Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex
Documento 62015CC0454
Opinion of Advocate General Bobek delivered on 8 September 2016.#Jürgen Webb-Sämann v Christopher Seagon.#Request for a preliminary ruling from the Hessisches Landesarbeitsgericht.#Reference for a preliminary ruling — Social policy — Directive 2008/94/EC — Article 8 — Protection of employees in the event of the insolvency of their employer — Provisions related to social security — Scope — Measures necessary to protect immediate or prospective entitlements of employees under supplementary pension schemes — Obligation to provide for a right to have outstanding pension contributions excluded from the scope of insolvency proceedings — Absence.#Case C-454/15.
Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 8 de setembro de 2016.
Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 8 de setembro de 2016.
Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:653
MICHAL BOBEK
apresentadas em 8 de setembro de 2016 ( 1 )
Processo C‑454/15
Jürgen Webb‑Sämann
contra
Christopher Seagon (na qualidade de administrador de insolvência da Baumarkt Praktiker DIY GmbH)[pedido de decisão prejudicial do Hessisches Landesarbeitsgericht
(Tribunal Superior do Trabalho do Land de Hesse, Alemanha)]
«Política social — Diretiva 2008/94 — Proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador — Disposições em matéria de segurança social — Âmbito de aplicação — Obrigação dos Estados‑Membros de se certificarem de que serão tomadas as medidas necessárias para proteger os direitos adquiridos ou em vias de aquisição dos trabalhadores assalariados a título de regimes complementares de previdência»
I – Introdução
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1. |
J. Webb‑Sämann (o recorrente) trabalhou a tempo parcial para a Baumarkt Praktiker DIY GmbH e para os antecessores jurídicos desta (a seguir «devedor principal»). O empregador reteve determinadas importâncias sobre a remuneração do recorrente e converteu‑as em contribuições para o regime de pensões. Em outubro de 2013, foi aberto um processo de insolvência contra o devedor principal. Tornou‑se evidente que, no período compreendido entre janeiro e setembro de 2013, o devedor principal não tinha entregado as contribuições do recorrente ao fundo de pensões em causa. |
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2. |
A questão suscitada pelo presente pedido de decisão prejudicial consiste em determinar se, nos casos em que um empregador é declarado insolvente, o artigo 8.o da Diretiva 2008/94/CE ( 2 ) exige que as importâncias que foram descontadas pelo empregador à remuneração de um trabalhador com vista à sua transferência para um fundo de pensões complementar, mas que na realidade o empregador não depositou numa conta bancária autónoma, sejam delimitadas e separadas da massa insolvente. |
II – Quadro jurídico
A – Direito da União
1. Diretiva 2008/94
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3. |
O considerando 3 da Diretiva 2008/94 dispõe que «[s]ão necessárias disposições para proteger os trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador e para lhes assegurar um mínimo de proteção, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade [d]e um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade. Para esse efeito, os Estados‑Membros deverão criar uma instituição que garanta aos trabalhadores assalariados em causa o pagamento dos seus créditos em dívida». |
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4. |
O artigo 1.o define o âmbito de aplicação da diretiva, estabelecendo que esta se aplica aos «créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência […]». |
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5. |
Os artigos 3.° a 5.° da diretiva constam do capítulo II, sob a epígrafe «Disposições relativas às instituições de garantia». O artigo 3.o impõe aos Estados‑Membros a criação de instituições de garantia que assegurem o pagamento «dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho […]». Nos termos do artigo 5.o, alínea a), da diretiva, o património dessas instituições deve ser independente do capital de exploração do empregador e insuscetível de apreensão no decurso de um processo de insolvência. |
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6. |
O artigo 4.o estabelece que os Estados‑Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia no que respeita aos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados, determinando a duração do período que dá lugar ao pagamento desses créditos pela instituição de garantia. O artigo 4.o fixa ainda os limiares mínimos aplicáveis às limitações da responsabilidade das instituições de garantia. |
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7. |
O capítulo III da diretiva é composto pelos artigos 6.° a 8.°, que contêm disposições relativas à segurança social. O artigo 6.o dá aos Estados‑Membros a possibilidade de «prever que [os artigos relativos às obrigações das instituições de garantia] não se apliquem às cotizações devidas a título de regimes legais nacionais de segurança social ou a título de regimes complementares de previdência profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social». |
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8. |
O artigo 8.o estipula que «[o]s Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que serão tomadas as medidas necessárias para proteger os interesses dos trabalhadores assalariados e das pessoas que tenham deixado a empresa ou o estabelecimento da entidade patronal na data da superveniência da insolvência desta, no que respeita aos seus direitos adquiridos ou em vias de aquisição, a prestações de velhice, incluindo as prestações de sobrevivência, a título de regimes complementares de previdência, profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social». |
2. Diretiva 2003/41/CE
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9. |
O considerando 9 da Diretiva 2003/41 ( 3 ) dispõe que «os Estados‑Membros deverão continuar a ser plenamente responsáveis pela organização dos seus sistemas de reformas […]». O considerando 18 reconhece que «[n]a eventualidade de falência de uma empresa contribuinte, o membro confronta‑se com o risco de perder o seu emprego e os seus direitos de reforma adquiridos. Torna‑se, pois, necessário assegurar uma demarcação clara entre aquela empresa e a instituição, e prever medidas prudenciais mínimas para assegurar a proteção dos membros». |
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10. |
O artigo 8.o exige a cada Estado‑Membro que assegure «a separação jurídica entre a empresa contribuinte e a instituição de realização de planos de pensões profissionais, a fim de garantir que, em caso de falência da empresa contribuinte, os ativos da instituição sejam salvaguardados no interesse dos membros e dos beneficiários». |
B – Direito alemão
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11. |
