula) ( 99 ). Com efeito, o contrato deve subsistir, em princípio, sem nenhuma alteração a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas, na medida em que, em conformidade com as regras de direito interno, esta subsistência do contrato seja juridicamente possível ( 100 ).

106.

Em segundo lugar, importa recordar que resulta da decisão de reenvio do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) que a referência a «uma qualquer prestação» constitui um requisito essencial e indispensável para efeitos de aplicação da cláusula de vencimento antecipado. Por conseguinte, parece‑me que a finalidade da cláusula não é preservada sem referência precisa ao número de prestações mensais não pagas que permitem executar a cláusula, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar ( 101 ). Além disso, se, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os juízes nacionais devem, pura e simplesmente, não aplicar as cláusulas consideradas abusivas, o requisito suscetível de desencadear o vencimento antecipado da totalidade do empréstimo torna‑se então, a meu ver, inoperante. Por conseguinte, a cláusula no seu conjunto seria necessariamente ineficaz.

107.

Em terceiro lugar, constato que a referida cláusula, que prevê o vencimento antecipado da totalidade do saldo na em caso de falta de pagamento de qualquer prestação, não preenche os requisitos previstos pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Aziz e Banco Primus ( 102 ), tendo em conta o facto de a cláusula controvertida não constituir um incumprimento suficientemente grave no que se refere à duração e ao montante do empréstimo. Em todo o caso, importa não esquecer que, como foi acertadamente recordado pela Comissão, se, de acordo com esta jurisprudência, o requisito acima referido (a referência a «uma qualquer prestação») for declarado abusivo e, por conseguinte, não for aplicado, o elemento restante, ou seja, a simples possibilidade de declarar o vencimento da totalidade do saldo ( 103 ), não só fica desprovida de efeitos práticos, como também se torna de tal forma abstrata que não permite ao juiz nacional verificar se a mesma preenche os requisitos enumerados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Banco Primus ( 104 ) e referidos no n.o 69 das presentes conclusões.

108.

Recordo igualmente que o momento exato em que é exercida a faculdade de resolução antecipada pela instituição bancária é uma questão de facto desprovida de pertinência para efeitos de apreciação de uma cláusula que regula a questão do não pagamento de uma única prestação mensal. Não se trata aqui de determinar se o comportamento comercial do banco foi abusivo, mas se uma cláusula contratual é abusiva. Contrariamente ao que resulta da decisão de reenvio no processo C‑70/17 ( 105 ), um comportamento comercial razoável num quadro contratual abusivo não pode privar de utilidade a verificação pelo juiz do caráter abusivo das cláusulas de um contrato ( 106 ). Isto é válido por maioria de razão quando é precisamente a cláusula em causa que permite ao banco reclamar a totalidade o montante restante em dívida, no âmbito de uma execução hipotecária, em caso de falta de pagamento de uma única prestação de capital e de juros.

109.

Tendo em conta o que precede, considero que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional que tenha declarado o caráter abusivo de uma cláusula contratual que permite exigir o vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário, designadamente em caso de falta de pagamento de uma única prestação mensal, possa manter a validade parcial dessa cláusula através da simples da supressão do motivo de vencimento que a torna abusiva.

5.   Quanto à segunda questão no processo C‑70/17 e primeira questão no processo C‑179/17: possibilidade de prosseguir com o processo de execução hipotecária através da aplicação supletiva de uma disposição nacional, como o artigo 693.o, n.o 2, da LEC

110.

Com a segunda questão prejudicial no processo C‑70/17 e a primeira no processo C‑179/17, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual, quando o caráter abusivo da cláusula relativa ao vencimento antecipado tiver sido declarado por um órgão jurisdicional nacional, o processo especial de execução hipotecária iniciado na sequência da aplicação da referida cláusula pode, contudo, prosseguir pela aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional, como o artigo 693.o, n.o 2, da LEC, na medida em que este processo possa ser mais favorável aos consumidores do que a execução de uma decisão de condenação proferida no âmbito de um processo declarativo.

111.

Antes de abordar esta questão, começo por recordar que resulta, nomeadamente, da resposta que proponho que seja dada à primeira questão no processo C‑70/17 que, mesmo que a parte «infetada» da cláusula controvertida no processo C‑179/17 possa ser suprimida sem outra alteração e que o resultado seja compreensível, esta cláusula continua a ser indivisível tendo em conta as exigências do blue pencil test referido pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) ( 107 ). Com efeito, após a cisão da parte abusiva, esta cláusula não conserva o seu sentido jurídico inicial. De facto, ao referir‑se, de maneira geral, à «[…] não pagamento no vencimento de [uma], [de] várias ou [de] todas as prestações de reembolso estabelecidas», a cláusula muda irreversivelmente de sentido jurídico. Deste modo, podemos deduzir claramente da leitura da cláusula assim cindida/alterada qual é o número exato de prestações mensais que devem estar em dívida para que o credor possa invocar o vencimento antecipado do contrato de mútuo hipotecário? Considero que a única resposta possível é a seguinte: «pelo menos duas prestações vencidas», o que tornaria a cláusula, porém, abusiva à luz das exigências do Acórdão Aziz recordadas no n.o 107, supra. Assim, em caso de cisão, a finalidade da cláusula controvertida na origem do processo C‑179/17 fica comprometida e esta torna‑se inoperante se o requisito exigido para a sua execução (acordo e referência a «uma» prestação vencida inscritos no registo) e que permite, no caso em apreço, prosseguir e se for caso disso, iniciar o processo de execução hipotecária, fica sem efeito. Não faz sentido, do ponto de vista jurídico, prever uma faculdade para o credor que é puramente hipotética («várias prestações») e que, na prática, não pode ser aplicada ( 108 ).

112.

Com efeito, para poder deduzir o número de prestações mensais em falta exigidas para o vencimento antecipado, seria necessário, como sugere o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) na sua jurisprudência, aplicar uma disposição nacional. Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em princípio, tal aplicação só é possível nas condições previstas pelo Acórdão Kásler e Káslerné Rábai ( 109 ), ou seja, que o contrato não possa subsistir após a supressão da cláusula abusiva e que a regra do direito nacional que a substitui tenha caráter supletivo.

a)   Os contratos de mútuo hipotecário em causa podem subsistir juridicamente após a supressão das cláusulas abusivas controvertidas?

113.

Quanto à questão determinante para a solução dos litígios no processo principal, debatida na audiência após uma pergunta para resposta oral colocada pelo Tribunal, de saber quais são as consequências, em direito espanhol, da supressão da cláusula de vencimento antecipado sobre a existência e a execução da garantia hipotecária, a Abanca alegou que, de modo geral, o contrato de mútuo subsiste, não podendo a mera supressão da cláusula abusiva provocar a sua nulidade. Todavia, como foi sustentado pela Abanca e pela Bankia, a garantia hipotecária pode ser afetada de forma substancial na medida em que o credor perde, para executar a sua garantia, o benefício do processo de execução hipotecária.

114.

O Governo espanhol alega nas suas observações escritas, por um lado, que se se considerar que a causa do contrato de mútuo reside na constituição de um direito real de hipoteca e que este direito real é afetado pela supressão da cláusula, o próprio contrato de mútuo não pode subsistir. Acrescentou, por outro lado, que, mesmo que se considere que, após a supressão da cláusula de vencimento antecipado, o contrato de mútuo pode subsistir, essa supressão «torna o contrato de mútuo demasiado oneroso para a instituição bancária», na medida em que «a obriga a recorrer ao processo declarativo para resolver o contrato, e a seguir, ao processo executivo comum para cobrar a dívida». Assim, este governo questiona se, nestas condições, a instituição bancária teria concedido um empréstimo sem garantia hipotecária.

115.

