EUR-Lex Acesso ao direito da União Europeia

Voltar à página inicial do EUR-Lex

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62015CC0243

Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 30 de junho de 2016.
Lesoochranárske zoskupenie VLK contra Obvodný úrad Trenčín.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky.
Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 92/43/CEE — Preservação dos habitats naturais — Artigo 6.o, n.o 3 — Convenção de Aarhus — Participação do público no processo decisório e acesso à justiça em matéria ambiental — Artigos 6.o e 9.o — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito a uma tutela jurisdicional efetiva — Projeto de instalação de uma vedação — Área protegida de Strážovské vrchy — Procedimento administrativo de licenciamento — Organização de defesa do ambiente — Pedido de obtenção da qualidade de parte processual — Indeferimento — Recurso judicial.
Processo C-243/15.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:491

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 30 de junho de 2016 ( 1 )

Processo C‑243/15

Lesoochranárske zoskupenie VLK

contra

Obvodný úrad Trenčín

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República Eslovaca)]

«Ambiente — Convenção de Aarhus — Procedimento administrativo de licenciamento de um projeto — Pedido de uma organização de defesa do ambiente para ser reconhecida como parte no procedimento — Termo do procedimento de licenciamento antes da decisão do pedido — Tutela jurisdicional contra a decisão — Tutela jurisdicional efetiva»

I – Introdução

1.

O processo principal que está na origem do presente pedido de decisão prejudicial faz lembrar, consoante o ponto de vista, as obras de Franz Kafka inspiradas na realidade jurídica, em particular o conto «Diante da Lei», ou então o Dom Quixote.

2.

No caso do referido conto de Kafka, o litigante é impedido de aceder ao tribunal sem qualquer motivo aparente, acabando por morrer de exaustão. Dom Quixote, pelo contrário, insiste em lutar contra moinhos de ventos em vez de se dedicar a causas mais sensatas.

3.

Também a organização não governamental Lesoochranárske Zoskupenie VLK (Associação de Defesa das Florestas VLK, a seguir «LZ») tem‑se esforçado — até ao momento sem qualquer sucesso — por obter tutela jurisdicional perante os tribunais eslovacos. No entanto, acabou por ser remetida para outro meio processual que, no entanto, já prescreveu. Possivelmente, o erro não está, porém, relacionado com o sistema jurisdicional eslovaco, mas sim com o facto de a LZ insistir em prosseguir a via já iniciada, em vez de alterar atempadamente o seu rumo — apesar de ter sido informada nesse sentido.

4.

O Tribunal de Justiça deve agora esclarecer se a configuração processual de uma ação coletiva no direito processual eslovaco é compatível com o princípio da tutela jurisdicional efetiva nos termos do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Apesar de, em princípio, as regras eslovacas controvertidas não suscitarem objeções, a sua aplicação ao presente caso exige especial atenção para, por um lado, evitar o paradoxo referido por Kafka e, por outro, impedir a loucura narrada por Cervantes. Nesta situação o Tribunal de Justiça apenas pode fornecer indicações aos órgãos jurisdicionais nacionais quanto aos princípios gerais aplicáveis, cabendo a estes encontrar a solução mais apropriada.

5.

No entanto, o artigo 47.o da Carta apenas se aplica à proteção dos direitos e liberdades garantidos pela ordem jurídica da União. Por conseguinte importa verificar, antes de mais, se uma organização ambiental como a LZ pode invocar este tipo de direitos ou liberdades no processo principal.

6.

No contexto de determinados procedimentos de participação do público, a transposição da Convenção sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente ( 2 ) (a seguir «Convenção de Aarhus») por parte da União Europeia já introduziu desde logo uma ação coletiva limitada a determinados procedimentos de licenciamento ( 3 ). No entanto, estas regras não abrangem o processo principal.

7.

À luz da Convenção de Aarhus e dos princípios gerais aplicáveis à invocação do direito da União, as associações ambientais também podem, no entanto, exigir o cumprimento da legislação ambiental da União, indo além da ação coletiva expressamente regulada. Além disso, especialmente no processo principal é também possível deduzir da Convenção de Aarhus uma correspondente posição jurídica.

II – Enquadramento jurídico

A – Direito internacional

8.

O ponto de partida do estatuto das associações ambientais no direito da União é dado pela Convenção de Aarhus. O artigo 1.o da referida convenção apresenta os seus objetivos:

«Com o objetivo de contribuir para a proteção do direito de todos os indivíduos, das gerações presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar, cada parte garantirá a concessão dos direitos de acesso à informação, à participação do público no processo de tomada de decisões e à justiça no domínio do ambiente, em conformidade com o disposto na presente convenção.»

9.

As associações ambientais são referidas na definição de «público» e de «público envolvido» constante do artigo 2.o, n.os 4 e 5, da Convenção. Nos termos da referida disposição, entende‑se por:

«4.   ‘Público’: uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como as suas associações, organizações ou agrupamentos de acordo com a legislação ou práticas nacionais.

5.   ‘Público envolvido’: o público afetado ou suscetível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no domínio do ambiente ou interessado em tais decisões; para efeitos da presente definição, presumem‑se interessadas as organizações não governamentais que promovam a proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos previstos no direito nacional.»

10.

O artigo 6.o da Convenção de Aarhus exige a participação do público nas decisões referentes a atividades específicas. Esta inclui elementos de uma avaliação ambiental. O artigo 6.o, n.o 1 regula o âmbito de aplicação deste procedimento:

«1. Cada parte:

a)

Aplicará o disposto no presente artigo às decisões relativas à autorização das atividades propostas, constantes do anexo I;

b)

Aplicará igualmente o disposto no presente artigo, em conformidade com a legislação nacional, às decisões relativas às atividades propostas não incluídas no anexo I que possam ter um impacto significativo no ambiente. Para este fim, as partes determinarão a pertinência da sujeição de tal atividade às disposições em apreço».

11.

O artigo 9.o da Convenção de Aarhus contém regras sobre recursos em matéria de ambiente. O artigo 9.o, n.o 2, diz respeito a processos que foram objeto de uma participação do público, o n.o 3 aplica‑se a todas as restantes decisões em matéria de política ambiental e o n.o 4 contém determinados princípios processuais:

«2.   Cada parte garantirá, nos termos da respetiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

a)

Que tenham um interesse suficiente; ou, em alternativa,

b)

Cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia, tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o e, salvo disposição em contrário no direito interno, a outras disposições relevantes da presente convenção.

O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objetivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.o 5 do artigo 2.o serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir‑se‑á igualmente que tais organizações têm direitos suscetíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

O disposto no n.o 2 não exclui a possibilidade de interposição de recurso preliminar junto de uma autoridade administrativa e não prejudica o requisito do recurso judicial que consiste no esgotamento prévio dos recursos administrativos, caso tal requisito seja previsto no direito interno.

3.   Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente.

4.   Além disso, e sem prejuízo do disposto no n.o 1, os processos referidos nos n.os 1, 2 e 3 deverão proporcionar soluções eficazes e adequadas, incluindo, se necessário, a reparação injuntiva do direito, ser justos, equitativos, céleres e não exageradamente dispendiosos.

[…]»

B – Direito da União

1. Avaliação dos efeitos no ambiente

12.

Na Diretiva AIA ( 4 ) é possível encontrar partes da transposição da Convenção de Aarhus para o direito da União.

13.