O § 47 do Insolvenzordnung (Lei alemã da insolvência ( 4 )) permite a separação de bens da massa insolvente nos casos em que uma pessoa seja titular de um direito real ou obrigacional sobre os bens em causa e demonstre que estes não devem ser incluídos no processo de insolvência. |
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12. |
De acordo com a resposta escrita prestada pelo Governo alemão no presente processo, o § 165, n.o 1, do Sozialgesetzbuch, Drittes Buch (livro III do Código da Segurança Social ( 5 )) dispõe que os trabalhadores das empresas insolventes têm o direito de serem indemnizados, desde que tenham trabalhado no território nacional e desde que, aquando da abertura do processo de insolvência, lhes assistisse o direito à remuneração relativamente aos três meses de trabalho precedentes. |
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13. |
Segundo o § 165, n.o 2, terceiro período, caso o trabalhador tenha convertido parte da sua remuneração em contribuições para o regime de pensões, para efeitos do cálculo da indemnização dos trabalhadores de empresas insolventes essa conversão considera‑se não efetuada se o empregador não tiver pago essas contribuições ao fundo de pensões ou à instituição de seguro. |
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14. |
Na sua resposta escrita ao Tribunal de Justiça, o Governo alemão invoca também o § 7 da Betriebsrentengesetz (Lei relativa à melhoria das pensões de reforma profissionais ( 6 )). O § 7 protege os direitos adquiridos dos trabalhadores às prestações dos regimes profissionais de pensões, reconhecendo‑lhes o direito de reclamar à Pensions‑Sicherung‑Verein (organismo de garantia de pensões) a importância correspondente ao montante que o empregador pagaria ao fundo de pensões ou à instituição de seguro se não tivesse sido aberto o processo de insolvência. |
III – Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questão prejudicial
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15. |
O recorrente trabalhou para o devedor principal, a tempo parcial, desde 18 de novembro de 1996. |
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16. |
Segundo parece resultar dos autos do processo, os trabalhadores do devedor principal podiam optar, ao abrigo de uma convenção coletiva, entre quatro tipos de deduções salariais a título de contribuições para o regime de pensões: i) conversão do subsídio de alimentação numa contribuição para o regime complementar de previdência, no montante de 275 euros por ano; ii) pagamento único anual de 300 euros (160,08 euros, no caso dos trabalhadores a tempo parcial); iii) conversão dos salários, no montante máximo de 50 euros por mês; e iv) conversão do subsídio de férias, no montante de 500 euros por ano. |
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17. |
Os trabalhadores podiam escolher uma ou mais destas opções, sendo os montantes em causa retidos sobre os seus salários, com vista à sua conversão em contribuições para o regime de pensões. |
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18. |
Decorre das observações escritas do recorrente que este terá escolhido as quatro opções. |
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19. |
Em 1 de outubro de 2013, foi aberto um processo de insolvência que tinha por objeto o património do devedor principal. C. Seagon, o recorrido, foi designado administrador de insolvência. |
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20. |
O recorrente alega perante o órgão jurisdicional de reenvio que, no período compreendido entre janeiro e junho de 2013 ( 7 ), os montantes deduzidos ao seu salário e convertidos em contribuições para o regime de pensões, que ascendiam a 1017,56 euros, deveriam ter sido depositados pelo devedor principal na conta do seu fundo de previdência profissional junto da Hamburger Pensionskasse (a seguir «Caixa de Pensões de Hamburgo») ( 8 ). |
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21. |
O recorrente sustenta que, em virtude de o devedor principal não ter transferido esses montantes para o fundo de pensões, lhe assiste o direito de exigir a sua separação da massa insolvente, nos termos do § 47 da Lei alemã da insolvência. Além disso, defende que os montantes em causa são detidos em seu benefício a título fiduciário (com base num contrato de depósito). |
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22. |
O recorrente alega que, caso estes montantes não sejam separados da massa insolvente, o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 será violado. |
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23. |
O administrador de insolvência nega que tenha sido celebrado qualquer contrato de depósito entre o recorrente e o devedor principal e, uma vez que os montantes em litígio nunca saíram do património do empregador, sustenta que não podem ser separados da massa insolvente ao abrigo do § 47 da Lei alemã da insolvência. |
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24. |
O Arbeitsgericht julgou improcedente a ação do recorrente. Entendeu que, na medida em que não reivindicou que os montantes lhe fossem pagos mas apenas que fossem pagos ao fundo de pensões, o demandante não tinha causa de pedir. Entendeu ainda que o recorrente não demonstrou ter celebrado um contrato de depósito com o devedor principal e que, mesmo que pudesse prová‑lo, isso não permitiria concluir pela existência de um direito à separação da massa insolvente, uma vez que os montantes em causa não eram identificáveis relativamente a outros montantes dessa massa. |
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25. |
O recorrente recorreu dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, sustentando que os montantes deduzidos ao seu salário para efeitos de pagamento ao fundo de pensões eram objeto de um contrato de depósito com o devedor principal. |
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26. |
Em face dos argumentos aduzidos pelo recorrente, o Hessisches Landesarbeitsgericht (Tribunal Superior do Trabalho do Land de Hesse, Alemanha) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «É contrária ao artigo 8.o da Diretiva 2008/94/CE ou ao direito da União [a] interpretação de uma disposição nacional no sentido de que os créditos salariais em dívida, que foram entregues ao empregador para serem transferidos para um fundo de pensões numa determinada data, mas não foram depositados por esse empregador numa conta bancária autónoma, […] ficam [por isso] excluídos do direito à separação (Aussonderungsrecht) da massa insolvente previsto no § 47 da Lei da Insolvência?» |
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27. |
Foram apresentadas observações escritas pelo recorrente, pelo recorrido e pela Comissão. Nos termos do artigo 61.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo, antes da realização da audiência o Tribunal de Justiça convidou o Governo alemão a responder por escrito a uma pergunta. O recorrente, o recorrido, a Comissão e o Governo alemão apresentaram observações orais na audiência que teve lugar em 4 de julho de 2016. |
IV – Apreciação
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28. |