Importa salientar que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) refere na sua decisão de reenvio que, na ordem jurídica espanhola, o direito de hipoteca confere ao seu titular não só o poder de pedir a venda coerciva do bem hipotecado no âmbito de um processo especial de execução, mas também um direito de preferência sobre este bem (artigos 1923.o e 1927.o do Código Civil) e um direito de execução distinto em caso de insolvência (judicialmente declarada) do devedor. Acrescenta ainda que a nulidade da cláusula de vencimento antecipado não implica o desaparecimento total dos poderes do credor hipotecário, mas restringe a prerrogativa essencial do direito hipotecário, a saber, a que permite ao credor forçar a venda do bem hipotecado para pagar, com o preço obtido, o montante devido (artigo 1858.o do Código Civil). Decorre do acima exposto que, apesar da restrição daí resultante para a execução da garantia, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) não põe em causa a subsistência do contrato de mútuo após a supressão da cláusula de vencimento antecipado ( 110 ). Além disso, este órgão jurisdicional também não refere na sua decisão de reenvio que deve anular o contrato de mútuo no seu conjunto. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑179/17 considera que «parece evidente que um contrato de mútuo ou de crédito pode subsistir sem a cláusula de vencimento antecipado».

116.

Em primeiro lugar, importa recordar, como resulta da jurisprudência referida no n.o 75 das presentes conclusões, que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê duas obrigações de resultado: a primeira exige que as cláusulas abusivas não tenham qualquer efeito vinculativo em relação ao consumidor, motivo pelo qual «os juízes nacionais devem afastar a [sua] aplicação», e, a segunda, que os Estados‑Membros assegurem que o contrato celebrado entre o profissional e o consumidor continue a vincular as partes «nos mesmo termos», se puder subsistir «sem as cláusulas abusivas» ( 111 ). Por conseguinte, resulta desta jurisprudência que o critério da subsistência do contrato deve ser apreciado apenas no plano jurídico, «na medida em que, em conformidade com as regras de direito interno, a subsistência do contrato seja juridicamente possível» ( 112 ).

117.

Neste contexto, embora compreenda as preocupações subjacentes à interpretação proposta pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), devo sublinhar que não se trata de ter em conta considerações como o facto de saber se o banco teria concedido, ou não, um empréstimo sem a garantia hipotecária, ou quais são as consequências para os credores da supressão de uma cláusula abusiva ( 113 ), mas de saber se o contrato é anulado, ou não, segundo o direito nacional.

118.

Em segundo lugar, convém não esquecer que o Tribunal de Justiça, no Acórdão Banco Primus ( 114 ), declarou que, para garantir o efeito dissuasivo do artigo 7.o da Diretiva 93/13, as prerrogativas do juiz nacional que constate a existência de uma cláusula abusiva, não podem depender da aplicação ou não, de facto, dessa cláusula. Nesse processo, o Tribunal de Justiça decidiu que o facto de saber se a cláusula tinha sido ou não efetivamente aplicada, era desprovido de pertinência para a determinação do seu caráter abusivo. No caso em apreço, o facto de o limite ser fixado em três prestações mensais, em vez de uma, é igualmente desprovido de pertinência.

119.

Com efeito, no Acórdão Banco Primus, o Tribunal de Justiça especificou ainda que «[n]estas condições […], a circunstância de, no caso vertente, o profissional ter observado, de facto, o disposto no artigo 693.o, n.o 2, da LEC e só ter instaurado o processo de execução hipotecária depois de verificado o não pagamento de sete prestações mensais, e não, como prevê a cláusula 6 bis do contrato em causa no processo principal, na sequência de qualquer falta de pagamento, não isenta o juiz nacional da sua obrigação de retirar todas as consequências do caráter eventualmente abusivo dessa cláusula» ( 115 ). O Tribunal de Justiça decidiu assim que «[a] Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma interpretação jurisprudencial de uma disposição de direito nacional que rege as cláusulas de vencimento antecipado dos contratos de mútuo, como o artigo 693.o, n.o 2, da [LEC], que proíbe o juiz nacional que constatou o caráter abusivo dessa cláusula contratual de a declarar nula e de a afastar quando o profissional não a aplicou de facto, mas respeitou as condições previstas nessa disposição de direito nacional» ( 116 ). Por conseguinte, a observância do artigo 693.o, n.o 2, da LEC na prática comercial dos bancos não pode sanar a nulidade desta cláusula, substituindo‑a, em conformidade com os n.os 80 a 84 do Acórdão Kásler e Káslerné Rábai ( 117 ).

120.

Resulta do que precede que a exceção à regra geral prevista no referido Acórdão Kásler e Káslerné Rábai segundo a qual, para que o contrato possa subsistir, o Tribunal permite completar o contrato substituindo a cláusula abusiva por uma disposição de direito nacional de caráter supletivo, não é aplicável no caso em apreço, uma vez que as cláusulas controvertidas não implicam a nulidade dos contratos de mútuo no seu todo. Com efeito, contrariamente a situação em causa no processo que deu origem ao Acórdão Kásler e Káslerné Rábai, dado que, nos presentes processos, os contratos de mútuo podem subsistir sem a cláusula de vencimento antecipado e que, consequentemente, o juiz nacional não é obrigado a declarar a nulidade do contrato no seu todo, não é necessário aplicar uma disposição de direito nacional de caráter supletivo para evitar que o consumidor esteja exposto a «consequências particularmente prejudiciais».

b)   Quanto à aplicação supletiva do artigo 693.o, n.o 2, da LEC

121.

Quanto à aplicação do artigo 693.o, n.o 2, da LEC, não resulta da decisão de reenvio do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) que esta disposição tenha um caráter supletivo. Com efeito, a simples leitura desta disposição permite verificar que a sua aplicação exige um acordo explícito entre as partes e que, consequentemente, na falta deste acordo, a referida disposição não é aplicável. Em contrapartida, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) faz referência à possibilidade de aplicar esta disposição de «forma supletiva» sem se pronunciar sobre o caráter supletivo, ou não, da mesma. Em todo o caso, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar o caráter supletivo, ou não, desta disposição.

122.

Importa recordar, a este respeito, o Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça, decidindo em Grande Secção, nos processos que deram origem ao Acórdão Gutiérrez Naranjo e o. ( 118 ), que diziam respeito às cláusulas «suelo» utilizadas pelos bancos no âmbito de contratos de mútuo hipotecário celebrados com consumidores. O mesmo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) declarou o caráter abusivo destas cláusulas e a sua nulidade, devido à sua falta de transparência resultante de uma insuficiente informação dos mutuários quanto às consequências concretas da sua aplicação na prática. No entanto, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) tinha declarado que as cláusulas «suelo» eram lícitas enquanto tais e limitou a retroatividade dos efeitos da declaração de nulidade destas cláusulas ( 119 ). As questões prejudiciais submetidas ao Tribunal por outro órgão jurisdicional espanhol tinham por objeto a questão de saber se a limitação no tempo dos efeitos restituitórios decorrentes da declaração judicial do caráter abusivo destas cláusulas apenas às quantias indevidamente pagas após à prolação da decisão que declarou o caráter abusivo era ou não compatível com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13. O Tribunal de Justiça respondeu que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual declarada abusiva deve ser considerada, em princípio, como nunca tendo existido, pelo que não pode produzir efeitos relativamente ao consumidor.

123.

Assim, a declaração judicial do caráter abusivo de tal cláusula deve, em princípio, ter por consequência o restabelecimento da situação de direito e de facto em que o consumidor estaria se a referida cláusula não existisse. Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça decidiu que embora caiba aos Estados‑Membros, através dos respetivos direitos nacionais, definir as modalidades segundo as quais se procede à declaração do caráter abusivo de uma cláusula constante de um contrato e se materializam os efeitos jurídicos concretos dessa declaração, não é menos verdade que tal declaração deve permitir restabelecer a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se essa cláusula abusiva não existisse, designadamente através da constituição de um direito à restituição das vantagens indevidamente adquiridas, em seu prejuízo, pelo profissional com fundamento na referida cláusula abusiva ( 120 ).

