EUR-Lex Acesso ao direito da União Europeia

Voltar à página inicial do EUR-Lex

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62014CJ0235

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 10 de março de 2016.
Safe Interenvíos, SA contra Liberbank, SA e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Provincial de Barcelona.
Reenvio prejudicial — Prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo — Diretiva 2005/60/CE — Medidas de vigilância da clientela — Diretiva 2007/64/CE — Serviços de pagamento no mercado interno.
Processo C-235/14.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:154

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

10 de março de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo — Diretiva 2005/60/CE — Medidas de vigilância da clientela — Diretiva 2007/64/CE — Serviços de pagamento no mercado interno»

No processo C‑235/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Audiencia Provincial de Barcelona (Espanha), por decisão de 7 de maio de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de maio de 2014, no processo

Safe Interenvíos SA

contra

Liberbank SA,

Banco de Sabadell SA,

Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. Šváby, A. Rosas (relator), E. Juhász e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de maio de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Safe Interenvíos SA, por A. Selas Colorado e D. Solana Giménez, abogados,

em representação do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA, por J. M. Rodríguez Cárcamo e B. García Gómez, abogados,

em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González e A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Rebelo e G. Miranda, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Rius e I. V. Rogalski, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 3 de setembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (JO L 309, p. 15), conforme alterada pela Diretiva 2010/78/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010 (JO L 331, p. 120, a seguir «diretiva relativa ao branqueamento de capitais»), conjugado com os artigos 5.°, 7.° e 13.° desta diretiva.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Safe Interenvíos SA (a seguir «Safe»), instituição de pagamento, ao Liberbank SA (a seguir «Liberbank»), ao Banco de Sabadell SA (a seguir «Sabadell») e ao Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA (a seguir «BBVA»), três instituições de crédito (a seguir, conjuntamente, «bancos»), a propósito do encerramento pelos bancos das contas de que a Safe era titular, por suspeitas de atividades de branqueamento de capitais.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva relativa ao branqueamento de capitais

3

Conforme resulta do considerando 5 da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, as medidas adotadas no domínio do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo devem «coadunar‑se com as ações levadas a cabo noutras instâncias internacionais» e ter nomeadamente em conta as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (a seguir ‘GAFI’), que constitui o principal organismo internacional de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Uma vez que as recomendações do GAFI foram profundamente revistas e alargadas em 2003, deve ser assegurado o alinhamento da presente diretiva com esses novos padrões internacionais».

4

O considerando 10 da referida diretiva tem a seguinte redação:

«As instituições e pessoas abrangidas pela presente diretiva deverão […] identificar e verificar a identidade do beneficiário efetivo. Para o cumprimento deste requisito, é deixada a estas instituições e pessoas a opção entre utilizar os registos públicos dos beneficiários efetivos, pedir aos seus clientes os dados relevantes ou obtê‑los de outro modo, tendo em consideração o facto de a extensão dos deveres de vigilância da clientela se relacionar com o risco de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, e depender do tipo de cliente, relação de negócio, produto e transação.»

5

Os considerandos 22 e 24 da mesma diretiva enunciam:

«(22)

Deve reconhecer‑se que o risco de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo nem sempre é idêntico. Em consonância com uma abordagem em função do risco, deve introduzir‑se na legislação comunitária o princípio de que é permitida a vigilância simplificada da clientela em casos apropriados.

[…]

(24)

De igual forma, a legislação comunitária deve reconhecer que certas situações apresentam um maior risco de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Apesar da necessidade de estabelecer a identidade e o perfil comercial de todos os clientes, casos há em que se impõem procedimentos particularmente rigorosos de identificação e verificação da identidade de clientes.»

6

O considerando 33 da diretiva relativa ao branqueamento de capitais refere que a divulgação da informação referida no artigo 28.o deverá fazer‑se em conformidade com as normas relativas à transmissão de dados pessoais a países terceiros constantes da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31, a seguir «diretiva relativa aos dados pessoais»), e que acresce que o disposto no artigo 28.o não pode colidir com as legislações nacionais em matéria de proteção de dados e de segredo profissional.

7

O considerando 48 da diretiva relativa ao branqueamento de capitais indica que esta diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, nomeadamente, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e não deverá ser interpretada nem aplicada ao arrepio da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950.

8

O artigo 1.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar a proibição do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

2.   Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por branqueamento de capitais os comportamentos a seguir descritos, quando adotados intencionalmente:

a)

A conversão ou transferência de bens, com conhecimento de que esses bens provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza, com o fim de encobrir ou dissimular a sua origem ilícita ou de auxiliar quaisquer pessoas implicadas nessa atividade a furtarem‑se às consequências jurídicas dos seus atos;

b)

A dissimulação ou encobrimento da verdadeira natureza, origem, localização, utilização, circulação ou propriedade de determinados bens ou de direitos relativos a esses bens, com conhecimento de que tais bens provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza;

c)

A aquisição, detenção ou utilização de bens, com conhecimento, aquando da sua receção, de que provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza;

d)

A participação num dos atos referidos nas alíneas anteriores, a associação para praticar o referido ato, as tentativas de o perpetrar, o facto de ajudar, incitar ou aconselhar alguém a praticá‑lo ou o facto de facilitar a sua execução.»

9

De acordo com o artigo 2.o, n.o 1, a diretiva relativa ao branqueamento de capitais aplica‑se às instituições de crédito, às instituições financeiras e a diversas pessoas coletivas ou singulares, no exercício das suas atividades profissionais.

10

O artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva define «instituição de crédito», remetendo para a definição da mesma expressão contida no primeiro parágrafo do n.o 1 do artigo 1.o da Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de março de 2000, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício (JO L 126, p. 1), ou seja, «uma empresa cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder créditos por sua própria conta».

11

Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, a definição de «instituição financeira» compreende «[u]ma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, realiza uma ou mais das operações enumeradas nos pontos 2) a 12) e 14) do anexo I da Diretiva 2000/12/CE» do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício (JO L 177, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2009/111/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO L 302, p. 97). Essa lista de operações compreende, no ponto 4 desse anexo, os «[s]erviços de pagamento, tal como definidos no ponto 3 do artigo 4.o da Diretiva 2007/64/CE» do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 97/7/CE, 2002/65/CE, 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Diretiva 97/5/CE (JO L 319, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2009/111 (a seguir «diretiva relativa aos serviços de pagamento»), e, no ponto 5 do referido anexo, a «[e]missão e gestão de outros meios de pagamento […] na medida em que esta atividade não esteja abrangida pelo ponto 4».

12

O artigo 5.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais prevê que «[o]s Estados‑Membros podem aprovar ou manter em vigor, no domínio abrangido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas para impedir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo».

13

O capítulo II da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, sob a epígrafe «Deveres de vigilância da clientela», contém, nos seus artigos 6.° a 10.°, disposições genéricas sobre as medidas gerais de vigilância da clientela, nos artigos 11.° e 12.° da referida diretiva, disposições específicas relativas aos deveres simplificados de vigilância da clientela e, no artigo 13.o da mesma diretiva, disposições específicas sobre os deveres reforçados de vigilância da clientela.

14

Nos termos do artigo 7.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva devem aplicar as medidas de vigilância da clientela quando estabeleçam relações de negócio, quando efetuem transações ocasionais de montante igual ou superior a 15000 euros, quando haja suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, independentemente de qualquer derrogação, exceção ou limiar e quando haja dúvidas quanto à veracidade ou adequação dos dados de identificação dos clientes previamente obtidos.

15

Nos termos do artigo 8.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais:

«1.   As medidas de vigilância da clientela englobam as seguintes atividades:

a)

Identificar o cliente e verificar a respetiva identidade, com base em documentos, dados ou informações obtidos junto de fonte independente e credível;

b)

Identificar, se for caso disso, o beneficiário efetivo e tomar medidas adequadas e em função do risco para verificar a respetiva identidade […]

c)

Obter informações sobre a finalidade e a natureza pretendida das relações de negócio;

d)

Manter uma vigilância contínua das relações de negócio, incluindo pelo exame das transações realizadas no decurso dessas relações […]

2.   As instituições e pessoas abrangidas pela presente diretiva devem aplicar todos os requisitos de vigilância da clientela previstos no n.o 1, mas podem determinar o alcance dessas medidas em função do grau de risco associado ao tipo de cliente, às relações de negócio, ao produto ou à transação. As instituições e pessoas abrangidas pela presente diretiva devem poder demonstrar às autoridades […] que o âmbito das medidas é adequado tendo em conta os riscos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.»

