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Documento 62014CJ0562

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 11 de maio de 2017.
Reino da Suécia contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Interpretação incorreta — Proteção dos objetivos das atividades de inspeção, inquérito e auditoria — Interesse público superior que justifica a divulgação de documentos — Presunção geral de confidencialidade — Documentos relativos a um processo EU Pilot.
Processo C-562/14 P.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2017:356

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

11 de maio de 2017 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Interpretação incorreta — Proteção dos objetivos das atividades de inspeção, inquérito e auditoria — Interesse público superior que justifica a divulgação de documentos — Presunção geral de confidencialidade — Documentos relativos a um processo EU Pilot»

No processo C‑562/14 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 5 de dezembro de 2014,

Reino da Suécia, representado por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, U. Persson, N. Otte Widgren, E. Karlsson e L. Swedenborg, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Darius Nicolai Spirlea,

Mihaela Spirlea,

residentes em Capezzano Pianore (Itália),

recorrentes em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por H. Krämer e P. Costa de Oliveira, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e A. Lippstreu, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

República Checa, representada por M. Smolek, D. Hadroušek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

Reino da Dinamarca, representado por C. Thorning, na qualidade de agente,

Reino de Espanha, representado por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

República da Finlândia, representada por S. Hartikainen, na qualidade de agente,

intervenientes em primeira instância,

O Tribunal de Justiça (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász (relator), C. Vajda, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de abril de 2016,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 17 de novembro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, o Reino da Suécia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 25 de setembro de 2014, Spirlea/Comissão (T‑306/12, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2014:816), que negou provimento ao recurso de Darius Nicolai Spirlea e de Mihaela Spirlea, em que se pedia a anulação da decisão da Comissão Europeia de 21 de junho de 2012 que indeferiu o seu acesso a dois pedidos de informações dirigidos por essa instituição à República Federal da Alemanha, com datas de 10 de maio e 10 de outubro de 2011, no âmbito do processo EU Pilot 2070/11/SNCO (a seguir «decisão controvertida»).

I. Quadro jurídico

2

O Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), define os princípios, as condições e os limites do direito de acesso aos documentos dessas instituições.

3

Nos termos do considerando 4 desse regulamento:

«O presente regulamento destina‑se a permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos e a estabelecer os respetivos princípios gerais e limites, em conformidade com o disposto no [artigo 15.o, n.o 3, TFUE].»

4

O considerando 11 do referido regulamento enuncia:

«Em princípio, todos os documentos das instituições deverão ser acessíveis ao público. No entanto, determinados interesses públicos e privados devem ser protegidos através de exceções. É igualmente necessário que as instituições possam proteger as suas consultas e deliberações internas, se tal for necessário para salvaguardar a sua capacidade de desempenharem as suas funções. Ao avaliar as exceções, as instituições deverão ter em conta os princípios estabelecidos na legislação comunitária relativos à proteção de dados pessoais em todos os domínios de atividade da União.»

5

O artigo 1.o do mesmo regulamento dispõe:

«O presente regulamento visa:

a)

Definir os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (adiante designados “instituições”), previsto no artigo [15.°, n.o 3, TFUE], de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível;

b)

Estabelecer normas que garantam que o exercício deste direito seja o mais fácil possível; e

c)

Promover boas práticas administrativas em matéria de acesso aos documentos.»

6

O artigo 2.o do Regulamento n.o 1049/2001 dispõe:

«1.   Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.

[…]

3.   O presente regulamento é aplicável a todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de atividade da União Europeia.

[…]»

7

O artigo 4.o, n.os 2 e 6, desse regulamento dispõe:

«2.   As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[…]

objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria,

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

6.   Quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das exceções, as restantes partes do documento serão divulgadas.»

II. Antecedentes do litígio

8

Os recorrentes em primeira instância, pais de um menor que morreu em agosto de 2010, alegadamente por causa de um tratamento terapêutico à base de células estaminais autólogas que lhe foi ministrado numa clínica privada estabelecida em Düsseldorf (Alemanha), apresentaram, por carta de 8 de março de 2011, uma denúncia à Direção Geral (DG) «Saúde» da Comissão.