124.

Devo concluir que decorre desta jurisprudência que uma cláusula abusiva declarada nula é considerada como nunca tendo existido e produzido efeitos. Assim, a aplicação, ao caso em apreço, do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 tem como consequência prática, conforme foi sublinhado pela Comissão nas suas observações escritas, que, sempre que o juiz nacional declarar a nulidade da cláusula de vencimento antecipado, o processo de execução hipotecária não pode ser instaurado ou, se estiver a correr termos, não pode prosseguir, quando o acordo das partes e a referência a uma prestação vencida inscritos no registo são declarados abusivos e, por conseguinte, nulos e sem efeito. Também, há que referir que, se fosse possível sanar a nulidade da cláusula graças à aplicação do número mínimo de três prestações mensais fixado no artigo 693.o, n.o 2, da LEC, tal equivaleria, de facto, a permitir aos juízes nacionais a alteração da referida cláusula ( 121 ). Ora, conforme referido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Gutiérrez Naranjo e o., «não deve ser conferida ao juiz nacional a faculdade de modificar o conteúdo das cláusulas abusivas, pois de outro modo isso poderia contribuir para eliminar o efeito dissuasivo exercido sobre os profissionais pela pura e simples não aplicação relativamente ao consumidor dessas cláusulas abusivas» ( 122 ).

125.

Daqui resulta que a alteração proposta pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) é um exercício que implica inevitavelmente a integração, reescrita, alteração ou reformulação da cláusula de vencimento antecipado. Esta alteração da cláusula, por um lado, não é conforme às exigências do blue pencil test evocado pelo próprio órgão jurisdicional de reenvio, sendo reconhecida como uma «alteração salvadora» inadmissível no quadro da Diretiva 93/13. Por outro lado, esta alteração é expressamente proibida por uma jurisprudência constante e bem assente do Tribunal de Justiça até à data, o que é determinante para a resposta a dar às questões submetidas no âmbito dos presentes processos.

126.

Por último, coloca‑se a questão de saber se é com razão que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) refere que o simples facto de os devedores consumidores não poderem usufruir das vantagens processuais da execução hipotecária justifica, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça exposta nos n.os 80 a 82 das presentes conclusões, a supressão das cláusulas litigiosas, substituindo‑as por uma disposição de direito nacional de caráter supletivo ou, se for caso disso, aplicando de forma supletiva uma disposição que não tenha esse caráter ( 123 ).

c)   As vantagens do processo de execução hipotecária justificam a prossecução da execução hipotecária após o reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado?

127.

Recordo que resulta do quinto fundamento da decisão de reenvio do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) que as vantagens processuais da execução hipotecária de que beneficiam os devedores consumidores permitem aos juízes nacionais justificar a prossecução deste processo após o reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado.

128.

A este respeito, a Comissão alega nas suas observações escritas que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), no seu Acórdão de 18 de fevereiro de 2016, também citado na decisão de reenvio, declarou que «não se pode assim afirmar, incondicionalmente e em todos os casos, que a decisão de prosseguir a execução hipotecária é mais prejudicial para o consumidor» ( 124 ). A Comissão concluiu que «não poder afirmar sem reservas» que a prossecução da execução hipotecária é prejudicial para o consumidor não equivale, quanto ao nível de garantia, a afirmar que a prossecução da execução hipotecária é claramente mais vantajosa para o consumidor em todos os casos. Assim, a afirmação segundo a qual a prossecução da execução hipotecária é do interesse do consumidor, é, pelo menos, questionável e depende das circunstâncias concretas de cada caso. A Comissão acrescentou que, na medida em que são os consumidores a contestarem as cláusulas de vencimento antecipado que permitem aos bancos o recurso à execução hipotecária, é razoável presumir que os consumidores que instauram uma tal ação são assistidos no plano jurídico e procuram proteger os seus interesses, e não os prejudicar.

129.

Partilho o ponto de vista expresso pela Comissão. Ainda que, lendo o quadro jurídico exposto pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), constate, eu próprio, as vantagens processuais apresentadas pelo processo de execução hipotecária, tenho, porém, algumas dúvidas de que estas vantagens beneficiem «todos» os consumidores sem exceção ( 125 ). Obviamente, o Tribunal de Justiça não pode responder a esta questão que apenas diz respeito ao direito interno. No entanto, parece‑me judicioso partilhar as minhas dúvidas no que diz respeito à situação exposta pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), que passarei a ilustrar através de dois exemplos ( 126 ).

130.

Veja‑se primeiro o caso de um jovem casal, sem filhos, «P e M.» Os dois fizeram estudos universitários. Em 2000, obtiveram junto de um banco um empréstimo hipotecário para aquisição da sua habitação. Este empréstimo, num montante de 180000 euros, tem a duração de 30 anos. Em 2007, decidiram comprar uma residência secundária e obtiveram um segundo empréstimo hipotecário no montante de 80000 euros, com duração de 15 anos. Em 2012, em plena crise económica, M perdeu o emprego e o casal deixou de conseguir reembolsar os seus dois empréstimos hipotecários. Alguns meses depois, na sequência do não pagamento de sete prestações mensais relativas ao primeiro empréstimo, o banco intentou uma ação de execução hipotecária. No âmbito do controlo relativo às cláusulas abusivas, o juiz nacional declarou o caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado. No entanto, com ajuda dos pais e com a venda da residência secundária, o casal conseguiu, antes da data do leilão, pagar o montante devido ao banco e levantar a hipoteca que onerava a sua residência principal, através da consignação do montante exato devido ao banco. Este casal poderia representar o grupo de consumidores suscetível de beneficiar das vantagens processuais da execução hipotecária.

131.

Veja‑se agora o caso de um jovem casal, «J e L», J trabalha no setor da construção e L ocupa um cargo no setor dos serviços. Em 2000, apesar das suas capacidades de pagamento limitadas, obtiveram um empréstimo hipotecário junto de um banco, no valor de 100000 euros, para financiar a aquisição de uma habitação. O empréstimo tem a duração de 26 anos e representa mais de metade dos seus rendimentos mensais. Em 2004 e 2007, nasceram os dois filhos do casal. Em 2012, em plena crise económica, J perdeu o seu trabalho. Durante algum tempo, beneficiou do subsídio de desemprego, mas, decorrido o período de concessão do subsídio e com um único salário, o casal deixou de conseguir cumprir as suas obrigações de reembolso. Na sequência do não pagamento de dez prestações mensais, o banco intentou uma ação de execução hipotecária. No âmbito do controlo das cláusulas, o juiz de execução declarou o caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado. O casal não tem economias que lhe permitam levantar o ónus sobre o seu bem pagando o montante devido até à data da venda por leilão. Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o juiz nacional decidiu suspender a execução hipotecária e submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

132.

Neste segundo caso, deve‑se considerar que o casal pode beneficiar das vantagens da execução hipotecária? Uma resposta afirmativa assentaria na ideia de que o casal consegue pagar as prestações mensais vencidas e, assim, obter o levantamento do ónus sobre o seu bem imóvel, o que não é o caso. Tirando estas vantagens processuais de que, devido à sua situação económica precária, talvez não possa beneficiar, este casal tem, por exemplo, a possibilidade de renegociar a sua dívida na fase do processo de execução hipotecária? Penso que não.

133.

