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Documento 62017CC0042

Conclusões do advogado-geral Y. Bot apresentadas em 18 de julho de 2017.
Processo penal contra M.A.S. e M.B.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte costituzionale.
Reenvio prejudicial — Artigo 325.o TFUE — Acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555) — Processo penal por infrações em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Legislação nacional que prevê prazos de prescrição que podem levar à impunidade das infrações — Prejuízo dos interesses financeiros da União Europeia — Obrigação de não aplicar qualquer disposição de direito interno suscetível de violar as obrigações impostas aos Estados‑Membros pelo direito da União — Princípio da legalidade dos crimes e das penas.
Processo C-42/17.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2017:564

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 18 de julho de 2017 ( 1 )

Processo C‑42/17

Processo penal

contra

M.A.S.,

M.B.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Artigo 325.o TFUE — Processo penal relativo a delitos em matéria de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) — Prejuízo potencial dos interesses financeiros da União Europeia — Legislação nacional que prevê prazos de prescrição perentórios que podem levar à impunidade dos delitos — Acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555) — Princípios da equivalência e da efetividade — Inadmissibilidade da legislação em causa — Obrigação do órgão jurisdicional nacional se abster de aplicar essa legislação no caso de esta impedir a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras “num número considerável de casos de fraude grave” lesivos dos interesses financeiros da União, ou de prever prazos de prescrição mais longos para os casos de fraude lesivos dos interesses financeiros do Estado‑Membro em questão do que para os que lesam os interesses financeiros da União — Aplicação imediata desta obrigação aos processos em curso em conformidade com o princípio tempus regit actum — Compatibilidade com o princípio da legalidade dos crimes e das penas — Alcance e hierarquia deste princípio na ordem jurídica do Estado‑Membro em causa — Inclusão das regras relativas à prescrição no âmbito do referido princípio — Natureza substantiva das dessas regras — Artigo 4.o, n.o 2, TUE — Respeito da identidade nacional do Estado‑Membro em causa — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 49.° e 53.°»

I. Introdução

1.

No presente processo de reenvio prejudicial, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a medida em que os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a conformar‑se com a obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. ( 2 ), que consiste em não aplicar nos processos penais em curso as regras constantes no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do codice penale (Código Penal italiano).

2.

Nesse acórdão, e na linha do acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson ( 3 ), o Tribunal de Justiça afirmou que as fraudes ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) podem constituir fraudes lesivas dos interesses financeiros da União Europeia.

3.

O Tribunal de Justiça realçou que as disposições previstas pelo Código Penal, ao preverem nomeadamente, em caso de interrupção da prescrição, a regra de que o prazo de prescrição não pode em caso algum ser prorrogado de mais de um quarto da sua duração inicial, têm por consequência, dada a complexidade e a duração dos processos penais instaurados por fraudes graves ao IVA, a impunidade das fraudes graves, uma vez que estas infrações prescrevem geralmente antes de a sanção penal prevista pela lei poder ser aplicada mediante uma decisão judicial transitada em julgado. O Tribunal de Justiça declarou que tal situação prejudica as obrigações impostas aos Estados‑Membros pelo artigo 325.o, n.os 1 e 2, TFUE.

4.

A fim de assegurar a efetividade da luta contra as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, o Tribunal de Justiça pediu então aos órgãos jurisdicionais nacionais que, se necessário, não apliquem essas disposições.

5.

No âmbito do presente reenvio prejudicial, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta que tal obrigação é suscetível de violar um princípio supremo da sua ordem constitucional, o princípio da legalidade dos crimes e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege), consagrado no artigo 25.o, n.o 2, da Costituzione (Constituição, a seguir «Constituição Italiana»), e, deste modo, de afetar a identidade constitucional da República Italiana.

6.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sublinha que o princípio da legalidade dos crimes e das penas, tal como interpretado na ordem jurídica italiana, garante um nível de proteção mais elevado do que o que decorre da interpretação do artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 4 ), na medida em que se estende à determinação dos prazos de prescrição aplicáveis à infração e se opõe, por conseguinte, a que o órgão jurisdicional nacional aplique, a um processo em curso, um prazo de prescrição mais longo do que o previsto no momento em que essa infração foi cometida (princípio da não retroatividade da lei penal mais desfavorável).

7.

Ora, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sublinha que a obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. obriga o juiz penal italiano a aplicar às infrações cometidas antes da publicação desse acórdão, em 8 de setembro de 2015, e que ainda não tenham prescrito, prazos de prescrição mais longos do que os inicialmente previstos na data da prática dessas infrações. O Tribunal Constitucional realça, além disso, que esta obrigação não assenta em nenhuma base jurídica precisa e que, aliás, se baseia em critérios que considera vagos. Por conseguinte, esta obrigação leva a reconhecer ao órgão jurisdicional nacional uma margem de apreciação suscetível de implicar um risco de arbitrariedade e que, além disso, ultrapassa os limites da sua função jurisdicional.

8.

Na medida em que a Constituição Italiana garanta um nível de proteção mais elevado dos direitos fundamentais do que o que é reconhecido no direito da União, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta que o artigo 4.o, n.o 2, TUE e o artigo 53.o da Carta permitem então aos órgãos jurisdicionais nacionais opor‑se ao cumprimento da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o.

9.

Por conseguinte, com as suas três questões prejudiciais, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 325.o TFUE, tal como interpretado por este último no acórdão Taricco e o., obriga os órgãos jurisdicionais nacionais a absterem‑se de aplicar as normas de prescrição em causa, mesmo se, em primeiro lugar, essas normas, na ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa, estiverem cobertas pelo princípio da legalidade dos crimes e das penas e, assim, pelo direito penal substantivo, em segundo lugar, se tal obrigação for desprovida de base legal suficientemente precisa e, por fim, em terceiro lugar, se tal obrigação for contrária aos princípios supremos da ordem constitucional italiana ou aos direitos inalienáveis da pessoa, tal como reconhecidos pela Constituição Italiana.

10.

Na sua decisão de reenvio, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) não só coloca estas três questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, como também o aconselha quanto à resposta que deveria ser formulada para evitar a instauração do processo designado «de contra‑limites» ( 5 ). A este respeito, esta decisão de reenvio recorda‑nos a questão prejudicial formulada pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha) no âmbito do processo que deu origem ao acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. ( 6 ). Com efeito, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) expõe de modo muito claro, que, na hipótese de o Tribunal de Justiça manter a sua interpretação do artigo 325.o TFUE em termos idênticos aos formulados no acórdão Taricco e o., poderia então declarar a lei nacional que ratifica e executa o Tratado de Lisboa — na medida em que esta ratifica e executa o artigo 325.o TFUE — contrária aos princípios supremos da sua ordem constitucional, exonerando assim os órgãos jurisdicionais nacionais da sua obrigação de respeitarem o acórdão Taricco e o.

11.

Nas presentes conclusões, exporei as razões pelas quais está fora de questão pôr em causa o próprio princípio estabelecido pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão, segundo o qual o órgão jurisdicional nacional é obrigado, se necessário, a abster‑se de aplicar as normas contidas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal, para assegurar uma sanção efetiva e dissuasiva das fraudes lesivas dos interesses financeiros da União.

12.

Em primeiro lugar, explicarei que a interpretação excessivamente restritiva do conceito de interrupção da prescrição e dos seus atos interruptivos que resulta da conjugação das disposições em causa, na medida em que priva as autoridades a quem compete a instrução e as encarregadas do julgamento de um prazo razoável para concluir os processos instaurados por fraudes ao IVA, não é manifestamente adaptada à exigência de que as infrações aos interesses financeiros da União sejam sancionadas nem tem o efeito dissuasor necessário para prevenir a prática de novas infrações, violando assim o elemento substantivo, mas também o elemento — que se poderia qualificar — «processual» do artigo 325.o TFUE.

13.

A este respeito, explicarei que, tendo em conta os termos do artigo 49.o da Carta e a jurisprudência estabelecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quanto ao alcance do princípio da legalidade dos crimes e das penas, consagrado no artigo 7.o da Convenção Europeia para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 ( 7 ), nada se opõe a que o órgão jurisdicional nacional, ao dar cumprimento às obrigações que lhe incumbem por força do direito da União, não aplique as disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal aos processos em curso.

14.

Precisarei para o efeito os critérios segundo os quais o órgão jurisdicional nacional está vinculado por essa obrigação. Com efeito, tal como a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), a cuja opinião seguirei quanto a este ponto, parece‑me que, para assegurar a necessária previsibilidade, tanto no processo penal como no direito penal substantivo, os termos do acórdão Taricco e o. devem ser clarificados. A este respeito, proporei a substituição do critério que esse acórdão enuncia por outro critério, baseado exclusivamente na natureza da infração.

15.

Por último, exporei as razões pelas quais considero que a construção de um espaço de liberdade, segurança e justiça exige que a repressão das infrações lesivas dos interesses financeiros da União seja hoje acompanhada por uma harmonização das normas de prescrição na União, em especial das normas que regem a respetiva interrupção.

16.

Em segundo lugar, na esteira dos princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni ( 8 ), explicarei que, na minha opinião, o artigo 53.o da Carta não permite que a autoridade judiciária de um Estado‑Membro se oponha ao cumprimento da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. com o fundamento de que esta obrigação não respeita o nível de proteção mais elevado dos direitos fundamentais garantido pela constituição desse Estado.

17.

Finalmente, em terceiro lugar, apresentarei as razões pelas quais a aplicação imediata de um prazo de prescrição mais longo, que resultaria do cumprimento dessa obrigação, na minha opinião, não é suscetível de afetar a identidade nacional da República Italiana e de deste modo violar os termos do artigo 4.o, n.o 2, TUE.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

1.   Tratado UE

18.

O artigo 4.o, n.o 2, TUE dispõe que a União respeita a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles. Nos termos do n.o 3, deste artigo, em virtude do princípio da cooperação leal, a União e os Estados‑Membros respeitam‑se e assistem‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados. Os Estados‑Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União.

19.

Em conformidade com o artigo 325.o TFUE, a União e os Estados‑Membros combaterão «as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União» e proporcionarão «uma proteção efetiva» a estes interesses.

2.   Carta

20.

O artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dispõe:

«Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. […]»

21.

O artigo 49.o da Carta, intitulado «Princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas», prevê, no seu n.o 1:

«Ninguém pode ser condenado por uma ação ou por uma omissão que no momento da sua prática não constituía infração perante o direito nacional ou o direito internacional. Do mesmo modo, não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi praticada. Se, posteriormente à infração, a lei previr uma pena mais leve, deve ser essa a pena aplicada.»

22.

Nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta:

«Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma proteção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.»

23.

O artigo 53.o da Carta enuncia:

«Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União, o direito internacional e as convenções internacionais em que são partes a União, a Comunidade ou todos os Estados‑Membros, nomeadamente a [CEDH], bem como pelas Constituições dos Estados‑Membros.»

B. Direito italiano

1.   Constituição Italiana

24.

O artigo 25.o, n.o 2, da Constituição Italiana dispõe que «ninguém pode ser punido a não ser por força de uma lei em vigor antes da prática do ato».

2.   Disposições do Código Penal relativas à prescrição das infrações

25.

A prescrição é um dos motivos de extinção das infrações penais (Livro I, Título VI, Capítulo I, do Código Penal). A sua regulamentação foi profundamente modificada pela legge n.o 251, 5 dicembre 2005 (Lei n.o 251, de 5 de dezembro de 2005) ( 9 ).

26.

Nos termos do artigo 157.o, n.o 1, do Código Penal, a infração penal prescreve depois de decorrido um prazo equivalente à duração da pena máxima prevista pela lei, não podendo este prazo ser inferior a seis anos para os crimes e a quatro anos para as contraordenações.

27.

O artigo 158.o desse código fixa o momento do início da contagem do prazo de prescrição do seguinte modo:

«Para uma infração consumada, o prazo de prescrição começa a correr a partir do dia em que foi cometida; para a tentativa de infração, a partir do dia da cessação da atividade do autor; para infração permanente, a partir do dia em que a permanência tenha cessado.

[…]»

28.

