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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62015CJ0211

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 26 de outubro de 2016.
Orange contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Auxílios de Estado — Auxílio concedido pela República Francesa à France Télécom — Reforma do mecanismo de financiamento das pensões de reforma dos funcionários públicos afetados à France Télécom — Redução da contrapartida a pagar ao Estado pela France Télécom — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno sob determinadas condições — Conceito de ‘auxílio’ — Conceito de ‘vantagem económica’ — Caráter seletivo — Afetação da concorrência — Desvirtuamento dos factos — Falta de fundamentação — Substituição dos fundamentos.
Processo C-211/15 P.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:798

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

26 de outubro de 2016 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Auxílios de Estado — Auxílio concedido pela República Francesa à France Télécom — Reforma do mecanismo de financiamento das pensões de reforma dos funcionários públicos afetados à France Télécom — Redução da contrapartida a pagar ao Estado pela France Télécom — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno sob determinadas condições — Conceito de ‘auxílio’ — Conceito de ‘vantagem económica’ — Caráter seletivo — Afetação da concorrência — Desvirtuamento dos factos — Falta de fundamentação — Substituição dos fundamentos»

No processo C‑211/15 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 6 de maio de 2015,

Orange, anteriormente France Télécom, com sede em Paris (França), representada por S. Hautbourg e S. Cochard‑Quesson, advogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e L. Flynn, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, E. Regan, A. Arabadjiev (relator), C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de dezembro de 2015,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de fevereiro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a Orange pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 26 de fevereiro de 2015, Orange/Comissão (T‑385/12, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2015:117), que negou provimento ao seu pedido de anulação da Decisão 2012/540/UE da Comissão, de 20 de dezembro de 2011, relativa ao auxílio estatal C 25/08 (ex NN 23/08) — Reforma do mecanismo de financiamento das pensões de reforma dos funcionários públicos afetados à France Télécom, executado pela República Francesa a favor da France Télécom (JO 2012, L 279, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).

Antecedentes do litígio

2

Os antecedentes do litígio estão resumidos como segue nos n.os 1 a 19 do acórdão recorrido:

«1

As medidas objeto do presente processo consistem nas alterações introduzidas em 1996 no regime de encargos suportados pela recorrente, a Orange, então denominada France Télécom, no que respeita ao pagamento das pensões de reforma do seu pessoal com o estatuto de funcionário.

2

Esse regime, que foi estabelecido aquando da criação, em 1990, da France Télécom como empresa distinta da Administração do Estado, pela loi n.o 90‑568, du 2 juillet 1990, relative à l’organisation du service public de la poste et des télécommunications (Lei n.o 90‑568, relativa à organização do serviço público dos correios e das telecomunicações, de 2 de julho de 1990) (JORF de 8 de julho de 1990, p. 8069, a seguir ‘Lei de 1990’), foi alterado pela loi n.o 96‑660, du 26 juillet 1996, relative à l’entreprise nationale France Télécom (Lei n.o 96‑660, relativa à empresa nacional France Télécom, de 26 de julho de 1996) (JORF de 26 de julho de 1996, p. 11398, a seguir ‘Lei de 1996’). O novo regime foi instituído por ocasião, por um lado, da constituição da France Télécom como sociedade anónima, bem como da cotação na bolsa e da abertura de uma parte crescente do seu capital, e, por outro, da abertura total à concorrência dos mercados em que operava, em França e nos outros Estados‑Membros da União Europeia.

3

No que respeita às responsabilidades relativas ao financiamento das prestações sociais do pessoal com o estatuto de funcionário público, a Lei de 1996 alterou a contrapartida que o artigo 30.o da Lei de 1990 impunha à France Télécom, de pagar ao Tesouro público pela liquidação e pagamento das pensões dos seus funcionários efetuados pelo Estado (a seguir ‘medida controvertida’).

4

A Lei de 1990 dispunha que a France Télécom estava obrigada a pagar ao Tesouro público, como contrapartida pela liquidação e pagamento das pensões concedidas aos seus funcionários, o montante da retenção efetuada sobre o salário do agente, cuja taxa era fixada pelo artigo L. 61 do code des pensions civiles et militaires de retraite français (Código das pensões de reforma civis e militares francês), e uma contribuição complementar que permitisse assumir integralmente as despesas com as pensões concedidas e a conceder aos seus agentes reformados.

5

A France Télécom participava igualmente nos regimes ditos de ‘compensação’ e de ‘sobrecompensação’, que previam transferências destinadas a assegurar o equilíbrio entre os regimes de reforma dos funcionários de outras entidades públicas.