16

O artigo 9.o, n.os 1, 5 e 6, da referida diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem exigir que a verificação da identidade do cliente e do beneficiário efetivo se efetue antes do estabelecimento de uma relação de negócio ou da execução de qualquer transação.

[…]

5.   Os Estados‑Membros devem exigir que, sempre que a instituição ou pessoa em causa não esteja em condições de cumprir o disposto nas alíneas a), b) e c) do n.o 1 do artigo 8.o, a mesma não possa realizar uma transação através de uma conta bancária, estabelecer relações de negócio nem executar uma transação, ou deva pôr termo às relações de negócio e deva ponderar a possibilidade de informar a unidade de informação financeira (UIF) sobre o cliente, nos termos do artigo 22.o

[…]

6.   Os Estados‑Membros devem exigir que as instituições e pessoas abrangidas pela presente diretiva apliquem os procedimentos de vigilância da clientela não só a todos os clientes novos mas também, em momento oportuno, aos clientes existentes, em função do grau de risco existente.»

17

O artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais enuncia:

«Em derrogação das alíneas a), b) e d) do artigo 7.o, do artigo 8.o e do n.o 1 do artigo 9.o, as instituições e pessoas abrangidas pela presente diretiva não estão sujeitas aos requisitos previstos nos referidos artigos se o cliente for uma instituição de crédito ou instituição financeira abrangida pela presente diretiva ou uma instituição de crédito ou instituição financeira situada num país terceiro que imponha requisitos equivalentes aos previstos na presente diretiva e seja objeto de supervisão no que diz respeito ao cumprimento desses requisitos.»

18

O artigo 11.o, n.o 2, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais prevê outras circunstâncias em que, em derrogação das alíneas a), b) e d) do artigo 7.o, do artigo 8.o e do n.o 1 do artigo 9.o desta diretiva, os Estados‑Membros podem autorizar as instituições e pessoas abrangidas pela referida diretiva a não aplicar medidas de vigilância da clientela. Nos termos do artigo 11.o, n.o 3, da mesma diretiva, as instituições e pessoas abrangidas por esta última devem recolher, em todo o caso, informações suficientes para verificar se o cliente pode beneficiar das exceções mencionadas nos n.os 1 e 2 desse artigo.

19

Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais:

«Os Estados‑Membros devem exigir que as instituições e pessoas abrangidas pela presente diretiva apliquem, em função do grau de risco, medidas reforçadas de vigilância da clientela, para além das medidas enunciadas nos artigos 7.° e 8.° e no n.o 6 do artigo 9.o, nas situações que, pela sua natureza, apresentem riscos mais elevados de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e, pelo menos, nas situações referidas nos n.os 2, 3, e 4, bem como noutras situações que representem um risco elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e preencham os critérios técnicos fixados nos termos da alínea c) do n.o 1 do artigo 40.o»

20

O artigo 13.o, n.os 2 a 4, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais refere‑se às situações em que o cliente não esteja fisicamente presente para efeitos de identificação, às situações de relações transfronteiriças de correspondentes bancários com instituições correspondentes de países terceiros e às transações ou relações de negócio com pessoas politicamente expostas que residam noutro Estado‑Membro ou num país terceiro. Para essas situações, são enumeradas medidas reforçadas específicas de vigilância da clientela ou exemplos de medidas adequadas.

21

De acordo com o artigo 20.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, os Estados‑Membros devem exigir que as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva prestem especial atenção a qualquer atividade que considerem particularmente suscetível, pela sua natureza, de estar ligada ao branqueamento de capitais ou ao financiamento do terrorismo.

22

O artigo 22.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, que, juntamente com o respetivo artigo 23.o, prevê deveres de informação, exige que as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva e, se for caso disso, os seus administradores e empregados cooperem plenamente, nomeadamente, informando prontamente a unidade de informação financeira, por iniciativa própria, sempre que tenham conhecimento, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que foi ou está a ser efetuada uma operação ou uma tentativa de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

23

O artigo 28.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais proíbe as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva, bem como os seus administradores e empregados, de divulgar ao cliente em causa ou a terceiros o facto de terem sido transmitidas informações nos termos dos artigos 22.° e 23.° da referida diretiva ou que se encontra em curso ou pode vir a ser realizada uma investigação sobre branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo.

24

Nos termos do artigo 34.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, os Estados‑Membros devem exigir que as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva definam políticas e procedimentos adequados e apropriados em matéria de deveres de vigilância da clientela, de informação, de manutenção de registos, de controlo interno, de avaliação e gestão do risco, de gestão da conformidade e de comunicação, a fim de prevenir e impedir as operações relacionadas com branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

25

O artigo 37.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, que, juntamente com o respetivo artigo 36.o, diz respeito à supervisão, prevê, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros devem exigir que as autoridades competentes, pelo menos, controlem de forma eficaz o cumprimento dos requisitos estabelecidos nesta diretiva pelas instituições e pessoas por esta abrangidas e tomem as medidas necessárias para garantir esse cumprimento.

Diretiva relativa aos serviços de pagamento

26

A diretiva relativa aos serviços de pagamento estabelece, nomeadamente, as regras que permitem distinguir as seis categorias de prestadores de serviços de pagamento, designadamente as instituições de crédito na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/48, conforme alterada pela Diretiva 2009/111, e as instituições de pagamento na aceção da diretiva relativa aos serviços de pagamento.

27

Nos termos do artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

3)

‘Serviços de pagamento’, as atividades comerciais enumeradas no anexo [que inclui a execução de operações de pagamento];

4)

‘Instituições de pagamento’, as pessoas coletivas a quem tenha sido concedida autorização, nos termos do artigo 10.o [que exige que as empresas que tencionem prestar serviços de pagamento obtenham uma autorização para agirem na qualidade de instituições de pagamento antes de iniciarem a prestação de serviços de pagamento], para prestar e executar serviços de pagamento em toda a Comunidade;

[…]

22)

‘Agente’, uma pessoa singular ou coletiva que presta serviços de pagamento em nome de uma instituição de pagamento;

[…]»

28

Nos termos do artigo 5.o, primeiro parágrafo, alínea f), da diretiva relativa aos serviços de pagamento, o pedido de autorização para exercer a atividade de instituição de pagamento deve ser acompanhado de vários documentos, designadamente de «[u]ma descrição dos mecanismos de controlo interno que a instituição requerente criou para dar cumprimento às obrigações em matéria de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo previstas na [diretiva relativa ao branqueamento de capitais]». O artigo 10.o, n.o 2, da diretiva relativa aos serviços de pagamento prevê que a autorização deve ser concedida «se as informações e as provas que acompanham o pedido preencherem todos os requisitos estabelecidos no artigo 5.o e se as autoridades competentes, tendo examinado o pedido, efetuarem uma apreciação global positiva». Segundo o artigo 12.o, n.o 1, desta última diretiva, a autorização só pode ser revogada em determinadas circunstâncias, designadamente nos casos, previstos na alínea c) desta disposição, em que a instituição de pagamento deixe de satisfazer as condições para a concessão de autorização.

29

Nos termos do artigo 17.o, n.o 1, da diretiva relativa aos serviços de pagamento, uma instituição de pagamento que tencione prestar serviços de pagamento por intermédio de um agente deve comunicar ao seu Estado‑Membro de origem certas informações que permitam a inscrição desse agente no registo disponível ao público das instituições de pagamento autorizadas e respetivos agentes e sucursais previsto no artigo 13.o desta diretiva. Essas informações incluem o nome e endereço do agente em causa e a descrição dos mecanismos de controlo interno que serão utilizados pelos agentes para dar cumprimento às obrigações em matéria de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo previstas na Diretiva relativa ao branqueamento de capitais.

30

Segundo o artigo 20.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva relativa aos serviços de pagamento, os Estados‑Membros designam como autoridades competentes, responsáveis nomeadamente pela autorização e supervisão prudencial das instituições de pagamento «autoridades públicas ou organismos reconhecidos pela lei nacional ou por autoridades públicas expressamente habilitadas para o efeito pela lei nacional, designadamente os bancos centrais nacionais». Nos termos do segundo parágrafo deste artigo 20.o, n.o 1, estas «autoridades competentes designadas devem oferecer todas as garantias de independência face aos organismos económicos e de que serão evitados quaisquer conflitos de interesses. Sem prejuízo do primeiro parágrafo, as instituições de pagamento, instituições de crédito, instituições de moeda eletrónica ou instituições que prestam serviços de cheques postais não podem ser designadas como autoridades competentes».