Os problemas suscitados pela questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional nacional serão objeto de uma abordagem tripartida. |
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29. |
Em primeiro lugar, em resposta às observações das partes, começarei por discutir quais as disposições específicas de direito da União que são pertinentes para responder à questão suscitada. Partilhando o entendimento do órgão jurisdicional de reenvio, concluo que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 é efetivamente a disposição mais pertinente no caso presente. |
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30. |
Em segundo lugar, proporei uma resposta à questão específica submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. No meu entender, o artigo 8.o da Diretiva não exige que sejam separados da massa insolvente os montantes que foram descontados pelo empregador à remuneração de um trabalhador com vista à sua transferência para um fundo de pensões complementar ( 9 ), mas que na realidade o empregador, agora insolvente, não depositou numa conta bancária autónoma nem transferiu para o fundo de pensões. |
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31. |
Em terceiro lugar, para proporcionar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil e cabal, concluirei com algumas sugestões sobre os resultados que o artigo 8.o impõe aos Estados‑Membros. Farei ainda algumas observações práticas sobre a importância de os meios escolhidos pelos Estados‑Membros permitirem efetivamente alcançar esses resultados. |
A – Identificação da legislação e disposições da União Europeia
1. Disposições pertinentes do direito derivado da União
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32. |
Nas suas observações, o recorrente invoca a Diretiva 2003/41. Refere, em especial, o requisito estabelecido no artigo 8.o da diretiva, que impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurar a separação jurídica entre o empregador ( 10 ) e o fundo de pensões, a fim de garantir que, em caso de falência ou insolvência do empregador, os ativos do fundo sejam salvaguardados. |
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33. |
Não obstante contribuir para proteger os direitos dos trabalhadores em matéria de pensões, a separação entre o empregador e o fundo de pensões não é, por si só, suficiente para esclarecer a questão suscitada pelo presente processo ( 11 ). O requisito da separação jurídica entre o fundo de pensões e o empregador não resolve o problema que se coloca quando o empregador não transfere as contribuições dos trabalhadores para o fundo de pensões, a não ser que esse requisito seja interpretado de forma extrema, no sentido de impor a separação imediata e automática dos ativos. Não resulta da redação do artigo 8.o da Diretiva 2003/41 que esta interpretação extrema deva ser acolhida. Por conseguinte, entendo que a separação entre o empregador e o fundo de pensões só tem relevância se o dinheiro estiver efetivamente no fundo de pensões. |
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34. |
Os factos do presente caso assim o evidenciam. Afigura‑se que o requisito da separação jurídica entre o devedor principal (o empregador) e a Caixa de Pensões de Hamburgo, para efeitos da salvaguarda dos ativos desta última, tenha sido realmente cumprido. Os montantes efetivamente depositados na Caixa de Pensões de Hamburgo estão a salvo do processo de insolvência contra o empregador ( 12 ). Todavia, mantém‑se a questão de determinar o que acontece aos montantes que deviam ter sido transferidos para o fundo de pensões mas que ainda se encontram na posse do empregador. |
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35. |
Consequentemente, tal como o órgão jurisdicional de reenvio, também eu considero que a Diretiva 2003/41 é pouco relevante para a resolução do problema prático suscitado pelo presente caso. A análise correta do problema deve ser efetuada ao abrigo da Diretiva 2008/94. |
2. Disposições pertinentes da Diretiva 2008/94
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36. |
Um dos argumentos aduzidos pela Comissão nas suas alegações escritas é o de que a disposição pertinente para o presente caso é o artigo 3.o da Diretiva 2008/94, e não o artigo 8.o Apesar de, na audiência, a Comissão ter abandonado esse argumento, tanto o recorrido como o Governo alemão apresentaram um argumento semelhante. Portanto, entendo ser necessário definir em termos gerais a fronteira entre o artigo 3.o e o artigo 8.o da diretiva e, posteriormente, com base nessa definição, determinar qual dessas disposições se aplica ao presente caso. |
a) Relação entre o artigo 3.o e o artigo 8.o da Diretiva 2008/94
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37. |
No meu entender, existe uma sobreposição parcial entre os artigos 3.° e 8.° As duas disposições consagram medidas de proteção complementares e, tal como sugeriu a Comissão na audiência, podem ser aplicadas em paralelo. |
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38. |
O artigo 6.o da Diretiva 2008/94 estabelece que um Estado‑Membro pode prever que as obrigações das instituições de garantia não se apliquem às cotizações devidas a título de regimes de previdência legais ou complementares. Isto revela que, salvo quando o Estado‑Membro excluir a sua aplicabilidade, em princípio as contribuições para o regime de pensões estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o |
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39. |
O artigo 8.o trata dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus direitos a prestações de velhice, a título de regimes complementares de previdência. Como é lógico, em última instância, as contribuições para o regime de pensões financiam o direito à pensão futura de um trabalhador. Por conseguinte, existe uma ligação natural entre os artigos 3.° e 8.° |
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40. |
Porém, não obstante as considerações precedentes, afigura‑se que o artigo 3.o e o artigo 8.o prossigam metas e objetivos ligeiramente diferentes. O seu alcance e o seu conteúdo propriamente ditos não são plenamente coincidentes, o que explica por que motivo a diretiva não contém um artigo único, mas antes duas disposições separadas, e porque os artigos 3.° e 8.° figuram em diferentes capítulos da diretiva. As duas disposições apresentam as seguintes diferenças: |
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41. |
Em primeiro lugar, o artigo 3.o visa garantir, através de instituições de garantia independentes, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes das suas relações de trabalho. Esses créditos podem consistir em contribuições para o regime de pensões, que são auferidas pelo trabalhador no âmbito do seu salário e que devem ser transferidas pelo empregador para um fundo de pensões. Conforme já enunciado no n.o 38 das presentes conclusões, isto resulta claramente da letra do artigo 6.o, segundo o qual, em princípio, o artigo 3.o abrange as contribuições para o regime de pensões. Todavia, o artigo 3.o refere‑se, em termos gerais, a «créditos em dívida», o que engloba, além das contribuições para o regime de pensões, outras remunerações em dívida emergentes de contratos de trabalho, tais como os salários e (sempre que o direito nacional o estabeleça) as indemnizações pela cessação da relação de trabalho. |