De qualquer modo, e independentemente da possibilidade para os consumidores de, eventualmente, retirar vantagens do processo de execução hipotecária, a meu ver, é incontestável que, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, sobre o alcance da declaração do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado, recordada nos n.os 65 a 82 das presentes conclusões, a incidência de tais vantagens sobre a resposta a dar às questões que nos ocupam e que dizem respeito às consequências a retirar da declaração do caráter abusivo da cláusula controvertida afigura‑se, pelo menos, incerta. Por conseguinte, à luz desta jurisprudência, considero que o juiz nacional que declarou o caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado, não pode dar início ou, sendo caso disso, prosseguir, apesar dessa declaração, uma execução hipotecária iniciada contra o devedor consumidor, mesmo que considere que este processo lhe é mais favorável.

d)   Quanto à possibilidade de informar o consumidor das vantagens relativas ao prosseguimento da execução hipotecária: Acórdão Pannon GSM

134.

Como já indiquei no n.o 128 das presentes conclusões, não resulta da decisão de reenvio do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) que a prossecução da execução hipotecária iniciada com fundamento numa cláusula de vencimento antecipado abusiva apresente, em todos os casos, vantagens para o consumidor devedor. Porém, caso o órgão jurisdicional nacional considere que o consumidor pode beneficiar das referidas vantagens, deve informá‑lo das mesmas. O consumidor, após consultar o seu advogado, poderia manifestar a sua intenção de não invocar o caráter abusivo e não vinculativo da referida cláusula, como no meu primeiro exemplo referente ao casal «P e M».

135.

A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça, no Acórdão Pannon GSM, após ter recordado que o órgão jurisdicional nacional deve assegurar o efeito útil da proteção pretendida pelas disposições da Diretiva 93/13, declarou que, no exercício do dever de apreciar oficiosamente as cláusulas abusivas «o órgão jurisdicional nacional não é obrigado, por força [da referida] diretiva, a não aplicar a cláusula em causa se o consumidor decidir, após ter sido avisado pelo órgão jurisdicional, não invocar o seu caráter abusivo e não vinculativo» ( 127 ). No Acórdão Banif Plus Bank, o Tribunal confirmou este acórdão e especificou que a possibilidade, dada ao consumidor, de se manifestar sobre esse aspeto satisfaz igualmente a obrigação que incumbe ao juiz nacional de ter em conta, tal sendo o caso, a vontade manifestada pelo consumidor quando, consciente do caráter não vinculativo de uma cláusula abusiva, manifeste, todavia, que se opõe a que ela seja excluída, dando assim um consentimento livre e esclarecido à cláusula em questão ( 128 ).

136.

Com fundamento no conjunto das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão prejudicial no processo C‑70/17 e à primeira questão no processo C‑179/17 que os artigos 6.o, n.o 1 e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual, quando o caráter abusivo da cláusula relativa ao vencimento antecipado tiver sido declarado por um órgão jurisdicional nacional, o processo de execução hipotecária iniciado na sequência da aplicação da referida cláusula pode, contudo, prosseguir pela aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional, como o artigo 693.o, n.o 2, da LEC, na medida em que este processo possa ser mais favorável aos consumidores do que a execução de uma decisão de condenação proferida no âmbito de um processo declarativo, a menos que o consumidor, depois de ter sido devidamente informado do caráter não vinculativo da cláusula pelo juiz nacional, dê o seu consentimento livre e esclarecido e manifeste a intenção de não invocar o caráter abusivo e não vinculativo da referida cláusula.

6.   Quanto às segunda e terceira questões no processo C‑179/17

137.

Tendo em conta a minha proposta de resposta à primeira questão prejudicial, considero que não é necessário responder às segunda e terceira questões, que dizem respeito à interpretação do direito espanhol, que cabe ao juiz nacional efetuar.

C. Observação final

138.

Gostaria de fazer uma última observação. Como resulta do sexto considerando da Diretiva 93/13, «para facilitar o estabelecimento do mercado interno e proteger os cidadãos que, na qualidade de consumidores, adquiram bens e serviços mediante contratos regidos pela legislação de outros Estados‑Membros, é essencial eliminar desses contratos as cláusulas abusivas». Estou certo de que a solução proposta tem o mérito de preservar o edifício, hoje sólido e coerente, da proteção dos consumidores e, por conseguinte, reforçar o mercado interno. Por esta razão, e pelas razões que precedem, convido o Tribunal de Justiça a confirmar a sua jurisprudência.

VI. Conclusão

139.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) e pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona, Espanha):

1)

No processo C‑70/17:

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional que tenha declarado o caráter abusivo de uma cláusula contratual que permite exigir o vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário, designadamente em caso de falta de pagamento de uma única prestação mensal, possa manter a validade parcial dessa cláusula através da simples supressão do motivo de vencimento que a torna abusiva.

2)

Nos processos C‑70/17 et C‑179/17:

Os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual, quando o caráter abusivo da cláusula relativa ao vencimento antecipado tiver sido declarado por um órgão jurisdicional nacional, o processo de execução hipotecária iniciado na sequência da aplicação da referida cláusula pode, contudo, prosseguir pela aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional, como o artigo 693.o, n.o 2, da Ley 1/2000 de Enjuiciamiento Civil (Lei 1/2000 relativa ao Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000, na redação aplicável ao litígio no processo principal, na medida em que este processo possa ser mais favorável aos consumidores do que a execução de uma decisão de condenação proferida no âmbito de um processo declarativo, a menos que o consumidor, depois de ter sido devidamente informado do caráter não vinculativo da cláusula pelo juiz nacional, dê o seu consentimento livre e esclarecido e manifeste a intenção de não invocar o caráter abusivo e não vinculativo da referida cláusula.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:1999:620, n.o 1.

( 3 ) Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

( 4 ) C‑415/11, EU:C:2013:164.

( 5 ) Para uma visão de conjunto da problemática jurídica subjacente aos pedidos prejudiciais nos processos C‑92/16, C‑167/16, C‑486/16, C‑70/17 e C‑179/17, remeto para as Conclusões que apresentei no processo C‑486/16 bem como nos processos C‑92/16 e C‑167/16.

( 6 ) BOE n.o 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575.

( 7 ) BOE n.o 89, de 14 de abril de 1998, p. 12304.

( 8 ) BOE n.o 287, de 30 de novembro de 2007, p. 49181.

( 9 ) BOE n.o 76, de 28 de março de 2014, p. 26967.

( 10 ) Acórdão n.o 705/2015 (ES:TS:2015:5618).

( 11 ) Acórdão n.o 79/2016 (ES:TS:2016:626).

( 12 ) Resulta da decisão de reenvio que, no processo declarativo com fundamento no artigo 1124.o do Código Civil, o credor pode pedir a resolução do contrato por incumprimento do devedor. Esta resolução conduz à restituição recíproca das prestações ou à execução coerciva do contrato, que implica a exigibilidade da totalidade dos montantes não pagos, acrescidos dos respetivos juros. A sentença definitiva proferida no processo declarativo pode dar origem a um processo de execução, no qual todos os bens do devedor, incluindo a habitação própria e permanente, podem ser penhorados e vendidos por leilão.

( 13 ) O órgão jurisdicional de reenvio indica que o processo de execução hipotecária é preferido pelos bancos porque é mais rápido e evita que tenham de aprovisionar o crédito não pago durante um longo período.

( 14 ) O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) afirma que essas vantagens para o devedor consumidor, no âmbito do processo de execução hipotecária sobre a habitação, estão previstas nos artigos 693.o, n.o 3, 579.o, n.o 2, e 682.o, n.o 2, da LEC. Resulta destas disposições que a execução hipotecária permite designar e vender em leilão o bem hipotecado como garantia do reembolso do empréstimo. Se o bem hipotecado for a habitação própria e permanente do devedor consumidor, as regras que regulam a execução hipotecária preveem uma série de benefícios ou vantagens no intuito de permitir ao devedor conservar a sua habitação ou, pelo menos, diminuir o prejuízo do devedor relativo à venda desta habitação. Essas vantagens previstas a favor do devedor consumidor quando a execução corre termos no âmbito do processo de execução hipotecária, não se aplicam no âmbito do processo executivo comum (não hipotecário) para execução de sentença proferida no processo declarativo.