9

Nessa denúncia, alegavam, em substância, que essa clínica privada tinha conseguido levar a cabo as suas atividades terapêuticas devido à inércia das autoridades alemãs, que, desse modo, tinham violado o disposto no Regulamento (CE) n.o 1394/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo a medicamentos de terapia avançada e que altera a Diretiva 2001/83/CE e o Regulamento (CE) n.o 726/2004 (JO 2007, L 324, p. 121).

10

Na sequência dessa denúncia, a Comissão abriu um processo EU Pilot, sob a referência 2070/11/SNCO, e contactou as autoridades alemãs para verificar em que medida os acontecimentos descritos pelos recorrentes na sua denúncia, quanto à prática da referida clínica privada, eram suscetíveis de infringir o Regulamento n.o 1394/2007.

11

Em especial, em 10 de maio e 10 de outubro de 2011, a Comissão dirigiu à República Federal da Alemanha dois pedidos de informações (a seguir «documentos controvertidos»), aos quais esta respondeu, respetivamente, em 7 de julho e 4 de novembro de 2011.

12

Em 23 de fevereiro e 5 de março de 2012, esses recorrentes pediram o acesso, nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, a documentos que continham informações relativas ao tratamento da denúncia. Em especial, requereram a consulta das observações apresentadas pela República Federal da Alemanha em 4 de novembro de 2011 e dos documentos controvertidos.

13

Em 26 de março de 2012, a Comissão indeferiu, em dois ofícios separados, os pedidos de acesso dos recorrentes a essas observações e a esses documentos.

14

Em 30 de março de 2012, os referidos recorrentes apresentaram à Comissão um pedido confirmativo, ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

15

Em 30 de abril de 2012, a Comissão informou‑os de que, à luz das informações prestadas na denúncia e das observações transmitidas pelas autoridades alemãs na sequência dos seus pedidos de informações, não lhe era possível declarar a alegada violação do direito da União pela República Federal da Alemanha, nomeadamente do Regulamento n.o 1394/2007. A Comissão informou‑os também de que, na falta de mais provas da sua parte, seria proposto o encerramento do inquérito.

16

Em 21 de junho de 2012, com a decisão controvertida, a Comissão indeferiu o acesso aos documentos controvertidos, com fundamento no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Em substância, entendeu que a divulgação desses documentos poderia afetar a boa tramitação do procedimento de inquérito aberto relativamente à República Federal da Alemanha. Por outro lado, considerou que, no caso, não era possível um acesso parcial a esses documentos ao abrigo do artigo 4.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1049/2001. Por último, considerou que não existia nenhum interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, última parte do período, do Regulamento n.o 1049/2001, que justificasse a divulgação desses mesmos documentos.

17

Em 27 de setembro de 2012, a Comissão informou os recorrentes em primeira instância de que o processo EU Pilot 2070/11/SNCO estava definitivamente encerrado.

III. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

18

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de julho de 2012, os recorrentes em primeira instância pediram a anulação da decisão controvertida. A Comissão pediu que o Tribunal Geral julgasse o recurso improcedente.

19

No processo no Tribunal Geral, o Reino da Dinamarca, a República da Finlândia e o Reino da Suécia intervieram em apoio do pedido daqueles recorrentes, enquanto a República Checa e o Reino de Espanha intervieram em apoio dos pedidos da Comissão.

20

Em primeira instância, esses recorrentes invocaram, em substância, quatro fundamentos de recurso, relativos à violação, respetivamente, do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, do artigo 4.o, n.o 6, desse regulamento, do dever de fundamentação e da Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Provedor de Justiça Europeu relativa às relações com o autor da denúncia em matéria de infrações ao direito comunitário, de 20 de março de 2002 [COM(2002) 141 final] (JO 2002, C 244, p. 5).

21

O Tribunal Geral julgou improcedentes todos esses fundamentos e, consequentemente, negou integralmente provimento ao recurso.

IV. Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

22

Com o presente recurso, o Reino da Suécia pede que o Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido mais a decisão controvertida e condene a Comissão nas despesas.

23

O Reino da Dinamarca pede que o Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido.

24

A República da Finlândia pede que o Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido e a decisão controvertida.

25

A Comissão e o Reino de Espanha pedem que o Tribunal de Justiça negue provimento ao presente recurso e condene o Reino da Suécia nas despesas.

26

A República Checa pede que o Tribunal de Justiça negue provimento ao presente recurso.