31

O artigo 21.o da diretiva relativa aos serviços de pagamento, sob a epígrafe «Supervisão», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os controlos exercidos pelas autoridades competentes para verificar o cumprimento continuado do disposto no presente título [intitulado ‘Prestadores de serviços de pagamento’] sejam proporcionados, adequados e adaptados aos riscos a que as instituições de pagamento se encontram expostas.

A fim de verificar o cumprimento do disposto no presente título, as autoridades competentes estão habilitadas a tomar, em especial, as seguintes medidas:

a)

Exigir que a instituição de pagamento lhes forneça todas as informações necessárias para controlar tal cumprimento;

b)

Realizar inspeções in loco na instituição de pagamento, em qualquer agente ou sucursal que preste serviços de pagamento sob a responsabilidade da instituição de pagamento ou em qualquer entidade a quem tenham sido confiadas atividades objeto de externalização;

c)

Emitir recomendações e orientações e, se for caso disso, disposições administrativas de caráter vinculativo; e

d)

Suspender ou revogar a autorização nos casos a que se refere o artigo 12.o

2.   […] os Estados‑Membros devem determinar que as respetivas autoridades competentes possam aplicar sanções às instituições de pagamento ou às pessoas que efetivamente controlem as suas atividades que violem disposições legais, regulamentares ou administrativas relativas ao controlo ou exercício da atividade, ou tomar, em relação a elas, medidas cuja aplicação vise pôr termo às infrações verificadas ou às suas causas.

[…]»

32

O artigo 79.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Proteção de dados», prevê que «[o]s Estados‑Membros permitem o tratamento de dados pessoais pelos sistemas de pagamento e pelos prestadores de serviços de pagamento caso tal se revele necessário para salvaguardar a prevenção, a investigação e a deteção de fraudes em matéria de pagamentos. O tratamento desses dados pessoais deve ser realizado nos termos da [diretiva relativa aos dados pessoais]».

Direito espanhol

33

A Lei 10/2010, sobre a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (Ley 10/2010 de prevención del blanqueo de capitales y de la financiación del terrorismo), de 28 de abril de 2010 (BOE n.o 103, de 29 de abril de 2010, p. 37458), que transpõe para o direito espanhol a diretiva relativa ao branqueamento de capitais, distingue três tipos de medidas de vigilância da clientela, a saber: nos artigos 3.° a 6.° desta lei, medidas gerais de vigilância da clientela, no artigo 9.o da referida lei, medidas simplificadas de vigilância da clientela e, no artigo 11.o da mesma lei, medidas reforçadas de vigilância da clientela.

34

As medidas gerais de vigilância da clientela incluem, conforme previsto respetivamente nos artigos 3.° a 6.° da Lei 10/2010, a identificação formal das pessoas em questão, a identificação do beneficiário efetivo, a obtenção de informações sobre o objeto e a natureza da relação de negócio e a vigilância contínua da relação de negócio.

35

O artigo 7.o, n.o 1, da Lei 10/2010 enuncia:

«As pessoas abrangidas pela presente lei aplicarão as medidas de vigilância previstas nos artigos anteriores, mas poderão determinar o grau de aplicação das medidas estabelecidas nos artigos 4.°, 5.° e 6.° em função do risco e do tipo de cliente, da relação de negócio, do produto ou operação, constando tais informações da política expressa de admissão de clientes […]

As pessoas abrangidas pela presente lei deverão estar em condições de demonstrar às autoridades competentes que as medidas adotadas têm o alcance adequado face ao risco de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, através de uma análise prévia do risco que deverá, em todo o caso, ser feita por escrito.

As pessoas abrangidas pela presente lei aplicarão as medidas de vigilância quando existam indícios de branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo, independentemente de qualquer exceção, isenção ou limite, quando existam dúvidas sobre a veracidade ou adequação dos dados anteriormente obtidos.»

36

Nos termos do artigo 7.o, n.o 3, da Lei 10/2010, as pessoas abrangidas por esta lei não podem iniciar relações de negócio nem efetuar transações se não lhes for possível aplicar as medidas de vigilância da clientela previstas na referida lei. Se essa impossibilidade se verificar no decurso da relação de negócio, deverão pôr termo a essa relação.

37

O artigo 9.o da Lei 10/2010 dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no terceiro parágrafo do n.o 1 do artigo 7.o, as pessoas abrangidas pela presente lei estão autorizadas a não aplicar as medidas de vigilância previstas no artigo 3.o, n.o 2, e nos artigos 4.°, 5.° e 6.° em relação aos seguintes clientes:

[…]

b)

Instituições financeiras com sede na União Europeia ou em países terceiros equiparados que sejam objeto de supervisão destinada a garantir o cumprimento das medidas de vigilância da clientela.

[…]

Mediante despacho do Ministro da Economia e das Finanças poderá excluir‑se a aplicação de medidas simplificadas de vigilância a determinados clientes.

2.   Poderá ser autorizada mediante regulamento a aplicação de medidas simplificadas de vigilância a outros clientes que apresentem um risco reduzido de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

3.   As pessoas abrangidas pela presente lei devem, em todo o caso, reunir informação suficiente para determinar se o cliente pode beneficiar de uma das exceções previstas neste artigo.»

38

O artigo 11.o da Lei 10/2010 refere:

«As pessoas abrangidas pela presente lei aplicarão, além das medidas gerais de vigilância, medidas reforçadas nos casos previstos na presente secção e em todos os outros regulamentarmente previstos, por apresentarem um risco elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

As pessoas abrangidas pela presente lei aplicarão igualmente, em função da sua análise do risco, medidas reforçadas de vigilância nas situações que, pela sua natureza, possam apresentar um risco mais elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Serão, em todo o caso, assim consideradas a atividade de banca privada, os serviços de envio de dinheiro e as operações de câmbio de moeda estrangeira.

Poderão ser concretizadas, mediante regulamento, as medidas reforçadas de vigilância exigíveis nas áreas de atividade que apresentem um risco mais elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

39

A Safe é uma sociedade que gere a transferência de fundos para Estados‑Membros diferentes daquele em que está sediada ou para Estados terceiros, através de contas de que é titular em instituições de crédito.

40

Após terem detetado irregularidades relativas aos agentes que transferiam fundos através de contas de que a Safe era titular junto deles, os bancos pediram‑lhe informações nos termos da Lei 10/2010. Tendo a Safe recusado prestar‑lhes essas informações, os bancos encerraram as contas de que aquela era titular junto deles.

41

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, em 11 de maio de 2011, o BBVA comunicou essas irregularidades ao Serviço Executivo da Comissão para a Prevenção do Branqueamento de Capitais e Criminalidade Financeira do Banco de Espanha (Servicio Ejecutivo de la Comisión de Prevención del Blanqueo de Capitales e Infracciones Monetarias del Banco de España, a seguir «Sepblac») e comunicou‑lhe que suspeitava de atividades de branqueamento de capitais por parte da Safe. Em 22 de julho de 2011, o BBVA notificou a Safe do encerramento irrevogável da sua conta.

42

A Safe contestou a decisão do BBVA de encerrar a sua conta, bem como decisões idênticas de dois outros bancos, no Juzgado de lo Mercantil n.o 5 de Barcelona (Tribunal do Comércio n.o 5 de Barcelona) com fundamento no facto de o encerramento da conta ter constituído um ato de concorrência desleal que a impedia de exercer normalmente a sua atividade de transferência de fundos para Estados‑Membros diferentes daquele em que está sediada. A Safe alegou assim que estava legalmente obrigada a ter uma conta numa instituição bancária para poder efetuar essas transferências de fundos, conta essa que abriu junto dos bancos, e que, no mercado, concorria com estes últimos. Alegou igualmente que os bancos lhe pediram para fornecer dados sobre os seus clientes e sobre a origem e destino dos fundos ao abrigo das disposições da Lei 10/2010, o que é contestado pelos bancos, e que o facto de fornecer essas informações aos bancos era contrário à legislação nacional em matéria de proteção de dados.

43

Os bancos responderam que as medidas adotadas respeitavam a Lei 10/2010, que se justificavam, em especial, devido ao risco inerente à transferência de fundos por uma instituição para Estados‑Membros diferentes daquele em que está sediada e que as mesmas não violavam o direito da concorrência.

44

Em 25 de setembro de 2012, o Juzgado de lo Mercantil n.o 5 de Barcelona julgou improcedente a ação intentada pela Safe. Declarou que os bancos podiam pedir à Safe que adotasse medidas reforçadas de vigilância da clientela e que fornecesse dados relativos aos seus clientes, se detetassem no comportamento da Safe indícios de infração às disposições da Lei 10/2010.