6

A Lei de 1996 alterou a contrapartida prevista no artigo 30.o da Lei de 1990 segundo as modalidades a seguir apresentadas. Em primeiro lugar, a France Télécom estava obrigada a pagar a retenção efetuada sobre o salário do agente, cujo montante se mantinha inalterado em relação à Lei de 1990. Em segundo lugar, estava sujeita a uma ‘contribuição patronal de caráter liberatório’ que substituía a contribuição patronal anterior. Esta nova contribuição assentava numa ‘taxa de equidade concorrencial’, ela própria baseada num nivelamento das quotizações sociais e fiscais obrigatórias, que recaem sobre os salários, entre a France Télécom e as outras empresas do setor das telecomunicações abrangidas pelo regime geral das prestações sociais, no que respeita aos riscos comuns aos trabalhadores assalariados abrangidos pelo direito privado e aos funcionários públicos e excluindo os riscos não comuns aos trabalhadores assalariados de direito privado e aos funcionários do Estado (nomeadamente o desemprego e os créditos dos trabalhadores assalariados em caso de recuperação judicial ou de liquidação da empresa). Em terceiro lugar, a France Télécom estava sujeita a uma ‘contribuição fixa excecional’, que foi fixada pela loi n.o 96‑1181, du 31 décembre 1996, portant loi de finances pour 1997 (Lei n.o 96‑1181, relativa à Lei das Finanças para 1997, de 31 de dezembro de 1996) (JORF de 31 de dezembro de 1996, p. 19490), em 37,5 mil milhões de FRF (o que equivale a 5,7 mil milhões de euros). Esta contribuição incluía, por um lado, o montante das provisões anuais (3,6 mil milhões de euros) constituídas pela France Télécom até 1996 para fazer face ao encargo com as reformas futuras dos funcionários previstas na altura e, por outro lado, um montante complementar (2,1 mil milhões de euros).

7

Além disso, a Lei de 1996 excluiu a France Télécom do âmbito de aplicação dos regimes de compensação e de sobrecompensação.

[...]

9

Por carta de 20 de maio de 2008, a Comissão informou a República Francesa da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (a seguir ‘decisão de dar início ao procedimento’) relativamente ao auxílio em causa. A República Francesa apresentou as suas observações em 18 de julho de 2008.

[...]

12

Em 20 de dezembro de 2011, a Comissão adotou a decisão [controvertida], que declara o auxílio em causa compatível com o mercado interno sob determinadas condições.

13

Na decisão [controvertida], a Comissão concluiu que a medida controvertida constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

14

No que respeita, nomeadamente, à apreciação da vantagem económica, a Comissão concluiu que a medida controvertida concedia uma vantagem económica à France Télécom, na medida em que impunha um novo e pesado encargo ao Estado relacionado com a liquidação e o pagamento das pensões concedidas aos funcionários da France Télécom, ao reduzir a contrapartida que a France Télécom pagava anteriormente.

15

A este respeito, a Comissão, por um lado, no considerando 105 da decisão [controvertida], calculou o montante de auxílio em questão como constituindo a diferença anual entre a contribuição patronal liberatória paga pela France Télécom em conformidade com a Lei de 1996 e os encargos que teria pago em conformidade com a Lei de 1990 e, por outro lado, no considerando 113 da decisão [controvertida], considerou que o pagamento da contribuição fixa excecional reduzira o montante do auxílio de que a France Télécom beneficiava.

16

A Comissão concluiu igualmente que a medida controvertida era seletiva pelo facto de dizer unicamente respeito à France Télécom e falseava ou ameaçava falsear a concorrência porque permitia à France Télécom dispor de um balanço contabilístico mais favorável que lhe permitia desenvolver‑se nos mercados de serviços de telecomunicações, que eram gradualmente abertos à concorrência, em França e noutros Estados‑Membros.

17

Em seguida, a Comissão procedeu a uma avaliação da compatibilidade da medida controvertida com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, e concluiu que esta não respeitava o princípio da proporcionalidade, na medida em que não permitia nivelar as condições de concorrência. Segundo a Comissão, a contrapartida financeira paga pela France Télécom a favor do Estado ficava aquém de todos os encargos sociais que oneravam o orçamento dos concorrentes da France Télécom.

18

Assim, a Comissão concluiu que, para cumprir o critério de conformidade com o interesse comum previsto no artigo 107.o, n.o 3, […] TFUE, era necessário, para que o auxílio fosse compatível com o mercado interno, que a contribuição patronal de caráter liberatório a pagar pela France Télécom fosse calculada e cobrada por forma a nivelar o conjunto dos encargos sociais e fiscais obrigatórios, que recaem sobre os salários, entre a France Télécom e as outras empresas do setor das telecomunicações abrangidas pelo regime geral das prestações sociais, tomando igualmente em consideração os riscos não comuns aos trabalhadores assalariados de direito privado e aos funcionários empregados pela France Télécom. Esta contribuição devia ser cobrada à France Télécom a partir do dia em que o montante da contribuição fixa excecional, capitalizado à taxa de atualização resultante da aplicação da Comunicação da Comissão relativa ao método de fixação das taxas de referência e de atualização (JO 1996, C 232, p. 10, a seguir ‘comunicação relativa às taxas de referência’) correspondesse ao montante das contribuições e encargos que a France Télécom devia ter pago por força do artigo 30.o da Lei de 1990.