Nos termos do artigo 159.o do referido código, relativo às regras de suspensão da prescrição:

«O prazo de prescrição interrompe‑se em todos os casos em que uma disposição especial da lei preveja a suspensão do procedimento ou do processo penal ou do prazo estabelecido para a prisão preventiva, e bem como nos seguintes casos:

1)

autorização de procedimento penal;

2)

devolução da causa a outro órgão jurisdicional;

3)

suspensão do procedimento ou do processo penal por impedimento das partes ou dos advogados, ou a pedido do arguido ou do seu advogado. […]

[…]

O prazo de prescrição recomeça a correr a partir do dia em que cesse o motivo da suspensão.

[…]»

29.

O artigo 160.o do mesmo código, que regula a interrupção da prescrição, dispõe:

«A prescrição é interrompida por sentença ou despacho condenatório.

Os despachos relativos à aplicação de medidas provisórias pessoais […] [e] o despacho que fixa a audiência preliminar […] também interrompem a prescrição.

Quando tenha sido interrompida, a prescrição recomeça a correr a partir do dia da interrupção. Quando tenha havido vários atos interruptivos, a prescrição recomeça a correr a partir do último desses atos; todavia, em caso algum os prazos fixados no artigo 157.o poderão ser prorrogados para além dos prazos referidos no artigo 161.o, segundo parágrafo, [do Código Penal], salvo no caso das infrações previstas no artigo 51.o, n.os 3 bis e 3 quater, do [codice di procedura penale (código de processo penal)].»

30.

Nos termos do artigo 161.o do Código Penal, relativo aos efeitos da suspensão e da interrupção:

«A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos em relação a todos os autores da infração.

Salvo no caso de procedimento penal por infrações previstas no artigo 51.o, n.os 3 bis e 3 quater, do código de processo penal, a interrupção da prescrição não pode levar em caso algum a aumentar o prazo de prescrição em mais que um quarto da sua duração máxima prevista […]»

III. Factos

A. Acórdão Taricco e o.

31.

O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Cuneo (Tribunal de Cuneo, Itália) tinha por objeto a interpretação dos artigos 101.°, 107.° e 119.° TFUE, bem como do artigo 158.o da Diretiva 2006/112/CE ( 10 ) à luz da regulamentação nacional relativa à prescrição das infrações penais, como a estabelecida no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal.

32.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra vários indivíduos acusados de terem constituído e organizado uma associação para cometer diversos crimes em matéria de IVA.

33.

Nesse acórdão, proferido em 8 de setembro de 2015, o Tribunal de Justiça declarou que um regime nacional de prescrição de infrações penais, como o que estava em causa, que previa, à data dos factos do processo principal, que o ato que determina a interrupção da prescrição no quadro de procedimentos penais relativos a fraudes graves em matéria de IVA tinha o efeito de prorrogar o prazo de prescrição em apenas um quarto da sua duração inicial, é suscetível de violar as obrigações impostas aos Estados‑Membros por força do artigo 325.o, n.os 1 e 2, TFUE, caso esse regime nacional impeça a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras num número considerável dos casos de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União ou preveja prazos de prescrição mais longos para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros do Estado‑Membro em causa do que para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros da União.

34.

Com efeito, o Tribunal de Justiça concluiu que, ao introduzirem, em caso de interrupção da prescrição, uma regra por força da qual o prazo de prescrição não pode em nenhum caso ser prolongado em mais de um quarto da sua duração inicial, as disposições nacionais em causa têm a consequência de, dada a complexidade e a duração dos procedimentos penais que culminam numa decisão judicial transitada em julgado, neutralizar o efeito temporal de uma causa de interrupção da prescrição. Em virtude deste facto, o Tribunal de Justiça salientou que num número considerável de casos, os factos constitutivos de fraude grave acabam por não ser punidos penalmente.

35.

Por conseguinte, para garantir o pleno efeito do artigo 325.o, n.os 1e 2, TFUE, o Tribunal de Justiça considerou que, se necessário, o órgão jurisdicional nacional não deve aplicar as disposições de direito nacional que têm o efeito de impedir que o Estado‑Membro em causa respeite as obrigações que lhe são impostas por essa disposição.

B. Questões de constitucionalidade submetidas pela Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação, Itália) e pela Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão, Itália) à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional)

36.

A Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação) e a Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão), nas quais estavam pendentes processos relativos a fraudes graves em matéria de IVA, consideraram que a não aplicação do artigo 160.o, último parágrafo, e o artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal a situações anteriores à data da publicação do acórdão Taricco e o. implicaria um agravamento retroativo do regime de incriminação, incompatível com o princípio da legalidade dos crimes e das penas consagrado no artigo 25.o, n.o 2, da Constituição Italiana.

37.

Por conseguinte, submeteram à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) um pedido de apreciação da constitucionalidade do artigo 2.o da legge n.o 130, 2 agosto 2008 (Lei n.o 130, de 2 de agosto de 2008) ( 11 ), na medida em que autoriza a ratificação do Tratado de Lisboa e a execução, nomeadamente, do artigo 325.o, n.os 1 e 2, TFUE, com base no qual o Tribunal de Justiça estabeleceu a obrigação em causa ( 12 ).

IV. Decisão de reenvio

A. Quanto ao alcance e à hierarquia do princípio da legalidade dos crimes e das penas na ordem jurídica italiana

38.

Na sua decisão de reenvio, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sublinha, em primeiro lugar, que, na ordem jurídica italiana, o princípio da legalidade dos crimes e das penas se opõe a que o órgão jurisdicional nacional deixe de aplicar as disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal, aos processos em curso.

39.

Com efeito, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) indica que, contrariamente a outros sistemas jurídicos nos quais as regras de prescrição em matéria penal são qualificadas como normas processuais ( 13 ), na ordem jurídica italiana estas últimas constituem normas substantivas que fazem parte integrante do princípio da legalidade dos crimes e das penas, pelo que não podem ser aplicadas retroativamente em prejuízo do arguido.

40.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) realça que o artigo 25.o, n.o 2, da Constituição Italiana confere, por isso, ao princípio da legalidade dos crimes e das penas um alcance mais amplo do que o reconhecido pelas fontes do direito da União, dado que não está limitado à mera definição da infração e das penas que lhe são aplicáveis, mas estende‑se a todos os aspetos materiais da sanção, em particular à determinação das regras de prescrição aplicáveis à infração. Em conformidade com este princípio, a infração, a pena aplicada e o prazo de prescrição devem, pois, estar definidos em termos claros, precisos e vinculativos numa lei em vigor no momento em que o ato foi praticado. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o respeito deste princípio deve, assim, permitir a qualquer pessoa conhecer as consequências da sua conduta no plano penal e impedir qualquer arbitrariedade na aplicação da lei.

41.

Ora, no contexto do processo principal, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta que os indivíduos em causa não podiam razoavelmente prever, à luz do quadro normativo vigente no momento dos factos, que o direito da União, e nomeadamente o artigo 325.o TFUE, imporia ao órgão jurisdicional nacional a obrigação de não aplicar o artigo 160.o, último parágrafo, e o artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal, ampliando assim os prazos de prescrição aplicáveis. Consequentemente, a obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. é contrária às exigências previstas no artigo 7.o da CEDH.

42.

Além disso, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sublinha que o princípio da legalidade dos crimes e das penas é o primeiro dos direitos inalienáveis da pessoa e deve ser considerado, em todos os seus aspetos, como um princípio supremo da ordem constitucional italiana, prevalecendo este, por conseguinte, sobre as normas do direito da União em conflito.

43.

No que respeita à qualificação das normas de prescrição em matéria penal, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) precisa que esta é definida pela tradição constitucional de cada um dos Estados‑Membros e não pelo direito da União.

44.

Na medida em que a ordem jurídica italiana confere um nível de proteção dos direitos fundamentais mais elevado que o que decorre da interpretação do artigo 49.o da Carta e do artigo 7.o da CEDH, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) acrescenta que o artigo 53.o da Carta autoriza, portanto, o órgão jurisdicional nacional a desonerar‑se da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o.

45.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) distingue então o presente processo daquele que deu origem ao acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni ( 14 ), no qual a aplicação das disposições constitucionais do Reino de Espanha tinha uma incidência direta sobre o primado do direito da União, em particular sobre o alcance da Decisão‑Quadro 2009/299/JAI ( 15 ), e levava a romper a uniformidade e a unidade do direito da União num domínio baseado na confiança mútua entre os Estados‑Membros.

46.

Em segundo lugar, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta que a obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. assenta em critérios imprecisos, contrários ao princípio da segurança jurídica, na medida em que o órgão jurisdicional nacional não tem capacidade para definir inequivocamente os casos em que a fraude aos interesses financeiros da União pode ser qualificada de «grave» e os casos em que a aplicação das normas de prescrição em causa tem por efeito levar à impunidade num «número considerável de casos». Tais critérios criariam, portanto, um risco de arbitrariedade importante.

47.

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as regras estabelecidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. são incompatíveis com os princípios que regem a separação de poderes.

48.

A este respeito, precisa que os prazos de prescrição e as modalidades de cálculo dos mesmos devem ser definidos pelo legislador nacional mediante disposições precisas e que, por isso, não compete às autoridades judiciárias decidir, caso a caso, o seu conteúdo. Ora, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) considera que os princípios enunciados no acórdão Taricco e o. não permitem limitar a margem de apreciação das autoridades judiciárias, pelo que estas são livres de deixar de aplicar as disposições legislativas em causa quando considerem que estas constituem um obstáculo à repressão da infração.

B. Quanto à identidade constitucional da República Italiana

49.

Por último, na sua decisão de reenvio, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta que o artigo 4.o, n.o 2, TUE permite ao órgão jurisdicional nacional desobrigar‑se da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. na medida em que esta obrigação viola um princípio supremo da sua ordem constitucional e, por conseguinte, é suscetível de afetar a identidade nacional, nomeadamente a identidade constitucional, da República Italiana.

50.

Sublinha que não se pode considerar o direito da União, tal como a sua interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça, obrigue o Estado‑Membro a renunciar aos princípios supremos da sua ordem constitucional, que definem a sua identidade nacional. Assim, a aplicação de um acórdão do Tribunal de Justiça está sempre condicionada à sua compatibilidade com a ordem constitucional do Estado‑Membro em causa, que deve ser apreciada pelas autoridades nacionais e, na Itália, pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional).

V. Questões prejudiciais

51.

A luz destas considerações, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) decidiu suspender a decisão sobre a questão da constitucionalidade do artigo 2.o da lei n.o 130, de 2 de agosto de 2008, que ratifica a executa o Tratado de Lisboa, e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)

Deve o artigo 325.o, n.os 1 e 2, TFUE, ser interpretado no sentido de que impõe ao juiz penal que se abstenha de aplicar uma legislação nacional relativa à prescrição que obsta, num número considerável de casos, à repressão de fraudes graves lesivas dos interesses financeiros da União, ou que prevê prazos de prescrição para as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União mais curtos do que os previstos para as fraudes lesivas dos interesses financeiros do Estado, mesmo quando essa não aplicação careça de uma base jurídica suficientemente precisa?

2)

Deve o artigo 325.o, n.os 1 e 2, TFUE, ser interpretado no sentido de que impõe ao juiz penal que se abstenha de aplicar uma legislação nacional relativa à prescrição que obsta, num número considerável de casos, à repressão de fraudes graves lesivas dos interesses financeiros da União, ou que prevê prazos de prescrição para as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União mais curtos do que os previstos para as fraudes lesivas dos interesses financeiros do Estado, mesmo quando no ordenamento do Estado‑Membro a prescrição faça parte do direito penal substantivo e esteja sujeita ao princípio da legalidade?

3)

Deve o acórdão [Taricco e o.] ser interpretado no sentido de que impõe ao juiz penal que se abstenha de aplicar uma legislação nacional relativa à prescrição que obsta, num número considerável de casos, à repressão de fraudes graves lesivas dos interesses financeiros da União Europeia, ou que prevê prazos de prescrição para as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União mais curtos do que os previstos para as fraudes lesivas dos interesses financeiros do Estado, mesmo quando essa não aplicação seja contrária aos princípios supremos da ordem constitucional do Estado‑Membro ou aos direitos inalienáveis reconhecidos pela Constituição do Estado‑Membro?»

VI. Observações preliminares

52.

Antes de proceder ao exame das questões prejudiciais submetidas pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), parece‑me oportuno fazer algumas observações preliminares relativas, antes de mais, ao contexto em que o acórdão Taricco e o. foi proferido, e em seguida, à abordagem adotada pelas partes e pela Comissão Europeia na audiência.

53.