27

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de abril de 2015, foi admitida a intervenção da República Federal da Alemanha em apoio dos pedidos da Comissão. Este Estado‑Membro pede que o Tribunal de Justiça negue provimento ao presente recurso.

V. Quanto ao presente recurso

28

O Reino da Suécia invoca três fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a uma interpretação errada da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, que levou à aplicação errada de uma presunção geral de confidencialidade dos documentos relativos a um processo EU Pilot, o segundo, a uma interpretação errada do artigo 4.o, n.o 2, última parte do período, do Regulamento n.o 1049/2001, quanto à existência de um interesse público superior, e, o terceiro, a um erro do Tribunal Geral por não ter em conta o facto de o processo EU Pilot ter sido encerrado depois da adoção da decisão controvertida.

A. Quanto ao primeiro fundamento

1.  Argumentos das partes

29

O Reino da Suécia lembra que o princípio da maior transparência possível é aplicável às atividades das instituições da União, conforme resulta do artigo 1.o TUE, do artigo 15.o TFUE e do artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Alega que, segundo o acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374), o controlo das atividades das instituições pelo público é um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e que as exceções a esse princípio são de interpretação estrita, conforme resulta dos considerandos 1 a 4 do Regulamento n.o 1049/2001.

30

O Reino da Suécia entende que as considerações que constam dos n.os 63 e 80 do acórdão recorrido estão juridicamente erradas, pois o Tribunal Geral, por um lado, não deveria ter considerado que, para indeferir o acesso aos documentos controvertidos, relativos a um processo EU Pilot, ao abrigo da exceção relativa aos procedimentos de inquérito prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, a Comissão se podia basear na existência de uma presunção geral de confidencialidade aplicável a certas categorias de documentos e, por outro, deveria ter considerado que, no caso, a Comissão era obrigada a efetuar um exame concreto e individual dos documentos controvertidos.

31

Este Estado‑Membro critica as considerações que constam do n.o 56 do acórdão recorrido e alega que as diferenças entre o processo EU Pilot e o processo por incumprimento são mais do que as eventuais semelhanças entre eles, pelo que não se justifica aplicar a presunção geral de confidencialidade dos documentos da fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento aos documentos de um processo EU Pilot.

32

Segundo o Reino da Suécia, antes de mais, não se pode validamente alegar, ao contrário do que se afirma no n.o 62 do acórdão recorrido, que o processo EU Pilot tem por única finalidade evitar uma ação por incumprimento, uma vez que esse procedimento tem uma natureza e uma finalidade diferentes, na medida em que visa, nomeadamente, permitir que a Comissão peça informações de caráter puramente factual. Seguidamente, a Comissão comunica com um Estado‑Membro, no âmbito dos processos EU Pilot, sem o acusar, nessa fase, de ter violado o direito da União. Por último, os documentos dos processos EU Pilot raramente contêm tomadas de posição da Comissão que possam ser invocadas num eventual processo por incumprimento.

33

O Reino da Suécia entende que resulta claramente dos n.os 47 a 49 do acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738), que, além das exigências qualitativas a que deve responder o procedimento a que se refere o documento em causa, a aplicação de uma presunção geral de confidencialidade pressupõe também que o número desses documentos seja suficientemente significativo. Alega que, portanto, as considerações do Tribunal Geral, que constam dos n.os 74 e 75 do acórdão recorrido, estão juridicamente erradas e que a preocupação da eficácia administrativa, que é suscetível de justificar a aplicação de uma presunção geral de confidencialidade, não pode existir quando um pedido de acesso seja relativo apenas a dois documentos.

34

O Reino da Dinamarca e a República da Finlândia alegam que os processos EU Pilot podem dizer respeito a um vasto leque de casos, que vão de situações puramente factuais até processos comparáveis à fase pré‑contenciosa dos processos por incumprimento, pelo que só depois de uma apreciação concreta dos documentos objeto do pedido de acesso é possível decidir da sua divulgação. A República da Finlândia entende igualmente que um exame da forma como um Estado‑Membro respeita o direito da União não basta para justificar a aplicação de uma presunção geral de confidencialidade dos documentos relativos a esse exame e que é a decisão de abertura do procedimento formal previsto no artigo 258.o TFUE que constitui o pressuposto da aplicação dessa presunção geral.