19

O dispositivo da decisão [controvertida] tem a seguinte redação:

‘Artigo 1.o

O auxílio estatal resultante da redução da contrapartida a pagar ao Estado pela liquidação e pagamento das pensões concedidas, em conformidade com o Código das pensões de reforma civis e militares, aos funcionários da France Télécom em aplicação da [Lei de 1996], que altera a [Lei de 1990], é compatível com o mercado interno, nas condições previstas no artigo 2.o

Artigo 2.o

A contribuição patronal de caráter liberatório, devida pela France Télécom por força do artigo 30.o, alínea c), da [Lei de 1990], é calculada e cobrada por forma a nivelar o conjunto dos encargos sociais e fiscais obrigatórios que recaem sobre os salários entre a France Télécom e as outras empresas do setor das telecomunicações abrangidas pelo regime geral das prestações sociais.

Para preencher esta condição, o mais tardar no prazo de sete meses a contar da notificação da presente decisão, a República Francesa deve:

a)

Alterar o artigo 30.o da [Lei de 1990] e os diplomas de execução de caráter regulamentar ou outro por forma a que a base de cálculo e o pagamento da contribuição patronal de caráter liberatório, devida pela France Télécom, não sejam limitados unicamente aos riscos comuns aos assalariados de direito privado e aos funcionários do Estado, mas incluam também os riscos não comuns;

b)

Impor à France Télécom, a partir do dia em que os montantes da contribuição excecional instituída pela [Lei de 1996] capitalizados à taxa de atualização resultante da aplicação da [comunicação relativa às taxas de referência] aplicável correspondam ao montante das contribuições e encargos que a France Télécom teria continuado a pagar por força do artigo 30.o da [Lei de 1990], na sua redação inicial, uma contribuição patronal de caráter liberatório, calculada de acordo com as modalidades especificadas na alínea a), tomando em consideração os riscos comuns e não comuns aos assalariados de direito privado e aos funcionários do Estado.

[...]’»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

3

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de agosto de 2012, a Orange interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida.

4

A Orange apresentou quatro fundamentos de recurso, sendo o primeiro relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação, bem como à violação do dever de fundamentação, na medida em que a Comissão considerou que a medida controvertida constituía um auxílio de Estado, na aceção artigo 107, n.o 1, TFUE.

5

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade e condenou a Orange nas despesas.

Pedidos das partes

6

A Orange pede que o Tribunal de Justiça se digne:

a título principal, anular o acórdão recorrido e a decisão controvertida;

a título subsidiário, anular o acórdão recorrido e remeter o processo ao Tribunal Geral;

condenar a Comissão nas despesas.

7

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso; e

condenar a Orange nas despesas.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

8

Após a prolação do acórdão do Tribunal Geral de 14 de julho de 2016, Alemanha/Comissão (T‑143/12, EU:T:2016:406), a Orange, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de julho de 2016, pediu que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo.

9

Em apoio deste pedido, a Orange alega, em substância, que a conclusão a que chegou o Tribunal Geral no acórdão recorrido relativamente à existência de uma vantagem económica seletiva é inconciliável com a conclusão a que chegou no acórdão de 14 de julho de 2016 e que as considerações jurídicas atinentes dizem diretamente respeito à apreciação do primeiro e segundo fundamentos do presente recurso.

10

A este respeito, há que recordar que, por força do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a abertura ou a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal (acórdão de 22 de junho de 2016, DK Recycling und Roheisen/Comissão, C‑540/14 P, EU:C:2016:469, n.o 28).

11

Não é o que sucede no caso em apreço. Com efeito, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir e que o processo não deve ser analisado à luz de um facto novo suscetível de ter influência determinante na sua decisão ou de um argumento não debatido.

12

Atendendo às considerações precedentes, o Tribunal de Justiça considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto ao presente recurso

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação sobre a qualificação de auxílio de Estado da medida controvertida

Quanto à primeira parte, relativa a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação sobre a existência de uma vantagem

– Argumentos das partes

13

Em primeiro lugar, a Orange alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 42 e 43 do acórdão recorrido, que o pretenso caráter compensatório da medida controvertida não permite afastar a sua qualificação de auxílio de Estado, uma vez que só pelo facto de uma intervenção estatal dever ser considerada uma compensação que represente a contrapartida das prestações efetuadas em execução de obrigações de serviço público, segundo os critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), é que não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

14

Com efeito, contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça não excluiu, no n.o 97 do acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368), que a natureza compensatória de certas medidas que não sejam as relacionadas com as prestações efetuadas em execução de obrigações de serviço público pudesse retirar‑lhes o seu caráter de auxílio de Estado.

15

Em segundo lugar, a Orange considera que a apreciação do Tribunal Geral é contrária ao acórdão de 23 de março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, EU:C:2006:197), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma derrogação do direito comum italiano não integrava o conceito de «auxílio de Estado» pelo facto de uma lei que se limita a evitar que o orçamento de uma empresa seja onerado com um encargo que, em condições normais, não teria existido não confere uma vantagem a essa empresa, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

16

Por um lado, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou nos n.os 38 a 41 do acórdão recorrido, não existe nenhum elemento do acórdão de 23 de março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, EU:C:2006:197), que permita circunscrever a aplicabilidade dessa jurisprudência apenas aos regimes ditos «duplamente derrogatórios», a saber, aos regimes que, para evitar que o orçamento do beneficiário desta seja onerado por um encargo que, em condições normais, não teria existido, preveem uma derrogação destinada a neutralizar uma derrogação precedente ao regime de direito comum.