45

O referido órgão jurisdicional examinou, caso a caso, se o comportamento dos bancos era justificado. Declarou assim que nenhum dos bancos tinha violado qualquer proibição específica de comportamento anticoncorrencial, mas que o Sabadell e o Liberbank, ao invés do BBVA, atuaram de modo desleal ao não fundamentarem as medidas adotadas. Em contrapartida, o comportamento do BBVA foi considerado justificado, na medida em que se baseou em verificações que demonstraram que 22% das transferências efetuadas através das contas da Safe no período de 1 de setembro a 30 de novembro de 2010 não foram feitas por agentes autorizados pela Safe e notificadas ao Banco de Espanha. Em acréscimo, durante esse período, foram feitas transferências por 1291 pessoas, o que excedia substancialmente o número de agentes da Safe. Além disso, um relatório pericial sublinhou os riscos das transferências efetuadas por agentes não identificados.

46

A Safe, o Sabadell e o Liberbank recorreram desta decisão para a Audiencia Provincial de Barcelona (Tribunal de Segunda Instância de Barcelona), que conhece conjuntamente dos três recursos.

47

O órgão jurisdicional de reenvio afirma que a Lei 10/2010 se aplica a todas as partes em litígio, na medida em que estão abrangidas pelas categorias enumeradas no artigo 2.o dessa lei, que inclui as instituições de crédito e as instituições de pagamento. Além disso, todas as partes são concorrentes no mercado e exercem a mesma atividade de transferência de fundos para Estados‑Membros diferentes daquele em que estão sediadas. No entanto, as instituições de pagamento, como a Safe, têm de exercer essa atividade através de contas abertas em instituições de crédito, como os bancos.

48

Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a Safe alega, em primeiro lugar, que o BBVA não estava obrigado a adotar medidas de vigilância da clientela sendo esta constituída por instituições financeiras, uma vez que estas são diretamente supervisionadas pelas autoridades públicas, em concreto pelo Banco de Espanha. Em segundo lugar, alega que, em Espanha, só o Sepblac pode ter acesso aos dados dos clientes das instituições de pagamento. Em terceiro lugar, alega que, mesmo admitindo que o BBVA estava obrigado a adotar tais medidas de vigilância da clientela, devia ter efetuado previamente um estudo pormenorizado e exaustivo da política da Safe com vista a cumprir a legislação aplicável. No caso em apreço, o BBVA limitou‑se a encomendar um relatório pericial, que foi elaborado com base nos seus dados. Em quarto lugar, a Lei 10/2010 não se aplica a pessoas, tais como agentes, que prestam assistência à instituições financeiras na transferência de fundos.

49

O Sabadell invoca, perante o órgão jurisdicional de reenvio, o facto de a decisão do Juzgado de lo Mercantil n.o 5 de Barcelona ter admitido que, em princípio, o Sabadell podia adotar medidas reforçadas de vigilância da clientela, embora tenha considerado que não o podia fazer no caso em apreço. O Liberbank alega que o encerramento da conta detida pela Safe se justificou porque esta não prestou as informações solicitadas.

50

O órgão jurisdicional de reenvio entende que se suscitam três questões principais em relação à interpretação do artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais.

51

Em primeiro lugar, à luz do artigo 5.o desta diretiva, que autoriza os Estados‑Membros a aprovar ou manter em vigor, no domínio abrangido pela referida diretiva, disposições mais rigorosas para impedir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, suscita‑se a questão de saber se se pode considerar que o legislador nacional está autorizado a transpor a exceção ou a derrogação prevista no artigo 11.o, n.o 1, da mesma diretiva em termos distintos do seu estrito conteúdo. O artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Lei 10/2010 dispõe que as pessoas abrangidas por essa lei «estão autorizadas a não aplicar as medidas de vigilância» gerais da clientela em relação aos clientes que sejam instituições financeiras com sede na União ou em países terceiros equiparados, que sejam objeto de supervisão com vista a garantir o cumprimento das medidas de vigilância da clientela.

52

Em segundo lugar, a interpretação do artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, conjugado com o respetivo artigo 7.o, suscita a questão de saber se o legislador da União pretendeu estabelecer uma verdadeira exceção incondicional à obrigação de as instituições de crédito adotarem medidas de vigilância da sua clientela quando esta é constituída por instituições de pagamento, por sua vez sujeitas a esta diretiva por força do seu estatuto de instituições financeiras, também elas abrangidas pelo sistema de supervisão que lhes é próprio.

53

Em terceiro lugar, coloca‑se a questão de saber se a exceção prevista na referida disposição se estende exclusivamente às medidas de vigilância ou se também abrange as medidas reforçadas de vigilância.

54

Suscitam‑se outras questões a título subsidiário, caso o artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais deva ser interpretado no sentido de que as instituições financeiras podem adotar medidas de vigilância ou medidas reforçadas de vigilância ou estão mesmo obrigadas a fazê‑lo, seja com fundamento na legislação da União ou na legislação nacional.

55

Estas outras questões dizem respeito, por um lado, à articulação do artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais com o artigo 21.o da diretiva relativa aos serviços de pagamento e visam determinar os limites das medidas de vigilância e das medidas reforçadas de vigilância que as instituições bancárias podem, se for o caso, aplicar às instituições de pagamento. Respeitam, por outro lado, à questão de saber se a transmissão, pelas instituições de pagamento às instituições de crédito, dos dados relativos aos seus clientes respeita o direito da União, em particular a diretiva relativa aos dados pessoais.

56

Nestas circunstâncias, a Audiencia Provincial de Barcelona decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Relativamente à interpretação do artigo 11.o, n.o 1, da [diretiva relativa ao branqueamento de capitais]:

a)

Quando conjugado com o artigo 7.o da mesma diretiva, deve considerar‑se que o legislador da União pretendeu estabelecer uma verdadeira exceção relativa à possibilidade de as instituições de crédito adotarem medidas de vigilância da sua própria clientela sempre que esta seja composta por instituições de [pagamento], por sua vez sujeitas ao seu próprio sistema de supervisão, ou uma simples autorização para prever uma exceção?

b)

Quando conjugado com o artigo 5.o da própria diretiva, deve considerar‑se que o legislador nacional pode transpor a exceção incluída na referida norma em termos distintos do seu próprio conteúdo?

c)

A exceção prevista no artigo 11.o, n.o 1, é igualmente aplicável às medidas de vigilância reforçada em termos idênticos aos das medidas de vigilância?

2)

A título subsidiário, se a resposta às questões anteriores for favorável à possibilidade de as instituições de crédito adotarem medidas de vigilância e de vigilância reforçada em relação a instituições de [pagamento]:

a)

Qual é o alcance da possibilidade de as instituições de crédito supervisionarem a[s] operaç[ões] das instituições de [pagamento]? Deve considerar‑se que a [diretiva relativa ao branqueamento de capitais] lhes atribui o poder de supervisão dos processos e medidas de vigilância, por sua vez [adotados] pelas instituições de pagamento, ou tal poder compete exclusivamente às instituições públicas referidas na [diretiva relativa aos serviços de pagamento], no caso em apreço, o Banco de Espanha?

b)

O exercício deste poder de adoção de medidas por parte das instituições de crédito requer alguma justificação especial deduzível dos atos da instituição de pagamento ou pode ser adotado com caráter geral, pelo simples facto de a instituição de pagamento exercer uma atividade de risco como é o envio de remessas para o estrangeiro?

c)

Caso se considere que é exigível uma justificação concreta para que as instituições de crédito possam adotar medidas de vigilância em relação às instituições de [pagamento]:

i)

Quais são os comportamentos relevantes a que a instituição bancária deve prestar atenção para adotar medidas de vigilância?

ii)

É possível considerar que a instituição de crédito pode avaliar, para o efeito, as medidas de vigilância que a instituição de pagamento aplica nos seus processos?

iii)

O exercício deste poder exige que a instituição bancária tenha detetado na atuação da instituição de [pagamento] algum comportamento que a torne suspeita de colaboração em atividades de branqueamento de capitais ou no financiamento do terrorismo?