( 15 ) No entanto, este órgão jurisdicional refere que não pede obviamente ao Tribunal de Justiça que analise a justeza ou a exatidão da jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) em matéria de contratos de mútuo [hipotecário] nem que determine se a faculdade resolutória do artigo 1124.o do Código Civil é ou não aplicável a esses contratos: está apenas a fornecer informações sobre qual foi o entendimento do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) nesta matéria e pede ao Tribunal de Justiça que aprecie se a jurisprudência em causa (relativa ao prosseguimento da execução hipotecária apesar do caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado) não é contrária à Diretiva [93/13], na medida em que não avalia adequadamente as vantagens e os inconvenientes para o consumidor da suspensão da execução, do seu prosseguimento ou da tramitação de um processo declarativo.

( 16 ) V. n.o 26 das presentes conclusões.

( 17 ) Especifica, porém, que se trata de uma eventualidade em relação à qual ainda não se dispõe de indícios jurisprudenciais para além do reenvio prejudicial do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), que não se pronunciou sobre esta questão.

( 18 ) A este respeito, esse órgão jurisdicional recorda que o artigo 1101.o do Código Civil, que se refere ao pedido de indemnização por atraso ou incumprimento, mas não prevê a resolução do contrato, pode ser aplicado. Esta disposição apenas pode fundamentar a declaração ou a verificação do incumprimento da obrigação de pagamento e a condenação no pagamento dos danos efetivamente causados pelo incumprimento, que correspondem, portanto, não aos reembolsos futuros, mas apenas aos reembolsos não realizados efetivamente vencidos.

( 19 ) V. nota 21 das minhas conclusões no processo C 486/16.

( 20 ) V. Despacho de 26 de janeiro de 1990, Falciola (C‑286/88, EU:C:1990:33, n.o 7); Acórdãos de 16 de julho de 1992, Meilicke (C‑83/91, EU:C:1992:332, n.o 22); de 27 de novembro de 2012, Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 83); e de 20 de dezembro de 2017, Global Starnet (C‑322/16, EU:C:2017:985, n.o 65).

( 21 ) V. Acórdãos de 1 de dezembro de 1965, Schwarze (16/65, EU:C:1965:117), e Despacho de 5 de março de 1986, Wünsche (69/85, EU:C:1986:104, n.o 12).

( 22 ) V. Acórdãos de 29 de novembro de 1978, Redmond (83/78, EU:C:1978:214, n.o 25); de 21 de abril de 1988, Pardini (338/85, EU:C:1988:194); de 4 de julho de 2006, Adeneler e o. (C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 41); e de 7 de março de 2018, Santoro (C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 20).

( 23 ) V. Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.o 35); de 15 de dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 59); de 22 de novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709, n.o 35); e de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth (C‑52/16 e C‑113/16, EU:C:2018:157, n.o 42).

( 24 ) V. Despacho de 26 de janeiro de 1990, Falciola (C‑286/88, EU:C:1990:33, n.o 8); Acórdãos de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o. (C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.o 25); de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 35); e de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 35).

( 25 ) V. Acórdãos de 16 de janeiro de 1974, Rheinmühlen‑Düsseldorf (166/73, EU:C:1974:3, n.o 3); de 16 de dezembro de 2008, Cartesio (C‑210/06, EU:C:2008:723, n.o 88); de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 41); e de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 32).

( 26 ) V. Acórdão de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 32). Este processo tinha por objeto, nomeadamente, uma disposição de direito nacional que impedia a secção de um órgão jurisdicional que decidia em última instância de apresentar, a título prejudicial, um pedido ao Tribunal de Justiça quando não partilhasse da orientação definida por uma decisão do plenário desse órgão jurisdicional.

( 27 ) V., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.o 21); de 27 de junho de 1991, Mecanarte (C‑348/89, EU:C:1991:278, n.o 42); e de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 32).

( 28 ) V. Acórdãos de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 33), e de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth (C‑52/16 e C‑113/16, EU:C:2018:157, n.o 48).

( 29 ) V. Acórdãos de 16 de janeiro de 1974, Rheinmühlen‑Düsseldorf (166/73, EU:C:1974:3, n.o 4); de 22 de junho de 2010, Melki et Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 42); e de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth (C‑52/16 e C‑113/16, EU:C:2018:157, n.o 48). Neste último processo, o Governo húngaro alegava que o órgão jurisdicional de reenvio punha em causa certos ensinamentos de um acórdão do Tribunal Constitucional, quando, por força do direito constitucional húngaro, as decisões do Tribunal Constitucional eram vinculativas para os órgãos jurisdicionais de nível inferior.

( 30 ) V. Acórdãos de 16 de janeiro de 1974, Rheinmühlen‑Düsseldorf (166/73, EU:C:1974:3, n.o 4); de 9 de março de 2010, ERG e o. (C‑378/08, EU:C:2010:126, n.o 32); de 15 de novembro de 2012, Bericap Záródástechnikai (C‑180/11, EU:C:2012:717, n.o 55); e de 6 de novembro de 2014, Cartiera dell’Adda (C‑42/13, EU:C:2014:2345, n.o 27).

( 31 ) V., nomeadamente, Acórdão de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 34).

( 32 ) No processo C‑70/17, o litígio no processo principal respeita a um processo instaurado com vista a declarar o caráter abusivo de várias cláusulas do contrato de mútuo, entre as quais a cláusula controvertida, ao passo que, no processo C‑179/17, o litígio no processo principal respeita a um processo de execução hipotecária em que o juiz de execução declarou o caráter abusivo da cláusula controvertida. V. n.os 24, 31 e 32 das presentes conclusões.

( 33 ) Quanto às cláusulas em causa nos litígios nos processos principais, há que referir que são praticamente idênticas. Nos dois casos, trata‑se de uma cláusula relativa ao vencimento antecipado do termo, a saber, a «cláusula 6 bis» dos contratos de mútuo controvertidos. Esta cláusula tipo permite à instituição bancária exigir o empréstimo e pedir judicialmente o reembolso antecipado da totalidade da dívida, em caso, designadamente, de não pagamento de uma única prestação mensal.

( 34 ) Sobre as origens da proteção do consumidor, v., nomeadamente, Stuyck, J., «European Consumer Law after the Treaty of Amsterdam: Consumer Policy In or Beyond the Internal Market?», 37 Common Market Law Review, vol. 37, 2000, pp. 367 a 400.

( 35 ) Resolução do Conselho, de 14 de abril de 1975, relativa a um programa preliminar da Comunidade Económica Europeia para uma política de proteção e de informação dos consumidores (JO 1975, C 92, p. 1). Esta resolução dispunha que, «[n]o futuro, o consumidor não será só considerado como um comprador ou utilizador de bens e serviços para uso pessoal, familiar ou coletivo, mas como uma pessoa que participa nos diferentes aspetos da vida social que o podem afetar direta ou indiretamente enquanto consumidor». Continha um programa preliminar que agrupava os interesses do consumidor em cinco categorias de direitos fundamentais: «a) direito à proteção da sua saúde e da sua segurança; b) direito à proteção dos seus interesses económicos; c) direito à reparação dos danos; d) direito à informação e à educação; e) direito à representação (direito de ser ouvido)».

( 36 ) V. Bourgoignie, T., «Vers un droit européen de la consommation: unifié, harmonisé, codifié ou fragmenté?», Les Cahiers de droit, Vol. 46, n.o 1‑2, 2005, pp. 153 a 174.