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42. |
Por seu turno, o artigo 8.o tem um âmbito de aplicação material menos amplo. Ao contrário do artigo 3.o, o âmbito de aplicação material do artigo 8.o está circunscrito aos regimes complementares de previdência e não aos créditos em dívida em geral. |
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43. |
Em segundo lugar, o que o artigo 3.o garante, essencialmente, é que os trabalhadores recebam aquilo que já auferiram. Isso é evidenciado pela utilização do termo «créditos em dívida», que indica que os créditos em causa se constituíram no passado, quando existia uma relação de trabalho, e ainda não foram pagos. |
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44. |
O artigo 8.o, pelo contrário, incide sobre outro quadro temporal. Impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem a proteção dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus «direitos adquiridos ou em vias de aquisição, a prestações de velhice», a título de regimes complementares de previdência. O emprego das expressões «adquiridos» e «em vias de aquisição» revela que o artigo 8.o respeita aos direitos que se constituem no presente ou que se constituirão no futuro ( 13 ). |
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45. |
Em terceiro lugar, a prossecução dos objetivos do artigo 3.o e do artigo 8.o realiza‑se de formas distintas. Enquanto o objetivo do artigo 3.o é alcançado através do pagamento aos trabalhadores, o artigo 8.o permite aos Estados‑Membros tomarem «as medidas necessárias», sem especificar em que constituem essas medidas. O seu objetivo pode ser realizado por diversas vias, e não apenas pelo meio de pagamentos aos trabalhadores ( 14 ). |
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46. |
Em quarto e último lugar, o artigo 3.o e o artigo 8.o protegem interesses diferentes. O artigo 3.o atende indiscutivelmente ao «choque» imediato sofrido pelo trabalhador na eventualidade de insolvência do empregador. Esta questão é abordada no Parecer do Comité Económico e Social sobre a Proposta de Diretiva 80/987 apresentada pela Comissão, em que o Comité faz referência ao facto de que, durante o processo de insolvência do seu empregador, os trabalhadores têm uma necessidade premente de receber os seus salários para poderem fazer face às suas despesas correntes e às das suas famílias ( 15 ). Do mesmo modo, a advogada‑geral J. Kokott reconheceu no processo Robins que o não pagamento do salário previsto no artigo 3.o é quase sempre uma situação de «curta duração» e que os trabalhadores «podem reagir com relativa rapidez» ( 16 ) . |
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47. |
Por sua vez, o artigo 8.o visa proteger os direitos dos trabalhadores a prestações a longo prazo. O Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987/CEE do Conselho corrobora esta distinção entre o artigo 3.o e o artigo 8.o ao afirmar que neste último já não se trata da garantia de pagamento, mas do direito às prestações de velhice ( 17 ). Conforme afirmou a advogada‑geral J. Kokott no processo Robins, «a redução dos direitos de pensão te[m] reflexos sobre a totalidade da duração dos benefícios da pensão» ( 18 ) e o trabalhador dificilmente estará em posição de responder a essa falha ( 19 ). É por esse motivo que o mero reembolso das «contribuições» para o regime de pensões, previsto nos artigos 6.° e 3.° da diretiva, não é suficiente para dar cumprimento à proteção dos «direitos» estabelecida no artigo 8.o, na medida em que não assegura a longo prazo a responsabilidade pelo pagamento de prestações atuais ou futuras ( 20 ). |
b) Disposição pertinente para o presente caso
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48. |
Não obstante a existência de algumas diferenças entre os artigos 3.° e 8.° no que respeita ao seu âmbito de aplicação, à sua finalidade e ao seu objeto (tal como descrito na secção precedente), admito sem hesitação que uma situação possa estar abrangida simultaneamente por ambas as disposições. É precisamente esse o caso das contribuições para o regime de pensões, que podem ser consideradas «créditos em dívida» (na aceção do artigo 3.o), mas que, em última análise, também financiam os direitos adquiridos ou em vias de aquisição a prestações de velhice a título de regimes complementares de previdência (na aceção do artigo 8.o). |
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49. |
Por conseguinte, considero que o presente caso está abrangido tanto pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o como do artigo 8.o da Diretiva 2008/94. Como, aparentemente, a Alemanha não optou (ao abrigo do artigo 6.o da diretiva) por excluir as contribuições para o regime de pensões do alcance das obrigações que o artigo 3.o impõe às suas instituições de garantia, assiste ao recorrente o direito de receber o pagamento das contribuições em dívida relativamente ao período previsto na lei alemã que transpõe os artigos 3.° a 5.° ( 21 ). Nos termos da lei alemã referida na resposta escrita do Governo alemão à questão do Tribunal de Justiça, esse período é de três meses. |
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50. |
Além disso, uma vez que o presente caso respeita a um fundo de pensões suplementar cuja cobertura financeira insuficiente resultou de o empregador não ter transferido para o fundo as contribuições do recorrente, os interesses deste relativamente ao seu direito à pensão futura serão afetados e, portanto, a situação está efetivamente abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 8.o O Tribunal de Justiça já confirmou, no acórdão Hogan, que a cobertura insuficiente de um fundo de pensões está abrangida pelo artigo 8.o da diretiva ( 22 ) . |
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51. |
Creio saber que no presente caso o recorrente já recebeu, ao abrigo da lei alemã que transpõe os artigos 3.° a 5.° da diretiva, o pagamento relativo aos três meses que antecederam a abertura do processo de insolvência contra o devedor principal (incluindo as suas contribuições para o regime de pensões) ( 23 ). No entanto, o devedor principal não transferiu as contribuições do recorrente para o fundo de pensões durante um período de nove meses. Por conseguinte, a questão que se coloca é a de saber se a proteção concedida pelo artigo 8.o aos direitos adquiridos ou em vias de aquisição em matéria de pensões também se aplica aos restantes seis meses de contribuições não pagas ou se tem qualquer pertinência a este respeito. Deste ponto em diante, é essa a questão a que as presentes conclusões se dedicarão. |
B – Resposta à questão específica submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.