O artigo 1.o, n.o 2, alíneas d) e e), da Diretiva AIA define o conceito de público em causa:

«d)

‘Público’: uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como, de acordo com a legislação ou práticas nacionais, as suas associações, organizações ou agrupamentos;

e)

‘Público em causa’: o público afetado ou suscetível de ser afetado pelos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o artigo 2.o, n.o 2, ou neles interessado. Para efeitos da presente definição, consideram‑se interessadas as organizações não estatais que promovem a proteção do ambiente e cumprem os requisitos previstos na legislação nacional».

14.

O artigo 11.o da Diretiva AIA contém uma regra relativa ao acesso à justiça que corresponde, em grande medida, ao artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, tendo também sido introduzida pela Diretiva 2003/35:

«1.

Os Estados‑Membros devem assegurar que, de acordo com o sistema jurídico nacional relevante, os membros do público em causa que:

a)

Tenham um interesse suficiente ou, em alternativa;

b)

Invoquem a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio,

tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão, ato ou omissão abrangidos pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente diretiva.

2.

[…]

3.

Os Estados‑Membros devem determinar o que constitui um interesse suficiente e a violação de um direito, de acordo com o objetivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça. Para tal, considera‑se suficiente, para efeitos do n.o 1, alínea a), do presente artigo, o interesse de qualquer organização não governamental que cumpra os requisitos referidos no artigo 1.o, n.o 2. Igualmente se considera, para efeitos do n.o 1, alínea b), do presente artigo, que tais organizações têm direitos suscetíveis de ser violados.

4.

[…]»

2. Proteção da natureza

15.

A Diretiva Habitats ( 5 ) prevê a definição de zonas de conservação, os denominados sítios de importância comunitária. O artigo 6.o, n.o 3 prevê um processo de avaliação prévia de projetos suscetíveis de afetar esses sítios de forma significativa:

«Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.»

16.

Nos termos do artigo 7.o da Diretiva Habitats, esta disposição também se aplica a zonas de importância ornitológica designadas nos termos da Diretiva Aves ( 6 ).

C – Direito da República Eslovaca

17.

Nos termos do artigo 14.o da Lei n.o 71/1967 sobre o procedimento administrativo (Správny poriadok), na versão aplicável ao presente litígio:

«(1)

Têm o estatuto de parte no procedimento administrativo as pessoas cujos direitos, interesses legítimos ou deveres estejam em causa ou cujos direitos, interesses legítimos ou deveres possam ser diretamente afetados pela decisão; é parte no procedimento também quem alegar, até prova do contrário, que a decisão poderá afetar os seus direitos, deveres ou interesses legítimos.

(2)

Têm igualmente o estatuto de parte no procedimento as pessoas a que uma lei especial conceda esse estatuto.»

18.

O artigo 250b, n.os 2 e 3, do Código do Processo Civil eslovaco, na versão aplicável ao presente litígio (Občiansky súdny poriadok, a seguir «C.P.C.»), inclui, entre outras, as seguintes disposições, relevantes para a questão prejudicial submetida:

«(2)

Se o recorrente alegar que a decisão da autoridade administrativa não lhe foi notificada embora devesse ser considerado parte no procedimento, o juiz aprecia a veracidade dessa alegação e ordena à autoridade administrativa que notifique a parte da decisão administrativa, adiando a sua executoriedade. A decisão judicial é vinculativa para a autoridade administrativa. Feita a notificação, a autoridade administrativa remete os autos ao tribunal para decisão do recurso. Se, no âmbito do procedimento administrativo, depois de executada a ordem judicial de notificação da decisão administrativa, for iniciado um procedimento de impugnação, a autoridade administrativa informa disso imediatamente o tribunal.

(3)

O tribunal só procede em conformidade com o previsto no n.o 2 se não tiverem passado mais de três anos sobre a data da decisão que não foi notificada ao recorrente.»

III – Litígio no processo principal e pedido de decisão prejudicial

19.

Por notificação de 18 de novembro de 2008, a LZ foi informada da abertura de um procedimento administrativo para emissão de uma licença para construção de uma vedação num terreno fora dos limites das zonas urbanizadas de um município, requerida pela Biely potok, a.s. (a seguir «BPAS»). O projeto estava ligado à ampliação da sua reserva de criação de cervídeos, na área da zona de paisagem protegida, que foi incluída pela República Eslovaca na lista NATURA 2000 como zona de conservação nos termos da Diretiva Aves e como sítio de importância comunitária na aceção da Diretiva Habitats.

20.

A LZ pediu a suspensão do procedimento de licenciamento e a decisão de uma questão prévia sobre a concessão, pelo Ministério do Ambiente da República Eslovaca, de exceções ao regime de proteção das espécies protegidas, sublinhando o impacto negativo previsto num relatório da autoridade encarregada da proteção da natureza que, em sua opinião, justificaria o indeferimento do pedido de licenciamento.

21.

Na primeira fase do procedimento de licenciamento, em abril e em junho de 2009, as autoridades competentes decidiram que a LZ não podia ter o estatuto de parte, questão esta que constitui o objeto da atual apreciação no processo principal. A LZ interpôs recurso para o Krajský súd v Trenčíne (Tribunal Regional de Trenčín), argumentando no sentido de ter direito a tomar parte no procedimento de licenciamento, ao abrigo, designadamente, da Convenção de Aarhus.

22.

O procedimento de licenciamento foi concluído, no tocante à BPAS, com a decisão de emitir a licença imediatamente, o que ocorreu em 10 de junho de 2009; entretanto, de acordo com as informações fornecidas pelo Supremo Tribunal, tornou‑se «definitiva» a supracitada decisão relativa à denegação do estatuto de parte.

23.

Tendo constatado que tinha sido submetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia uma questão prejudicial no processo C‑240/09 com possível relevância para a sua própria decisão, suspendeu o procedimento pendente até ser proferida decisão no referido processo, após o que, tendo em conta a decisão do Tribunal de Justiça ( 7 ) e a decisão pertinente do Supremo Tribunal da República Eslovaca num caso análogo, o Tribunal Regional anulou, em 23 de agosto de 2011, as duas decisões impugnadas por erro de apreciação e remeteu os autos ao órgão administrativo para prosseguir o procedimento.

24.

Na sua sentença, o Tribunal Regional reconheceu que a LZ tinha direito a tutela jurisdicional relativamente ao direito individual à proteção, mais concretamente o direito a um ambiente saudável. O Tribunal Regional remeteu diretamente para o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, em conjugação com o artigo 44.o, n.o 1, da Constituição da República Eslovaca.

25.

No processo de recurso, o Supremo Tribunal anulou, em 26 de janeiro de 2012, a primeira sentença do Tribunal Regional e remeteu‑lhe a causa para ulterior tramitação do processo, com a indicação taxativa de considerar a extinção do objeto do procedimento relativo à participação. O exame separado da decisão de denegação do estatuto de parte no procedimento administrativo só é admissível se o procedimento ainda estiver em curso.

26.

Com a segunda sentença, de 12 de setembro de 2012, o Tribunal Regional, anulou novamente as duas decisões da autoridade administrativa sobre a denegação do estatuto de parte e remeteu os autos para continuação do procedimento. No entanto, o Supremo Tribunal anulou novamente, em 28 de fevereiro de 2013, a sentença do Tribunal Regional.

27.

Nesta base, o Tribunal Regional, mediante uma terceira sentença, de abril de 2013, extinguiu o processo judicial, mas não recomendou à LZ requerer a notificação da decisão definitiva de emissão da licença, uma vez que desde a data da emissão da licença tinha já decorrido o prazo de três anos para interposição de recurso jurisdicional.

28.