Em primeiro lugar, pretendo assinalar que a incidência das regras de prescrição previstas no Código Penal sobre a efetividade dos processos penais, quer tenham sido desencadeados por um crime contra as pessoas ou quer se inscrevam no âmbito da criminalidade económica e financeira, não é uma questão inédita. Esta questão já foi objeto de numerosos relatórios e recomendações dirigidas à República Italiana, nos quais eram criticadas, nomeadamente, as regras e os métodos de cálculo aplicáveis à prescrição e, em especial, a interpretação restritiva das causas de interrupção da prescrição e a existência de um prazo de prescrição perentório que não pode ser interrompido nem suspenso.

54.

Por isso, as dificuldades evidenciadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. quanto à influência das regras de prescrição estabelecidas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal sobre a efetividade da repressão das fraudes ao IVA não são novas.

55.

A nível nacional, antes de mais, as autoridades judiciárias alertaram muito cedo o legislador nacional para o facto de que os prazos de prescrição em vigor não permitiam obter uma decisão judicial definitiva na maioria dos casos de corrupção graves e complexos ( 16 ), o que deu origem à criação de um grupo de trabalho (comissão ad hoc) encarregado de estudar as possibilidades existentes quanto a uma reforma das regras de prescrição, cujos trabalhos foram entregues em 23 de abril de 2013 ( 17 ).

56.

A nível da União, em seguida, a Comissão dedicou em 2014 um estudo particular às consequências do regime italiano da prescrição na luta efetiva contra a corrupção ( 18 ). Realçou assim que «[a] prescrição constitui desde sempre uma questão extremamente preocupante [neste Estado‑Membro]», sublinhando que «[o] prazo de prescrição aplicável nos termos da legislação italiana, associado aos processos judiciais extremamente longos, às regras e métodos de cálculo aplicáveis à prescrição, à falta de flexibilidade no que se refere aos motivos de suspensão e de interrupção e à existência de um prazo de prescrição perentório que não pode ser interrompido nem suspenso determinavam e continuarão a determinar o arquivamento de um número considerável de processos» ( 19 ).

57.

Seguindo as recomendações dirigidas pelo Conselho à República Italiana em 9 de julho de 2013 ( 20 ), a Comissão convidou então este Estado‑Membro a rever as regras em vigor que regem os prazos de prescrição, de modo a reforçar o quadro jurídico de repressão da corrupção.

58.

Atualmente, ao nível do Conselho da Europa, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nos acórdãos Alikaj e outros contra Itália ( 21 ) e Cestaro contra Itália ( 22 ), decidiu também que o mecanismo de prescrição, tal como previsto nos artigos 157.° a 161.° do Código Penal, é suscetível de produzir efeitos contrários aos que exige a proteção dos direitos fundamentais enunciados na CEDH, na sua vertente penal, visto que este mecanismo tem por efeito que infrações graves fiquem impunes. Consequentemente o referido Tribunal declarou que este quadro legislativo era inadequado ( 23 ) para prevenir e punir as ofensas à vida, os atos de tortura e os maus tratos.

59.

Assim, no acórdão Cestaro c. Itália ( 24 ), proferido apenas alguns meses antes do acórdão Taricco e o., a República Italiana foi condenada pela violação do artigo 3.o da CEDH na sua vertente substantiva e processual, tendo o TEDH revelado a existência de um «problema estrutural», a saber, «a inadequação» das regras de prescrição previstas pelo Código Penal para punir atos de tortura e assegurar um efeito suficientemente dissuasor ( 25 ). Depois de ter salientado que estas regras de prescrição podem impedir, na prática, julgar e punir os responsáveis, apesar de todos os esforços desenvolvidos pelas autoridades de instrução penal e pelas instâncias encarregadas de julgamento, o TEDH declarou que julgou a legislação penal italiana aplicada a este tipo de infrações «inadequada» no que se refere à exigência de sanção e desprovida do efeito dissuasor necessário para prevenir a prática de outras infrações semelhantes. O TEDH convidou então a República Italiana a dotar‑se dos instrumentos jurídicos capazes de sancionar de modo adequado os responsáveis destas violações e impedir que estes possam beneficiar de medidas contrárias à sua jurisprudência, devendo a aplicação das regras da prescrição ser compatível com as exigências da CEDH ( 26 ).

60.

Passando agora a um nível mais político, o Grupo de Estados do Conselho da Europa contra a corrupção (GRECO) realçou, além disso, nos seus relatórios de avaliação do primeiro (junho de 2008), segundo (outubro de 2008) e terceiro (outubro de 2011) ciclos de avaliação conjuntos sobre a República Italiana ( 27 ), que, embora a duração teórica do prazo de prescrição não seja muito diferente da dos outros Estados partes, o método de cálculo do prazo de prescrição e o papel desempenhado por outros fatores (como o caráter complexo das investigações ligadas à corrupção, o tempo que pode decorrer entre o momento da prática da infração e o momento em que a mesma foi levada ao conhecimento das autoridades repressivas, as vias de recurso disponíveis, os atrasos e a sobrecarga de trabalho da justiça repressiva) prejudicam consideravelmente a eficácia do regime de sanção em vigor na Itália.

61.

Por último, a nível internacional, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) também recomendou à República Italiana, no âmbito das suas avaliações relativas à aplicação da Convenção sobre a Luta conta a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais ( 28 ), que alongasse a duração do prazo de prescrição perentório previsto pelo Código Penal, de modo a assegurar a eficácia do procedimento penal relativamente a factos de corrupção transnacional e se conformasse assim com as exigências estabelecidas no artigo 6.o da referida Convenção ( 29 ). Parece que a República Italiana se comprometeu nesse sentido através de uma proposta de lei aprovada pelo Senato (Senado, Itália) em 15 de março de 2017 ( 30 ).

62.

Estes elementos parecem‑me importantes para compreender bem o contexto nacional, mas também europeu, em que se inscreve o acórdão Taricco e o.

63.

Em segundo lugar, atendendo aos debates havidos na audiência, parece‑me importante retificar a abordagem unívoca seguida pelas partes e pela Comissão, recordando a especificidade que constitui a própria natureza do direito penal.

64.

Com efeito, o direito penal é um direito sancionatório que se liga ao próprio conceito de ordem pública e, neste caso concreto, de ordem pública da União. Por conseguinte, este direito deve encontrar um equilíbrio entre o respeito da ordem pública, a igualdade dos cidadãos perante a lei quando violam esse direito e a garantia dos direitos processuais das pessoas constituídas arguidas. Ora, em caso algum a invocação destas garantias por uma das partes acusadora ou arguida pode dar lugar a um direito subjetivo de punir de modo arbitrário ou de escapar à consequência normal e ponderada das infrações cometidas.

VII. Análise

65.

Nas suas duas primeiras questões prejudiciais, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) põe em causa a compatibilidade dos princípios e dos critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. com o princípio da legalidade dos crimes e das penas. Na ordem jurídica italiana, este princípio exige que o prazo de prescrição seja determinado com precisão numa disposição em vigor no momento em que os atos tenham sido praticados e não possa, em nenhuma circunstância, ser aplicado retroativamente quando é desfavorável ao arguido.

66.

A Constituição Italiana garante assim a qualquer pessoa o direito de saber, antes da prática de qualquer ato penalmente censurável, se este constitui uma infração, a pena e o prazo de prescrição que lhe são aplicáveis, não podendo nenhum destes elementos ser modificado posteriormente em detrimento do interessado.

67.

Ora, ao exigir ao órgão jurisdicional nacional que deixe de aplicar as disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal nos processos em curso, prolongando assim o prazo de prescrição aplicável, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta que a obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. é contrária a este princípio.

68.

Para sustentar a sua abordagem, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sublinha que as disposições em causa foram adotadas com a preocupação de garantir, por um lado, o respeito do prazo razoável do processo e, por outro, os direitos do arguido. A este respeito, há que admitir que o acórdão Taricco e o. não permite, por si só, responder às críticas feitas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

69.

Todavia, seria injusto criticar exageradamente o Tribunal de Justiça por não ter dado respostas, na medida em que nem o Tribunale di Cuneo (Tribunal de Cuneo), que é o autor do primeiro reenvio prejudicial, nem o Governo italiano, nas suas observações escritas e alegações orais apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Taricco e o., evocaram as especificidades ligadas à natureza e às normas do regime da prescrição na ordem jurídica italiana que, não obstante, estavam no cerne do reenvio prejudicial, especificidades que a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) agora invoca.

70.

Por conseguinte, é à luz deste reenvio complementar dos órgãos jurisdicionais italianos que vou propor ao Tribunal de Justiça que complete a sua primeira resposta.

71.

Com efeito, não se trata de pôr de novo em causa o próprio princípio estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o., segundo o qual o órgão jurisdicional nacional tem a obrigação de não aplicar as normas constantes do artigo 160.o, último parágrafo, e do artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal, a fim de assegurar uma sanção efetiva e dissuasora das fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, mas de precisar os critérios segundo os quais essa obrigação deve ser cumprida.

A. Quanto ao princípio estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o.

72.

O entendimento que exprime a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) articula‑se à volta de conceitos cujos elementos, tal como esta os define, chocam nomeadamente com o princípio da efetividade do direito da União e, por isso, são incompatíveis com este direito.

73.

Por conseguinte, antes de iniciar a minha análise das questões colocadas, há que identificar muito precisamente os pontos que levam a este resultado.

74.

Em primeiro lugar, no que respeita ao princípio da legalidade dos crimes e das penas, também denominado princípio da legalidade criminal ou da legalidade penal, este constitui um dos princípios essenciais do direito penal moderno. Este princípio foi desenvolvido nomeadamente pelo penalista italiano Cesare Beccaria, ao referir‑se, no seu célebre tratado Dos Crimes e das Penas ( 31 ), aos trabalhos de Montesquieu ( 32 ).

75.

É tradicionalmente admitido que, em conformidade com este princípio, nenhuma infração pode ser imputada e nenhuma pena pode ser aplicada se não estiverem previstas e definidas pela lei antes da prática dos atos.

76.

No presente processo, este princípio só suscita dificuldades na medida em que a lei italiana acrescenta a esta definição de Beccaria que o regime de prescrição está abrangido por este princípio e que o delinquente dispõe então de um direito adquirido a que todos os procedimentos penais decorram segundo o regime das regras da prescrição vigentes no dia em que cometeu a infração.

77.

Em segundo lugar, no que respeita à prescrição, não é o princípio em si mesmo, mas o respetivo regime que é, neste caso, incompatível com o direito da União, também devido às particularidades introduzidas pela legislação italiana, considerada na conjugação das duas modalidades que são a suspensão e a interrupção da prescrição.

78.

Com efeito, no que respeita à interrupção da prescrição, as disposições em causa limitam as hipóteses em que o prazo de prescrição pode ser interrompido, reservando a interrupção a poucos atos processuais, eventualmente tardios, e, além disso, com efeitos limitados. Assim, quando ocorre um ato interruptivo, este não tem como consequência fazer correr um novo prazo, idêntico ao prazo inicial, mas apenas prolongar este último até um quarto da sua duração inicial, não podendo, além disso, este prolongamento de prescrição ser objeto nem de nova suspensão nem de nova interrupção, e, por isso, só pode ocorrer uma vez no decurso do processo.

79.

A conjugação das disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal tem, por isso, como efeito fixar um limite absoluto ao prazo de prescrição aplicável. Por conseguinte, este torna‑se intocável e transforma‑se num prazo pré‑fixado, tradicionalmente definido como sendo o prazo de ação que a lei determina e cujo decurso, contrariamente à prescrição, não é suscetível nem de suspensão nem de interrupção ( 33 ). Consequentemente, este conceito é incompatível com o próprio conceito de prescrição e os autores opõem‑nos, de resto, um ao outro.

80.

Face à abordagem defendida pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), que invoca em seu apoio, por um lado, a preocupação de garantir um prazo razoável da tramitação processual e, por outro, a garantia dos direitos do arguido, o acórdão Taricco e o., como já referi, não contém todos os elementos que permitam combatê‑la.

81.

Na realidade, é necessário interrogar‑se sobre a origem da incompatibilidade existente entre o regime da prescrição previsto no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal e a exigência do respeito da efetividade do direito da União.

82.

Um direito só é efetivo se a sua violação for sancionada.

83.