3)

Caso se considere igualmente que as instituições de crédito têm o poder de adotar medidas de vigilância reforçada em relação a instituições de [pagamento]:

a)

É admissível que uma dessas medidas seja a de exigir às instituições de [pagamento] que entreguem os dados de identificação de todos os seus clientes dos quais provenham os fundos que enviam, bem como a identificação dos destinatários?

b)

Deve considerar‑se que a [obrigação de] divulgação, por parte das instituições de [pagamento], dos dados dos seus clientes às instituições de crédito com as quais estão obrigadas a operar e que são suas concorrentes no mercado é conforme à [diretiva relativa aos dados pessoais]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

57

A título preliminar, importa salientar que dos elementos submetidos ao Tribunal de Justiça pelo BBVA resulta que este começou a suspeitar da existência de atividades de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo após ter detetado irregularidades nas informações relativas aos agentes que transferiam fundos através da conta de que a Safe era titular junto do BBVA. O BBVA solicitou à Safe informações nos termos da Lei 10/2010 e, tendo esta recusado fornecer tais informações, encerrou a conta da Safe. Com efeito, embora o artigo 9.o desta lei autorize a aplicação de medidas simplificadas de vigilância da clientela quando esta seja constituída por instituições financeiras cujo cumprimento das medidas de vigilância é objeto de supervisão, nos termos do artigo 11.o da mesma lei, devem, em função de uma análise do risco, ser aplicadas medidas reforçadas de vigilância nas situações que, pela sua natureza, possam apresentar um risco mais elevado de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. Entre as situações que, pela sua natureza, apresentam tal risco figuram, nomeadamente, os serviços de transferências de fundos.

58

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 5.°, 7.°, 11.°, n.o 1, e 13.° da diretiva relativa ao branqueamento de capitais devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, autoriza a aplicação de medidas gerais de vigilância da clientela desde que esta seja constituída por instituições financeiras cujo cumprimento das medidas de vigilância é objeto de supervisão e, por outro, impõe às instituições e pessoas abrangidas pela referida diretiva que apliquem, em função de uma análise do risco, medidas reforçadas de vigilância da clientela nas situações que, pela sua natureza, possam apresentar um risco mais elevado de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, como a transferência de fundos.

59

A diretiva relativa ao branqueamento de capitais prevê, nas secções 1 a 3 do seu capítulo II, sob a epígrafe «Deveres de vigilância da clientela», três tipos de medidas de vigilância da clientela, a saber, medidas gerais, simplificadas e reforçadas.

60

Na secção 1 desse capítulo, intitulada «Disposições gerais», o artigo 7.o, alíneas a) a d), da diretiva relativa ao branqueamento de capitais enuncia as situações em que as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva devem aplicar medidas gerais de vigilância da clientela, porque se considera que apresentam riscos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo que podem ser prevenidos através da adoção das medidas previstas nos artigos 8.° e 9.° da referida diretiva. Estas situações ocorrem quando se estabeleça uma relação de negócio, quando sejam efetuadas transações ocasionais de montante igual ou superior a 15000 euros, quando haja suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e quando haja dúvidas quanto à veracidade ou adequação dos dados de identificação dos clientes previamente obtidos.

61

Nas situações previstas no artigo 7.o, as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva devem aplicar as medidas gerais de vigilância da clientela, que incluem, de acordo com o artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva, a identificação do cliente e a verificação da respetiva identidade, se for caso disso, a identificação do beneficiário efetivo, a obtenção de informações sobre a finalidade e a natureza pretendida das relações de negócio e a manutenção de uma vigilância contínua das relações de negócio já existentes e das transações já realizadas. Conforme resulta do n.o 2 deste artigo, o alcance desses deveres de vigilância pode ser determinado em função do grau de risco associado ao tipo de cliente, às relações de negócio, ao produto ou à transação.

62

Nos termos do artigo 9.o, n.o 6, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, os Estados‑Membros devem exigir que as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva apliquem os procedimentos de vigilância da clientela não só a todos os clientes novos mas também, em momento oportuno, aos clientes existentes, em função do grau de risco existente. No entanto, por força do artigo 9.o, n.o 1, da referida diretiva, os Estados‑Membros devem exigir que a verificação da identidade do cliente e do beneficiário efetivo se efetue antes do estabelecimento de uma relação de negócio ou da execução de qualquer transação.

63

Assim, nos artigos 7.° a 9.° da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, o legislador da União identificou as circunstâncias em que considerou que a legislação nacional deve prever medidas gerais de vigilância com vista a impedir o risco de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

64

Noutros casos que dependem, nomeadamente, do tipo de cliente, de relação de negócio, de produto ou transação, o risco pode ser mais ou menos elevado, conforme resulta dos considerandos 10, 22 e 24 da diretiva relativa ao branqueamento de capitais. Os artigos 11.° e 13.° desta diretiva referem‑se a estas situações e impõem aos Estados‑Membros o dever de assegurar a aplicação de medidas de vigilância da clientela de graus diferentes.

65

Quando se verificam determinadas condições previstas no artigo 11.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, não é necessário aplicar as medidas de vigilância da clientela previstas nos artigos 8.° e 9.°, n.o 1, desta diretiva, em situações em que, em princípio, as referidas medidas seriam aplicáveis, por força do artigo 7.o, alíneas a), b) e d), da referida diretiva. Essas condições dizem respeito aos casos em que o legislador da União considerou que o risco de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo era menos elevado, em razão, nomeadamente, da identidade do cliente ou do valor e conteúdo da transação ou produto.

66

Isto acontece, em especial, segundo o artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, quando o cliente de uma instituição de crédito ou pessoa abrangida por esta diretiva for, ele próprio, uma instituição de crédito ou instituição financeira abrangida pela referida diretiva.

67

Importa, contudo, salientar que o artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais não derroga o artigo 7.o, alínea c), desta diretiva.

68

Por força desta disposição, conjugada com o artigo 11.o, n.o 1, da referida diretiva, são sempre aplicáveis medidas de vigilância da clientela quando existam suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, não se encontrando este conceito, aliás, definido nesta mesma diretiva. Por conseguinte, se surge essa suspeita, o Estado‑Membro fica impedido de autorizar ou impor a aplicação de medidas simplificadas de vigilância da clientela.

69

Além disso, há que referir que, contrariamente ao que alega a Safe, a derrogação prevista no artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais não obsta a uma regulamentação nacional que preveja a aplicação, pelas instituições e pessoas em causa, de medidas reforçadas de vigilância nos termos do artigo 13.o desta diretiva.

70

Com efeito, o artigo 11.o, n.o 1, da referida diretiva visa apenas derrogar as medidas gerais de vigilância da clientela enunciadas na secção 1 do respetivo capítulo II. Como esta disposição não contém nenhuma referência ao artigo 13.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, que figura na secção 3 desse capítulo, não tem, como salientou a advogada‑geral no n.o 94 das suas conclusões, qualquer repercussão na vigilância da clientela exigida quando existe um risco mais elevado. Além disso, as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva só podem aplicar as medidas simplificadas de vigilância «em consonância com uma abordagem em função do risco» em casos apropriados, como refere o considerando 22 da referida diretiva. Ora, resulta do considerando 24 desta mesma diretiva que, apesar da necessidade de estabelecer a identidade e o perfil comercial de todos os clientes, casos há em que se impõem procedimentos particularmente rigorosos de identificação e verificação da identidade de clientes por força de um risco mais elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

71

Consequentemente, embora exista um risco mais elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo conforme previsto no artigo 13.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, o facto de o cliente ser, ele próprio, uma instituição ou pessoa abrangida por esta diretiva não se opõe a que um Estado‑Membro possa exigir a aplicação a este cliente de medidas reforçadas de vigilância na aceção do artigo 13.o da referida diretiva.

72

O artigo 13.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais impõe aos Estados‑Membros que exijam que as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva apliquem, em função do grau de risco, medidas reforçadas de vigilância da clientela, para além das medidas enunciadas nos artigos 7.° e 8.° e no n.o 6 do artigo 9.o da referida diretiva, nas situações que, pela sua natureza, apresentem riscos mais elevados de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e, pelo menos, nas situações referidas nos n.os 2 a 4 deste artigo.

73

Dos termos «pelo menos» resulta que, embora o artigo 13.o da referida diretiva enumere determinadas situações em que os Estados‑Membros devem prever a aplicação de medidas reforçadas de vigilância, esta enumeração não é, contudo, exaustiva. Os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação significativa no momento da transposição desta diretiva, quanto à forma apropriada de cumprir a obrigação de prever medidas reforçadas de vigilância e de determinar quer as situações nas quais existe esse risco mais elevado quer as medidas de vigilância.

74

Deste modo, como salientou a advogada‑geral no n.o 95 das suas conclusões, apesar de a transferência de fundos por uma instituição para Estados‑Membros diferentes daquele em que está sediada não estar prevista no artigo 13.o, n.os 2 a 4, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, esse artigo não impede os Estados‑Membros de identificarem no seu direito nacional, através de uma abordagem baseada no risco, outras situações que, pela sua natureza, apresentem riscos mais elevados e, por conseguinte, justifiquem ou exijam mesmo a aplicação de medidas reforçadas de vigilância da clientela além das medidas gerais de vigilância.