No processo interposto posteriormente pela LZ, o Supremo Tribunal submeteu a seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia:

«É possível garantir o direito a uma ação judicial efetiva e a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no caso de uma alegada violação do direito a um nível elevado de proteção do ambiente, como o implementado nas condições estabelecidas pela União Europeia, principalmente na Diretiva Habitats, designadamente [do direito] de auscultação da opinião pública relativamente a um projeto que possa ter efeitos significativos sobre as zonas especiais de conservação incluídas na rede ecológica europeia denominada NATURA 2000, e também dos direitos que a recorrente, enquanto associação sem fins lucrativos que opera na defesa do ambiente a nível nacional, invoque nos termos do artigo 9.o da Convenção [de Aarhus], e nos limites indicados no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 18 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125), também quando o juiz nacional põe fim ao processo num litígio que tem por objeto uma decisão que nega [a essa associação] o estatuto de parte num procedimento administrativo relativo à emissão de uma licença, como aconteceu no caso vertente, e aconselha [essa associação] a interpor recurso por ter sido excluída do referido procedimento administrativo?»

29.

A Lesoochranárske Zoskupenie VLK, a República Eslovaca e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas e participaram na audiência de 18 de abril de 2016. Antes da audiência, estes três intervenientes e a Biely potok a.s. responderam, além disso, por escrito a várias questões do Tribunal de Justiça.

IV – Apreciação jurídica

30.

Com o seu pedido de decisão prejudicial, o Supremo Tribunal pretende saber se as modalidades de exercício dos direitos de uma associação ambiental previstas no direito eslovaco satisfazem o direito da União e, em particular, as exigências impostas pelo direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos termos do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

31.

O Supremo Tribunal parte corretamente do princípio de que os direitos fundamentais garantidos na ordem jurídica da União Europeia apenas se aplicam nas situações reguladas pelo direito da União ( 8 ). Além disso, o artigo 47.o da Carta apenas diz respeito aos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União. Por conseguinte, irei começar por analisar a existência de posições jurídicas da organização reguladas pelo direito da União (v., quanto a esta questão, o ponto A) e apenas depois irei examinar as exigências da tutela jurisdicional efetiva imposta pelo direito da União (v., quanto a esta questão, o ponto B).

A – Quanto às posições jurídicas de organizações ambientais reguladas pelo direito da União

32.

O Supremo Tribunal considera que é aplicável o direito da União, na medida em que o processo principal afeta os deveres do Estado‑Membro decorrentes da Diretiva Habitats. Além disso, também refere a Convenção de Aarhus.

33.

À primeira vista, o litígio no processo principal diz respeito à participação no procedimento de licenciamento de uma vedação no interior de uma zona de conservação. Esta participação não é, no entanto, regulada de forma expressa e direta pelo direito da União, constituindo antes um conceito do direito eslovaco. Este abrange, no entanto, elementos que eventualmente são também garantidos pelo direito da União. A garantia pelo direito da União da tutela jurisdicional efetiva pode ser pertinente em relação a este tipo de elementos.

34.

A questão conexa de saber se se verifica um direito à participação do público no procedimento de licenciamento, estabelecido pelo direito da União Europeia, não necessita de ser aprofundada, na medida em que do pedido de decisão prejudicial resulta que a LZ foi informada acerca do procedimento de licenciamento e teve a oportunidade de apresentar as suas observações. Por conseguinte, foi‑lhe conferido um nível mínimo de direitos de participação.

35.

Efetivamente, o objetivo prioritário da LZ não consiste em apresentar observações acerca do projeto, mas sim no reconhecimento do direito de contestar judicialmente o licenciamento do projeto. Resulta das alegações das partes que, nos termos do direito eslovaco, o reconhecimento como parte no procedimento constitui um pressuposto para contestar a decisão que põe termo ao processo (§ 53 do Código do Processo Administrativo eslovaco e § 250b, n.o 2, do Código de Processo Civil eslovaco).

36.

Efetivamente, o direito da União estabelece direitos de recurso de organizações ambientais. Por um lado, os direitos de recurso correspondentes podem ser deduzidos indiretamente do direito da União, neste caso do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats (v., quanto a esta questão, o ponto 1). Por outro, o artigo 9.o, n.o 2 e o artigo 6.o da Convenção de Aarhus preveem expressamente determinados direitos de recurso no contexto de procedimentos de participação do público (v. infra, ponto 2).

1. Quanto ao artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats

37.

Do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats resulta diretamente um direito de recurso.

38.

A este respeito, tanto a Eslováquia como a BPAS alegam que a aplicação desta disposição já não é objeto do processo principal, na medida em que já foi adotada uma decisão definitiva a este respeito. Por conseguinte, as conclusões do Tribunal de Justiça a respeito do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deixariam de ser necessárias.

39.

Apesar dos vários pedidos de informação, ficou por esclarecer na audiência se estava efetivamente em causa uma decisão suscetível de ser contestada em separado, ou apenas um parecer no procedimento de licenciamento. No entanto, no seu pedido de decisão prejudicial o Supremo Tribunal parte manifestamente do princípio de que a aplicação da Diretiva Habitats continua a ser objeto do processo principal. Por conseguinte, é de partir deste pressuposto no âmbito do presente processo prejudicial.

40.

Nos termos do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, os planos ou projetos suscetíveis de afetar de forma significativa uma zona de conservação na aceção da Diretiva Habitats ou da Diretiva Aves, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

41.

A Diretiva Habitats não contém qualquer indicação que permita concluir que o artigo 6.o, n.o 3 consagra um direito de uma organização ambiental de interpor uma ação na sequência da violação desta disposição. Defendi neste contexto o entendimento de que os particulares apenas podem invocar esta disposição se dispuserem, nos termos do direito interno, de meios de tutela jurídica contra as medidas que violam a referida disposição ( 9 ).

42.

No entanto, seria incompatível com o efeito coercivo que o artigo 288.o TFUE reconhece à diretiva excluir, em princípio, que a obrigação que ela impõe possa ser invocada pelas pessoas em causa ( 10 ). Pelo menos as pessoas singulares e coletivas diretamente afetadas pela violação de disposições de uma diretiva devem, por conseguinte, poder exigir das autoridades competentes — eventualmente recorrendo aos órgãos jurisdicionais competentes — o respeito das respetivas obrigações ( 11 ).

43.

O Tribunal de Justiça também já teve oportunidade de concluir que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats é diretamente aplicável, na medida em que as autoridades nacionais não podem, nos termos da mesma disposição, autorizar uma atividade caso se verifique uma incerteza quanto à inexistência de efeitos prejudiciais para o sítio em causa ( 12 ). Isto vale por maioria de razão caso se constate a existência deste tipo de efeitos. Em ambos os casos um licenciamento apenas pode ser aprovado, quando muito, nos termos do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva Habitats ( 13 ).

44.

Levanta‑se, no entanto, a questão de saber se a LZ seria diretamente afetada por uma eventual violação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

45.

Diretamente afetadas são, em qualquer caso, as pessoas que invocam a violação dos seus próprios direitos. No presente caso não se verificam, porém, quaisquer indícios neste sentido.

46.

No entanto, o Tribunal de Justiça já reconheceu — e mesmo em relação à LZ e à Diretiva Habitats — que deve ser permitido às organizações de defesa do ambiente impugnar num órgão jurisdicional uma decisão administrativa eventualmente suscetível de ser contrária ao direito da União ( 14 ).

47.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça realça que as pessoas singulares ou coletivas têm a faculdade de combater um risco de ultrapassagem dos valores‑limite que visam proteger a saúde ( 15 ). Enquanto a afetação direta de uma pessoa singular resulta do facto de estar em causa a sua própria saúde, o mesmo não pode ser afirmado em relação a pessoas coletivas.