Se, para assegurar a sua proteção, o direito da União exige que qualquer violação seja sancionada, qualquer regime destinado a pô‑lo em prática mas que, na realidade, conduz à inexistência de sanção ou a um risco evidente e grave de impunidade ser, por definição, contrário ao princípio do primado do direito da União e ao princípio da efetividade em que se fundamenta, nomeadamente, o artigo 325.o TFUE.

84.

É este o caso do presente processo?

85.

A minha resposta é afirmativa e assenta em considerações relativas, nomeadamente, à própria natureza das infrações cometidas contra os interesses financeiros da União, em especial, ao seu caráter essencialmente transnacional.

86.

As investigações realizadas no quadro dessa criminalidade económica e financeira devem permitir determinar a importância da fraude quanto à sua duração, às suas dimensões e ao lucro que tenha gerado. Ora, imaginemos os prazos necessários para uma investigação relativa a uma fraude «carrossel IVA» ( 34 ), que implique sociedades fictícias (écran) espalhadas pelo território de diversos Estados‑Membros, coautores e cúmplices de nacionalidades diferentes, o que requer investigações técnicas, audições e confrontações múltiplas, bem como uma importante perícia contabilística e financeira e o recurso a medidas de cooperação judiciária e policial internacionais. No decurso do procedimento judicial, as instâncias de julgamento devem seguir uma tramitação processual penal complexa para determinarem as responsabilidades individuais imputáveis a cada um dos arguidos, respeitando as garantias de um processo equitativo, e devem igualmente fazer face à estratégia de defesa adotada pelos advogados e outros peritos especializados, que consiste em prolongar o processo até à sua prescrição.

87.

Em processos desta natureza, o prazo de conclusão imposto ao inquérito e ao processo judicatório mostra‑se, por isso, notoriamente insuficiente e os diversos relatórios elaborados a nível nacional e internacional demonstram efetivamente o caráter sistémico da incapacidade verificada. O risco de impunidade não é, neste caso, imputável aos adiamentos, à complacência ou à negligência das autoridades judiciárias, mas à inadequação do quadro legislativo para sancionar as fraudes ao IVA, dado que o legislador nacional estabeleceu um prazo de julgamento não razoável, porque demasiado curto e intangível, que não permite ao órgão jurisdicional nacional, apesar de todos os seus esforços, aplicar aos atos cometidos a sanção normal que merecem.

88.

Compreendo que uma das preocupações do legislador nacional, ao introduzir modificações no regime de prescrição mediante a lei ex‑Cirielli, tenha sido lutar contra os atrasos processuais frequentemente denunciados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e garantir assim, no interesse dos arguidos, a duração razoável do processo.

89.

Ora, paradoxalmente, a modificação suscitada pelo desejo de assegurar a celeridade dos processos judiciais constitui uma violação do próprio conceito de prazo razoável e, finalmente, um obstáculo à boa administração da justiça ( 35 ).

90.

Com efeito, no âmbito do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem define o prazo razoável como aquele que impõe que o prazo de julgamento seja proporcionado à complexidade objetiva do caso, ao objeto do litígio e à atitude das partes e das autoridades competentes ( 36 ).

91.

Ora, há que reconhecer que, pela sua natureza, um prazo de caducidade é absolutamente contrário a este princípio.

92.

O direito a um prazo razoável não é o direito à impunidade e não deve impedir a condenação efetiva do autor da infração.

93.

Ora, o prazo de caducidade pode ter esse efeito perverso.

94.

A este respeito, creio que devo chamar a atenção para o texto da proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal ( 37 ), que inclui no seu âmbito de aplicação a infração de fraude grave ao IVA. Enquanto a Convenção PIF não abordava a questão dos prazos de prescrição, o artigo 12.o da proposta de Diretiva PIF introduz um novo conjunto de regras vinculativas e detalhadas no que respeita ao regime de prescrição aplicável às infrações penais lesivas do orçamento da União. Os Estados‑Membros são, assim, obrigados a prever um prazo de prescrição.

95.

Ora, embora seja verdade que a proposta de Diretiva PIF prevê prazos de prescrição alongados, de modo a permitir aos serviços repressivos intervir durante um período suficientemente longo para lutar eficazmente contra estas infrações, a mesma estabelece também um prazo máximo e absoluto para julgamento.

96.

Não posso, por isso, deixar de manifestar a minha incompreensão por ver preconizado nessa proposta um sistema de prescrição decalcado sobre o regime processual em causa neste processo, cujos efeitos são idênticos aos gerados pela conjugação do artigo 160.o, último parágrafo, e do artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal e que me parece, portanto, dever ser objeto das mesmas críticas na medida em que, na realidade, implica os mesmos riscos.

97.

Com efeito, este tipo de disposições conduz, na realidade, a transferir para as instituições judiciárias a responsabilidade da falta de julgamento dos processos. Isto é esquecer que a eficácia dos processos depende dos meios postos à disposição da justiça e que não os fornecer será sempre uma escapatória possível às obrigações que decorrem do direito da União. O risco é então ver os processos considerados mais graves e mais complexos orientados para «circuitos curtos» que não garantirão a sanção efetiva e dissuasora da infração e não permitirão, nomeadamente, neutralizar os seus autores durante um período de tempo suficiente. Desta forma, com as melhores intenções do mundo, corremos o risco de favorecer o branqueamento de capitais ou o financiamento de atividades ilegais particularmente prejudiciais para a União e os seus cidadãos, cujos interesses, no fim de contas, serão sempre os lesados.

98.

Embora me pareça perfeitamente legítimo estabelecer um prazo que começa a correr no dia da prática da infração e decorrido o qual não poderá ser instaurado qualquer procedimento penal se não tiver sido feita nenhuma investigação nesse sentido até ao seu termo, parece‑me, em contrapartida, absolutamente indispensável que, depois de iniciado, o procedimento penal possa continuar até ao seu termo, constituindo cada ato do procedimento um ato interruptivo da prescrição que faz correr um novo prazo por inteiro, sendo o único limite de referência possível o respeito do princípio do prazo razoável, tal como definido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

99.

Esta referência ao princípio do prazo razoável é, em meu entender, uma exigência para todos os Estados‑Membros.

100.

Com efeito, no âmbito da proteção dos interesses financeiros da União, estes Estados‑Membros aplicam o direito da União e, por conseguinte, estão vinculados pelas disposições da Carta. Ora, contendo o artigo 47.o da Carta e o artigo 6.o, n.o 1, da CEDH disposições redigidas em termos idênticos no que respeita ao princípio do prazo razoável do processo, os Estados‑Membros estão vinculados à definição dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ainda há pouco recordada.

101.

Por conseguinte, parece‑me que o Tribunal de Justiça deveria considerar que o conceito de interrupção da prescrição constitui um conceito autónomo do direito da União e defini‑lo no sentido de que cada ato do procedimento penal, bem como qualquer ato que seja a sua sequência necessária, interrompe o prazo de prescrição, determinando a contagem de um novo prazo, idêntico ao prazo inicial, extinguindo‑se o prazo de prescrição já decorrido.

102.

Só este tipo de definição permitirá assegurar a ação penal relativamente a infrações desta natureza.

103.

Se as negociações para adoção da proposta de Diretiva PIF e a criação da Procuradoria Europeia visam criar uma definição comum de fraude e do nível de sanções aplicáveis, tal harmonização não pode produzir resultados satisfatórios se não for acompanhada e apoiada por medidas eficazes em matéria de inquéritos e de procedimento penal, nomeadamente por um regime de prescrição uniforme em toda a União.

104.

Se assim não fosse, então a Procuradoria Europeia ( 38 ) — e com ela o bom funcionamento do espaço de liberdade, segurança e justiça — seria, na realidade, um nado‑morto.

105.

Com efeito, como admitir, no seio do espaço único que visa ser o espaço de liberdade, segurança e justiça, que a mesma infração aos interesses financeiros da União esteja prescrita num Estado‑Membro ao passo que pode dar lugar a uma condenação definitiva no Estado vizinho?

106.

Uma vez que tal situação já ocorreu, é, portanto, essencial chegar a uma harmonização das regras de prescrição, a fim de garantir uma proteção dos interesses financeiros da União equivalente e uniforme em todos os Estados—Membros, e evitar assim que os delinquentes não gozem de uma quase impunidade tirando proveito das legislações penais mais favoráveis aos seus interesses, o que criaria o risco de forum shopping ( 39 ).

107.

De resto, desde há vários anos, a Comissão não deixa de realçar as falhas do sistema atual, caracterizado por um quadro jurídico extremamente retalhado devido à diversidade das tradições e dos sistemas jurídicos, à ratificação ou não da Convenção PIF ( 40 ) e às prioridades políticas adotadas em matéria penal pelos Estados‑Membros ( 41 ). Tendo em conta a mobilidade dos delinquentes, os lucros decorrentes das atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União e a complexidade dos inquéritos transnacionais que isso implica, a Comissão considera que atualmente os prazos de prescrição nacionais aplicáveis nesta matéria são inadequados ( 42 ).

108.

Em face de todos estes elementos, e na linha do princípio estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o., considero que o artigo 325.o, n.os 1 e 2, TFUE deve ser interpretado no sentido de que exige que o órgão jurisdicional nacional, agindo na qualidade de órgão jurisdicional de direito comum da União, não aplique o prazo de prescrição perentório que resulta da conjugação das disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal, no caso de essa regulamentação impedir a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras em caso de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União ou prever prazos de prescrição mais longos para os casos de fraude grave lesiva dos interesses do Estado‑Membro em causa do que para os que lesam os interesses financeiros da União.

109.

Considero também que o conceito de interrupção da prescrição deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União e definido no sentido de que cada ato do procedimento penal, bem como qualquer ato que seja a sua sequência necessária, interrompe o prazo de prescrição, determinando a contagem de um novo prazo, idêntico ao prazo inicial, extinguindo‑se o prazo de prescrição já decorrido.

B. Quanto às condições em que os órgãos jurisdicionais nacionais devem abster‑se de aplicar as disposições conjugadas do artigo 160.o, último parágrafo, e do artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal

1.   Critérios a aplicar

110.

Segundo os princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o., os órgãos jurisdicionais nacionais devem deixar inaplicadas as disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal, caso esse regime nacional impeça «a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras num número considerável dos casos de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União» ( 43 ).

111.

Os critérios com base nos quais os órgãos jurisdicionais nacionais devem abster‑se de aplicar as disposições próprias do seu Código Penal, como afirma a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), são vagos e genéricos. Com efeito, na falta de orientações ou de qualquer outra precisão no acórdão Taricco e o., o órgão jurisdicional nacional, por si só, não tem capacidade para definir de modo inequívoco os casos em que a lesão dos interesses financeiros da União deve ser qualificada como «grave» e os casos em que a aplicação das regras de prescrição em causa teria como efeito impedir «a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras num número considerável [de] casos» ( 44 ).

112.

No âmbito de um processo penal em curso, é efetivamente e em concreto difícil exigir ao órgão jurisdicional nacional que satisfaça um objetivo como o da luta contra as infrações ao IVA, pedindo‑lhe que se abstenha de aplicar uma norma substantiva do seu direito penal, relativa à prescrição dos crimes e das penas, com base num critério que, na verdade, parece introduzir um elemento de subjetividade na apreciação que lhe é pedida.

113.

O critério estabelecido no acórdão Taricco e o. baseia‑se na existência de um risco sistémico de impunidade.

114.

A apreciação do caráter sistémico pode efetivamente ser uma operação delicada para o órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se, na medida em que, de um ponto de vista externo, pode parecer que esse exercício implica uma dose de subjetividade por parte desse órgão.

115.

É certo que o caráter sistémico poderia resultar da aplicação de critérios objetivos ou de uma apreciação global feita pelo supremo tribunal italiano, que se imporia a todos os órgãos jurisdicionais nacionais. No entanto, não resulta dos debates havidos na audiência que tal solução pareça possível à luz da legislação nacional. Aliás, a República Italiana, cuja atitude manifestamente marcada pela vontade de encontrar uma solução adaptada e conforme com o direito da União deve ser sublinhada, não conseguiu apresentar garantias suficientes sobre esta questão.

116.

Por conseguinte, proponho, que esta obrigação se baseie unicamente exclusivamente na natureza da infração e é ao legislador da União que compete definir essa natureza.

117.