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52. |
A questão do órgão jurisdicional de reenvio consiste em determinar se, nos casos em que um empregador é declarado insolvente, o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 exige que as importâncias que foram descontadas pelo empregador à remuneração de um trabalhador com vista à sua transferência para um fundo de pensões complementar, mas que na realidade o empregador não depositou numa conta bancária autónoma, sejam separadas do património do empregador no processo de insolvência. Por outras palavras, a questão prende‑se com a possibilidade de o artigo 8.o ter um alcance tão amplo que imponha a alteração ou a eliminação das disposições pertinentes da legislação nacional em matéria de insolvência que não prevejam regras específicas sobre esta situação especial. |
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53. |
A resposta a essa pergunta específica é um «não» sumário, mas acarreta uma ressalva importante. O principal fundamento da resposta negativa é simples: tenho dificuldade em interpretar um instrumento de harmonização mínima, como a Diretiva 2008/94 (e, em especial, uma disposição intencionalmente ampla dessa diretiva, como o artigo 8.o, que deixa aos Estados‑Membros uma margem de manobra considerável relativamente à forma como deve ser implementado) num sentido que exija necessariamente a introdução na ordem jurídica de um Estado‑Membro de uma disposição muito específica, como uma norma que imponha a separação de contribuições não pagas ao fundo de pensões da massa insolvente de um empregador. |
1. A Diretiva 2008/94 é um instrumento de harmonização mínima
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54. |
A Diretiva 2008/94 dificilmente pode ser vista como um remédio para todos os efeitos negativos que a insolvência de um empregador produz sobre os seus trabalhadores. Limita‑se a estabelecer as normas mínimas da União Europeia, abaixo das quais os Estados‑Membros não podem descer, mas para além das quais são livres para regular esta matéria como bem entenderem ( 24 ). |
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55. |
Dois aspetos da diretiva assim o confirmam. Em primeiro ligar, o considerando 3 da Diretiva 2008/94 refere expressamente que o seu objetivo consiste em «assegurar um mínimo de proteção» dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador. Afirma ainda que deve ser tida em conta «a necessidade [d]e um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade». |
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56. |
Em segundo lugar, o artigo 11.o da Diretiva 2008/94 dispõe que a diretiva não prejudica a faculdade de os Estados‑Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores assalariados. Por outras palavras, a Diretiva 2008/94 estabelece o nível mínimo de proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador, assistindo aos Estados‑Membros a faculdade de desenvolver ou ampliar essa proteção ( 25 ). Este entendimento é corroborado pela Proposta original da Comissão de adoção da Diretiva 80/987 e pelo Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987. Ao discutir o (que corresponde atualmente ao) artigo 11.o da Diretiva 2008/94, ambos os documentos declaram que este artigo demonstra que a diretiva estabelece apenas uma proteção mínima dos trabalhadores ( 26 ). |
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57. |
O facto de se tratar de uma diretiva de harmonização mínima significa que a interpretação das suas disposições não deve ser excessivamente normativa. Ao invés, a interpretação da Diretiva 2008/94 requer uma abordagem equilibrada, que reflita o nível mínimo de proteção dos trabalhadores que esse instrumento se propõe alcançar. Tendo isso presente, debruçar‑me‑ei agora sobre a interpretação do próprio artigo 8.o |
2. A formulação ampla do artigo 8.o da Diretiva 2008/94
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58. |
O artigo 8.o está redigido em termos particularmente nebulosos. Esta disposição impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado: assegurar a proteção dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus direitos adquiridos ou em vias de aquisição a prestações de velhice. Todavia, esta disposição nitidamente não estabelece os meios pelos quais deve ser garantida essa proteção. |
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59. |
Parece tratar‑se de um gesto intencional do legislador, conforme decorre claramente dos trabalhos preparatórios da Diretiva 2008/94 e da sua antecessora, a Diretiva 80/987. O diploma original, a Diretiva 80/987, foi uma de três diretivas adotadas no âmbito do Programa de Ação Social de 1974 a 1976, destinado a dar resposta às consequências sociais da reestruturação das empresas resultante do aumento da concorrência à medida que os entraves ao comércio foram sendo eliminados. As outras duas diretivas eram a Diretiva 77/187/CEE relativa aos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ( 27 ) (atual Diretiva 2001/23/CE ( 28 )) e a Diretiva 75/129/CEE relativa aos despedimentos coletivos ( 29 ). |
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60. |
As três diretivas faziam parte do mesmo pacote legislativo, pelo que a consulta das Diretivas 77/187 e 75/129 fornece informações contextuais úteis para a interpretação da Diretiva 80/987 e, atualmente, da Diretiva 2008/94. |
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61. |
A Proposta de Diretiva 80/987 apresentada pela Comissão, ao discutir o (que corresponde atualmente ao) artigo 8.o da Diretiva 2008/94, refere expressamente a Diretiva 77/187. A Comissão afirma que o artigo 8.o propugna a solução que já tinha sido adotada para o mesmo problema na Diretiva 77/187 relativa à transferência de empresas ( 30 ). Com efeito, a redação do artigo 8.o da Diretiva 80/987 é quase igual à do artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 77/187 [atual artigo 3.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2001/23]. |
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62. |
Na adoção da Diretiva 77/187, a Comissão abandonou a sua ideia inicial de regulamentar a transferência dos direitos de pensão complementar de uma forma harmonizada, nos termos do artigo 3.o A razão apresentada foi a de que os requisitos, a forma e a natureza das obrigações em matéria de pensões são tão diferentes e as maneiras como se estruturam tão variadas que não é possível estabelecer regras comunitárias específicas na diretiva. E essas regras tão‑pouco são necessárias para a prossecução dos objetivos da diretiva. Por este motivo, a diretiva proposta limita‑se a impor aos Estados‑Membros a garantia de que os trabalhadores não perdem direitos, confiando‑lhes a escolha das formas e dos meios ( 31 ). |
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63. |
Isto significa que a Comissão deixou aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação relativamente aos meios pelos quais os direitos dos trabalhadores a título de regimes complementares de previdência deviam ser protegidos ao abrigo da Diretiva 77/187. A mesma abordagem foi seguida no artigo 8.o da Diretiva 80/987 (atual artigo 8.o da Diretiva 2008/94). |
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64. |