17

Por outro lado, a Orange sublinha que a Lei de 1990 tinha submetido a France Télécom a uma obrigação que os seus concorrentes não tinham de suportar e que constituía, assim, um encargo anormal na aceção da referida jurisprudência, que a Lei de 1996 corrigiu.

18

Em terceiro lugar, a Orange salienta que o Tribunal Geral, no n.o 41 do acórdão recorrido, considerou como quadro de referência, para apreciar a existência de uma vantagem conferida pela Lei de 1996, o regime inicial ao qual estavam sujeitos os funcionários da France Télécom por força da Lei de 1990.

19

Ora, a Orange precisa que o objetivo da Lei de 1996 era colocar a France Télécom numa situação de direito comum no que se refere ao mecanismo de financiamento das pensões de reforma dos funcionários do Estado afetados a essa sociedade e que, tendo em conta esse objetivo, o quadro de referência a considerar era o aplicável às empresas concorrentes relativamente às contribuições patronais de reforma para o seu pessoal.

20

Assim, na opinião da Orange, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao acolher a escolha do quadro de referência considerado pela Comissão.

21

A Comissão contesta a argumentação da Orange.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

22

Importa salientar, desde já, que a Orange alega, nos segundo e terceiro argumentos da primeira parte do primeiro fundamento, resumidos nos n.os 15 a 20 do presente acórdão, que o Estado francês não lhe conferiu nenhuma vantagem económica quando adotou a Lei de 1996. No primeiro argumento dessa primeira parte, resumido nos n.os 13 e 14 do presente acórdão, esta sociedade alega que, mesmo admitindo que a referida lei comportasse essa vantagem, esta limitava‑se a compensar a desvantagem estrutural existente, em virtude do regime instituído pela Lei de 1990, relativamente aos seus concorrentes, pelo que essa vantagem não podia levar à constatação de que se trata de um auxílio de Estado.

23

No que se refere ao argumento relativo à inexistência de vantagem económica, a Orange alegou no Tribunal Geral que resulta do acórdão de 23 de março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, EU:C:2006:197), que uma lei que se limita a evitar que o orçamento de uma empresa seja onerado com um encargo que, em condições normais, não teria existido não confere uma vantagem a essa empresa, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

24

Além disso, a Orange impugnou no Tribunal Geral, por erros de direito e por manifestos erros de apreciação, a escolha da Comissão do quadro de referência para determinar a existência ou não de uma vantagem económica, a saber, o regime que era aplicável à France Télécom por força da Lei de 1990, e não o regime que era aplicável às empresas concorrentes.

25

Nos n.os 38 a 41 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação relativa ao acórdão de 23 março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, EU:C:2006:197), ao considerar que esta jurisprudência só está vocacionada para ser aplicada quando está em causa um regime «duplamente derrogatório», a saber, um regime que, para evitar que o orçamento do beneficiário desta seja onerado por um encargo que, em condições normais, não teria existido, prevê uma derrogação destinada a neutralizar uma derrogação precedente ao regime de direito comum, o que não se verificou no caso em apreço.

26

Ora, esta apreciação não padece dos erros de direito que a Orange alega no segundo argumento da presente parte.

27

A este respeito, há que salientar, que, nos n.os 46 a 48 do acórdão de 23 de março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, EU:C:2006:197), o Tribunal de Justiça declarou que não pode ser considerada uma vantagem, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma legislação nacional que não concede uma vantagem nem aos acionistas de uma sociedade nem à própria sociedade, na medida em que se limita a evitar que o orçamento dessa sociedade seja onerado por um encargo que, em condições normais, não teria existido, limitando‑se assim essa legislação a enquadrar uma faculdade excecional sem ter por objetivo diminuir um encargo que esta mesma sociedade tem normalmente de suportar.

28

Importa salientar, conforme fez o advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões, que a solução que esteve na origem do acórdão de 23 de março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, EU:C:2006:197), tinha a particularidade de dizer respeito a uma medida nacional que neutralizava os efeitos de um regime derrogatório do regime de direito comum.

29

Ora, no caso vertente, o Tribunal Geral declarou, na sua apreciação soberana dos factos no n.o 41 do acórdão recorrido, que o regime de reforma dos funcionários da France Télécom era juridicamente distinto e claramente separado do regime aplicável aos trabalhadores assalariados de direito privado. Daí deduziu que este último regime não era o regime normalmente aplicável aos funcionários da France Télécom, pelo que a Lei de 1996 não tinha afastado um encargo anormal que onerava o orçamento dessa empresa nem operou um regresso ao regime normal.

30

Nessas condições, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quando declarou, no n.o 41 do acórdão recorrido, que «não [era] possível concluir, como [fez] a recorrente, que a medida controvertida [visava] evitar que a France Télécom [fosse] sujeita a uma despesa que, numa situação normal, não deveria onerar o seu orçamento na aceção do acórdão [de 23 de março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, EU:C:2006:197)]».

31

Por conseguinte, o segundo argumento da presente parte deve ser julgado improcedente.