Constato que, no âmbito das negociações para a adoção da proposta de Diretiva PIF, o legislador da União definiu o conceito de infrações graves lesivas dos interesses financeiros da União, que incluem também as fraudes ao IVA, de modo a abranger todas as infrações que têm uma conexão com o território de dois ou mais Estados‑Membros e que implicam um prejuízo de um montante total que ultrapasse o limiar de dez milhões de euros, estando este limiar sujeito a uma cláusula de revisão ( 45 ).

2.   Quanto aos efeitos no tempo da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o.

118.

Segundo os princípios elaborados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o., o órgão jurisdicional nacional é obrigado, se necessário, a abster‑se de aplicar as disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal, nos processos em curso, a fim de assegurar, em conformidade com o artigo 325.o TFUE, a sanção efetiva da fraude constatada.

119.

Como expus, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) entende que o órgão jurisdicional nacional não pode cumprir essa obrigação, tendo em conta a hierarquia e o alcance do princípio da legalidade dos crimes e das penas na ordem jurídica italiana.

120.

A este respeito, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta que o artigo 53.o da Carta autoriza a República Italiana a aplicar o seu próprio nível de proteção dos direitos fundamentais, na medida em que é mais elevado do que o que decorre da interpretação do artigo 49.o da Carta, e permite, assim, ao órgão jurisdicional nacional opor‑se à aplicação da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça.

121.

a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) refere‑se, além disso, ao artigo 4.o, n.o 2, TUE para sustentar que o direito da União não pode impor essa aplicação sem pôr em causa a identidade nacional, em especial a identidade constitucional da República Italiana.

122.

Não partilho da interpretação proposta pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional).

a)   Quanto ao alcance do princípio da legalidade dos crimes e das penas no direito da União

123.

Em primeiro lugar, sabemos que a sanção das infrações aos interesses financeiros da União entra no âmbito de aplicação do direito da União e que o órgão jurisdicional nacional deve assegurar a efetividade desse direito, particularmente do direito primário.

124.

No âmbito do direito da União, o princípio da legalidade dos crimes e das penas está consagrado no artigo 49.o da Carta. Segundo o artigo 51, n.o 1, da Carta, este artigo é aplicável aos Estados‑Membros quando aplicam o direito da União, como sucede no presente processo.

125.

Segundo as explicações relativas à Carta ( 46 ), o seu artigo 49.o, n.os 1 (com exceção da última frase) e 2, corresponde ao artigo 7.o da CEDH. Nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, na medida em que a esta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma proteção mais extensa ou mais ampla.

126.

Nos n.os 54 a 56 do acórdão Taricco e o., o Tribunal de Justiça declarou que o princípio consagrado no artigo 49.o da Carta abrange apenas a definição das infrações e a medida das penas que lhes são aplicáveis. Na medida em que este princípio não é extensivo à determinação dos prazos de prescrição, o Tribunal de Justiça decidiu, por consequência, que este princípio não se opõe a que o órgão jurisdicional nacional aplique num processo em curso um prazo de prescrição mais longo do que o previsto no momento em que a infração foi cometida.

127.

Esta apreciação está em harmonia com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao alcance do princípio da legalidade dos crimes e das penas.

128.

Os princípios gerais relativos à aplicação das regras de prescrição foram sintetizados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no seu acórdão Coëme e outros c. Bélgica ( 47 ) e recentemente reafirmados nas suas decisões Previti c. Itália ( 48 ) e Borcea c. Roménia ( 49 ).

129.

O artigo 7.o da CEDH consagra o princípio da legalidade dos crimes e das penas: «[s]e proíbe em particular a extensão do âmbito de aplicação das infrações existentes a factos que, anteriormente, não constituíam infrações, obriga, além disso, a não aplicar a lei penal de modo extensivo em prejuízo do arguido, por exemplo, por analogia. Daí resulta que a lei deve definir claramente as infrações e as penas cominadas. Esta condição considera‑se preenchida quando a pessoa pode saber, a partir do teor da disposição pertinente e, se necessário, com a ajuda da interpretação que os tribunais fazem da mesma, quais os atos e omissões que implicam a sua responsabilidade penal» ( 50 ).

130.

Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, «as regras sobre a retroatividade estabelecidas no artigo 7.o da [CEDH] apenas se aplicam às disposições que definem as infrações e as penas cominadas» ( 51 ). Assim, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que lhe compete garantir que, «no momento em que um arguido tenha cometido o ato que originou o procedimento penal e a eventual condenação, existia uma disposição legal que declarava esse ato punível e que a pena aplicada não excedeu os limites fixados por essa disposição» ( 52 ).

131.

Em contrapartida, no acórdão Coëme e outros c. Bélgica ( 53 ), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou razoável a aplicação, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, do princípio tempus regit actum no que respeita às leis processuais, nesse caso a aplicação imediata aos processos em curso das leis que modificam as regras de prescrição.

132.

Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a aplicação imediata de uma lei que prorroga os prazos de prescrição não viola o artigo 7.o da CEDH, «porque não se pode interpretar esta disposição no sentido de que impede o prolongamento dos prazos de prescrição como consequência da aplicação imediata de uma norma processual, quando os factos imputados nunca prescreveram» ( 54 ). Por conseguinte, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem qualificou as regras de prescrição de «normas processuais». O referido Tribunal observa que as regras relativas à prescrição não definem as infrações nem as penas aplicadas e podem ser interpretadas no sentido de que impõem uma condição prévia à apreciação da causa ( 55 ).

133.

Na sua decisão Previti c. Itália ( 56 ), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem qualificou, por conseguinte, as novas regras de prescrição introduzidas pela lei ex‑Cirielli como normas processuais. Devo recordar que eram as profundas modificações introduzidas por essa lei que estavam em causa no processo que deu origem ao acórdão Taricco e o. e que, portanto, nos interessam hoje.

134.

No processo que deu origem à decisão Previti c. Itália ( 57 ), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem era chamado a apreciar, nomeadamente, se as condições em que os novos prazos de prescrição tinham sido aplicados eram compatíveis com as exigências do artigo 7.o da CEDH. Nesse caso, o recorrente, cujo recurso jurisdicional estava pendente no tribunal de cassação, queixava‑se de não ter podido beneficiar da redução do prazo de prescrição previsto para a infração de corrupção, prazo esse que passara de quinze para oito anos. Com efeito, em conformidade com o regime transitório previsto pelo legislador, as novas disposições mais favoráveis ao arguido em matéria de prescrição eram aplicáveis a qualquer processo em curso à data da entrada em vigor da lei, com exceção dos processos em curso na Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação), o que excluía de facto o recorrente do benefício das mesmas.

135.

A questão era, portanto, saber se as disposições que determinavam os prazos de prescrição estavam sujeitas, como as disposições que definem as infrações e as penas aplicadas, a regras especiais em matéria de retroatividade, que incluem o princípio da retroatividade da lei penal mais favorável.

136.

Para responder a essa questão e, portanto, apreciar a justeza da censura de violação do artigo 7.o da CEDH, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem interrogou‑se sobre a questão de saber se a lei ex‑Cirielli continha disposições de direito penal substantivo.

137.

Respondeu pela negativa, tendo qualificado as modificações legislativas introduzidas pela lei ex‑Cirielli de «normas processuais».

138.

Na linha da sua jurisprudência constante, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem recordou, com efeito, que as regras relativas à prescrição, na medida em que não definem as infrações e as penas cominadas, podem ser interpretadas no sentido de que preveem uma simples condição prévia para o exame do processo e, por isso, podem ser qualificadas de «leis processuais» ( 58 ).

139.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu assim que, contrariamente às disposições que definem as infrações e as penas cominadas ( 59 ), o artigo 7.o da CEDH não se opõe, portanto, à aplicação imediata de uma lei que amplia os prazos de prescrição aos processos em curso (tempus regit actum), quando os factos imputados ainda não tenham prescrito ( 60 ) e desde que tal aplicação não seja arbitrária ( 61 ).

140.

Na medida em que as regras de prescrição introduzidas pela lei ex‑Cirielli deviam ser qualificadas de «leis processuais» e o regime transitório não se mostrava desrazoável nem arbitrário, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu que nada na CEDH impedia o legislador italiano de regular a aplicação destas disposições aos processos em curso no momento da entrada em vigor da lei.

141.

À luz destes elementos, considero que, tendo em conta os termos do artigo 49.o da Carta e a jurisprudência estabelecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no que respeita ao alcance do princípio da legalidade dos crimes e das penas consagrado no artigo 7.o da CEDH, nada se opõe a que o órgão jurisdicional nacional, em aplicação das obrigações que lhe incumbem nos termos do direito da União, não aplique as disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal aos processos em curso.

142.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta ainda que os princípios estabelecidos no acórdão Taricco e o. são incompatíveis com as exigências referidas no artigo 7.o da CEDH, em particular com a exigência de previsibilidade, na medida em que as pessoas em causa não puderam razoavelmente prever, à luz do quadro normativo em vigor no momento dos factos, que o direito da União, nomeadamente o artigo 325.o TFUE, obrigaria o juiz a não aplicar o artigo 160.o, último parágrafo, e do artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal ( 62 ).

143.

Ora, parece‑me que as pessoas em causa não podiam ignorar que os factos que hoje lhes são imputados eram suscetíveis de desencadear a sua responsabilidade penal e levar, em caso de condenação definitiva, à aplicação da pena determinada na lei. Estes atos constituíam infrações no momento em que foram praticados e as penas não serão mais graves do que as que eram aplicáveis no momento dos factos. Não penso que, em virtude da aplicação dessa obrigação pelo órgão jurisdicional nacional, as pessoas em causa venham a sofrer um prejuízo maior do que aquele a que estavam expostas na altura em que a infração foi cometida.

b)   Quanto ao alcance do artigo 53.o da Carta

144.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) opõe em seguida as disposições do artigo 53.o da Carta à aplicação da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o.

145.

Com efeito, aquele tribunal adota a interpretação de que o artigo 53.o da Carta autoriza a República Italiana a aplicar um nível de proteção dos direitos fundamentais garantido pela Constituição Italiana, na medida em que é mais elevado do que o que decorre da interpretação do artigo 49.o da Carta, e a opô‑lo à aplicação da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o.

146.

Esta interpretação permitiria ao órgão jurisdicional nacional desonerar‑se dessa obrigação, na medida em que esta última exige que se abstenha de aplicar as regras de prescrição em causa aos processos em curso.

147.

As questões prejudiciais que a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) submeteu ao Tribunal de Justiça levam, portanto, a suscitar a questão de saber qual a margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem para fixar o nível de proteção dos direitos fundamentais que desejam garantir no âmbito da aplicação do direito da União.

1) Considerações preliminares ( 63 )

148.

Embora seja verdade que a interpretação dos direitos protegidos pela Carta deve visar um nível elevado de proteção, como se pode deduzir do artigo 52.o, n.o 3, da Carta e das anotações relativas ao seu artigo 52.o, n.o 4, importa, no entanto, precisar que deve tratar‑se de um nível de proteção «adaptado ao direito da União», como aliás especificam estas mesmas anotações.

149.

Trata‑se de recordar um princípio que, desde há muito tempo, orientou a interpretação dos direitos fundamentais na União, a saber, que a proteção dos direitos fundamentais na União deve ser assegurada no quadro da sua estrutura e dos seus objetivos. A este respeito, não é indiferente que o preâmbulo da Carta refira os objetivos principais da União, entre os quais figura a criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça ( 64 ).

150.

Portanto, não é possível raciocinar unicamente em termos de nível mais ou menos elevado de proteção dos direitos fundamentais sem ter em conta os imperativos associados à ação da União e à especificidade do direito da União.

151.

Os direitos fundamentais a proteger e o nível de proteção que lhes deve ser atribuído refletem as opções de uma determinada sociedade quanto ao justo equilíbrio a alcançar entre os interesses dos indivíduos e os da coletividade a que eles pertencem. Esta determinação está intimamente associada a avaliações que são próprias da ordem jurídica em causa, designadamente em função do contexto social, cultural e histórico desta, e portanto não pode ser automaticamente transposta para outros contextos.

152.

Interpretar o artigo 53.o da Carta no sentido de que permite aos Estados‑Membros aplicarem, no âmbito de aplicação do direito da União, a sua norma constitucional que garante um nível de proteção mais elevado do direito fundamental em causa equivaleria, assim, a ignorar que o exercício que consiste em determinar o nível de proteção dos direitos fundamentais a alcançar está estreitamente dependente do contexto em que é efetuado.