48.

No entanto, pessoas coletivas, como por exemplo associações ambientais, podem ser afetadas pela violação de regras relativas à proteção da saúde, na medida em que o seu interesse na proteção da saúde está juridicamente reconhecido. Apesar de o presente caso não dizer respeito à proteção da saúde, no âmbito da proteção do ambiente é possível demonstrar de forma ainda mais evidente o reconhecimento jurídico dos interesses das associações. Isto porque, em direito da União, o reconhecimento dos interesses de determinadas organizações na proteção do ambiente está previsto no artigo 1.o, n.o 2, alínea e), segunda frase, da Diretiva AIA e, de maneira ainda mais ampla, no artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus. Os Estados‑Membros devem reconhecer as organizações que promovem a proteção do ambiente e cumprem os requisitos previstos na legislação nacional. Neste âmbito deve ser assegurado «um vasto acesso à justiça» e o efeito útil do recurso interposto pela associação nos termos da Diretiva AIA ( 16 ).

49.

Tendo em consideração o interesse juridicamente reconhecido destas associações na proteção do ambiente deve‑se considerar que são suficientemente afetadas por uma violação de disposições do direito do ambiente da União diretamente aplicáveis para invocar as referidas disposições perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Esta situação verifica‑se particularmente quando invocam a violação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

50.

O reconhecimento da afetação direta de associações ambientais na sequência de uma violação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats também se impõe nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus. Apesar de esta disposição não ser diretamente aplicável ( 17 ), quando é de recear uma violação da Diretiva Habitats cabe ao juiz nacional, a fim de assegurar uma proteção jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União relativo ao ambiente, interpretar, na medida do possível, o seu direito nacional de forma a respeitar os objetivos estabelecidos no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus ( 18 ). Estas disposições visam assegurar uma proteção efetiva do ambiente ( 19 ). Na medida em que a Convenção de Aarhus é uma parte integrante do direito da União, a mesma obrigação impõe‑se ao Tribunal de Justiça.

51.

O facto de as associações ambientais reconhecidas poderem fazer valer as disposições diretamente aplicáveis do direito do ambiente da União, ou seja, em particular o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, contribui para a concretização do objetivo da aplicação efetiva do direito do ambiente.

52.

Esta conclusão não é, aliás, invulgar no âmbito do direito da União, na medida em que associações ambientais reconhecidas também podem invocar o artigo 6.o da Diretiva Habitats no âmbito de uma ação interposta nos termos do artigo 11.o da Diretiva AIA ou do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ( 20 ).

53.

Por conseguinte, importa concluir que associações ambientais reconhecidas na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea e), segunda frase, da Diretiva AIA devem ter a possibilidade de agir judicialmente contra uma violação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

2. Quanto à Convenção de Aarhus

54.

O direito de interpor um recurso no processo principal pode também ser diretamente baseado na Convenção de Aarhus.

55.

Nos termos do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, os Estados contratantes devem garantir aos membros do público em causa o acesso a um recurso para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o O licenciamento de uma vedação, que está na origem do litígio no processo principal, poderia estar sujeito ao artigo 6.o, n.o 1, alínea b).

a) Quanto aos efeitos jurídicos da Convenção de Aarhus

56.

A Convenção de Aarhus foi assinada pela então Comunidade Europeia e em seguida aprovada pela Decisão 2005/370. Por conseguinte, segundo jurisprudência constante, as disposições desta Convenção passaram a fazer parte integrante da ordem jurídica da União nos termos do artigo 216.o, n.o 2, TFUE ( 21 ).

57.

Apesar de a Convenção ter sido celebrada pela Comunidade e todos os seus Estados‑Membros no exercício de uma competência partilhada, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se ao abrigo do artigo 267.o TFUE, tem competência para definir a linha divisória entre as obrigações que a União assume e as que continuam exclusivamente a cargo dos Estados‑Membros e para interpretar (para este efeito) as disposições da Convenção de Aarhus ( 22 ). Caso conclua que a respetiva disposição se inclui entre as obrigações assumidas pela Comissão, tem também a competência para a interpretação da mesma.

58.

O artigo 6.o da Convenção de Aarhus prevê a participação do público com uma avaliação do impacto ambiental em relação ao licenciamento de atividades específicas. O artigo 9.o, n.o 2 regula o correspondente direito de recurso. Estas disposições foram em grande medida transpostas através da Diretiva AIA, pelo que dizem respeito a um domínio amplamente abrangido pelo direito da União. Por este motivo o Tribunal de Justiça é plenamente competente para a interpretação dos artigos 6.o e 9.o, n.o 2, da Convenção ( 23 ).

59.

Estas disposições podem fundamentar direitos e liberdades garantidos pelo direito da União na aceção do artigo 47.o da Carta, quer diretamente quer ao determinarem o conteúdo do direito derivado da União ou do direito dos Estados‑Membros. Não se verificam quaisquer indícios de que o processo principal corresponda a esta última situação. Por conseguinte, os artigos 6.o e 9.o, n.o 2, da Convenção apenas podem abrir o âmbito de aplicação do artigo 47.o da Carta caso possuam um efeito direto que favoreça uma organização como a LZ no processo principal.

60.

As regras de um acordo celebrado pela União e os seus Estados‑Membros com Estados terceiros têm efeito direto sempre que, atendendo aos seus termos e ao objetivo e natureza desse acordo, contenham obrigações claras e precisas que não estejam dependentes, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de nenhum ato posterior ( 24 ).

61.

Importa referir a este respeito que, tal como resulta do seu artigo 1.o, e ao contrário do direito da OMC ( 25 ), por exemplo, a Convenção de Aarhus, de acordo com o seu objetivo e a sua natureza, visa fundamentar direitos dos particulares e das organizações no domínio da proteção do ambiente. Foi precisamente este objetivo, ou antes a falta do mesmo, que o Tribunal de Justiça sublinhou ao analisar o tipo e a estrutura da Convenção sobre o Direito do Mar no acórdão Intertanko ( 26 ).

62.

Além disso, o Tribunal de Justiça já tinha concluído a respeito do artigo 11.o da Diretiva AIA que este é diretamente aplicável em relação aos direitos de associações ambientais ( 27 ). Tal deve também aplicar‑se ao artigo 9.o, n.o 2, da Convenção, na medida em que esta disposição, na parte relevante, corresponde ao artigo 11.o da Diretiva AIA.

63.

Por conseguinte importa analisar se o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção também contém uma obrigação clara e precisa, que não esteja dependente, na sua execução e nos seus efeitos, da intervenção de nenhum ato posterior ( 28 ).

b) Quanto ao artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus

64.

De acordo com o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus, cada parte aplicará as regulamentações relativas à participação do público constantes deste artigo, em conformidade com a legislação nacional, às decisões relativas às atividades propostas não incluídas no anexo I que possam ter um impacto significativo no ambiente. Para este fim, as partes determinarão se tal atividade está abrangida pelo artigo 6.o

65.

O anexo I da Convenção refere‑se ao artigo 6.o, n.o 1, alínea a), que prevê uma participação do público obrigatória para a autorização das atividades referidas neste anexo. A vedação de determinadas áreas para ampliar uma reserva de vida selvagem não é, no entanto, referida no anexo.

66.

A remissão do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção para a legislação nacional e a determinação da aplicabilidade do artigo 6.o pelas partes poderiam significar que a realização de uma participação do público com base no artigo 6.o, n.o 1, alínea b) apenas pode ser tida em consideração nos termos da legislação das partes. Neste sentido também se poderia entender o Comité de Avaliação do Cumprimento da Convenção de Aarhus ( 29 ). Neste caso, seria de excluir uma aplicação direta desta disposição.