32

No que diz respeito ao terceiro argumento da primeira parte, relativo à escolha do quadro de referência, cabe salientar que o Tribunal Geral considerou, no n.o 37 do acórdão recorrido, que, ao reduzir os encargos sociais instituídos pela Lei de 1990, a Lei de 1996 gerou, em princípio, uma vantagem em benefício da France Télécom.

33

Além disso e como recordado no n.o 29 do presente acórdão, o Tribunal Geral, no n.o 41 do acórdão recorrido, declarou que o regime de reforma dos funcionários decorre de um regime juridicamente distinto e claramente separado do regime aplicável aos trabalhadores assalariados de direito privado, como os trabalhadores assalariados dos concorrentes da France Télécom, e que a Lei de 1990 não tinha introduzido um regime derrogatório, não estando as contribuições relativas às pensões de reforma dos funcionários sujeitas, no passado, ao regime comum das contribuições de reforma.

34

Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação da Orange segundo a qual a Comissão seguiu, para determinar a existência ou não de uma vantagem económica, um quadro de referência errado.

35

Ora, com o terceiro argumento da presente parte, conforme resumido nos n.os 18 a 20 do presente acórdão, a Orange não contesta, como salientou corretamente a Comissão, a apreciação que figura no n.o 37 do acórdão recorrido e limita‑se a censurar o Tribunal Geral por não ter tido em conta, para efeitos de identificação do quadro de referência correto, os objetivos prosseguidos pelo Estado francês quando adotou a Lei de 1996.

36

Com efeito, a Orange alega, em substância, que a Lei de 1996 tinha por objetivo restabelecer as condições de direito comum, relativas ao mecanismo de financiamento das pensões de reforma dos funcionários do Estado afetados à France Télécom e, assim, colocar a sociedade em situação idêntica à dos seus concorrentes. Por consequência e tendo em conta os objetivos prosseguidos pela referida Lei de 1996, a situação «tipo» a considerar para determinar se esta última surgiu para suprimir um encargo normal ou anormal é a de um operador privado.

37

Assim, a argumentação da Orange não permite ao Tribunal de Justiça verificar se o Tribunal Geral cometeu, quando indeferiu a imputação feita por esta sociedade relativamente à escolha errada da Comissão do quadro de referência, outros erros de direito atinentes à não tomada em conta dos objetivos prosseguidos pelo Estado francês.

38

Ora, a este respeito, deve recordar‑se que é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não faz distinções consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, definindo‑as, sim, em função dos seus efeitos (acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 94 e jurisprudência referida).

39

Daqui resulta que o terceiro argumento da presente parte deve ser julgado manifestamente improcedente.

40

No que se refere ao primeiro argumento da primeira parte, relativo à compensação de uma desvantagem estrutural, a Orange baseou‑se, em primeira instância, nos acórdãos do Tribunal Geral de 16 de março de 2004, Danske Busvognmænd/Comissão (T‑157/01, EU:T:2004:76), e de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão (T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537), para defender que não constitui um auxílio de Estado a vantagem que suprime os encargos suplementares resultantes de um regime derrogatório que não se aplica às empresas concorrentes. Com efeito, na sua opinião, a compensação de uma desvantagem estrutural permite afastar a qualificação de auxílio de Estado em determinadas situações específicas para além do caso dos serviços de interesse económico geral.

41

Nos n.os 42 e 43 do acórdão recorrido, o Tribunal rejeitou esta argumentação ao considerar que, mesmo admitindo que estivesse estabelecido, o caráter compensatório da redução dos encargos concedida no presente caso não permitia afastar a qualificação desta medida de auxílio de Estado.

42

A este respeito, o Tribunal Geral considerou que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial os n.os 90 a 92 do acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368) que, na medida em que uma intervenção estatal deva ser considerada uma compensação correspondente à contrapartida das prestações efetuadas pelas empresas encarregadas de um serviço de interesse geral económico para executar obrigações de serviço público, segundo os critérios estabelecidos pelo acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), essa intervenção não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

43

Ora, estas apreciações não padecem do erro de direito que a Orange alega no seu primeiro argumento da presente parte.

44

Com efeito, há que observar que, até hoje, o único caso reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em que a constatação da concessão de uma vantagem económica não determina a qualificação da medida em causa de «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE é o de uma intervenção estatal que representa a contrapartida das prestações efetuadas pelas empresas encarregadas de um serviço de interesse económico geral para executar as obrigações de serviço público, segundo os critérios estabelecidos pelo acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

45

Assim, o Tribunal Geral considerou corretamente que a Orange não podia, no caso vertente, retirar argumentos válidos dos acórdãos referidos no n.o 40 do presente acórdão para demonstrar que a compensação de uma desvantagem estrutural permite afastar a qualificação de «auxílio de Estado».

46

Daqui resulta que o primeiro argumento da presente parte deve improceder.

47

Atendendo às considerações que antecedem, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto à segunda parte, relativa a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação relativa ao caráter seletivo da medida controvertida

– Argumentos das partes

48

A Orange considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir, nos n.os 52 e 53 do acórdão recorrido, que a medida controvertida era seletiva por dizer apenas respeito à Orange.