75

Portanto, não obstante a derrogação prevista no artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, os artigos 7.° e 13.° desta diretiva exigem que os Estados‑Membros garantam que as instituições e pessoas abrangidas pela referida diretiva apliquem, nos casos relativos a clientes que sejam, eles próprios, instituições ou pessoas abrangidas pela diretiva relativa ao branqueamento de capitais, medidas gerais de vigilância da clientela, nos termos do artigo 7.o, alínea c), desta diretiva e medidas reforçadas de vigilância da clientela, nos termos do artigo 13.o da referida diretiva, nas situações que, pela sua natureza, apresentem um risco mais elevado de branqueamento e de financiamento do terrorismo.

76

Por último, no que diz respeito ao artigo 9.o da Lei 10/2010 que autoriza a aplicação de medidas gerais de vigilância a instituições financeiras mesmo na falta de suspeitas ou de riscos mais elevados de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo na aceção dos artigos 7.°, alínea c), e 13.° da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, há que recordar que a diretiva relativa ao branqueamento de capitais apenas procede a uma harmonização mínima e que, mesmo nos casos em que os Estados‑Membros transpuseram corretamente os artigos 7.°, 11.° e 13.° desta diretiva para o seu direito nacional, o artigo 5.o da referida diretiva permite‑lhes adotarem ou manterem em vigor disposições mais rigorosas, na medida em que estas disposições visem reforçar o combate ao branqueamento de capitais ou o financiamento do terrorismo (v., neste sentido, acórdão Jyske Bank Gibraltar, C‑212/11, EU:C:2013:270, n.o 61).

77

Importa ainda salientar que as «disposições mais rigorosas» previstas no artigo 5.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais podem dizer respeito a situações para as quais esta diretiva prevê um determinado tipo de vigilância da clientela e igualmente a outras situações que os Estados‑Membros considerem que apresentam riscos.

78

O artigo 5.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais consta do respetivo capítulo I, sob a epígrafe «Objeto, âmbito e definições», e aplica‑se a todas as disposições no domínio regulado por esta diretiva destinadas a prevenir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Daí resulta que o alcance deste artigo não se restringe às disposições do capítulo II da referida diretiva, sob a epígrafe «Deveres de vigilância da clientela». Assim, um Estado‑Membro pode impor a uma instituição de crédito a aplicação de medidas de vigilância da clientela em relação a uma instituição de pagamento, mesmo quando estejam preenchidos os requisitos do artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais e, por isso, mesmo quando não haja suspeitas, na aceção do artigo 7.o, alínea c), desta diretiva, e em situações diferentes das enumeradas nos artigos 7.° e 13.° da referida diretiva.

79

Ao estabelecer que os Estados‑Membros podem aprovar ou manter em vigor, no domínio abrangido pela diretiva relativa ao branqueamento de capitais, disposições mais rigorosas para impedir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, o artigo 5.o desta diretiva não confere aos Estados‑Membros uma faculdade ou uma obrigação de legislar nos termos do direito da União, limitando‑se a reconhecer, contrariamente às disposições previstas no capítulo II da referida diretiva, o poder dos Estados‑Membros de preverem, nos termos do direito nacional, tais disposições mais favoráveis fora do quadro do regime estabelecido por esta diretiva (v., por analogia, acórdão Julián Hernández e o., C‑198/13, EU:C:2014:2055, n.o 44).

80

Tendo em conta as considerações precedentes, deve responder‑se à primeira questão da seguinte forma:

Os artigos 5.°, 7.°, 11.°, n.o 1, e 13.° da diretiva relativa ao branqueamento de capitais devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, autoriza a aplicação de medidas gerais de vigilância da clientela desde que esta seja constituída por instituições financeiras cujo cumprimento das medidas de vigilância é objeto de supervisão quando haja suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo na aceção do artigo 7.o, alínea c), desta diretiva e, por outro, exige que as instituições e pessoas abrangidas pela referida diretiva apliquem, em função da sua análise do risco, medidas reforçadas de vigilância da clientela nas situações que, pela sua natureza, possam apresentar um risco mais elevado de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo na aceção do artigo 13.o, n.o 1, desta mesma diretiva, como a transferência de fundos.

Além disso, mesmo na falta de tais suspeitas ou riscos, o artigo 5.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais permite aos Estados‑Membros adotarem ou manterem em vigor disposições mais rigorosas, na medida em que estas disposições visem reforçar o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

Quanto à segunda questão, alíneas a) e c), ii)

81

Com a sua segunda questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, como deve ser interpretada a diretiva relativa ao branqueamento de capitais no que diz respeito aos limites dos poderes que assistem às instituições de crédito, nos termos desta diretiva, relativamente às instituições de pagamento que são suas clientes e estão, por outro lado, abrangidas pela referida diretiva e pela diretiva relativa aos serviços de pagamento. Com a sua segunda questão, alínea c), ii), pergunta, em substância, se a diretiva relativa ao branqueamento de capitais deve ser interpretada no sentido de que uma instituição de crédito pode avaliar as medidas de vigilância da clientela aplicadas por uma instituição de pagamento.

82

Importa salientar que resulta da decisão de reenvio que estas questões dizem respeito à interpretação conjunta da diretiva relativa ao branqueamento de capitais e da diretiva relativa aos serviços de pagamento, em particular do artigo 21.o desta última que define os poderes conferidos às autoridades nacionais para efeitos do controlo das instituições de pagamento. O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre o alcance do poder que pode ser atribuído à instituições de crédito em matéria de controlo das operações das instituições de pagamento. Considera que a diretiva relativa aos serviços de pagamento só atribui esse poder de controlo à autoridade nacional competente, neste caso o Sepblac, mas questiona‑se sobre se a diretiva relativa ao branqueamento de capitais não atribui indiretamente às instituições bancárias um certo poder de controlo das instituições de pagamento através da possibilidade de adotar medidas reforçadas de vigilância.

83

A este respeito, importa sublinhar que a diretiva relativa ao branqueamento de capitais respeita às obrigações de vigilância que incumbem às instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva. Assim, o artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva define os elementos de uma relação de negócio em relação aos quais as instituições e pessoas abrangidas pela mesma diretiva devem obter informações.

84

Nos termos do artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, os Estados‑Membros devem exigir que, sempre que a instituição ou pessoa em causa não esteja em condições de cumprir o disposto nas alíneas a), b) e c) do n.o 1 do artigo 8.o, a mesma não possa realizar uma transação através de uma conta bancária, estabelecer relações de negócio nem executar uma transação, ou deva pôr termo às relações de negócio. Por conseguinte, a adoção de uma medida como a cessação de uma relação de negócio, prevista no artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, é consequência da incapacidade de uma instituição ou pessoa abrangida por esta diretiva de cumprir os deveres de vigilância que lhe incumbem por força do artigo 8.o, n.o 1, alíneas a) a c), da referida diretiva, conforme transpostas pelos Estados‑Membros.

85

A aplicação do artigo 9.o, n.o 5, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais não depende da questão de saber por que motivo uma instituição ou pessoa abrangida por esta diretiva não pode dar cumprimento aos deveres de vigilância da clientela previstos no artigo 8.o, n.o 1, alíneas a) a c), da referida diretiva. Portanto, o facto de o cliente de uma instituição ou pessoa abrangida pela diretiva relativa ao branqueamento de capitais não cooperar, prestando as informações que lhe permitiriam cumprir a lei nacional que aplica o artigo 8.o desta diretiva, não é necessário para desencadear as consequências previstas no artigo 9.o, n.o 5, da referida diretiva.

86

Não obstante, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva devem poder demonstrar às autoridades competentes referidas no artigo 37.o da mencionada diretiva que o âmbito das medidas adotadas no quadro do seu dever de vigilância da clientela, cujo alcance pode ser ajustado em função do risco associado ao tipo de cliente, de relação de negócio, de produto ou transação em causa, é adequado tendo em conta os riscos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.

87

A este respeito, tais medidas devem apresentar um nexo concreto com o risco de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo e ser proporcionais a este. Em especial, a adoção dessa medida de cessação de uma relação de negócio, prevista no artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, não deverá ocorrer na falta de informações suficientes em relação ao risco de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.

88

Por outro lado, o artigo 37.o da diretiva relativa ao branqueamento de capitais exige que as autoridades nacionais competentes controlem de forma eficaz o cumprimento, pelas instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva, entre as quais figuram as instituições de crédito e as instituições de pagamento que apliquem medidas de vigilância da clientela relativamente a quaisquer dos seus clientes, dos deveres que a referida diretiva prevê e que tomem as medidas necessárias para esse efeito.