153.

Assim, ainda que o objetivo seja caminhar para um nível elevado de proteção dos direitos fundamentais, a especificidade do direito da União implica que o nível de proteção resultante da interpretação de uma Constituição nacional não é automaticamente transponível ao nível da União nem oponível no quadro da aplicação do direito da União.

154.

No que respeita à avaliação do nível de proteção dos direitos fundamentais que deve ser garantido na ordem jurídica da União, importa ter em conta os interesses específicos que animam a ação da mesma. É o que acontece, designadamente, com a necessária uniformidade de aplicação do direito da União e com os imperativos conexos com a construção de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Estes interesses específicos levam a que se module o nível de proteção dos direitos fundamentais em função dos diferentes interesses em jogo.

2) Apreciação

155.

Por motivos idênticos aos que o Tribunal de Justiça expôs no acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni ( 65 ), a interpretação do artigo 53.o da Carta sugerida pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) não pode, no meu entender, ser acolhida.

156.

Essa interpretação ofende uma característica essencial da ordem jurídica da União, a saber, o princípio do primado do direito da União. Com efeito, essa interpretação permite a um Estado‑Membro opor‑se ao cumprimento de uma obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça, que é perfeitamente conforme com a Carta, quando essa obrigação não respeite o nível de proteção mais elevado dos direitos fundamentais garantido pela Constituição desse Estado.

157.

O Tribunal de Justiça recordou assim no acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni ( 66 ), que, por força do princípio do primado do direito da União, a invocação, por um Estado‑Membro, de disposições de direito nacional, ainda que de natureza constitucional, não pode afetar o efeito do direito da União no território deste Estado ( 67 ).

158.

Quando um ato do direito da União exige medidas nacionais de execução, o artigo 53.o da Carta confirma que as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem aplicar os padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais. O Tribunal de Justiça precisou, contudo, que essa aplicação não pode comprometer o nível de proteção previsto pela Carta, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União ( 68 ).

159.

Nas conclusões que apresentei no processo Melloni ( 69 ), fiz uma distinção entre as situações em que existe uma definição na União do nível de proteção que deve ser garantido a um direito fundamental no quadro da execução de uma ação da União e aquelas em que este nível de proteção não foi objeto de uma definição comum.

160.

No primeiro caso, sustentei que a invocação a posteriori, por um Estado‑Membro, da manutenção do seu nível de proteção mais elevado teria por consequência destruir o equilíbrio alcançado pelo legislador da União e, portanto, comprometer a aplicação do direito da União. Com efeito, a fixação do nível de proteção está estreitamente associada aos objetivos da ação da União que está em causa. É o reflexo de um equilíbrio entre a necessidade de assegurar a eficácia da ação da União e a de proteger suficientemente os direitos fundamentais.

161.

Em contrapartida, no segundo caso, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de manobra mais significativa para aplicar, no âmbito de aplicação do direito da União, o nível de proteção dos direitos fundamentais que pretendam assegurar na ordem jurídica nacional. Sublinhei, no entanto, que esse nível de proteção deve ser conciliável com a boa execução do direito da União e não deve infringir outros direitos fundamentais protegidos por força do direito da União.

162.

Em conformidade com o artigo 325.o TFUE, a proteção dos interesses financeiros da União exige medidas nacionais de aplicação. Estas devem garantir, em conformidade com os princípios da equivalência e da efetividade, a repressão das infrações lesivas desses interesses, mediante a aplicação de sanções penais que devem ser efetivas e dissuasoras. Neste caso concreto, ao exigir aos órgãos jurisdicionais nacionais que se abstenham de aplicar aos processos em curso as regras de prescrição em causa, o Tribunal de Justiça visa garantir esse objetivo, no respeito do artigo 49.o da Carta e em harmonia com o alcance reconhecido ao princípio da legalidade dos crimes e das penas no artigo 7.o da CEDH.

163.

É certo que não há atualmente uma definição comum ao nível da União do alcance que deve ter o princípio da legalidade dos crimes e das penas, e do nível de proteção que, neste contexto, deve ser concedido ao arguido quando está em causa a aplicação das regras de prescrição ( 70 ). Por conseguinte, os Estados‑Membros gozam, em princípio, de uma margem de apreciação mais significativa para aplicarem um nível de proteção mais elevado, desde que, no entanto, este último assegure o primado e a efetividade do direito da União.

164.

Ora, impõem‑se três observações.

165.

Em primeiro lugar, sé verdade que as regras de prescrição ainda não foram objeto de harmonização, não deixa de ser verdade que o princípio do prazo razoável consagrado no artigo 47.o, n.o 2, da Carta constitui, da mesma forma que o instrumento que o consagra, o arquétipo da norma harmonizada, diretamente invocável.

166.

Em segundo lugar, a aplicação do nível de proteção referido no artigo 25.o, n.o 2, da Constituição Italiana, invocado pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), compromete o primado do direito da União, na medida em que permite travar uma obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça que não só é conforme com a Carta, como também está em harmonia com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

167.

Em terceiro e último lugar, esta aplicação compromete a efetividade do direito da União, na medida em que as infrações em causa, lesivas dos interesses financeiros da União, não podem ser objeto de uma condenação efetiva, tendo em conta o prazo de prescrição perentório, e ficarão, portanto, impunes.

168.

Considero, por conseguinte, que o artigo 53.o da Carta não permite à autoridade judiciária de um Estado‑Membro opor‑se ao cumprimento da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. com o fundamento de que essa obrigação não respeita o nível de proteção mais elevado dos direitos fundamentais garantido pela Constituição desse Estado.

c)   Quanto ao respeito da identidade constitucional da República Italiana

169.

A terceira questão prejudicial formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio refere‑se ao alcance do artigo 4.o, n.o 2, TUE.

170.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) sustenta, com efeito, que a obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o., na medida em que viola um princípio supremo da sua ordem constitucional, o princípio da legalidade dos crimes e das penas, é suscetível de afetar a identidade nacional, nomeadamente a identidade constitucional, da República Italiana.

171.

Aquele tribunal sublinha que não se pode considerar que o direito da União, tal como a interpretação deste direito adotada pelo Tribunal de Justiça, impõem ao Estado‑Membro a obrigação de renunciar aos princípios supremos da sua ordem constitucional, que definem a sua identidade nacional. Assim, a execução de um acórdão do Tribunal de Justiça está sempre condicionada à sua compatibilidade com a ordem constitucional do Estado‑Membro, que deve ser apreciada pelas autoridades nacionais, neste caso, na Itália, pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional).

172.

A posição cuja adoção proponho ao Tribunal de Justiça no presente processo não implica negar a necessidade de tomar em conta a identidade nacional dos Estados‑Membros, da qual faz seguramente parte a identidade constitucional ( 71 ).

173.

Com efeito, não ignoro que a União está obrigada, como prevê o artigo 4.o, n.o 2, TUE, a respeitar a identidade nacional dos Estados‑Membros, «refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles».

174.

Também não ignoro que o preâmbulo da Carta recorda que, na sua ação, a União deve respeitar a identidade nacional dos Estados‑Membros.

175.

Consequentemente, um Estado‑Membro que considere que uma disposição do direito primário ou do direito derivado ofende a sua identidade nacional pode, assim, contestá‑la, baseando‑se nas disposições previstas no artigo 4.o, n.o 2, TUE.

176.

Todavia, não creio que, no caso vertente, estejamos perante uma situação dessa natureza.

177.

Antes de mais, o Tribunal de Justiça sempre considerou que a invocação de violações, quer aos direitos fundamentais tais como estão enunciados na Constituição de um Estado‑Membro, quer aos princípios de uma estrutura constitucional nacional, não pode afetar a validade de um ato da União ou o seu efeito no território desse Estado, a fim de preservar a unidade e a eficácia do direito da União. Segundo jurisprudência constante, a validade desses atos só pode ser apreciada em função do direito da União ( 72 ).

178.

Depois, não estou convencido de que a aplicação imediata de um prazo de prescrição mais longo, resultante do cumprimento da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o., seja suscetível de afetar a identidade nacional da República Italiana.

179.

Com efeito, não se deve confundir o que é uma conceção exigente da proteção de um direito fundamental com uma violação da identidade nacional ou, mais precisamente, da identidade constitucional de um Estado‑Membro. No presente, trata‑se sem dúvida de um direito fundamental protegido pela Constituição Italiana cuja importância não pode ser subestimada, no entanto, isso não significa que deva aqui ser ponderada a aplicação do artigo 4.o, n.o 2, TUE.

180.

Além disso, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) não explica as razões pelas quais se deve conferir o estatuto de princípio «supremo» da ordem constitucional a todos os aspetos do princípio da legalidade dos crimes e das penas ( 73 ) nem as razões pelas quais a aplicação imediata de um prazo de prescrição mais longo seria, portanto, suscetível de pôr em causa a identidade constitucional da República Italiana.

181.

Observo que, na Constituição Italiana, os princípios qualificados de «fundamentais» estão enumerados nos seus artigos 1.° a 12.°, pelo que, a priori, o princípio da legalidade dos crimes e das penas estaria excluído deles.

182.

Tenho igualmente presente que o alcance e a hierarquia de um princípio na ordem constitucional italiana podem também ser o resultado da jurisprudência constitucional.

183.

Ora, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) já afirmou que só «núcleo duro» de um princípio fundamental pode justificar a abertura do procedimento denominado «dos contra‑limites» com a exclusão dos diferentes institutos em que esse direito pode concretamente manifestar‑se e evoluir ao longo da história e segundo as exigências desta última ( 74 ).

184.

Num acórdão recente, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) confirmou esta abordagem, ao afirmar que os princípios «supremos» ou «fundamentais» da ordem constitucional são os que identificam esta ordem e que representam o «núcleo duro» da Constituição Italiana ( 75 ).

185.

Por outro lado, nos n.os 10 e 11 das suas observações no processo que deu origem ao acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. ( 76 ), em particular nas suas explicações relativas à abertura do procedimento denominado «dos contra‑limites», a República Italiana precisou que os princípios supremos ou fundamentais da sua ordem constitucional, cuja violação por um ato do direito da União justificaria a abertura do referido procedimento ( 77 ), correspondem às garantias constitucionais essenciais, como o caráter democrático da República Italiana consagrado no artigo 1.o da Constituição Italiana, ou ainda o princípio da igualdade entre os homens referido no seu artigo 3.o, e não incluem as garantias processuais, por mais importantes que sejam.

186.

Tendo em conta estes elementos, não estou, portanto, convencido de que a obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o., na medida em que tem como efeito que o órgão jurisdicional nacional aplique imediatamente a um processo em curso um prazo de prescrição mais longo do que o previsto pela lei em vigor no momento da prática da infração, seja suscetível de ofender a identidade nacional da República Italiana.

187.

Em face de todas estas considerações, considero, por conseguinte, que o artigo 4.o, n.o 2, TUE não permite à autoridade judiciária de um Estado‑Membro opor‑se ao cumprimento da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Taricco e o. com o fundamento de que a aplicação imediata a um processo em curso de um prazo de prescrição mais longo do que o previsto pela lei em vigor no momento da prática da infração seria suscetível de ofender a identidade nacional desse Estado.

VIII. Conclusão

188.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais suscitadas pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) do seguinte modo:

1)

O artigo 325.o, n.os 1 e 2, TFUE deve ser interpretado no sentido de que exige que o órgão jurisdicional nacional, agindo na qualidade de órgão jurisdicional de direito comum da União, se abstenha de aplicar o prazo de prescrição perentório que resulta da conjugação das disposições previstas no artigo 160.o, último parágrafo, e no artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal, no caso de essa regulamentação impedir a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras em caso de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União Europeia ou prever prazos de prescrição mais longos para os casos de fraude grave lesiva dos interesses do Estado‑Membro em causa do que para os que lesam os interesses financeiros da União.

2)

O conceito de interrupção da prescrição deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União e definido no sentido de que cada ato do procedimento penal, bem como qualquer ato que seja a sua sequência necessária, interrompe o prazo de prescrição, determinando a contagem de um novo prazo, idêntico ao prazo inicial, extinguindo‑se o prazo de prescrição já decorrido.

3)

O artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que as autoridades judiciárias italianas não apliquem as disposições conjugadas do artigo 160.o, último parágrafo, e do artigo 161.o, segundo parágrafo, do Código Penal nos processos em curso, em conformidade com a obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555).