( 37 ) A Resolução do Conselho, de 19 de maio de 1981, relativa a um segundo programa da Comunidade Económica Europeia para uma política de proteção e de informação dos consumidores (JO 1981, C 133, p. 1) reiterou os cinco direitos fundamentais dos consumidores previstos no primeiro programa de 1975, acrescentando, nomeadamente, que o consumidor deve poder exercê‑los. A este respeito, recordo que o nono considerando da Diretiva 93/13 dispõe que estes dois programas comunitários sublinham «a importância de os consumidores serem protegidos contra cláusulas contratuais abusivas; que esta proteção deve ser assegurada por disposições legislativas e regulamentares, quer harmonizadas a nível comunitário quer diretamente adotadas ao mesmo nível».

( 38 ) Na mesma linha, o Tribunal recordou que a Diretiva 93/13, «que visa reforçar a proteção dos consumidores, constitui […] uma medida indispensável para o cumprimento das missões confiadas à Comunidade e, em particular, para o aumento do nível e da qualidade de vida em todo o seu território». V. Acórdãos de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 37), e de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 26).

( 39 ) V., a este respeito, os segundos considerandos das Resoluções do Conselho de 14 de abril de 1975 e de 19 de maio de 1981, e o artigo 169.o TFUE.

( 40 ) Tais como as viagens organizadas, as compras em multipropriedade, a publicidade enganosa e comparativa, as práticas comerciais desleais, a venda à distância e ao domicílio ou ainda os direitos dos passageiros (turismo e negócios).

( 41 ) Como escreveu o advogado‑geral N. Wahl nas suas Conclusões nos processos apensos Unicaja Banco e Caixabank «[à] data da sua adoção, é pouco provável que a maioria dos Estados‑Membros tivesse previsto o impacto que a Diretiva 93/13/CEE teria nos seus ordenamentos jurídicos cerca de 20 anos depois». Conclusões do advogado‑geral N. Wahl nos processos apensos Unicaja Banco e Caixabank (C‑482/13, C‑484/13, C‑485/13 e C‑487/13, EU:C:2014:2299, n.o 1). Partilho, evidentemente, desta análise e penso igualmente que a maior parte dos consumidores da União, certamente, não suspeitavam que esta Diretiva 93/13 teria como consequência reforçar os seus direitos relativamente às instituições bancárias.

( 42 ) V. primeiro e segundo considerandos da Diretiva 93/13.

( 43 ) V. quinto, sexto e sétimo considerandos da Diretiva 93/13. O sublinhado é meu.

( 44 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 50 e jurisprudência referida).

( 45 ) V. n.os 42 a 46 das presentes conclusões.

( 46 ) Importa não esquecer a origem do contencioso prejudicial. Gostaria de recordar as palavras que escreveu, a este respeito, o juiz Pierre Pescatore em 1981: «Deve recordar‑se neste ponto um artigo que está na origem de um desenvolvimento judicial verdadeiramente prodigioso: trata‑se do recurso prejudicial do artigo 177.o Quem é o inventor deste extraordinário “gadget” judicial? Será que os negociadores puderam prever as consequências desta disposição para o desenvolvimento do direito comunitário? Importa começar por recordar que o recurso prejudicial se encontra já no Tratado CECA. Trata‑se do artigo 41.o, que, no entanto, permaneceu letra morta, porque apenas diz respeito às questões de “validade”. E este foi o ponto de partida para a discussão. Não se deveria alargar este recurso também às questões de interpretação? […] Tanto quanto me lembro, a aceitação desta ideia, no seu princípio, não foi difícil; inclino‑me a crer que nem todos tiveram provavelmente consciência da importância desta inovação. Em contrapartida, a discussão foi mais acesa no que respeita às modalidades do recurso, especialmente no que diz respeito à questão de saber quais os órgãos jurisdicionais nacionais que devem ou podem recorrer ao Tribunal de Justiça. Dado que o recurso obrigatório para todos os juízes poderia sobrecarregar o Tribunal de Justiça, optou‑se, por razões práticas, pela solução constante do artigo 177.o: recurso facultativo para todos os juízes, exceto para os órgãos jurisdicionais supremos, que serão obrigados a utilizar o recurso prejudicial a fim de evitar que se cristalizem nos Estados‑Membros jurisprudências que ponham em causa a eficácia ou a unidade do direito comunitário». Pescatore, P., «Les travaux du “groupe juridique” dans la négociation des traités de Rome», Revue d’histoire luxembourgeoise, n.o 2, Hémecht, 1982, 34, pp. 145 a 161. O sublinhado é meu.

( 47 ) Acórdão de 27 de junho de 2000 (C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:2000:346).

( 48 ) V., nomeadamente, Acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.os 32 e 33). V., igualmente, Acórdão de 30 de maio de 2013, Asbeek Brusse e de Man Garabito (C‑488/11, EU:C:2013:341, n.os 54 a 60). V. Relatório da Comissão sobre a aplicação da Diretiva 93/13/CE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, COM (2000) 248 final: «a fim de preservar o alcance e salvaguardar o efeito útil da diretiva, os sistemas jurídicos devem respeitar uma série de princípios para assegurar que uma cláusula abusiva não vincule efetivamente o consumidor».

( 49 ) Acórdão de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:2000:346, n.o 25). Quanto ao controlo oficioso do caráter abusivo das cláusulas contratuais, o Acórdão Océano Grupo Editorial e Salvat Editores constitui o primeiro passo realizado pelo Tribunal de Justiça, que julgou que o objetivo prosseguido pelo artigo 6.o da Diretiva 93/13 apenas pode ser atingido se for reconhecida ao juiz nacional a faculdade de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual. O segundo passo foi efetuado no Acórdão de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 25), no qual o Tribunal de Justiça julgou que o juiz nacional «deve» apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 e, deste modo, atenuar o desequilíbrio que existe [em detrimento do consumidor] entre o consumidor e o profissional. Estes acórdãos foram posteriormente confirmados pelo Tribunal de Justiça, inicialmente, no âmbito dos processos de injunção de pagamento, pelos Acórdãos de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.os 22 e 32), e de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.os 39 e 43), depois, no âmbito de um processo contraditório que opõe um consumidor a um profissional, nomeadamente, pelo Acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank (C‑472/11, EU:C:2013:88, n.os 19 e 24), e no âmbito de processos de execução hipotecária, nomeadamente, pelo Acórdão de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.os 41, 44 e 46).

( 50 ) V. Acórdão de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing (C‑137/08, EU:C:2010:659, n.o 44).

( 51 ) Acórdão de 26 de abril de 2012, Invitel (C‑472/10, EU:C:2012:242, n.o 22). V., igualmente, Acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 66), e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 57)

( 52 ) V., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 69), e Conclusões da advogada‑geral J. Kokott neste processo (C‑415/11, EU:C:2012:700, n.o 74).

( 53 ) Acórdão de 1 de abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten (C‑237/02, EU:C:2004:209).

( 54 ) V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Aziz (C‑415/11, EU:C:2012:700, n.o 71).

( 55 ) Acórdão de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 68).

( 56 ) Acórdão de 14 de março de 2013 (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 73). V., igualmente, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott neste processo (C‑415/11, EU:C:2012:700, n.os 77 e 78).

( 57 ) Acórdão de 26 de janeiro de 2017 (C‑421/14, EU:C:2017:60).

( 58 ) Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 66 e jurisprudência referida).

( 59 ) Acórdãos de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 39), de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing (C‑137/08, EU:C:2010:659, n.o 42), de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 71), e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 61). O sublinhado é meu.

( 60 ) V. Acórdão de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 71).

( 61 ) Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o. (C 186/16, EU:C:2017:703, n.o 58).

( 62 ) Acórdão de 30 de abril de 2014 (C‑26/13, EU:C:2014:282).