67.

Uma análise mais profunda permite, no entanto, concluir que o teor do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção não justifica que se considere que a aplicação desta disposição pressupõe uma transposição pela União ou pelos Estados‑Membros.

68.

Na versão francesa do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), segunda frase, da Convenção, que é vinculativa, indica‑se expressamente que as partes determinarão em cada caso a aplicação da participação do público ( 30 ). As versões inglesa ( 31 ) e russa ( 32 ), igualmente vinculativas, apontam pelo menos tendencialmente no mesmo sentido. Apesar de não exigirem expressamente uma avaliação caso a caso, impõem que se determine se uma atividade específica proposta está sujeita ao artigo 6.o

69.

Por conseguinte, o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), segunda frase, da Convenção é incondicional pelo menos na medida em que as partes devem, por princípio, decidir em cada caso se uma determinada atividade está sujeita à participação do público nos termos do artigo 6.o As partes não têm, no entanto, liberdade para decidir se procedem a esta avaliação.

70.

Também não se opõe à aplicabilidade direta desta obrigação o facto de, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), primeira frase, este artigo dever ser aplicado «em conformidade com a legislação nacional». Esta remissão não pode, em particular, ser entendida no sentido de a avaliação caso a caso ter de estar prevista na legislação nacional. Neste caso, o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), segunda frase seria redundante.

71.

Pelo contrário, enquanto parte integrante do direito da União o artigo 6.o da Convenção é necessariamente parte integrante da legislação dos Estados‑Membros e constitui, por conseguinte, uma base jurídica suficiente para a análise da necessidade de uma participação do público.

72.

Por conseguinte, a remissão para a legislação interna significa sobretudo que desta legislação devem ser retirados elementos que o artigo 6.o da Convenção ainda não define de forma suficientemente precisa. Em particular, a análise da necessidade da participação do público pressupõe a existência de um procedimento de licenciamento para a atividade em causa, em cujo âmbito esta questão pode ser analisada. A determinação de procedimentos de licenciamento delimita quais as atividades que são elegíveis para a aplicação do artigo 6.o e permite definir a autoridade a quem compete analisar a necessidade de uma participação do público.

73.

No processo principal esta condição está preenchida, na medida em que a vedação em causa necessita de uma autorização. Aparentemente é mesmo possível verificar‑se um nível mínimo de participação do público, na medida em que a LZ foi informada sobre o processo de licenciamento e teve oportunidade de tomar posição.

74.

À obrigação de analisar a necessidade de uma participação do público corresponde um direito a essa análise, na medida em que, nos termos do seu artigo 1.o, a Convenção visa fundamentar este tipo de direitos. Caso, no entanto, exista um direito deste tipo, os beneficiários devem também poder invocá‑lo judicialmente.

75.

Além disso, o círculo de beneficiários é também definido de forma suficientemente clara pela Convenção, em conjugação com a sua transposição pela Diretiva AIA e a correspondente legislação nacional. Isto porque o artigo 6.o da Convenção visa a participação do «público envolvido», que é definido no artigo 2.o, n.o 5, da Convenção e que, neste sentido, abrange as organizações não governamentais que promovam a proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos previstos no direito nacional. No âmbito da transposição da Diretiva AIA os Estados‑Membros estão obrigados a reconhecer este tipo de organizações, devendo assegurar «um vasto acesso à justiça» e não comprometer o efeito útil das disposições relativas ao direito de recurso jurisdicional de associações ( 33 ). Caso se considere que a LZ deve ser incluída neste grupo, esta organização deve também poder fazer valer o seu direito à análise da aplicação do artigo 6.o da Convenção ( 34 ).

76.

No que respeita aos critérios para uma avaliação caso a caso da aplicação do artigo 6.o da Convenção, importa atender ao objetivo desta avaliação. De acordo com as versões inglesa e russa do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), segunda frase, a mesma visa expressamente concretizar a primeira frase, ou seja, aplicar também o artigo 6.o às decisões relativas às atividades propostas não incluídas no anexo I que possam ter um impacto significativo no ambiente. Apesar de a versão francesa não referir expressamente este objetivo, não é possível deduzir desta versão outra finalidade da decisão relativa à aplicação do artigo 6.o

77.

Tal como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de concluir em relação à Diretiva AIA ( 35 ) e à Diretiva AAE ( 36 ), que contêm regulamentações muito semelhantes, esta finalidade impõe limites ao exercício da margem de apreciação que é conferida às partes no âmbito do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção. Quando as atividades planeadas podem ter impacto significativo sobre o ambiente, a decisão das partes deve, por conseguinte, ir no sentido de aplicar o artigo 6.o Em virtude desta limitação da finalidade, a obrigação de participação do público é também diretamente aplicável no caso de potencial impacto significativo no ambiente ( 37 ).

78.

A Convenção não define que tipo de efeitos no ambiente são considerados significativos. Por conseguinte, os Estados‑Membros dispõem, por princípio, de uma certa margem de apreciação neste âmbito. A Diretiva Habitats, no entanto, concretiza as exigências que devem ser definidas para apreciar a importância do impacto no ambiente no domínio da proteção da natureza. Neste sentido, o risco de se verificar um prejuízo causado a espécies sob proteção rigorosa pode tornar necessária a avaliação dos efeitos no ambiente de determinados projetos ( 38 ). Também os efeitos de projetos sobre os objetivos de conservação de sítios protegidos devem ser analisados no âmbito de uma avaliação nos termos da Diretiva AIA ( 39 ). Por conseguinte, é de partir do pressuposto de que efeitos prejudiciais sobre objetivos de conservação de zonas europeias protegidas devem por princípio ser considerados significativos na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção. A possibilidade de este tipo de efeitos se verificar em atividades propostas em regra obriga, por conseguinte, à aplicação do artigo 6.o da Convenção de Aarhus.

79.

Apesar de esta interpretação não ser defendida firmemente no Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, este documento também refere que a possibilidade de se verificarem efeitos significativos no ambiente desencadeia a obrigação de decidir sobre a aplicação do artigo 6.o De acordo com o referido guia, esta decisão pode basear‑se numa avaliação caso a caso, mas também em limiares ou critérios. Nesse documento também se menciona a possibilidade de fazer valer, por via judicial, a obrigação de proceder à participação do público nos termos do artigo 6.o ( 40 ).

80.

Neste sentido, resulta do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus um direito das associações ambientais reconhecidas de pedir que as autoridades competentes avaliem caso a caso se as atividades propostas podem ter efeitos significativos no ambiente, devendo, por conseguinte, ser aplicado o artigo 6.o a estas atividades.

c) Quanto aos limites da obrigação de participação do público

81.

No entanto, o caráter potencialmente ilimitado do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus poder‑se‑ia opor à solução acima desenvolvida. Isto porque se poderia aceitar que o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção abrange qualquer atividade possível e, por conseguinte, exige um controlo abrangente.

82.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às correspondentes disposições da Diretiva AIA e da Diretiva AAE ( 41 ) apenas diz, no entanto, respeito a casos específicos, designadamente aos tipos de projetos referidos no anexo II da Diretiva AIA ( 42 ) e à adoção de planos e programas cuja adoção está enquadrada por disposições legislativas ou regulamentares nacionais, as quais determinam as autoridades competentes para os adotar, bem como o seu procedimento de preparação ( 43 ). Em ambos os casos o respetivo legislador procedeu a uma pré‑seleção das atividades que devem ser tidas em conta no âmbito de uma avaliação ambiental.