4)

O artigo 53.o da Carta dos Direitos Fundamentais não permite à autoridade judiciária de um Estado‑Membro opor‑se ao cumprimento da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555), com o fundamento de que essa obrigação não respeita o nível de proteção mais elevado dos direitos fundamentais garantido pela Constituição desse Estado.

5)

O artigo 4.o, n.o 2, TUE não permite à autoridade judiciária de um Estado‑Membro opor‑se ao cumprimento da obrigação estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555), com o fundamento de que a aplicação imediata a um processo em curso de um prazo de prescrição mais longo do que o previsto pela lei em vigor no momento da prática da infração seria suscetível de ofender a identidade nacional desse Estado.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) C‑105/14, a seguir «acórdão Taricco e o., EU:C:2015:555.

( 3 ) C‑617/10, EU:C:2013:105.

( 4 ) A seguir «Carta».

( 5 ) Este processo assenta na ideia de que, embora a ordem jurídica italiana reconheça e admita uma limitação da sua soberania pelo direito da União, também lhe estabelece limites para salvaguardar os valores fundamentais em que assenta a sua ordem jurídica. V., a este respeito, as precisões feitas pela República Italiana nas observações que apresentou no processo que deu lugar ao acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400), e no acórdão n.o 183/73 da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) a que se refere o n.o 7 dessas observações: «com base no artigo 11.o da Constituição [italiana], foram aceites limitações à soberania com o único fim de alcançar os objetivos aí enunciados […] deve, assim, excluir‑se que essas limitações […] possam de algum modo implicar para as instituições da CEE o poder inadmissível de violar os princípios fundamentais da nossa ordem constitucional ou os direitos inalienáveis da pessoa humana. […] [É] evidente que, se alguma vez se fizesse uma interpretação tão aberrante do artigo 189.o, a garantia da fiscalização jurisdicional da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) quanto à continuação da compatibilidade do Tratado com os princípios fundamentais acima referidos continuaria assegurada».

( 6 ) C‑62/14, EU:C:2015:400.

( 7 ) A seguir «CEDH».

( 8 ) C‑399/11, EU:C:2013:107.

( 9 ) GURI (jornal oficial) n.o 285, de 7 de dezembro de 2005, p. 5, a seguir «lei ex‑Cirielli». [NdT: a designação «ex‑Cirielli» tem a ver com o facto de o autor da proposta de lei, o deputado Edmondo Cirielli, se ter desvinculado do texto finalmente adotado pelo Parlamento italiano]

( 10 ) Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

( 11 ) Suplemento ordinário ao GURI n.o 185, de 8 de agosto de 2008.

( 12 ) Contudo, alguns órgãos jurisdicionais nacionais adotaram uma posição diferente: v. acórdãos n.o 2210/16 da Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação), terceira secção penal, de 20 de janeiro de 2016 [no qual a Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação) aplica os princípios estabelecidos no acórdão Taricco e o., considerando que o regime de prescrição se insere intrinsecamente num regime de natureza processual e considera que não é necessário submeter um pedido de apreciação da constitucionalidade à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional)], n.o 7914/16 da Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação), quarta secção penal; de 26 de fevereiro de 2016 [no qual a Corte suprema di cassazione (Tribunal de cassação) confirma esta obrigação de não aplicar o regime de prescrição apenas nos casos em que o processo não está efetivamente prescrito], e, por último, n.o 44584/16 da Corte suprema di cassazione (Tribunal de cassação), terceira secção penal, de 24 de outubro de 2016 [no qual a Corte suprema di cassazione (Tribunal de cassação) estabelece os critérios aplicáveis para não aplicar as disposições nacionais em causa].

( 13 ) O Reino da Bélgica, a Republica Federal da Alemanha e a República Francesa têm uma conceção processual das regras de prescrição. Noutros Estados‑Membros, como a República Helénica, o Reino de Espanha, a República da Letónia ou ainda a Roménia e o Reino da Suécia, estas regras incluem‑se no direito penal substantivo, tal como na ordem jurídica italiana. Na República da Polónia e na República Portuguesa as regras de prescrição são regras de direito substantivo ou regras processuais.

( 14 ) C‑399/11, EU:C:2013:107.

( 15 ) Decisão‑Quadro do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, que altera as Decisões‑Quadro 2002/584/JAI, 2005/214/JAI, 2006/783/JAI, 2008/909/JAI e 2008/947/JAI, e que reforça os direitos processuais das pessoas e promove a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido (JO 2009, L 81, p. 24).

( 16 ) V., nomeadamente, primo rendiconto della attività 1° luglio 2010‑30 giugno 2011, Procura della Repubblica presso il Tribunale ordinario di Milano, relatório de atividade 2010‑2011, p. 12, ponto 3.4 (Il problema prescrizione), e, p. 16, ponto 5.1 (La criminalità economica), disponível no endereço Internet seguinte: http://www.procura.milano.giustizia.it/files/relazione‑25‑luglio‑2011.pdf; bem como Bilancio di responsabilità sociale, 2011‑2012, p. 28, disponível no endereço Internet seguinte: http://www.procura.milano.giustizia.it/files/bilancio‑sociale‑procura‑12‑dic‑2012.pdf.

( 17 ) Commissione Fiorella — Per lo studio di possibile riforma della prescrizione, disponível no endereço Internet seguinte: https://www.giustizia.it/giustizia/it/mg_1_12_1.page;jsessionid=J2kpebY+SYa6GMnDwpBxPZ+7?facetNode_1 = 0_10&facetNode_2 = 3_1&facetNode_3 = 4_57&contentId=SPS 914317&previsiousPage=mg_1_12.

( 18 ) Anexo 12 do Relatório da Comissão ao conselho e ao Parlamento Europeu — Relatório Anticorrupção da UE — Itália, de 3 de fevereiro de 2014 [COM(2014) 38 final].

( 19 ) V. pp. 8 e 9 deste relatório. A Comissão refere‑se nomeadamente ao estudo Timed Out: Statutes of Limitation and Prosecuting Corruption in EU Countries, do mês de novembro de 2010, no qual a organização não governamental Transparency International analisou os efeitos dos prazos de prescrição em matéria de prossecução penal contra a corrupção na União: um em cada dez processos concluídos entre o ano de 2005 e o ano de 2010 em virtude de terem expirado os prazos de prescrição, quando a média dos outros Estados‑Membros se situa entre 0,1% e 2% (p. 11).

( 20 ) Recomendação do Conselho, de 9 de julho de 2013, relativa ao Programa Nacional de Reformas de 2013 da Itália e que emite um parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade da Itália para 2012‑2017 (JO 2013, C 217, p. 42), considerando 12 e recomendação 2.

( 21 ) TEDH, 29 de março de 2011, CE:ECHR:2011:0329JUD004735708. V., em especial, os §§ 95 e 97, bem como o § 108, no qual o TEDH realça que «tendo em conta a exigência de celeridade e de diligência razoável, implícita no contexto das obrigações positivas em causa [artigo 2.o da CEDH], basta observar que a aplicação da prescrição está incontestavelmente na categoria destas “medidas” inadmissíveis segundo a jurisprudência do [TEDH], visto que tem por efeito impedir a condenação».

( 22 ) TEDH, 7 de abril de 2015, CE:ECHR:2015:0407JUD000688411.

( 23 ) V. TEDH, 7 de abril de 2015, Cestaro c. Itália, CE:ECHR:2015:0407JUD000688411, § 225.

( 24 ) TEDH, 7 de abril de 2015, CE:ECHR:2015:0407JUD000688411.

( 25 ) V. § 225, 242 e 245 desse acórdão.

( 26 ) V. §§ 208 e 246 do referido acórdão.

( 27 ) Estes relatórios podem ser consultados no sítio internet do GRECO (http://www.coe.int/fr/web/greco/evaluations) — Évaluation par pays.

( 28 ) V., nomeadamente, Itália: fase 2, relatório sobre a aplicação da convenção sobre a luta contra a corrupção de agentes públicos estrangeiros nas transações comerciais e a recomendação de 1997 sobre a luta contra a corrupção nas transações comerciais internacionais, de 29 de novembro de 2004, n.os 146 e segs, bem como Itália: fase 2, relatório de seguimento sobre a aplicação das recomendações devido à fase 2, Aplicação da convenção e da recomendação revista de 1997 sobre a luta contra a corrupção de agentes públicos estrangeiros nas transações comerciais, de 23 de março de 2007, recomendação 7 (b), p. 17, e relatório de fase 3 sobre a aplicação pela Itália da convenção da OCDE sobre a luta contra a corrupção, de 16 de dezembro de 2011, n.os 94 e segs. (relatórios disponíveis no sítio Internet seguinte: http://www.°ecd.°rg/fr/daf/anti‑corruption/italie‑conventiondelocdesurlaluttecontrelacorruption.htm) [NdT: não disponíveis em português].

( 29 ) Esta disposição exige que seja previsto «um prazo suficiente para a realização das investigações e procedimento criminal».

( 30 ) Proposta de Lei n.o 1844 intitulada «Modifiche al codice penale in materia di prescrizione del reato», disponível no endereço Internet do Senato (Senado): http://www.senato.it/leg/17/BGT/Schede/Ddliter/45439.htm.

( 31 ) 1764.

( 32 ) Montesquieu, De l’Esprit des Lois (livro XI, capítulo VI, da Constituição da Inglaterra), 1748.

( 33 ) V. Cornu G., Vocabulaire juridique, Presses universitaires de France, Paris, 2011.

( 34 ) Na sua Resolução de 16 de maio de 2017 sobre o relatório anual de 2015 relativo à proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Luta contra a fraude [2016/2097(INI)], o Parlamento Europeu realçou que a fraude «carrossel», por si só foi responsável por perdas de receitas do IVA que ascenderam a aproximadamente 50 mil milhões de euros em 2014.

( 35 ) Segundo jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem recordada no acórdão de 12 de outubro de 1992, Boddaert c. Bélgica (CE:ECHR:1992:1012JUD001291987, § 39), se é verdade que o artigo 6.o da CEDH prescreve efetivamente a celeridade dos processos judiciais, esta disposição também consagra o princípio mais geral da boa administração da justiça. Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, é conveniente, por isso, estabelecer o justo equilíbrio entre os diferentes aspetos dessa exigência fundamental.

( 36 ) Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, um processo apresenta uma grande complexidade quando as suspeitas recaem sobre a criminalidade «de colarinho branco», que se refere, em particular, à fraude em grande escala que implica várias sociedades ou transações complexas que têm por objetivo escapar ao controlo dos órgãos de instrução e que necessitam uma importante perícia contabilística e financeira. V., nomeadamente, acórdão de 1 de agosto de 2000, C. P. e outros c. França (CE:ECHR:2000:0801JUD003600997, § 26 e jurisprudência aí citada), relativo a um processo económico e financeiro de abuso de bens sociais, de falsificação de documentos e falsificação de escrita, e de burlas, que punha em causa um grupo de várias sociedades e implicava diversas pessoas. Nesse processo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu que a característica essencial do processo era a sua grande complexidade, na medida em que se tratava de fraude em grande escala, que implicava diversas sociedades, que este tipo de infração era cometida por meio de transações complexas que tinham por objetivo escapar ao controlo dos órgãos de instrução, que a missão prévia das autoridades judiciárias consistia em desmontar uma rede de sociedades ligadas entre si e em identificar a natureza exata das relações entre cada uma delas, nos planos institucional, administrativo e financeiro, e que tinha sido necessário enviar cartas rogatórias internacionais e organizar importantes exames periciais de natureza contabilística e financeira.

( 37 ) Proposta de Diretiva de 11 de julho de 2012, COM(2012) 363 final, a seguir «proposta de Diretiva PIF». Esta diretiva teria como objetivo estabelecer regras mínimas relativas à definição das infrações penais, das sanções penais e dos prazos de prescrição no domínio da luta contra a fraude a as outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União, a fim de contribuir mais eficazmente para uma melhor proteção contra a criminalidade que ameaça estes interesses. Destina‑se assim a reforçar o nível de proteção assegurado atualmente pela Convenção, estabelecida com base no artigo K.3 TUE, relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, assinada no Luxemburgo em 26 de julho de 1995 (JO 1995, C 316, p. 48, a seguir «Convenção PIF»), que a referida diretiva substituirá em relação aos Estados‑Membros que tenham ratificado esta convenção.