( 63 ) Acórdão de 14 de junho de 2012 (C‑618/10, EU:C:2012:349).

( 64 ) A regulamentação nacional em causa era o artigo 83.o do texto reformulado da Lei geral relativa à proteção dos consumidores e dos utentes e outras leis complementares. V. n.o 20 das presentes conclusões.

( 65 ) Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 62).

( 66 ) Acórdão de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 58); Despacho de 16 de novembro de 2010, Pohotovosť (C‑76/10, EU:C:2010:685, n.o 62); e Acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič (C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 30).

( 67 ) Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 64). O vigésimo primeiro considerando da Diretiva 93/13 prevê que «os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para evitar a presença de cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores; […] se apesar de tudo essas cláusulas constarem dos contratos, os consumidores não serão por elas vinculados, continuando o contrato a vincular as partes nos mesmos termos, desde que possa subsistir sem as cláusulas abusivas». O sublinhado é meu.

( 68 ) V. Acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 65), e Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o. (C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 57).

( 69 ) O sublinhado é meu. Acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 65); de 30 de maio de 2013, Asbeek Brusse e de Man Garabito (C‑488/11, EU:C:2013:341, n.o 57); de 21 de janeiro de 2015, Unicaja Banco e Caixabank, C‑482/13, C‑484/13, C‑485/13 e C‑487/13, EU:C:2015:21, n.o 28); e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 71). Há que acrescentar que a referida possibilidade jurídica quanto à persistência do contrato deveria ser apreciada em função de critérios objetivos e não em função dos interesses de uma das partes no contrato. V. Mikłaszewicz, P., «Komentarz do art. 3851 k.c.», in Osajda, K. (dir.), Kodeks cywilny. Komentarz, ed. 19, 2018, Legalis, comentário sobre o artigo 3851 do Código Civil polaco, n.o 45.

( 70 ) Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 69). V. igualmente Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak nesse processo (C‑618/10, EU:C:2012:74, n.os 86 a 88).

( 71 ) V. Acórdão de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 36). V., igualmente, Acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 40); de 30 de maio de 2013, Jőrös (C‑397/11, EU:C:2013:340, n.o 25); e de 17 de maio de 2018, Karel de Grote — Hogeschool Katholieke Hogeschool Antwerpen (C‑147/16, EU:C:2018:320, n.o 27 e jurisprudência referida).

( 72 ) «A importância da proteção dos consumidores levou, designadamente, o legislador [da União] a prever, no artigo 6.o, n.o 1, da diretiva, que as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional “não vincul[a]m o consumidor”». V. Acórdão de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 36).

( 73 ) Acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.os 32 e 33). V., igualmente, nota 48 das presentes conclusões.

( 74 ) Acórdão de 30 de abril de 2014 (C‑26/13, EU:C:2014:282).

( 75 ) Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 81). V. igualmente Acórdão de 21 de janeiro de 2015, Unicaja Banco e Caixabank (C‑482/13, C‑484/13, C‑485/13 e C‑487/13, EU:C:2015:21, n.o 33), e Despacho de 11 de junho de 2015, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑602/13, não publicado, EU:C:2015:397, n.o 38).

( 76 ) Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 83). V., igualmente, Despacho de 11 de junho de 2015, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑602/13, não publicado, EU:C:2015:397, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 77 ) BGH III ZR 325/12 — NJW 2014, 141.

( 78 ) V. Acórdão de 7 de outubro de 1981 (VIII ZR 214/80, NJW 1982,178 [181]).

( 79 ) V. Uffmann, K., Das Verbot der geltungserhaltenden Reduktion, Tübingen, 2010, p. 157; Basedow, J., in Krüger, W., Münchener Kommentar zum BGB, 7.a edição, Munich, 2016, § 306, n.o 18; Schlosser, P., Staudinger Kommentar zum BGB, abril de 2013, § 306, n.o 20. Quanto à jurisprudência, v. BGH, Acórdãos de 10 de outubro de 2013 (III ZR 325/12, n.o 14); de 16 de fevereiro de 2016 (XI ZR 454/14, n.o 21); e de 18 de janeiro de 2017 (VIII ZR 263/15, n.o 38).

( 80 ) V., nomeadamente, BGH, Acórdãos de 17 de maio de 1982 (VII ZR 316/81); de 25 de junho de 2003 (VIII ZR 344/02); de 18 de janeiro de 2017 (VIII ZR 263/15, n.o 38).

( 81 ) V., nomeadamente, BGH, Acórdão de 17 de maio de 1982 (VII ZR 316/81).

( 82 ) BGH, Acórdão de 10 de outubro de 2013 (III ZR 325/12).

( 83 )

( 84 ) Temming, F., Zeitschrift für das Privatrecht der Europäischen Union (GPR) 2016, pp. 38 a 46, e, em especial, v. nota 8 que remete para o Acórdão Nordenfelt v Maxim Nordenfelt Guns and Ammunition Co Ltd [1894] AC 535.

( 85 ) V. Uffmann, K., Das Verbot der geltungserhaltenden Reduktion, Tübingen, 2010, p. 157.

( 86 ) V. Kollmann, A., in Dauner‑Lieb, B., Langen, W., Nomos‑Kommentar zum BGB, tomo 2, 3.a edição, 2016, § 306, n.os 15 e segs.; Schulte‑Nölke, H., in Schulze, R., Handkommentar zum BGB, 9.a edição, 2017, § 306, n.os 4 e segs.; Bonin, in Artz, M., Beck‑Online‑Großkommentar zum BGB, edição de 1 de março de 2018, § 306, n.os 38 e segs.; Schmidt, H., in Bamberger/Roth/Hau/Poseck, Beck’scher Online‑Kommentar zum BGB, edição de 1 de novembro de 2017, § 306, n.os 16 e segs., e Schmidt, H., in Ulmer/Brandner/Hensen, AGB‑Recht, § 306, n.os 14 e segs.

( 87 ) Roloff, in Westermann, H.‑P., Erman — Kommentar zum BGB, 15a edição, 2017, § 306, n.o 8.

( 88 ) Por uma questão de exaustividade, há que mencionar que a doutrina alemã minoritária sustenta, em substância, que é artificial dizer que uma divisão não é também uma alteração. V. Uffmann, K., Das Verbot der geltungserhaltenden Reduktion, Tübingen, 2010, pp. 158 e segs.; Uffmann, K., Recht der Arbeit, 2012, pp. 113 a 120 e, em especial, p. 119. Em geral, muitas vezes não é possível fazer uma seleção precisa entre as partes abusivas e as partes não abusivas. Assim, segundo esta posição minoritária, há que admitir uma alteração salvadora. Uffmann, K., op. cit., pp. 164 e segs.; Schlosser, P., in Staudinger, «Kommentar zum BGB», edição de abril 2013, § 306, n.o 25; Basedow, J., in Krüger, W., Münchener Kommentar zum BGB, 7.a edição, 2016, § 306, n.os 13 e segs.

( 89 ) Neste tipo de contratos de mútuo hipotecário, em princípio, as alíneas seguintes (b, c, d, etc.) não preveem fundamentos de resolução por incumprimento do devedor.

( 90 ) Esta cláusula é transcrita no n.o 95 das presentes conclusões.

( 91 ) Pelo contrário, é o caso da cláusula controvertida no processo C‑179/17, que prevê: «Não obstante a duração estipulada do presente contrato, o banco credor pode declarar o vencimento do empréstimo, considerando o empréstimo resolvido e a dívida antecipadamente vencida na totalidade, designadamente por não pagamento no vencimento [de uma,] de várias ou de todas as prestações de reembolso previstas na segunda cláusula (relativa à amortização)». Esta cláusula preenche o primeiro requisito do blue pencil test, uma vez que cada tipo de não pagamento (uma, várias e todas) pode ser considerado separadamente.