83.

Mas também o âmbito de aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção é restrito, pelo menos na medida em que a participação do público deve ter lugar em conformidade com a legislação nacional. Como já foi exposto, tal significa que para a atividade em causa deve ser realizado um procedimento de licenciamento, no âmbito do qual se pode proceder à análise da necessidade de uma participação do público, bem como à referida participação, caso se aplique ( 44 ). A determinação deste tipo de procedimentos de licenciamento pelo respetivo legislador também se baseia, em regra, nos efeitos previsíveis das atividades em causa.

84.

O «risco» ainda persistente de uma participação do público corresponde ao objetivo da Convenção, de submeter ao artigo 6.o as atividades que possam ter efeitos significativos no ambiente, na medida em que o referido procedimento pode contribuir para impedir, ou pelo menos minimizar, os efeitos no ambiente deste tipo de atividades.

d) Conclusão provisória

85.

Por conseguinte, o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção estabelece um direito das associações ambientais reconhecidas de pedir que as autoridades competentes avaliem caso a caso se as atividades propostas podem ter efeitos significativos no ambiente, devendo, por conseguinte, ser aplicado o artigo 6.o a estas atividades. Se for esse o caso — no processo principal, o facto de as zonas de conservação europeias serem afetadas aponta neste sentido —, a decisão sobre esta atividade pode ser impugnada nos termos do artigo 9.o, n.o 2. Se a participação do público for recusada, pelo contrário, pode pelo menos ser contestada judicialmente a decisão de recusa.

3. Quanto ao entendimento da Comissão

86.

Apenas para completar o exposto, importa ainda referir que não é convincente o entendimento da Comissão, de que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats transpõe o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus e fundamenta, por conseguinte, uma obrigação de participação do público.

87.

Apesar de o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats referir a possibilidade de uma participação do público no âmbito da avaliação a realizar nos termos desta disposição, a opinião pública apenas é auscultada se necessário. Por conseguinte, a obrigação de participação do público deve resultar de outras disposições, por exemplo da Diretiva AIA ou da Diretiva AAE, ou mesmo do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção.

B – Quanto à tutela jurisdicional efetiva

88.

O Supremo Tribunal pretende saber se é compatível com as exigências da tutela jurisdicional efetiva que se encerre um processo judicial relativo ao reconhecimento de uma associação ambiental como parte num processo administrativo após o termo deste processo e se remeta a associação ambiental para uma outra ação.

1. Quanto às vias de recurso do direito eslovaco

89.

De acordo com as informações fornecidas pelo Supremo Tribunal, o direito eslovaco confere a possibilidade de dois recursos, que se complementam.

90.

O primeiro recurso pode ser interposto contra uma decisão administrativa através da qual foi negado à demandante o estatuto de parte no processo. Caso este recurso seja bem‑sucedido, a demandante deve poder participar no processo em curso e tem a possibilidade de contestar uma eventual decisão sobre o mérito após o termo do procedimento. No entanto, esta ação extingue‑se caso entretanto o processo administrativo seja encerrado na sequência de uma decisão. Com efeito, neste caso o objeto deste processo judicial deixa de existir devido ao facto de já não ser possível exercer os direitos na qualidade de parte no processo. Este é o resultado atual dos processos judiciais no litígio principal.

91.

Numa situação deste tipo, pode ser interposto o segundo recurso nos termos do artigo 250b, n.o 2, do Código do Processo Civil eslovaco, ao abrigo do qual uma pessoa que não participou num procedimento administrativo concluído pode interpor uma ação com o objetivo de ser notificada da decisão definitiva da autoridade. A procedência da ação pressupõe que a demandante devesse ter participado no processo. Caso a ação seja considerada procedente, a decisão administrativa deve ser notificada à demandante, podendo a mesma interpor de seguida um recurso contra a decisão. Esta seria, por princípio, a via que a LZ deveria ter seguido no processo principal.

92.

No entanto, nos termos do artigo 250b, n.o 3, do Código do Processo Civil eslovaco, o segundo recurso está sujeito a um prazo de preclusão de três anos após a adoção da decisão administrativa. No presente processo o referido prazo já expirou.

2. Quanto aos critérios do direito da União aplicáveis

93.

Na medida em que o direito da União fundamenta, tanto nos termos do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats como também do artigo 6.o, n.o 1, alínea b) e do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, um direito das associações ambientais reconhecidas à fiscalização jurisdicional de decisões que possam afetar significativamente as zonas de conservação europeias na aceção da Diretiva Habitats ou Diretiva Aves, aplicam‑se os direitos fundamentais do direito da União à execução desse direito.

94.

Neste âmbito assume particular interesse o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais referido pelo Supremo Tribunal. Nos termos do mesmo, toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pela ordem jurídica da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal. Esta disposição reafirma o princípio da tutela jurisdicional efetiva — um princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado pelos artigos 6.o e 13.o da CEDH ( 45 ).

95.

Além disso, deve ainda ser tido em consideração o artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus ( 46 ). De acordo com esta disposição, sobretudo os processos referidos nos n.os 2 e 3 do artigo 9.o deverão proporcionar soluções eficazes e adequadas. Estes processos devem ser justos, equitativos, céleres e não exageradamente dispendiosos.

96.

O artigo 9.o, n.o 4, da Convenção é claramente aplicável, desde que o direito de recurso se baseie no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), em conjugação com o artigo 9.o, n.o 2. No entanto, também o direito de recurso baseado no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats se inclui no âmbito de aplicação do artigo 9.o, n.o 4, da Convenção, na medida em que este segundo direito de recurso se deve à transposição do direito de recurso mais geral, mas não diretamente aplicável, nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção.

97.

Ora, na falta de regulamentação da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos pelo direito da União, neste caso pela Convenção de Aarhus e pela Diretiva Habitats, tendo os Estados‑Membros a responsabilidade de assegurar, em cada caso, a proteção efetiva desses direitos ( 47 ).

98.

Neste contexto, as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de direito interno (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível na prática, ou excessivamente difícil, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) ( 48 ).

99.

No presente caso, não há quaisquer evidências de uma violação do princípio da equivalência. Por conseguinte, de seguida assume sobretudo relevância o princípio da efetividade enquanto expressão do artigo 47.o da Carta, bem como, caso necessário, a sua concretização pelo artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus.

3. Quanto às garantias de proteção jurídica no processo principal

100.

Para analisar de que forma são asseguradas as garantias de proteção jurídica no processo principal, começarei por apreciar de maneira abstrata a configuração da tutela jurisdicional no direito eslovaco, de seguida o prazo de preclusão de três anos e, por fim, a aplicação prática destas imposições.

a) Quanto à configuração da tutela jurisdicional

101.

Antes de mais importa analisar se a configuração da tutela jurisdicional no direito eslovaco torna impossível na prática, ou excessivamente difícil, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.

102.

No direito eslovaco, o acesso à tutela jurisdicional está organizado em dois níveis e em muitos casos pressupõe mesmo três processos judiciais. Os interessados têm de começar por requerer o reconhecimento enquanto parte e interpor neste âmbito um ou mesmo dois recursos. Apenas de seguida se poderão opor ao mérito da decisão administrativa controvertida.

103.

Apesar de o sistema parecer complicado à primeira vista não é possível afirmar, sem mais, que não seja eficaz ou que torne excessivamente difícil a tutela jurisdicional. Pelo contrário, também no âmbito de um processo uniformizado se deve em regra dar resposta às questões jurídicas relacionadas com as várias fases do sistema.