49

Na sua opinião, uma medida estatal individual só é seletiva se favorecer uma determinada empresa em relação a outras que se encontrem numa situação de facto e de direito comparável. A Orange invoca, a este respeito, os acórdãos de 29 de março de 2012, 3M Italia (C‑417/10, EU:C:2012:184, n.o 40), e de 16 de abril de 2015, Trapeza Eurobank Ergasias (C‑690/13, EU:C:2015:235, n.o 28).

50

Com efeito, uma vez que a seletividade de uma medida implica uma distribuição desigual das vantagens entre empresas que se encontrem numa situação de facto e de direito comparável, não pode ser feita nenhuma apreciação sem comparar os operadores que se encontrem nessa situação.

51

Ora, tendo a Comissão concluído que não existiam outras empresas suscetíveis de integrar o quadro de referência que definiu, a Orange considera que o Tribunal Geral não podia limitar‑se a presumir que o critério da seletividade estava preenchido, tendo em conta o caráter ad hoc da medida controvertida.

52

A Comissão contesta a argumentação da Orange.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

53

Nos n.os 52 e 53 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que a Lei de 1996 só dizia respeito à France Télécom e considerou que, por esse facto, era seletiva. Segundo o Tribunal Geral, o critério de comparação do beneficiário com outros operadores que se encontrem numa situação de facto e de direito comparável relativamente ao objetivo prosseguido pela medida tem a sua origem e justificação no âmbito da apreciação do caráter seletivo de medidas de aplicação potencialmente geral e não é, portanto, pertinente quando se trata, como no caso em apreço, de apreciar o caráter seletivo de uma medida ad hoc, que só diz respeito a uma única empresa e que visa alterar certos condicionalismos concorrenciais que lhe são específicos.

54

Uma vez que estas apreciações, como salientou o advogado‑geral nos n.os 66 a 72 das suas conclusões, são conformes com a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria (v., neste sentido, acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 60), não padecem de nenhum erro de direito, apesar de a presente parte dever ser julgada improcedente.

Quanto à terceira parte, relativa a erros de direito, cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação sobre o critério de afetação da concorrência

– Argumentos das partes

55

A Orange censura o Tribunal Geral por ter cometido um erro de direito e não ter cumprido o seu dever de fundamentação quando considerou, nos n.os 63 e 64 do acórdão recorrido, que o critério de afetação da concorrência estava preenchido, uma vez que os recursos financeiros libertados pela medida controvertida favoreceram o desenvolvimento das atividades da Orange em mercados novamente abertos à concorrência e que esta sociedade reconheceu, ela própria, que a referida medida tinha sido indispensável para lhe permitir participar no desenvolvimento da concorrência.

56

Segundo a Orange, embora estes dois elementos pudessem determinar que a medida controvertida, ao assegurar uma concorrência pelo mérito, tinha tido um impacto positivo na concorrência, não eram suficientes para permitir ao Tribunal Geral concluir que a referida medida era efetivamente suscetível de falsear ou ameaçar falsear a concorrência.

57

Se o Tribunal Geral tivesse procedido a um controlo integral das apreciações feitas pela Comissão para considerar que o critério de afetação da concorrência estava preenchido, podia ter constatado que a existência desse efeito anticoncorrencial não tinha sido validamente demonstrada, uma vez que o quadro de referência definido incluía apenas a Orange e a Comissão reconheceu que a medida controvertida era necessária para assegurar uma concorrência baseada no mérito num mercado em vias de abertura à concorrência.

58

A Comissão contesta a argumentação da Orange.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

59

Nos n.os 63 e 64 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação da Orange, resumida no n.o 57 desse acórdão, por considerar desde logo que os recursos financeiros libertados pela medida controvertida favoreceram o desenvolvimento das atividades da France Télécom em mercados novamente abertos à concorrência, em França e noutros Estados‑Membros.

60

Em seguida, o Tribunal Geral salientou que a própria Orange reconheceu que a medida controvertida tinha tido um impacto significativo na concorrência, na medida em que foi indispensável para lhe permitir participar no desenvolvimento da concorrência.

61

Por último, o Tribunal Geral considerou que o facto de a medida controvertida ter sido, ou não, necessária para a France Télécom fazer face às suas pretensas dificuldades concorrenciais não decorria da aplicação do requisito relativo à distorção da concorrência, mas do relativo à vantagem, e que este facto tinha sido analisado no contexto da primeira parte do primeiro fundamento em primeira instância.

62

Assim, por um lado, como salientou o advogado‑geral no n.o 75 das suas conclusões, o acórdão recorrido expõe claramente as razões pelas quais o Tribunal Geral acolheu a apreciação da Comissão quanto ao critério da distorção da concorrência.

63

Deste modo, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma vez que a fundamentação invocada permite aos interessados conhecer os fundamentos em que o Tribunal Geral se baseou e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso, a crítica relativa à fundamentação insuficiente do acórdão recorrido deve improceder.

64

Por outro lado, deve recordar‑se que a Comissão não está obrigada a demonstrar os efeitos reais dos auxílios sobre as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e uma distorção efetiva da concorrência, mas apenas a examinar se esses auxílios são suscetíveis de afetar essas trocas comerciais e falsear a concorrência (acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 131 e jurisprudência referida).