35

A Comissão, a República Federal da Alemanha, a República Checa e o Reino de Espanha contestam esta argumentação.

2.  Apreciação do Tribunal de Justiça

36

A natureza e as características essenciais dos processos EU Pilot estão expostas nos n.os 10 e 11 do acórdão recorrido e não são impugnadas por nenhuma das partes em segunda instância.

37

Essas considerações são ainda confirmadas no Relatório De Avaliação Da Iniciativa «EU Pilot» da Comissão, de 3 de março de 2010 [COM(2010) 70 final], e no Segundo Relatório de Avaliação do «EU Pilot» da Comissão, de 21 de dezembro de 2011 [COM(2011) 930 final]. Em particular, na página 3 deste segundo relatório, a Comissão fornece uma caracterização do processo EU Pilot:

«O EU Pilot é o principal instrumento de comunicação entre a Comissão e os Estados‑Membros participantes relativamente às situações que suscitem dúvidas quanto à aplicação correta do direito da [União] ou da conformidade da legislação nacional de um Estado‑Membro com o direito da UE, numa fase inicial (ou seja, antes da abertura de um processo por infração nos termos do artigo 258.o […] TFUE). Regra geral, sempre que possa haver recurso ao processo por infração, o EU Pilot é utilizado antes de a Comissão dar o primeiro passo nesse sentido, nos termos do artigo 258.o […] TFUE. Este método substitui a anterior prática habitual, que consistia no envio de ofícios administrativos por parte da Comissão.»

38

Resulta destas considerações e destes relatórios que o processo EU Pilot constitui um processo de cooperação entre a Comissão e os Estados‑Membros, que permite verificar se o direito da União é aí respeitado e corretamente aplicado. Este tipo de processo visa resolver de forma eficaz eventuais infrações ao direito da União, evitando, na medida do possível, a abertura formal de um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE.

39

A função do processo EU Pilot é, pois, preparar ou evitar um processo por incumprimento contra um Estado‑Membro.

40

O Tribunal de Justiça, no acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738), decidiu no sentido de que os documentos relativos a um processo por incumprimento na fase pré‑contenciosa podem beneficiar da presunção geral de confidencialidade. O Tribunal de Justiça considerou, no n.o 65 desse mesmo acórdão, que «se pode presumir que a divulgação dos documentos relativos a um processo por incumprimento, durante a sua fase pré‑contenciosa, cria o risco de alterar o caráter desse processo e a sua tramitação, e que, consequentemente, essa divulgação prejudica, em princípio, a proteção dos objetivos das atividades de inquérito, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001».

41

Por conseguinte, no processo que deu origem ao acórdão referido no número anterior, todos os documentos, independentemente de terem sido criados na fase informal desse processo, isto é, antes de a Comissão enviar ao Estado‑Membro em causa a notificação para cumprir, ou na sua fase formal, isto é, depois do envio dessa notificação, foram considerados abrangidos por essa presunção.

42

É certo que, nesse processo, o processo EU Pilot não foi aplicado, uma vez que só foi introduzido em 2008.

43

Contudo, como refere o Tribunal Geral no n.o 66 do acórdão recorrido, sem cometer qualquer erro de direito, o processo EU Pilot mais não fez do que formalizar ou estruturar as trocas de informações que ocorrem tradicionalmente entre a Comissão e os Estados‑Membros na fase informal de um inquérito sobre possíveis violações do direito da União.

44

Embora, no n.o 78 do acórdão de 16 de julho de 2015, ClientEarth/Comissão (C‑612/13 P, EU:C:2015:486), o Tribunal de Justiça tenha precisado que a presunção geral de confidencialidade não se aplica aos documentos que, no momento da decisão que indefere o acesso, não foram juntos a um processo relativo a um processo administrativo ou jurisdicional em curso, esse raciocínio não se opõe à aplicação dessa presunção aos documentos relativos a um processo EU Pilot, que são claramente circunscritos pela sua pertença a um procedimento administrativo em curso.