104.

Tal como resulta do artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, esta configuração da tutela jurisdicional não pode, no entanto, atrasar indevidamente o processo ou causar custos excessivos. Baseando‑se no princípio da efetividade, o Tribunal de Justiça adotou uma decisão semelhante no âmbito de uma divisão da tutela jurisdicional em dois recursos a interpor paralelamente ( 49 ). A questão de saber se este tipo de riscos se verifica na prática deve ser apreciada pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

105.

Se existirem tais riscos, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, dentro da margem de apreciação que lhe é conferida pelo direito nacional, interpretar e aplicar uma disposição de direito interno em conformidade com as exigências do direito da União e, quando essa aplicação conforme não for possível, abster‑se de aplicar qualquer norma de direito interno que seja contrária a tais exigências ( 50 ). Nesta medida, coloca‑se a questão de saber se um prazo de três anos pode impedir realmente um segundo recurso, quando durante este período já se discutiu intensamente sobre as mesmas questões no âmbito do primeiro recurso, pelo que não pode existir uma confiança legítima a este respeito. Além disso, os tribunais eslovacos, no interesse de uma tramitação processual eficiente, poderiam refletir sobre a possibilidade de requalificar ex officio, após ter sido entretanto finalizado o procedimento administrativo, o primeiro recurso, considerando‑o como o segundo. Contudo, só os tribunais eslovacos podem decidir se uma dessas vias pode ser seguida, atendendo ao direito interno.

106.

Por conseguinte, o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais e o artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus não se opõem a um sistema de tutela jurisdicional configurado tal como foi exposto nos n.os 89 a 91, cuja aplicação não atrasa indevidamente o processo e que não provoca despesas excessivas.

b) Quanto ao prazo de preclusão de três anos

107.

A fixação de prazos razoáveis de recurso sob pena de preclusão, por razões de segurança jurídica, que protegem os particulares e a autoridade, é compatível com o direito da União. Com efeito, tais prazos não são suscetíveis de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União ( 51 ).

108.

Se os interessados tinham, ou deviam ter tido, conhecimento da decisão administrativa — tal como sucedeu no processo principal —, é de considerar que o prazo de três anos representa um prazo generoso.

109.

A avaliação desta situação será diferente se os interessados não tivessem tido a possibilidade de conhecer uma decisão administrativa antes do termo do prazo. Trata‑se, no entanto, de uma questão que o Tribunal de Justiça não tem de decidir no presente caso.

110.

Por conseguinte, o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais e o artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus não se opõem a um prazo de preclusão de três anos para a interposição de um recurso contra uma decisão administrativa da qual os interessados tiveram conhecimento.

c) Quanto ao desenrolar do processo principal

111.

Levanta‑se, no entanto, a questão de saber se a aplicação do prazo de preclusão no processo principal é justificada.

112.

A República Eslovaca e a LZ estão em litígio quanto à questão de saber se é possível interpor o segundo recurso, a ação relativa à notificação da decisão administrativa ( 52 ), após uma autoridade administrativa já ter recusado expressamente a participação no procedimento administrativo.

113.

Em casos similares relativos ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH o TEDH defendeu o entendimento de que em caso de dúvidas quanto à eficácia de um recurso em regra se deve optar pela interposição efetiva do referido recurso ( 53 ).

114.

Resulta além disso do pedido de decisão prejudicial que já numa decisão de 26 de janeiro de 2012, ou seja, vários meses antes do termo do prazo relativo ao segundo recurso, o Supremo Tribunal tinha referido no processo principal que o primeiro recurso se tinha extinguido e que apenas se poderia ter em consideração o segundo recurso ( 54 ).

115.

Neste sentido, a LZ conhecia atempadamente a situação jurídica, antes do termo do prazo de preclusão, e de acordo com as informações fornecidas poderia ter interposto o segundo recurso.

116.

Por outro lado, no seu pedido de decisão prejudicial o Supremo Tribunal comunicou que a decisão administrativa através da qual foi recusada à LZ a participação no processo administrativo se tornou definitiva após o licenciamento do projeto de vedação ( 55 ). Caso este caráter definitivo abrangesse o conteúdo da decisão, ou seja, a constatação de que a LZ não teria de participar no procedimento, estaria correta a argumentação da LZ de que assim se excluiria que o segundo recurso fosse bem‑sucedido e se tornaria impossível na prática o exercício dos seus direitos. Isto porque este segundo recurso pressupõe que a LZ devesse ter efetivamente participado no processo.

117.

O exercício dos direitos da LZ tornar‑se‑ia, além disso, impossível na prática caso o primeiro processo de recurso ainda pendente tivesse impedido a interposição juridicamente eficaz do segundo recurso ou caso o prazo de preclusão de três anos não tivesse sido interrompido por este segundo processo e, por conseguinte, não seria expectável uma decisão quanto à posição jurídica da LZ.

118.

Independentemente destes pontos, que apenas os tribunais nacionais podem apreciar de forma definitiva, verificam‑se ainda indícios de que o exercício dos direitos da LZ foi excessivamente dificultado. Isto porque também de acordo com as afirmações do Supremo Tribunal quanto à extinção do primeiro recurso da LZ, aparentemente ainda existiam tantas questões por resolver que no início tanto o Supremo Tribunal como o Tribunal Regional não determinaram a sua extinção. Pelo contrário, apenas em abril de 2013 o Tribunal Regional declarou a ação extinta, depois de o Supremo Tribunal ter decidido uma segunda vez nesta matéria, um ano após o termo do prazo de preclusão relativo ao segundo recurso. Entretanto, o Tribunal Regional deu pela segunda vez provimento à ação interposta pela LZ.

119.

Esta situação constitui um indício importante de que, mesmo após a primeira decisão do Supremo Tribunal, a LZ poderia continuar a partir do princípio da procedência do primeiro recurso. O facto de se exigir nesta situação à LZ que interponha preventivamente um segundo recurso apenas seria justificado caso a segunda decisão do Tribunal Regional, que dá provimento à sua ação, estivesse viciada de erros de direito manifestos e graves.

120.

Esta questão apenas poderá, no entanto, ser decidida pelos tribunais nacionais, os quais, para além do direito eslovaco, também terão de ter em consideração todas as circunstâncias práticas do caso, ou seja, em particular os custos adicionais, os atrasos e restantes prejuízos processuais causados à LZ em virtude do referido decurso do processo.

121.

Por conseguinte, importa constatar que, tendo em consideração as circunstâncias do processo principal, o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais e o artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus não se opõem a que se aconselhe uma organização ambiental a interpor um segundo recurso quando este não for suscetível de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.

V – Conclusão

122.

Face às considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que decida do seguinte modo:

O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 9.o, n.o 4, da Convenção sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente assinada em 25 de junho de 1998 e aprovada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005, em nome da Comunidade Europeia não se opõe

a um sistema de tutela jurisdicional que está configurado tal como foi exposto nos n.os 89 a 91, cuja aplicação não atrasa indevidamente o processo e que não provoca despesas excessivas,

a um prazo de preclusão de três anos para a interposição de um recurso contra uma decisão administrativa da qual os interessados tiveram conhecimento,

ou que se aconselhe uma organização ambiental a interpor um segundo recurso quando este não for suscetível de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) JO 2005, L 124, p. 4, aprovada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO L 124, p. 1).

( 3 ) Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 156, p. 17). V., a este respeito, o acórdão de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen (C 115/09, EU:C:2011:289).