( 92 ) Por exemplo: «[…] a) [Não pagamento de qualquer prestação vencida de capital ou de juros] […]; b) […]; c) […]».

( 93 ) Como é, a meu ver, o caso da cláusula controvertida no processo C‑179/17.

( 94 ) V. n.o 89 das presentes conclusões.

( 95 ) Estas mesmas considerações aplicam‑se à cláusula controvertida no processo C‑179/17.

( 96 ) V. Acórdãos de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing (C‑137/08, EU:C:2010:659, n.o 44), e de 26 de abril de 2012, Invitel (C‑472/10, EU:C:2012:242, n.o 22). V., igualmente, Acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 66), e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 57).

( 97 ) Sobre a diferença entre a apreciação/qualificação relativa ao caráter abusivo da cláusula e as consequências a retirar desta apreciação/qualificação, v. n.os 65 e segs. das presentes conclusões.

( 98 ) V. n.os 66 e segs. das presentes conclusões.

( 99 ) V. n.os 72 e segs. das presentes conclusões.

( 100 ) Em especial, sobre a subsistência jurídica do contrato, v. jurisprudência referida na nota 69 das presentes conclusões.

( 101 ) Com efeito, à data da celebração dos contratos de mútuo hipotecário em causa (2005 e 2008), o artigo 693.o, n.o 2, da LEC tinha a seguinte redação: «[a] totalidade do capital e dos juros devidos pode ser reclamada se o vencimento da totalidade da dívida for acordado em caso de não pagamento de uma das prestações vencidas estipuladas e se o referido acordo estiver inscrito no registo». Por conseguinte, esta disposição previa a possibilidade de reclamar através do processo de execução hipotecária, «a totalidade do capital e dos juros devidos»na condição de i) a cláusula ou acordo de vencimento antecipado estar inscrito no registo predial e de ii) o vencimento antecipado estar subordinado ao «não pagamento de uma das prestações estipuladas». V., a este respeito, nota 21 das minhas conclusões no processo C‑486/16.

( 102 ) Acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 73), e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 66). V., igualmente, n.o 69 das presentes conclusões.

( 103 ) Após a cisão proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta cláusula tem a seguinte redação: «não pagamento de prestação vencida de capital ou de juros […]».

( 104 ) Acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 73), e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 66).

( 105 ) V. n.o 26 das presentes conclusões.

( 106 ) A este respeito, v. n.o 118 das presentes conclusões.

( 107 ) V. notas 91 e 93 das presentes conclusões.

( 108 ) V. nota 101 das presentes conclusões.

( 109 ) Acórdão de 30 de abril de 2014 (C‑26/13, EU:C:2014:282).

( 110 ) O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) observa que o abandono do processo de execução hipotecária, além de desencadear a perda de certas vantagens para o devedor, obriga o credor a instaurar um processo declarativo «com vista a declaração do vencimento ou da resolução do mútuo hipotecário por incumprimento do devedor». Acrescenta que «[m]esmo no caso hipotético de a instituição credora esperar durante todo o período de reembolso estipulado e não pedir a resolução do contrato, o montante dos juros de mora do devedor seria extraordinariamente elevado, tendo em conta os longos períodos de reembolso destes contratos». Em consequência, se é necessário instaurar um processo declarativo para que seja declarada a resolução do contrato de mútuo hipotecário, parece claro que o contrato subsiste.

( 111 ) Recordo ainda que o vigésimo primeiro considerando da Diretiva 93/13 prevê que «os consumidores não serão por elas vinculados, continuando o contrato a vincular as partes nos mesmos termos, desde que possa subsistir sem as cláusulas abusivas». V., igualmente, Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.os 64 e 65).

( 112 ) Em especial, sobre a subsistência jurídica do contrato, v. jurisprudência referida na nota 69 das presentes conclusões.

( 113 ) Resulta das observações escritas do Governo espanhol que a supressão da cláusula controvertida torna a relação jurídica demasiado onerosa para a instituição bancária, uma vez que fica obrigada a recorrer, inicialmente, ao processo declarativo para resolver o contrato, e a seguir, ao processo executivo comum para cobrar a dívida. V., a este respeito, as considerações nos n.os 54, 57 a 58 das minhas conclusões nos processos C¬92/16 e C 167/16.

( 114 ) Acórdão de 26 de janeiro de 2017 (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 73).

( 115 ) Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 74). O sublinhado é meu. V. igualmente as minhas Conclusões no processo Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2016:69, n.o 85).

( 116 ) Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 75).

( 117 ) Acórdão de 30 de abril de 2014 (C‑26/13, EU:C:2014:282).

( 118 ) C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980.

( 119 ) Assim, fixou a obrigação de restituição aos consumidores não a contar da data da celebração dos contratos controvertidos, mas a contar das decisões judiciais que declararam as cláusulas nulas.

( 120 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o. (C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.os 61 e 66).

( 121 ) O órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑179/17 refere que, «mesmo no caso de, apesar do exposto no número anterior, a aplicação supletiva do artigo 693.o, n.o 2, LEC, dever ser considerada praticável in abstrato, uma nova problemática aparece: esta disposição prevê literalmente que "[o] pagamento total da dívida de capital e de juros, pode ser reclamado quando o vencimento da totalidade da dívida mutuária tiver sido acordado em caso de não pagamento de, pelo menos, três prestações mensais […] e este acordo constar do contrato de mútuo". Por outras palavras, a existência de um acordo é um dos requisitos fundamentais desta disposição. É certo que houve um acordo no momento da celebração do contrato, mas este foi precisamente declarado abusivo e nulo e, por conseguinte, não é válido (foi afastado do contrato e deve ser considerado como não escrito). Assim, afigura‑se evidente que o artigo 693.o, n.o 2, LEC, se refere à existência de um acordo válido e eficaz, e não a um acordo abusivo, nulo e desprovido de efeitos. Caso contrário, se se considerar que é indiferente que o acordo seja ou não abusivo, chega‑se à solução absurda, segundo a jurisprudência em causa, de o vencimento antecipado ser sempre possível independentemente do teor (e do caráter potencialmente abusivo) da cláusula contratual. A legislação de proteção dos consumidores fica esvaziada de conteúdo e a sua tutela parece ficar seriamente enfraquecida». O sublinhado é meu. V. n.os 17, 34, 111 e 121 e nota de rodapé 101 das presentes conclusões. V., igualmente, n.o 55 das minhas conclusões no processo C‑486/16.

( 122 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o. (C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 60).

( 123 ) Recordo, a este respeito, que cabe ao órgão jurisdicional nacional pronunciar‑se sobre o caráter supletivo ou não de uma disposição nacional.

( 124 ) V. n.o 8 do segundo fundamento de recurso da referida decisão.

( 125 ) Resulta dos autos que, nos Acórdãos do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) de 23 de dezembro de 2015 e de 18 de fevereiro de 2016, já referidos no n.o 26 das presentes conclusões, o magistrado Francisco Javier Orduña Moreno apresentou opiniões dissidentes e se pronunciou sobre a incompatibilidade dos acórdãos do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) com o direito da União. Disponível em http://www.poderjudicial.es/search/openDocument/d9586b9875f1d9f4. V. pp. 8 a 17. V. igualmente n.o 26 das minhas Conclusões nos processos C‑92/16 e C‑167/16 bem como nota 21 das minhas Conclusões no processo C‑486/16.

( 126 ) Com efeito, a ideia deste primeiro exemplo ocorreu‑me na audiência quando o Governo espanhol, no intuito de ilustrar as desvantagens para o consumidor do processo declarativo, fez referência a um caso hipotético similar.

( 127 ) Acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 33).

( 128 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank (C‑472/11, EU:C:2013:88, n.os 27 e 35).

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