( 38 ) V. proposta de Regulamento do Conselho que institui a Procuradoria Europeia, de 17 de julho de 2013 [COM(2013) 534 final], bem como o projeto de Regulamento de 31 de janeiro de 2017 que institui a Procuradoria Europeia (documento 5766/17). Se este projeto de Regulamento for aprovado, a Procuradoria europeia será competente em relação a todas as infrações lesivas dos interesses financeiros da União, entre as quais figuram as fraudes transnacionais ao IVA. Em 3 de abril de 2017, dezasseis Estados‑Membros notificaram a sua intenção de lançar uma cooperação reforçada para a criação da Procuradoria Europeia: o Reino da Bélgica, a República da Bulgária, a República Checa, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Croácia, a República de Chipre, a República da Lituânia, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República portuguesa, a Roménia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca e a República da Finlândia.

( 39 ) V. também o n.o 93 do relatório especial n.o 24/2015 do Tribunal de Contas Europeu, «Luta contra a fraude ao IVA intracomunitário: são necessárias mais medidas», que realça que «A fraude ao IVA está muitas vezes ligada à criminalidade organizada. O produto da fraude intracomunitária do operador fictício é geralmente reinvestido noutras atividades criminosas. Por isso, é necessário adotar uma abordagem comum e multidisciplinar para combater a fraude ao IVA [na União].» (p. 36).

( 40 ) A Convenção PIF criou de facto um regime a várias velocidades, que leva a um mosaico de situações jurídicas diferentes consoante tenha ou não força de lei num determinado Estado‑Membro.

( 41 ) V. Livro verde da Comissão sobre a proteção penal dos interesses financeiros comunitários e a criação de um Procurador Europeu [COM(2001) 715 final]; Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 26 de maio de 2011, sobre a proteção dos interesses financeiros da União Europeia pelo direito penal e inquéritos administrativos, Uma política integrada para proteger o dinheiro dos contribuintes [COM(2011) 293 final]; proposta de Diretiva PIF; Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, de 17 de julho de 2013, Uma melhor proteção dos interesses financeiros da União: criação de uma Procuradoria Europeia e reforma da Eurojust [COM(2013) 532 final); Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e aos parlamentos nacionais sobre a revisão da proposta de regulamento do Conselho que institui a Procuradoria Europeia relativamente ao princípio da subsidiariedade em conformidade com o Protocolo n.o 2 [COM(2013) 851 final] (ponto 2.3); proposta de Regulamento do Conselho, de 17 de julho de 2013, que institui a Procuradoria Europeia [COM(2013) 534 final] (v., em especial, a ficha financeira, ponto 1.5, p. 55), bem como o projeto de Regulamento, de 31 de janeiro de 2017, que institui a Procuradoria Europeia (documento 5766/17), e, finalmente, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu em conformidade com o artigo 294.o, n.o 6, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia relativa à posição do Conselho em primeira leitura com vista à adoção da diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal [COM(2017) 246 final] (ponto 3).

( 42 ) V. considerando 15 da proposta de Diretiva PIF, bem como o documento de trabalho da Comissão, apenas disponível em inglês, Commission staff working paper to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions Accompanying the document communication from the Commission on the protection of the financial interests of the European Union by criminal law and by administrative investigations: An integrated policy to safeguard taxpayers’ money [SEC(2011) 621], de 26 de maio de 2011 (pp. 3 e 4). V, também o relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 19 de julho de 2012, Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Luta contra a fraude — Relatório anual de 2011 [COM (2012) 408 final], no qual a Comissão declarou que a taxa de condenações nos casos que envolvem infrações contra o orçamento da UE varia consideravelmente na UE de um Estado‑Membro para outro, indo de 14% a 80%. No seu décimo primeiro relatório de atividade, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) também analisou os resultados dos processos judiciais em cada um dos Estados — Membros num período de doze anos e constatou «diferenças muito substanciais entre os países quanto à sua capacidade de concluírem inquéritos e processos penais relacionados com o orçamento da União por uma condenação num prazo razoável» (pp. 42 a 44, em especial, o quadro da p. 43), relatório disponível no endereço Internet seguinte (em inglês): https://ec.europa.eu/anti‑fraud/sites/antifraud/files/docs/body/rep_olaf_2010_en.pdf.

( 43 ) N.o 58 deste acórdão. O sublinhado é meu.

( 44 ) N.o 58 do mesmo acórdão. O sublinhado é meu.

( 45 ) No considerando 14 da sua proposta de Diretiva PIF, a Comissão considerou que os casos graves devem ser definidos «por referência a um determinado prejuízo global mínimo, expresso em valor monetário, que tenha sido causado ao orçamento da União […] em resultado do comportamento criminoso».

( 46 ) V. Explicações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17).

( 47 ) TEDH, 22 de junho de 2000, CE:ECHR:2000:0622JUD003249296.

( 48 ) TEDH, 12 de fevereiro de 2013, CE:ECHR:2013:0212DEC000184508.

( 49 ) TEDH, 22 de setembro de 2015, CE:ECHR:2015:0922DEC005595914.

( 50 ) TEDH, 22 de junho de 2000, Coëme e outros c. Bélgica, CE:ECHR:2000:0622JUD003249296, § 145.

( 51 ) TEDH, 22 de setembro de 2015, Borcea c. Roménia, CE:ECHR:2015:0922DEC005595914, § 60.

( 52 ) TEDH, 22 de junho de 2000, Coëme e outros c. Bélgica, CE:ECHR:2000:0622JUD003249296, § 145.

( 53 ) TEDH, 22 de junho de 2000, CE:ECHR:2000:0622JUD003249296.

( 54 ) TEDH, 22 de setembro de 2015, CE:ECHR:2015:0922DEC005595914, § 64.

( 55 ) TEDH, 12 de fevereiro de 2013, Previti c. Itália, CE:ECHR:2013:0212DEC000184508, § 80. Para qualificar uma disposição como abrangida pelo direito penal substantivo ou pelo direito penal processual, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem examina em que medida essa disposição influencia a qualificação da infração ou a severidade da pena. No acórdão do TEDH de 17 de setembro de 2009, Scoppola c. Itália (CE:ECHR:2009:0917JUD001024903, § 110 à 113), depois de ter observado que uma disposição qualificada de processual tinha influência sobre a severidade da pena a aplicar, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que essa disposição se integrava, na realidade, no direito penal substantivo, à qual era aplicável a última frase do referido artigo 7.o, n.o 1.

( 56 ) TEDH, 12 de fevereiro de 2013, CE:ECHR:2013:0212DEC000184508.

( 57 ) TEDH, 12 de fevereiro de 2013, CE:ECHR:2013:0212DEC000184508.

( 58 ) TEDH, 12 de fevereiro de 2013, CE:ECHR:2013:0212DEC000184508, § 80.

( 59 ) Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, as regras relativas à retroatividade contidas no artigo 7.o da CEDH apenas se aplicam às disposições que definem as infrações e as penas cominadas. Em princípio, não se aplicam às leis processuais, cuja aplicação imediata em conformidade com o princípio tempus regit actum foi julgada razoável por esse Tribunal.

( 60 ) V., em especial, TEDH, 22 de junho de 2000, Coëme e outros c. Bélgica, CE:ECHR:2000:0622JUD003249296, § 149.

( 61 ) TEDH, 12 de fevereiro de 2013, Previti c. Itália, CE:ECHR:2013:0212DEC000184508, § 80 à 85.

( 62 ) TEDH, 22 de setembro de 2015, Borcea c. Roménia, CE:ECHR:2015:0922DEC005595914, § 59.

( 63 ) Estas considerações constam dos n.os 106 a 112 das minhas conclusões apresentadas no processo Melloni (C‑399/11, EU:C:2012:600).

( 64 ) V. acórdão de 17 de dezembro de 1970, Internationale Handelsgesellschaft0, 11/70, EU:C:1970:114, n.o 4.

( 65 ) C‑399/11, EU:C:2013:107.

( 66 ) C‑399/11, EU:C:2013:107.

( 67 ) N.o 59 desse acórdão e jurisprudência nele referida.

( 68 ) N.o 60 do acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107.

( 69 ) C‑399/11, EU:C:2012:600.

( 70 ) Caminhamos para uma tal harmonização deste nível de proteção no quadro da proposta de Diretiva PIF e da instituição da Procuradoria Europeia, pela definição comum da fraude lesiva dos interesses financeiros da União e pela harmonização das sanções e das regras de prescrição aplicáveis. Embora estes textos não abordem a questão da natureza processual ou substantiva das regras de prescrição e, por isso, não resolvam a questão da sua retroatividade, esta questão deverá necessariamente ser abordada pelo legislador da União ou pelo Tribunal de Justiça, a fim de garantir a necessária uniformidade da aplicação do direito da União e de ter em conta os imperativos ligados à construção de um espaço de liberdade, segurança e justiça. Neste caso, colocar‑se‑á a questão de saber se seguimos a interpretação adotada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de modo que a interpretação do artigo 49.o da Carta esteja em harmonia com o alcance reconhecido ao princípio garantido no artigo 7.o da CEDH, já que, recordo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem decidido que as regras de prescrição constituem normas processuais que podem ser aplicadas imediatamente aos processos em curso em conformidade com o princípio tempus regit actum, se tal aplicação for razoável e não arbitrária.

( 71 ) V., nomeadamente, a este respeito, Simon, D., «L’identité constitutionnelle dans la jurisprudence de l’Union européenne», L’identité constitutionnelle saisie par les juges en Europe, Éditions A. Pedone, Paris, 2011, p. 27; Constantinesco, V., «La confrontation entre identité constitutionnelle européenne et identités constitutionnelles nationales, convergence ou contradiction? Contrepoint ou hiérarchie?», L’Union européenne: Union de droit, Union des droits — Mélanges en l’honneur de Philippe Manin, Éditions A. Pedone, Paris, 2010, p. 79, e, nesta mesma obra, Mouton, J.‑D., «Réflexions sur la prise en considération de l’identité constitutionnelle des États membres de l’Union européenne», p. 145.

( 72 ) V. acórdão de 17 de dezembro de 1970, Internationale Handelsgesellschaft (11/70, EU:C:1970:114, n.o 3).

( 73 ) O estatuto que reveste um princípio fundamental na ordem constitucional é, nomeadamente, obra da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) (v. acórdãos n.o 183/73, de 17 de dezembro de 1973, e n.o 170/84, de 8 de junho de 1984), referindo‑se esta por vezes aos «princípios fundamentais» ou aos «princípios supremos» da ordem constitucional, ou ainda aos «direitos inalienáveis da pessoa», sem estabelecer claramente a diferença entre estes conceitos. Parece, no entanto, haver uma diferença considerável, visto que, segundo a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), a ratificação de um tratado internacional está condicionada ao respeito de todas as disposições da Constituição Italiana, ao passo que o primado do direito da União apenas está condicionado aos princípios supremos da Constituição.

( 74 ) V. acórdão da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) n.o 18/82, de 2 de fevereiro de 1982, n.o 4 dos fundamentos de direito: «il diritto alla tutela giurisdizionale si colloca al dichiarato livello di principio supremo solo nel suo nucleo più ristretto ed essenziale» e «tale qualifica non può certo estendersi ai vari istituti in cui esso concretamente si estrinseca e secondo le mutevoli esigenze [in cui] storicamente si atteggia» (tradução livre: «o direito à proteção jurisdicional tem a categoria de princípio supremo apenas no que se refere o seu núcleo mais restrito e essencial» e «esta qualificação não pode seguramente ser extensiva aos diferentes institutos em que este direito pode em concreto manifestar‑se e evoluir à luz das diferentes exigências históricas»).

( 75 ) V., a este respeito, acórdão da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) n.o 238/2014, de 22 de outubro de 2014, n.o 3.2.

( 76 ) C‑62/14, EU:C:2015:400.

( 77 ) Parece que a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) justificou a instauração do procedimento designado «dos contra‑limites» em duas situações, inscrevendo‑se uma delas num conflito entre uma norma de direito interno e o Concordato (Concordata) [sentenza n.o 18/82, 2 febbraio 1982 (acórdão n.o 18/82, de 2 de fevereiro de 1982)] e a outra num conflito entre uma norma de direito interno e o direito internacional [sentenza n.o 238/2014, 22 octubre 2014 (acórdão n.o 238/2014, de 22 de outubro de 2014)].

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