( 4 ) Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1), alterada pela última vez pela Diretiva 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014 (JO 2014, L 124, p. 1).

( 5 ) Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), alterada pela última vez pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013, que adapta determinadas diretivas no domínio do ambiente, devido à adesão da República da Croácia (JO 2013, L 158, p. 193).

( 6 ) Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7), alterada pela última vez pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013, que adapta determinadas diretivas no domínio do ambiente, devido à adesão da República da Croácia (JO 2013, L 158, p. 193).

( 7 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125).

( 8 ) V. neste sentido o acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 19 e a jurisprudência aí referida), bem como o acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 66).

( 9 ) Conclusões no processo Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:60, n.os 138 a 144).

( 10 ) Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 66) e de 25 de julho de 2008, Janecek (C‑237/07, EU:C:2008:447, n.o 37, com outras referências).

( 11 ) Neste sentido os acórdãos de 25 de julho de 2008, Janecek (C‑237/07, EU:C:2008:447, n.o 39) e de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o. (C‑165/09 bis C‑167/09, EU:C:2011:348, n.o 100).

( 12 ) Acórdão de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.os 68 e 69).

( 13 ) V. acórdão de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 60).

( 14 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 51).

( 15 ) Acórdão de 25 de julho de 2008, Janecek (C‑237/07, EU:C:2008:447, n.os 38 e 39).

( 16 ) Acórdão de 15 de outubro de 2009, Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening (C‑263/08, EU:C:2009:631, n.o 45).

( 17 ) Acórdãos de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 45) e de 13 de janeiro de 2015, Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht (C‑401/12 P bis C‑403/12 P, EU:C:2015:4, n.o 55), bem como Conselho e Comissão/Stichting Natuur en Milieu e Pesticide Action Network Europe (C‑404/12 P e C‑405/12 P, EU:C:2015:5, n.o 47).

( 18 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 50).

( 19 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 46).

( 20 ) Acórdão de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen (C‑115/09, EU:C:2011:289, n.o 49).

( 21 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 30, com outras referências).

( 22 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 31, com outras referências).

( 23 ) V. acórdãos de 19 de março de 2002, Comissão/Irlanda (C‑13/00, EU:C:2002:184, n.o 20), de 7 de outubro de 2004, Comissão/França (C‑239/03, EU:C:2004:598, n.os 29 a 31), de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 36) e acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho (C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.o 102).

( 24 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 44, com outras referências).

( 25 ) V. acórdãos de 12 de dezembro de 1972, International Fruit Company e o. (21/72 bis 24/72, EU:C:1972:115), de 1 de março de 2005, Van Parys (C‑377/02, EU:C:2005:121, n.os 39 e 42 e segs.) e acórdão de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal (C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.os 38 e 39).

( 26 ) Acórdão de 3 de junho de 2008, The International Association of Independent Tanker Owners e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.os 64 e 65). V. a este respeito J. Kokott, «International Law — A Neglected ‘Integral’ Part of the EU Legal Order?», em: De Rome à Lisbonne: les juridictions de l’Union européenne à la croisée des chemins ‑ Mélanges en l’honneur de Paolo Mengozzi, Bruylant, Bruxelas 2013, pp. 61, 76 e segs.

( 27 ) Acórdão de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen (C‑115/09, EU:C:2011:289, n.o 57).

( 28 ) V. acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 44, com outras referências).

( 29 ) Conclusões e recomendações de 24 de setembro de 2010, Cultra Residents’ Association/Reino Unido (ACCC/C/2008/27, n.os 44 e segs.). V., quanto a este comité, as minhas conclusões no processo Edwards (C‑260/11, EU:C:2012:645, n.o 8).

( 30 )

( 31 )

( 32 ) «С этой целью Стороны определяют, охватывается ли такой планируемый вид деятельности этими положениями».

( 33 ) V. o acórdão de 15 de outubro de 2009, Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening (C‑263/08, EU:C:2009:631, n.o 45).

( 34 ) V., quanto à Diretiva AIA, o acórdão de 30 de abril de 2009, Mellor (C‑75/08, EU:C:2009:279, n.o 58).

( 35 ) V. designadamente os acórdãos de 24 de outubro de 1996, Kraaijeveld e o. (C‑72/95, EU:C:1996:404, n.os 50 e 61) e de 21 de março de 2013, Salzburger Flughafen (C‑244/12, EU:C:2013:203, n.os 29 e 41 a 43).

( 36 ) Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de junho de 2001 relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (JO 2001, L 197, p. 30, AAE significa «avaliação ambiental estratégica»). V. a este respeito o acórdão de 22 de setembro de 2011, Valčiukienė e o. (C‑295/10, EU:C:2011:608, n.o 46).

( 37 ) V., quanto à Diretiva AIA, o acórdão de 21 de março de 2013, Salzburger Flughafen (C‑244/12, EU:C:2013:203, n.os 41 e 42).

( 38 ) V., quanto à proteção das espécies, o acórdão de 11 de janeiro de 2007, Comissão/Irlanda (C‑183/05, EU:C:2007:14, n.os 34 a 37) e as minhas conclusões no processo Mellor (C‑75/08, EU:C:2009:32, n.o 54).

( 39 ) Acórdão de 24 de novembro de 2011, Comissão/Espanha (C‑404/09, EU:C:2011:768, n.os 84 a 92).

( 40 ) Ebbesson/Gaugitsch/Miklau/Jendrośka/Stec/Marshall, The Aarhus Convention: An Implementation Guide, 2.a edição, p. 132.

( 41 ) V. supra, n.o 76.

( 42 ) V. neste sentido o despacho de 10 de julho de 2008, Aiello e o. (C‑156/07, EU:C:2008:398, n.o 34).

( 43 ) Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2012:159, n.os 28 a 31). Em sentido ainda mais restrito as minhas conclusões neste processo (EU:C:2011:755, n.os 14 a 30). V. igualmente a crítica da Supreme Court do Reino Unido, HS2 Action Alliance Ltd, R (on the application of) v The Secretary of State for Transport & Anor [2014] UKSC 3, n.os 175‑189.

( 44 ) V. supra, n.o 72.

( 45 ) Acórdãos de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 37), de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 335) e de 17 de março de 2011, AJD Tuna (C‑221/09, EU:C:2011:153, n.o 45).

( 46 ) V. acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos (C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 33).

( 47 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 47).

( 48 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 48), de 16 de abril de 2015, Gruber (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.o 37) e de 6 de outubro de 2015, East Sussex County Council (C‑71/14, EU:C:2015:656).

( 49 ) V. o acórdão de 15 de abril de 2008, Impact (C‑268/06, EU:C:2008:223, n.o 51).

( 50 ) V. acórdãos de 11 de janeiro de 2007, ITC (C‑208/05, EU:C:2007:16, n.o 70), e de 8 de maio de 2013, Marinov (C‑142/12, EU:C:2013:292, n.o 39).

( 51 ) Acórdãos de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral (33/76, EU:C:1976:188, n.o 5), de 17 de novembro de 1998, Aprile (C‑228/96, EU:C:1998:544, n.o 19), de 30 de junho de 2011, Meilicke e o. (C‑262/09, EU:C:2011:438, n.o 56) e de 29 de outubro de 2015, BBVA (C‑8/14, EU:C:2015:731, n.o 28).

( 52 ) V. supra, n.o 91.

( 53 ) Acórdão do TEDH de 23 de maio de 2016, Avotiņš/Letónia (n.o 17502/07, n.o 122, com outras referências).

( 54 ) N.o 25 do pedido de decisão prejudicial.

( 55 ) N.o 23 do pedido de decisão prejudicial.

Início