Este entendimento é corroborado pela alteração do enunciado do artigo 8.o da Diretiva 80/987. A proposta da Comissão referia inicialmente que «os Estados‑Membros adotarão as medidas necessárias […]» ( 32 ). Esta formulação foi posteriormente alterada pelo Conselho, passando a ter a seguinte redação na versão final da Diretiva 80/987: «Os Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que serão tomadas as medidas necessárias […]». Esta redação provavelmente concede aos Estados‑Membros um leque de opções ainda mais amplo para prosseguir a proteção dos regimes de pensões dos trabalhadores ( 33 ). Por exemplo, a formulação mais recente não impõe aos Estados‑Membros que sejam eles próprios a adotar as medidas, sendo possível encarregar dessa tarefa outros organismos ou mesmo o empregador ( 34 ). |
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65. |
Por último, o Tribunal de Justiça também reconheceu a «ampla margem de apreciação» que o artigo 8.o confere aos Estados‑Membros na determinação dos mecanismos de prossecução dos objetivos desse artigo ( 35 ). |
3. Conclusão provisória
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66. |
Em resumo, a Diretiva 2008/94 é um instrumento de harmonização mínima. O artigo 8.o foi redigido de forma especialmente lata, conferindo intencionalmente aos Estados‑Membros uma «ampla margem de apreciação». Por estes motivos, não creio que o Tribunal de justiça deva fixar os mecanismos específicos através dos quais os Estados‑Membros realizam o objetivo do artigo 8.o |
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67. |
Um Estado‑Membro pode optar por alcançar o objetivo do artigo 8.o através da adoção de uma regra de delimitação que separe as contribuições para o regime de pensões da massa insolvente, tal como sugere o recorrente no presente processo. Mas o Estado‑Membro não está obrigado a fazê‑lo, desde que prossiga por outra via a proteção prevista pelo artigo 8.o |
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68. |
Este entendimento é também corroborado pelo Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987, que apresenta os seguintes exemplos de meios para alcançar o objetivo do artigo 8.o: introdução da obrigação de prever fundos de reserva, fiscalização de investimentos, supervisão atuarial, independência impreterível do fundo, seguro, etc. ( 36 ) Isto significa que o artigo 8.o pode ser plenamente realizado através de vários mecanismos diferentes, sem que nenhum seja obrigatório. |
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69. |
Além disso, esta resposta à questão do órgão jurisdicional de reenvio faz sentido em termos práticos. A Diretiva 2008/94 não visa regulamentar e harmonizar totalmente a legislação nacional em matéria de pensões ou de insolvência. Além disso, essa legislação reveste uma natureza extremamente complexa e técnica ao nível nacional. Por conseguinte, os Estados‑Membros mantêm o controlo sobre a estruturação do processo de insolvência e a classificação dos credores ( 37 ). A interpretação do artigo 8.o no sentido de que este impõe a separação da massa insolvente dos montantes destinados a garantir as contribuições dos trabalhadores para o regime de pensões é suscetível de afetar significativamente a definição da prioridade dos credores nos processos de insolvência ( 38 ). Nada sugere que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 tenha sido concebido para produzir efeitos de tão largo alcance ( 39 ). |
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70. |
Sendo assim, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial específica nos seguintes termos: O artigo 8.o da Diretiva 2008/94 não exige que os créditos salariais em dívida que foram entregues ao empregador para serem transferidos para um fundo de pensões numa determinada data mas que não foram depositados por esse empregador numa conta bancária autónoma sejam separados do património do empregador no processo de insolvência. |
C – Posfácio relativo ao artigo 8.o
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71. |
Para além da resposta já dada à questão específica e precisa do órgão jurisdicional de reenvio, considero que o presente caso merece algumas observações finais. Estas observações respeitam ao objetivo visado pelo artigo 8.o e à eficácia dos mecanismos adotados pelos Estados‑Membros para prosseguir esse objetivo. |
1. Objetivo pretendido pelo artigo 8.o
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72. |
No contexto da análise da qualificação da Diretiva 2008/94 como um instrumento de harmonização mínima, acima efetuada, entendo que o artigo 8.o não impõe aos Estados‑Membros que proporcionem uma proteção integral dos direitos dos trabalhadores em matéria de pensões, no caso de insolvência do empregador ( 40 ). Tendo em conta a sua génese, formulação e interpretação do artigo 8.o, é evidente que nem tudo é recuperável ao abrigo desta disposição. |
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73. |
Todavia, no meu entender o artigo 8.o impõe aos Estados‑Membros a responsabilidade de assegurar a proteção dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus direitos adquiridos ou em vias de aquisição em matéria de pensões, tanto quanto possível, de modo e em montante razoáveis e proporcionados. |
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74. |
Porém, a razoabilidade e a proporcionalidade não podem ser definidas abstratamente, dependendo em grande medida do contexto e dos factos concretos de cada situação. As presentes conclusões podem fornecer apenas critérios indicativos gerais aplicáveis à avaliação da razoabilidade e da proporcionalidade. Essa avaliação pode ter em conta, designadamente, o montante das contribuições para o fundo de pensões já efetuadas pelo trabalhador, o montante da redução que os seus direitos em matéria de pensões sofrerão em virtude da insolvência, a duração do período de insuficiência financeira do fundo de pensões, a probabilidade de o trabalhador voltar a ser contratado e de poder continuar a contribuir para o fundo de pensões. |
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75. |
No acórdão Hogan, o Tribunal de Justiça concluiu que o Estado‑Membro era responsável pela garantia de, pelo menos, 50% das prestações de velhice acumuladas ( 41 ) . Talvez este valor percentual não deva ser considerado definitivamente fixado para todos os potenciais futuros casos. Ao invés, poderá ser entendido como um limiar mínimo estabelecido naquele contexto particular. |
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76. |
A aplicação destas orientações e a apreciação da proporcionalidade e da razoabilidade no caso em apreço incumbem ao órgão jurisdicional nacional. Das informações fornecidas ao Tribunal de Justiça parece resultar que o montante das contribuições em dívida ao fundo de pensões do recorrente corresponde a um período de nove meses. O Governo alemão declarou ter reembolsado integralmente o recorrente relativamente a três desses meses. De acordo com o que afirma o recorrente, os seus direitos em matéria de pensões serão reduzidos mensalmente entre 5 euros e 7 euros, num período contributivo iniciado (presumivelmente) em 1996, quando começou a trabalhar para o devedor principal. Nesse contexto, afigura‑se (não obstante essa verificação competir ao órgão jurisdicional nacional) que a situação do recorrente está muito acima do limiar mínimo fixado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Hogan. |