89

Daqui decorre que os deveres de vigilância da clientela e de informação que incumbem às instituições de crédito, por um lado, e as medidas de supervisão e acompanhamento por parte das autoridades nacionais competentes, por outro, constituem um conjunto de medidas preventivas e dissuasivas para combater com eficácia o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo e para assegurar a solidez e a integridade do sistema financeiro.

90

Contrariamente ao que a Safe sustenta, isso não implica, contudo, que, ao atuarem ao abrigo de leis nacionais que transpõem os artigos 8.° e 9.° da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva assumam as funções de supervisão que estão reservadas às autoridades competentes.

91

Tão‑pouco decorre daí que as instituições e pessoas abrangidas pela diretiva relativa ao branqueamento de capitais possam comprometer as funções de supervisão das instituições de pagamento que, ao abrigo do artigo 21.o da diretiva relativa aos serviços de pagamento, devem ser exercidas pelas autoridades competentes, com vista a verificar o cumprimento das disposições do título II, sob a epígrafe «Prestadores de serviços de pagamento», desta diretiva e substituir‑se às referidas autoridades de supervisão.

92

Embora as instituições e pessoas abrangidas pela diretiva relativa ao branqueamento de capitais devam aplicar as medidas de vigilância previstas no artigo 8.o desta diretiva, conjugado com os artigos 11.° e, se for o caso, 13.° da mesma diretiva, e possam, nesse sentido, ser levadas a ter em conta as medidas de vigilância aplicadas pelos seus clientes nos respetivos procedimentos, não deixa de ser verdade que as medidas de supervisão e de controlo estão reservadas às autoridades competentes, nos termos dos artigos 17.° e 21.° da diretiva relativa aos serviços de pagamento e 36.° e 37.° da diretiva relativa ao branqueamento de capitais.

93

Por conseguinte, há que responder à segunda questão, alíneas a) e c), ii), que a diretiva relativa ao branqueamento de capitais deve ser interpretada no sentido de que as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva não podem comprometer as funções de supervisão das instituições de pagamento que, ao abrigo do artigo 21.o da diretiva relativa aos serviços de pagamento, devem ser exercidas pelas autoridades competentes e não podem substituir‑se às referidas autoridades. A diretiva relativa ao branqueamento de capitais deve ser interpretada no sentido de que, embora uma instituição financeira, no âmbito do seu dever de supervisão da sua própria clientela, possa ter em conta as medidas de vigilância aplicadas por uma instituição de pagamento à sua própria clientela, todas as medidas de vigilância que adotar devem ser adequadas ao risco de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.

Quanto à segunda questão, alíneas b) e c), i) e iii)

94

Com a sua segunda questão, alíneas b) e c), i) e iii), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, caso o artigo 11.o, n.o 1, da diretiva relativa ao branqueamento de capitais não se oponha a que um Estado‑Membro possa autorizar a aplicação por uma instituição de crédito a uma instituição de pagamento sua cliente de outras medidas além das medidas simplificadas de vigilância, os artigos 5.° e 13.° da referida diretiva devem ser interpretados no sentido de que, quando um Estado‑Membro utiliza seja a margem de apreciação que lhe confere este artigo 13.o seja a competência prevista neste artigo 5.o, a aplicação, por uma instituição de crédito, de medidas reforçadas de vigilância da clientela a uma instituição de pagamento sua cliente pode basear‑se no tipo geral de atividade exercida por essa instituição de pagamento, neste caso a transferência de fundos, ou se é necessário que detete, nas operações do referido estabelecimento, um comportamento especial que torne aquela instituição suspeita de colaboração com atividades de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

95

Esta questão é submetida no âmbito de um litígio que envolve instituições abrangidas pela diretiva relativa ao branqueamento de capitais, que basearam as medidas de vigilância do seu cliente, uma instituição de pagamento, no direito nacional aplicável às situações identificadas pelo legislador nacional como apresentando um risco mais elevado, neste caso o fornecimento de serviços de transferência de fundos, e que não estão previstas no artigo 13.o desta diretiva. A referida questão reporta‑se a situações em que um Estado‑Membro utilizou ou a margem de apreciação que lhe confere este artigo no que diz respeito à aplicação a uma instituição de pagamento de medidas reforçadas de vigilância ou a competência prevista no artigo 5.o da referida diretiva para autorizar, na sua legislação nacional, as instituições de crédito a aplicar, ou não, medidas simplificadas de vigilância aos seus clientes que são estabelecimentos de pagamento e a adotar a respeito destes as medidas de vigilância que considerem mais apropriadas.

96

A este respeito, importa salientar que, ao fazê‑lo, o Estado‑Membro em causa deve, no entanto, exercer essa competência no respeito do direito da União, nomeadamente, das liberdades fundamentais garantidas pelos Tratados (v., por analogia, acórdão Jyske Bank Gibraltar, C‑212/11, EU:C:2013:270, n.o 49).

97

A fim de verificar se o direito da União é respeitado, há que examinar se o artigo 56.o TFUE não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a aplicação de outras medidas de vigilância além das medidas simplificadas de vigilância de uma instituição de pagamento, como a Safe, que gere a transferência de fundos para Estados‑Membros diferentes daquele em que está sediada, através de contas de que é titular em instituições de crédito.

98

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 56.o TFUE exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços, em razão da sua nacionalidade ou da circunstância de estar estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele onde a prestação deve ser executada, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e de outros Estados‑Membros, quando seja suscetível de impedir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos (acórdão Jyske Bank Gibraltar, C‑212/11, EU:C:2013:270, n.o 58 e jurisprudência referida). Além disso, o artigo 56.o TFUE opõe‑se à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços, na aceção do artigo 57.o TFUE, entre Estados‑Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado‑Membro (acórdãos Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.o 57, e Comissão/Bélgica, C‑296/12, EU:C:2014:24, n.o 29).

99

Uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a aplicação de outras medidas de vigilância além das medidas simplificadas de vigilância de uma instituição de pagamento acarreta custos e dificuldades adicionais para a prestação de serviços de gestão de transferência de fundos que acrescem aos deveres de vigilância que a própria instituição de pagamento deve efetuar nos termos da diretiva relativa ao branqueamento de capitais. Em razão, nomeadamente, dos custos de tradução dos dados de dimensão transfronteiriça, o encargo resultante da aplicação destas medidas de vigilância adicionais pode ser mais elevado no âmbito de uma transferência transfronteiriça de fundos, o que pode dissuadir a referida instituição de pagamento de prestar esses serviços nesse contexto.

100

No entanto, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional num domínio que não tenha sido objeto de harmonização completa a nível da União e que se aplique indistintamente a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma atividade no território do Estado‑Membro em causa pode, apesar do seu efeito restritivo para a livre prestação de serviços, ser justificada na medida em que corresponda a uma razão imperiosa de interesse geral e na medida em que esse interesse não esteja já salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado‑Membro onde está estabelecido, que seja adequada para garantir a realização do objetivo que prossegue e que não ultrapasse aquilo que é necessário para o alcançar (v. acórdãos Comissão/Áustria, C‑168/04, EU:C:2006:595, n.o 37, e Jyske Bank Gibraltar, C‑212/11, EU:C:2013:270, n.o 60).

101

Importa, por conseguinte, examinar em que condições uma legislação como a que está em causa no processo principal cumpre estes requisitos.

102

A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo constituem um objetivo legítimo, suscetível de justificar um entrave à livre prestação de serviços (acórdão Jyske Bank Gibraltar, C‑212/11, EU:C:2013:270, n.os 62 a 64, 85 e jurisprudência referida).

103

O Tribunal de Justiça já reconheceu que o objetivo da luta contra a utilização do sistema financeiro para o branqueamento de capitais ou o financiamento do terrorismo, que está subjacente à diretiva relativa ao branqueamento de capitais, tem de ser ponderado com a proteção de outros interesses, designadamente a livre prestação de serviços. Assim, no acórdão Jyske Bank Gibraltar (C‑212/11, EU:C:2013:270, n.os 49, 59 e 60), o Tribunal de Justiça considerou, no essencial, que as restrições à livre prestação de serviços que resultam de uma obrigação de comunicação são admissíveis desde que tal legislação vise reforçar, no respeito do direito da União, a eficácia do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

104

Em segundo lugar, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é apta a garantir a realização do objetivo invocado se ajudar a reduzir o risco e responder à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática. Essa legislação cumpre esses requisitos quando na sequência de uma adequada avaliação do risco, que abranja também os clientes que sejam instituições de pagamento, identifique um risco elevado relativo, por exemplo, a um tipo de cliente, país, produto ou transação, e que, com esse fundamento, autorize ou mesmo obrigue as instituições e pessoas abrangidas pela diretiva relativa ao branqueamento de capitais a aplicar, após a realização da sua própria avaliação do risco, medidas adequadas de vigilância da clientela.