65

A este respeito, a circunstância de um setor económico ter sido liberalizado ao nível da União é suscetível de caracterizar uma incidência real ou potencial dos auxílios na concorrência, bem como o seu efeito nas trocas comerciais entre Estados‑Membros (acórdão de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam, C‑494/06 P, EU:C:2009:272, n.o 53 e jurisprudência referida).

66

Quanto ao requisito da distorção da concorrência, importa salientar que os auxílios que visam libertar uma empresa dos custos que devia normalmente suportar no âmbito da sua gestão corrente ou das suas atividades normais falseiam, em princípio, as condições de concorrência (acórdão de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam, C‑494/06 P, EU:C:2009:272, n.o 55 e jurisprudência referida).

67

No caso em apreço, o Tribunal Geral salientou, no n.o 61 do acórdão recorrido, que resulta dos considerandos 114 a 116 da decisão controvertida que a Lei de 1996 permitiu e permite à Orange dispor de mais recursos financeiros para operar nos mercados em que está ativa, que os mercados dos serviços de telecomunicações em que a Orange operava e opera em todo o território em França e noutros Estados‑Membros foram gradualmente abertos à concorrência e estes dois elementos permitiram‑lhe desenvolver‑se mais facilmente nos mercados de outros Estados‑Membros recentemente abertos à concorrência.

68

Ora, com base nestas constatações, não contestadas pela Orange, o Tribunal Geral podia, sem cometer um erro de direito, acolher a apreciação da Comissão segundo a qual a medida controvertida era suscetível de falsear a concorrência.

69

Atendendo às considerações precedentes, a terceira parte do primeiro fundamento e, por consequência, todo o fundamento devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação sobre a compatibilidade da medida controvertida com o mercado interno

Quanto à primeira parte, relativa ao desvirtuamento dos factos e à violação do dever de fundamentação cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação da finalidade da contribuição fixa excecional

– Argumentos das partes

70

A Orange alega que o Tribunal Geral desvirtuou os factos que lhe foram submetidos e violou o seu dever de fundamentação quando considerou, nos n.os 93 e 94 do acórdão recorrido, que a redação da Lei de 1996 não se opunha à interpretação da Comissão segundo a qual a contribuição fixa excecional não constituía um encargo social, mas prosseguia outros objetivos, e que, por isso, a Comissão não cometeu um erro de direito ao considerar que o facto de os riscos não comuns não serem tomados em consideração na contribuição patronal de caráter liberatório não podia ser compensado pela referida contribuição.

71

Com efeito, contrariamente à afirmação do Tribunal Geral, a contribuição fixa excecional seria um encargo social para a Orange, prevendo a redação do artigo 30.o da Lei de 1996 que a mesma é paga «em contrapartida pela liquidação e pelo serviço prestados pelo Estado relativamente às pensões de reforma dos funcionários».

72

A Comissão contesta a argumentação da Orange.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

73

Nos n.os 93 e 94 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a redação da Lei de 1996 não se opunha à interpretação da Comissão segundo a qual a contribuição fixa excecional não constituía um encargo social, à semelhança da contribuição patronal de caráter liberatório, mas prosseguia outros objetivos, e daí deduziu que a Comissão não cometeu um erro de direito nem excedeu os limites da sua margem de apreciação ao considerar que o facto de os riscos não comuns não serem tomados em conta na contribuição patronal de caráter liberatório não podia ser compensado pela contribuição fixa excecional.

74

Essa apreciação baseou‑se na constatação, que figura no n.o 92 do referido acórdão, segundo a qual «resulta da leitura conjugada das alíneas c) e d) do artigo 30.o da Lei de 1990, conforme alterada pela Lei de 1996, que a contribuição patronal de caráter liberatório foi concebida para ‘equiparar os níveis de encargos sociais e fiscais obrigatórios assentes nos salários’ entre a France Télécom e os seus concorrentes, apesar de as mesmas disposições não preverem nada a respeito da finalidade da contribuição fixa excecional».

75

Por isso, por um lado, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 86 das suas conclusões, o acórdão recorrido expõe claramente as razões pelas quais o Tribunal Geral considerou improcedentes as pretensões da Orange.

76

Assim, uma vez que a fundamentação apresentada permite, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, aos interessados conhecer os fundamentos em que o Tribunal Geral se baseou e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso, a crítica relativa à fundamentação insuficiente do acórdão recorrido deve improceder.

77

Por outro lado, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 85 das suas conclusões, o argumento resumido no n.o 71 do presente acórdão não invalida a constatação que figura no n.o 92 do acórdão recorrido. Nestas condições, há que declarar que o pretenso desvirtuamento não resulta de forma manifesta das peças processuais e que, portanto, com a sua argumentação, a Orange convida, na realidade, o Tribunal de Justiça a proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas, o que não faz parte do âmbito da sua competência.

78

Daqui resulta que o argumento relativo ao desvirtuamento da Lei de 1996 deve ser julgado manifestamente improcedente.

79

Por conseguinte, a primeira parte deve ser considerada totalmente improcedente.