2. Eficácia dos mecanismos adotados pelos Estados‑Membros
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77. |
Apesar de lhes assistir uma ampla margem de discricionariedade, aparentemente os Estados‑Membros utilizam dois mecanismos de proteção dos direitos dos trabalhadores nos termos do artigo 8.o ( 42 ). |
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78. |
O primeiro mecanismo consiste essencialmente na criação de instituições de seguro para as quais são transferidas as responsabilidades do empregador insolvente relativamente às contribuições dos seus trabalhadores para o regime de pensões. O segundo mecanismo consiste na imposição de uma separação jurídica rigorosa entre o património do empregador e os ativos do fundo de pensões, e na garantia da suficiência dos ativos do fundo de pensões. |
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79. |
Na audiência, o Governo alemão afirmou que a Alemanha utiliza ambos os mecanismos, consoante o tipo de fundo de pensões escolhido pelo trabalhador. No caso presente, o fundo de pensões do recorrente é a «Pensionskasse», pelo que, nos termos do direito alemão, parece aplicar‑se o segundo mecanismo de proteção ( 43 ). |
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80. |
Pelos motivos acima enunciados no n.o 76 das presentes conclusões, um caso como o presente não parece ficar aquém dos requisitos do artigo 8.o No entanto, cumpre fazer uma observação final em relação ao segundo mecanismo em geral. |
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81. |
A separação entre o património do empregador e o fundo de pensões não é, só por si, suficiente para realizar o objetivo do artigo 8.o Este ponto já foi abordado supra a respeito da Diretiva 2003/41, quando observei que a simples separação entre o património do empregador e os ativos do fundo de pensões não resolve o problema suscitado no caso presente. O advogado‑geral também afirmou, no processo Comissão/República Italiana, que «é manifestamente insuficiente uma proteção que se limite à inviolabilidade dos fundos […] e que não se estenda também à alimentação do fundo com meios suficientes» ( 44 ). |
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82. |
Para cumprir adequadamente as suas obrigações, o Estado‑Membro tem de assegurar que os ativos do fundo de pensões são suficientes para fazer face às suas responsabilidades, e o subfinanciamento reiterado, em montantes impossíveis de gerir, deve ser evitado ( 45 ). Isso implica uma supervisão rigorosa e um seguro adequado dos fundos de pensões. Essa supervisão pode ser prosseguida de diversas formas. Pode ser concedido aos trabalhadores acesso periódico (por exemplo, mensal ou trimestral) às informações relativas ao pagamento das suas contribuições para o fundo de pensões. Em alternativa, o próprio Estado pode promover regularmente a supervisão pública dos fundos de pensões, ou impor ao empregador ou ao fundo de pensões uma obrigação de apresentação de relatórios sobre o pagamento das contribuições para o regime de pensões. |
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83. |
Em resumo, os Estados‑Membros conservam uma margem de apreciação considerável relativamente à opção pelo mecanismo de cumprimento da obrigação imposta pelo artigo 8.o Todavia, uma vez selecionada uma das opções, o mecanismo em causa deve ser eficazmente observado e aplicado. Essa aplicação deve compreender a supervisão regular, com vista a evitar situações de subfinanciamento grave e de longa duração. |
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84. |
Em conclusão, o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 não exige que os créditos salariais em dívida que foram entregues ao empregador para serem transferidos para um fundo de pensões numa determinada data mas que não foram depositados por esse empregador numa conta bancária autónoma sejam separados do património do empregador no processo de insolvência. Porém, e simultaneamente, o objetivo do artigo 8.o tem de ser prosseguido adequada e eficazmente por outras vias. |
V – Conclusão
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85. |
À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão que lhe foi submetida pelo Hessisches Landesarbeitsgericht (Tribunal Superior do Trabalho do Land de Hesse, Alemanha) nos seguintes termos:
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( 1 ) Língua original: inglês.
( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 36).
( 3 ) Diretiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho de 2003, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais (JO L 235, p. 10).
( 4 ) Lei da insolvência de 5 de outubro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 2866), na última redação que lhe foi dada pelo § 16 da Lei de 20 de novembro de 2015 (BGBl. 2015 I, p. 2010).
( 5 ) Livro III do Código da Segurança Social, § 1 da Lei de 24 de março de 1997, BGBl. 1997 I, pp. 594 e 595), na última redação que lhe foi dada pelo § 3 da Lei de 3 de março de 2016 (BGBl. 2016 I, p. 369).
( 6 ) Lei relativa ao regime profissional de previdência, de 19 de dezembro de 1974 (BGBl. 1974 I, p. 3610), na última redação que lhe foi dada pelo § 1 da Lei de 21 de dezembro de 2015 (BGBl. 2015 I, p. 2553).
( 7 ) Não obstante tratar‑se de uma questão de facto cuja apreciação incumbe ao órgão jurisdicional nacional, refiro, por razões de clareza, que se afigura que o empregador não tenha pago as contribuições durante nove meses (ou seja, de janeiro a setembro de 2013). Porém, o recorrente reclama apenas seis meses de contribuições não pagas, porque, conforme informou o Governo alemão na resposta escrita à questão do Tribunal de Justiça, recebeu uma indemnização correspondente a três meses (julho a setembro de 2013, incluindo as contribuições para o regime de pensões que não tinham sido pagas), ao abrigo do § 165 do Código da Segurança Social. Esta circunstância foi também confirmada na audiência pelo recorrido.
( 8 ) Montante final calculado proporcionalmente, atendendo às contribuições para o regime de pensões do recorrente de janeiro a junho de 2013, conforme indicado pelo órgão jurisdicional de reenvio.
( 9 ) Nas presentes conclusões, utilizo os termos «fundo de pensões», «regime de previdência» e «regime de pensões» de forma indistinta e com sentido genérico. Estou ciente de que, no direito alemão, o termo «Pensionskasse» (ou «caixa de pensões», em português) tem um significado jurídico específico. Salvo indicação em contrário, a minha utilização destes termos não visa referir exclusivamente esse tipo de organismo do direito alemão, mas todos os tipos de regimes complementares de previdência.
( 10 ) O termo utilizado no artigo 8.o da Diretiva 2003/41 é «empresa contribuinte». de acordo com o artigo 6.o, alínea c), entende‑se por «empresa contribuinte»«uma ou várias pessoas singulares ou coletivas, que atue como entidade patronal ou na qualidade de trabalhador por conta própria, ou em qualquer combinação possível, e que contribua para uma instituição de realização de planos de pensões profissionais». Nas presentes conclusões utilizo o termo abreviado «empregador», por ser mais diretamente relevante para o caso presente, no contexto da Diretiva 2003/41.
( 11 ) V. também n.o 81 e segs. das presentes conclusões.
( 12 ) Mais uma vez, esta é uma questão cuja apreciação compete, em última análise, ao órgão jurisdicional nacional.