45

Assim, durante a fase pré‑contenciosa de um inquérito levado a cabo num processo EU Pilot, enquanto existir um risco de alteração do caráter do processo por incumprimento, de alteração da sua tramitação e de prejuízo para os objetivos desse processo, a aplicação da presunção geral de confidencialidade aos documentos trocados entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa justifica‑se, de acordo com a solução seguida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738). Esse risco existe até o processo EU Pilot ser encerrado e ficar definitivamente afastada a abertura de um processo formal por incumprimento contra o Estado‑Membro.

46

Essa presunção geral não exclui a possibilidade de se demonstrar que um dado documento, cuja divulgação é pedida, não está abrangido por essa presunção ou que existe, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, última parte do período, do Regulamento n.o 1049/2001, um interesse público superior que justifique a divulgação desse documento (acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 66).

47

Quanto à alegada obrigação de a Comissão analisar concreta e individualmente documentos relativos a um processo EU Pilot aos quais é pedido acesso, teve razão o Tribunal Geral, baseando‑se no n.o 68 do acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738), ao referir, no n.o 83 do acórdão recorrido, que essa obrigação deixaria sem efeito útil a presunção geral de confidencialidade.

48

No caso, o Tribunal Geral deu por provado, no n.o 45 do acórdão recorrido, que não é impugnado no presente recurso, o facto de o processo EU Pilot em causa ser um «inquérito», na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

49

Seguidamente, o Tribunal Geral analisou a questão de saber se a Comissão podia invocar uma presunção geral de prejuízo para os objetivos visados na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, para indeferir o acesso a documentos relativos ao processo EU Pilot, e respondeu afirmativamente a essa questão nos n.os 63 e 80 do acórdão recorrido.

50

Quanto à eventual influência do ofício de 30 de abril de 2012, referido no n.o 15 do presente acórdão, na obrigação de divulgação dos documentos controvertidos, há que observar que esse ofício não constitui a decisão definitiva da Comissão de não abrir um processo formal por incumprimento contra a República Federal da Alemanha, unicamente anunciando a sua intenção preliminar de encerrar o inquérito. A decisão definitiva da Comissão de não abrir um processo formal por incumprimento contra a República Federal da Alemanha só foi tomada em 27 de setembro de 2012, com o encerramento do processo EU Pilot em causa. Por conseguinte, embora a decisão controvertida, com data de 21 de junho de 2012, tenha sido adotada depois do ofício de 30 de abril de 2012, não é menos verdade que essa decisão foi adotada antes da rejeição da abertura de um processo formal por incumprimento, em 27 de setembro de 2012. Assim, o ofício de 30 de abril de 2012 é irrelevante para a faculdade de a Comissão se basear na presunção geral de confidencialidade referida no número anterior do presente acórdão.

51

Em face destas considerações, o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito ao reconhecer que a Comissão, quando invoca a exceção relativa aos procedimentos de inquérito prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, tem a faculdade de se basear numa presunção geral de confidencialidade aplicável a certas categorias de documentos para indeferir o acesso a documentos relativos a um processo EU Pilot, sem proceder a um exame concreto e individual dos documentos pedidos.

52

Nestas circunstâncias, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

B. Quanto ao segundo fundamento

1.  Argumentos das partes

53

O Reino da Suécia, apoiado pela República de Finlândia, alega que a decisão do Tribunal Geral que consta dos n.os 94 e 95 do acórdão recorrido é juridicamente errada, tendo este entendido erradamente que a Comissão não tinha cometido um erro de apreciação ao considerar, no caso, que nenhum interesse público superior justificava a divulgação dos documentos controvertidos, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, última parte do período, do Regulamento n.o 1049/2001, pelo facto de a melhor forma de servir o interesse geral ser levar até ao fim o processo EU Pilot com a República Federal da Alemanha. Baseando‑se no n.o 44 do acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374), o Reino da Suécia alega que não cabe à Comissão decidir qual a melhor forma de servir o interesse geral, mas sim verificar se não existe um interesse público superior que justifique a divulgação de documentos.

54

A Comissão e a República Federal da Alemanha contestam esta argumentação.