Quanto à segunda parte, relativa à violação do dever de fundamentação cometida pelo Tribunal Geral na sua apreciação do «precedente La Poste»

– Argumentos das partes

80

Com a segunda parte, a Orange alega que o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentação ao limitar‑se, nos n.os 99 a 101 do acórdão recorrido, a retomar as apreciações da Comissão sem proceder a uma análise dos argumentos apresentados pela Orange para demonstrar que essas considerações estavam erradas. Além disso, o Tribunal Geral não analisou os outros argumentos apresentados pela Orange, que visavam demonstrar que a Comissão não podia tratar de forma diferente a reforma das pensões dos funcionários afetados à France Télécom e a dos funcionários afetados à La Poste.

81

A Comissão contesta a argumentação da Orange.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

82

A este respeito, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 90 a 93 das suas conclusões, as considerações expostas pelo Tribunal Geral nos n.os 99 a 101 do acórdão recorrido só o foram a título subsidiário. Por isso, a argumentação da Orange em sede do presente recurso é inoperante, uma vez que, mesmo admitindo que fosse procedente, não determinaria a anulação do acórdão recorrido.

83

Daqui resulta que a segunda parte do segundo fundamento e, por consequência, a totalidade deste fundamento devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação sobre o período durante o qual o auxílio se encontra neutralizado pela contribuição fixa excecional

Argumentos das partes

84

A Orange considera que o Tribunal Geral desvirtuou os factos e efetuou uma substituição de fundamentos quando considerou, nos n.os 107 e 108 do acórdão recorrido, que a supressão dos encargos de compensação e de sobrecompensação fazia parte do auxílio definido no artigo 1.o da decisão controvertida, apesar de no considerando 119 dessa decisão a Comissão se ter limitado a concluir que esse auxílio consistia na redução da contrapartida que constituía a contribuição patronal, sem mencionar os encargos de compensação e de sobrecompensação.

85

A Orange acrescenta que os encargos de compensação e de sobrecompensação só pesam normalmente sobre as caixas de pensões e não diretamente sobre as empresas. Por isso, nada permitia ao Tribunal Geral considerar que o regime instituído pela Lei de 1990 constituía encargos normais e que, por consequência, a Lei de 1996 libertava a empresa dos encargos que oneravam normalmente o seu orçamento.

86

A Comissão contesta a argumentação da Orange.

Apreciação do Tribunal de Justiça

87

No n.o 107 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que, «lamentavelmente, o considerando 119 da decisão [controvertida], que [contém] a conclusão sobre a existência de um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, se limitava a indicar que o auxílio [consiste] em diminuir ‘a contrapartida que constitui a contribuição patronal’, sem mencionar os encargos de compensação e de sobrecompensação».

88

No n.o 108 do acórdão, o Tribunal Geral considerou, contudo, que «[resulta] tanto do contexto da decisão [controvertida] como do seu artigo 1.o que o auxílio [consiste], segundo a Comissão, na redução da contrapartida paga anteriormente pela recorrente, o que [inclui] necessariamente todos os encargos suportados por esta antes da entrada em vigor da medida controvertida».

89

Esta apreciação assentava nas seguintes considerações, que figuram nos n.os 104 a 106 do acórdão recorrido:

«104

No caso vertente, há que constatar que o auxílio de Estado é definido, no artigo 1.o da decisão [controvertida], como o que ‘resulta da redução da contrapartida a pagar ao Estado pela liquidação e pelo serviço de pensões concedidas, em aplicação do code des pensions civiles et militaires de retraite [Código das pensões de reforma civis e militares], aos funcionários da France Télécom em aplicação da [Lei de 1996] que altera a [Lei de 1990]’

105

No considerando 105 da decisão [controvertida], a Comissão explica que o montante de auxílio em questão pode ser calculado como constituindo a ‘diferença anual entre a contrapartida representada pela contribuição patronal liberatória paga pela France Télécom ao Estado francês e os encargos que teria pago em conformidade com a Lei de 1990, indicados no Quadro 1, se esta se tivesse mantido inalterada, após dedução do montante da quotização fixa paga em 1997’. Ora, resulta do quadro n.o 1 que figura no considerando 18 da decisão [controvertida] que os encargos de compensação e de sobrecompensação estão incluídos nos encargos pagos pela recorrente ao Estado entre 1991 e 1996.

106

A Comissão indicou assim que os encargos de compensação e de sobrecompensação estão incluídos no cálculo da contrapartida paga ao abrigo da Lei de 1990 e que o auxílio de Estado foi definido e calculado como a redução dessa contrapartida efetuada pela Lei de 1996.»

90

Assim, há que declarar que, com este raciocínio, o Tribunal Geral não substituiu de modo nenhum os fundamentos que figuram na decisão controvertida pela sua própria fundamentação, mas limitou‑se a interpretar esta última à luz do seu próprio conteúdo. Além disso, contrariamente ao que alega a Orange, esta interpretação reflete fielmente as incoerências da referida decisão sem as desvirtuar.

91

Por conseguinte, o terceiro fundamento ser julgado improcedente.

92

Atendendo a todas as considerações precedentes, deve ser negado provimento ao presente recurso.

Quanto às despesas

93

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

94

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

95

Tendo a Orange sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação, há que condená‑la nas despesas do presente processo.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Orange é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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