( 13 ) Este entendimento é corroborado pelo Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (a Diretiva 80/987 foi a antecessora da Diretiva 2008/94: JO 1980, L 283, p. 23). Na Diretiva 200/94, a redação do artigo 8.o permaneceu inalterada. O relatório afirmou que o objetivo essencial do artigo 8.o consistia na proteção dos créditos futuros [COM(95) 164 final, p. 48].
( 14 ) V. n.os 67 e segs. das presentes conclusões.
( 15 ) Parecer sobre a proposta de Diretiva do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 1979, C 105, p. 14, n.o 1.3).
( 16 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2006:476, n.o 61).
( 17 ) Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, COM(95) 164 final, p. 46.
( 18 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2006:476, n.o 65).
( 19 ) Com efeito, tal como tem sido referido na doutrina, a perda do direito às pensões profissionais pode ser, para muitos trabalhadores, a consequência mais grave da insolvência do empregador: Watson, EU Social and Employment Law (OUP, 2014), ponto 13.45.
( 20 ) Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, COM(95) 164 final, p. 52, a propósito das disposições legislativas gregas que (pelo menos à data do relatório) só garantiam o reembolso das contribuições.
( 21 ) § 165.° do livro III do Código da Segurança Social, identificado pelo Governo alemão na sua resposta escrita e na audiência.
( 22 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Hogan e o. (C‑398/11, EU:C:2013:272, n.os 37 a 40). V. também conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Comissão/República Italiana (22/87, EU:C:1988:500, n.o 49).
( 23 ) Ou seja, os meses de julho a setembro de 2013. Esse pagamento foi efetuado ao abrigo do § 165 do livro III do Código da Segurança Social, que na audiência o Governo alemão confirmou transpor o artigo 3.o da Diretiva 2008/94.
( 24 ) V. acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2007:56, n.o 40), no contexto da Diretiva 80/987, que antecedeu a Diretiva 2008/94. V. também acórdão de 11 de setembro de 2003, Walcher (C‑201/01, EU:C:2003:450, n.o 38); acórdão de 18 de outubro de 2001, Gharehveran (C‑441/99, EU:C:2001:551, n.o 26); acórdão de 14 de julho de 1998, Regeling (C‑125/97, EU:C:1998:358, n.o 20); acórdão de 10 de julho de 1997, Maso e o. (C‑373/95, EU:C:1997:353, n.o 56); acórdão de 19 de novembro de 1991, Andrea Francovich e Danila Bonifaci e o./República Italiana (processos apensosC‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.o 3); e acórdão de 2 de fevereiro de 1989, Comissão/Itália (C‑22/87, Colet., p. 143, n.o 23).
( 25 ) V., entre outros, acórdão de 10 de julho de 2014, Julian Hernández e o. (C‑198/13, EU:C:2014:2055, n.os 44 e 45), e acórdão de 18 de abril de 2013, Mustafa (C‑247/12, EU:C:2013:256, n.o 42 e jurisprudência aí referida).
( 26 ) V. Proposta da Comissão de adoção da Diretiva do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, COM(78) 141 final, p. 7, e Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, COM(95) 164 final, p. 59.
( 27 ) Diretiva do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26).
( 28 ) Diretiva do Conselho, de 12 de março de 2001 (JO L 82, p. 16).
( 29 ) Diretiva do Conselho, de 17 de fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO L 48, p. 29).
( 30 ) Proposta da Comissão de adoção da Diretiva do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, COM(78) 141 final, p. 7.
( 31 ) Proposta alterada de Diretiva do Conselho relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros relativas à proteção dos direitos e benefícios dos trabalhadores em caso de fusões, aquisições maioritárias e consolidações, COM(75) 429 final, p. 8.
( 32 ) Proposta da Comissão de adoção da Diretiva do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, COM(78) 141 final, artigo 7.o do projeto inicial.
( 33 ) V. também conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Comissão/República Italiana (22/87, EU:C:1988:500, n.o 50).
( 34 ) V. observação análoga no acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2007:56, n.o 37).
( 35 ) V., por exemplo, acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2007:56, n.o 36), e acórdão de 25 de abril de 2013, Hogan e o. (C‑398/11, EU:C:2013:272, n.o 42).
( 36 ) V. também Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, COM(95) 164 final, p. 48.
( 37 ) V. consideração análoga nas minhas conclusões no processo ENEFI (C‑212/15, EU:C:2016:427, n.o 28).
( 38 ) Por exemplo, em certos Estados os trabalhadores são reconhecidos como credores privilegiados mas não têm prioridade sobre os credores garantidos.
( 39 ) Conferir considerando 9 da Diretiva 2003/41.
( 40 ) Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2007:56, n.o 57), e acórdão de 25 de abril de 2013, Hogan e o. (C‑398/11, EU:C:2013:272, n.os 43, 51 e segs.).
( 41 ) Acórdão de 25 de abril de 2013, Hogan e o. (C‑398/11, EU:C:2013:272, n.os 43, 51 e segs.).
( 42 ) V., em geral, Relatório da Comissão sobre a transposição da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, COM(95) 164 final, pp. 46. e segs., e Documento de Trabalho dos Serviços da Comissão sobre a aplicação do artigo 8.o e disposições conexas da Diretiva 80/987 do Conselho em matéria de regimes complementares de previdência, profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social (SEC/2008/0475 final).
( 43 ) Que, tal como confirmou o Governo alemão na audiência, acresce à compensação prevista no § 165 do livro III do Código da Segurança Social. Relativamente a outros tipos de fundos de pensões, pode ser aplicável o § 7 da Lei relativa à melhoria das pensões de reforma profissionais, que consiste no primeiro mecanismo.
( 44 ) Conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Comissão/República Italiana (22/87, EU:C:1988:500, n.o 48).
( 45 ) O artigo 16.o da Diretiva 2003/41 prevê a possibilidade de subfinanciamento temporário, mas a Comissão afirmou que, se o Estado‑Membro autorizar a insuficiência financeira de um regime de pensões, deverá adotar medidas adicionais para satisfação dos direitos adquiridos ou em vias de aquisição dos trabalhadores a prestações de velhice em caso de insolvência do empregador: Documento de Trabalho dos Serviços da Comissão sobre a aplicação do artigo 8.o e disposições conexas da Diretiva 80/987 do Conselho em matéria de regimes complementares de previdência, profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social (SEC/2008/0475 final).