2.  Apreciação do Tribunal de Justiça

55

O Tribunal Geral observou, no n.o 97 do acórdão recorrido, que, em apoio do seu pedido de acesso aos documentos controvertidos, os recorrentes em primeira instância se limitavam a apresentar alegações gerais de que a divulgação desses documentos seria necessária para a proteção da saúde pública, deixando por esclarecer quais os fundamentos concretos que explicariam em que medida essa divulgação serviria esse interesse geral. Ora, como acertadamente lembra o Tribunal Geral no mesmo número do acórdão recorrido, para demonstrar que, no caso, a divulgação dos documentos controvertidos correspondia a essa necessidade, esses recorrentes deveriam ter demonstrado a existência de um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, última parte do período, do Regulamento n.o 1049/2001, suscetível de justificar essa divulgação.

56

O Tribunal de Justiça já considerou que é a quem alega a existência de um interesse público superior que cabe apresentar de forma concreta as circunstâncias que justificam a divulgação dos documentos em causa e que a exposição de considerações de ordem puramente geral não basta para demonstrar que um interesse público superior prevalece sobre as razões que justificam a recusa de divulgação dos documentos em causa (v., neste sentido, acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão, C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.os 93 e 94 e jurisprudência aí referida).

57

A este respeito, há que observar que nenhum elemento apresentado na presente lide é suscetível de demonstrar que são juridicamente erradas as considerações do Tribunal Geral, que constam do n.o 97 do acórdão recorrido, relativas tanto ao ónus da prova dos recorrentes em primeira instância como ao facto de estes se terem limitado a alegar, de maneira geral, que a proteção da saúde pública exigia que tivessem acesso aos documentos controvertidos, sem apresentar as razões concretas que demonstravam que essa proteção fazia parte de um interesse público superior.

58

Nestas condições, o Reino da Suécia não tem razão ao alegar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão podia validamente considerar que, no caso, nenhum interesse público superior justificava a divulgação dos documentos nos termos do artigo 4.o, n.o 2, última parte do período, do Regulamento n.o 1049/2001.

59

Improcede, pois, o segundo fundamento de recurso.

C. Quanto ao terceiro fundamento

1.  Argumentos das partes

60

O Reino da Suécia, criticando os n.os 100 e 101 do acórdão recorrido, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não admitir que as circunstâncias verificadas depois de uma decisão de indeferimento de acesso a um documento nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 deviam ser igualmente tidas em consideração pelos tribunais da União, em sede de fiscalização da legalidade dessa decisão, que exercem com base no artigo 263.o TFUE. Esse Estado‑Membro entende que, no caso, embora o encerramento do processo EU Pilot tenha ocorrido depois da adoção da decisão controvertida, essa circunstância deveria ter sido tida em conta pelo Tribunal Geral, tendo em conta o Regulamento n.o 1049/2001.

61

Este Estado‑Membro alega que, se as circunstâncias novas só pudessem ser analisadas num novo pedido de acesso aos documentos dirigido à instituição em causa, esse regime teria como consequência procedimentos paralelos, extensões de procedimentos e encargos administrativos acrescidos para os requerentes. Além disso, em apoio da sua decisão, o Tribunal Geral baseou‑se em jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a procedimentos em matéria de auxílios de Estado, que não é transponível para as decisões adotadas ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001. Segundo o Reino da Suécia, o Tribunal Geral deveria antes ter tido em conta os n.os 37 a 41 do acórdão de 15 de setembro de 2011, Koninklijke Grolsch/Comissão (T‑234/07, EU:T:2011:476).

62

A Comissão, a República Checa e a República Federal da Alemanha contestam esta argumentação.

2.  Apreciação do Tribunal de Justiça

63

Como acertadamente declarou o Tribunal Geral no n.o 100 do acórdão recorrido, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data da adoção do ato (acórdão de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão, C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 22 e jurisprudência aí referida).

64

Nestas condições, improcede o terceiro fundamento do presente recurso, no sentido de que o Tribunal Geral deveria ter tido em conta o encerramento do processo EU Pilot em causa, ocorrido depois da adoção da decisão controvertida.

65

Por conseguinte, há que negar integralmente provimento ao recurso.

VI. Quanto às despesas

66

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

67

Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento dispõe que os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas.

68

Tendo o Reino da Suécia sido vencido e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, há que condenar o Reino da Suécia nas despesas da Comissão.

69

A República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha e a República da Finlândia devem suportar as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

Nega‑se provimento ao recurso.

 

2)

O Reino da Suécia é condenado nas despesas da Comissão Europeia.

 

3)

A República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha e a República da Finlândia suportarão as respetivas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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