105

Em terceiro lugar, para avaliar a proporcionalidade dessa legislação nacional, há que determinar o nível de proteção desejado pelo Estado‑Membro em causa relativamente ao nível de risco de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo identificado.

106

Resulta da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, em especial dos seus artigos 5.° e 13.°, n.o 1, e do respetivo considerando 24, que os Estados‑Membros podem fixar um nível de proteção mais elevado do que o escolhido pelo legislador da União e autorizar ou impor medidas de vigilância da clientela diferentes das previstas por esta diretiva, nos termos da competência prevista neste artigo 5.o ou identificar outras situações que apresentem um risco mais elevado no âmbito da margem de apreciação que o referido artigo 13.o lhes concede. Ao fazê‑lo, os Estados‑Membros podem, nomeadamente, identificar as medidas específicas a aplicar em certas situações concretas ou atribuir às instituições e pessoas abrangidas pela referida diretiva poderes para aplicar, em função de uma adequada avaliação do risco, as medidas consideradas proporcionais ao risco em causa numa determinada situação.

107

Em todo o caso, os Estados‑Membros têm de garantir que as medidas reforçadas de vigilância da clientela suscetíveis de ser aplicadas têm por base a avaliação da existência e do nível de risco de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo relativamente a um cliente, a uma relação de negócio, a uma conta, a um produto ou a uma transação, conforme o caso. Sem essa avaliação, não é possível ao Estado‑Membro nem, quando aplicável, a uma instituição ou pessoa abrangida pela diretiva relativa ao branqueamento de capitais decidir em cada caso concreto quais as medidas a aplicar. Por último, quando não existe risco de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, não podem ser adotadas medidas preventivas com esses fundamentos.

108

Essa avaliação do risco tem de ter em conta, pelo menos, todos os factos relevantes suscetíveis de demonstrar o risco de verificação de um dos tipos de comportamento considerados constitutivos de atividades de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

109

Por outro lado, a questão se saber se uma legislação nacional é proporcionada também depende do grau de ingerência das medidas de vigilância da clientela nela previstas nos direitos e interesses protegidos pelo direito da União, tais como a proteção dos dados pessoais prevista no artigo 8.o da Carta e o princípio da livre concorrência entre pessoas que operam no mesmo mercado. Com efeito, quando um Estado‑Membro invoca razões imperiosas de interesse geral para justificar uma regulamentação suscetível de entravar o exercício da livre prestação de serviços, esta justificação, prevista pelo direito da União, deve ser interpretada à luz dos princípios gerais de direito e, nomeadamente, dos direitos fundamentais doravante garantidos pela Carta. Assim, a legislação nacional em causa só poderá beneficiar das exceções previstas se se conformar com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça (v. acórdãos ERT, C‑260/89, EU:C:1991:254, n.o 43, e Pfleger e o., C‑390/12, EU:C:2014:281, n.o 35). Os objetivos desta legislação devem ser conciliados com esses outros interesses legítimos.

110

Por último, a questão de saber se uma legislação nacional é proporcionada depende da existência ou não de meios alternativos menos restritivos que permitam obter o mesmo nível de proteção. A este respeito, importa salientar que a regulamentação em causa no processo principal pressupõe, de maneira geral, que as transferências de fundos apresentam sempre um risco elevado, sem prever a possibilidade de ilidir essa presunção de risco em relação a transferências de fundos que objetivamente não apresentam esse risco. Assim, nomeadamente, uma legislação que prevê essa possibilidade afigura‑se menos restritiva, permitindo, em simultâneo, alcançar o nível de proteção pretendido pelo Estado‑Membro em causa.

111

Por conseguinte, há que responder à segunda questão, alíneas b) e c), i) e iii), que os artigos 5.° e 13.° da diretiva relativa ao branqueamento de capitais devem ser interpretados no sentido de que uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, aprovada em aplicação seja da margem de apreciação que o artigo 13.o desta diretiva confere aos Estados‑Membros seja da competência prevista no artigo 5.o da referida diretiva, deve ser compatível com o direito da União, nomeadamente com as liberdades fundamentais garantidas pelos Tratados. Embora essa legislação nacional destinada a combater o branqueamento de capitais ou o financiamento do terrorismo prossiga um objetivo legítimo suscetível de justificar uma restrição das liberdades fundamentais e não obstante a presunção de que as transferências de fundos por parte de uma instituição abrangida pela referida diretiva em Estados‑Membros diferentes daquele em que está sediada apresentam sempre um risco mais elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo seja apta a garantir a realização do referido objetivo, essa legislação excede, contudo, o necessário para alcançar o objetivo que prossegue, na medida em que a presunção que estabelece é aplicável a todas as transferências de fundos, sem prever a possibilidade de a ilidir em relação a transferências de fundos que objetivamente não apresentam esse risco.

Quanto à terceira questão

112

Com a sua terceira questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a diretiva relativa aos dados pessoais deve ser interpretada no sentido de que impede os Estados‑Membros de exigir às instituições de pagamento a divulgação de informações relativas à identidade dos seus clientes às instituições de crédito, que são suas concorrentes diretas, no âmbito das medidas reforçadas de vigilância da clientela aplicadas por estas. A alínea a) da terceira questão visa saber se as medidas reforçadas de vigilância da clientela podem consistir em exigir às instituições de pagamento que entreguem os dados de identificação de todos os seus clientes dos quais provenham os fundos transferidos, bem como a identificação dos destinatários desses fundos.

113

Resulta da decisão de reenvio que estas questões visam determinar se, na perspetiva da diretiva relativa aos dados pessoais, as medidas de vigilância e as medidas reforçadas de vigilância podem constituir uma exceção que permite a cedência de dados pessoais. Para o órgão jurisdicional de reenvio, trata‑se, em especial, de saber quais os dados que podem, eventualmente, ser cedidos pelas instituições de pagamento a pedido das instituições de crédito com fundamento nas disposições da diretiva relativa ao branqueamento de capitais, e em que situações pode ocorrer essa cedência.

114

Conforme resulta de jurisprudência constante, refletida no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explicite as hipóteses factuais em que assentam estas questões (v., neste sentido, acórdão Azienda sanitaria locale n.o 5 «Spezzino» e o., C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.o 47). Com efeito, o Tribunal de Justiça apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação de um diploma da União com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (despacho Argenta Spaarbank, C‑578/14, EU:C:2015:372, n.o 14).

115

O órgão jurisdicional de reenvio deve indicar igualmente as razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação de determinadas disposições do direito da União e a considerar necessário apresentar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Este já considerou que é indispensável que o juiz nacional forneça um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação pede e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe é submetido (despachos Equitalia Nord, C‑68/14, EU:C:2015:57, n.o 14 e jurisprudência referida, e Argenta Spaarbank, C‑578/14, EU:C:2015:372, n.o 15).

116

Com efeito, as informações fornecidas nas decisões de reenvio não devem apenas permitir ao Tribunal dar respostas úteis, mas devem também dar aos Governos dos Estados‑Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Incumbe ao Tribunal de Justiça garantir que esta possibilidade seja salvaguardada, tendo em conta o facto de, por força desta disposição, apenas as decisões de reenvio serem notificadas às partes interessadas (despacho Argenta Spaarbank, C‑578/14, EU:C:2015:372, n.o 16).

117

Ora, importa salientar que, através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio visa de maneira geral a diretiva relativa aos dados pessoais, sem indicar com suficiente precisão as disposições desta diretiva suscetíveis de serem pertinentes para permitir uma resposta útil do Tribunal de Justiça.

118

Por outro lado, a questão do conteúdo das informações pedidas à Safe no âmbito das medidas de vigilância que lhe são aplicadas pelos bancos foi debatida. No processo no Tribunal de Justiça, o BBVA alegou que nunca pediu dados pessoais relativos aos clientes da Safe nem aos destinatários dos fundos transferidos, mas solicitou apenas informações sobre os agentes que atuavam em nome da Safe e utilizavam as contas desta.

119

Ora, de acordo com jurisprudência assente, no quadro do procedimento de cooperação instituído pelo artigo 267.o TFUE, não compete ao Tribunal de Justiça, mas sim ao órgão jurisdicional nacional, apurar os factos que deram origem ao litígio e tirar deles as consequências para a decisão que é chamado a proferir (v. acórdão Accor, C‑310/09, EU:C:2011:581, n.o 37 e jurisprudência referida).

120

Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar a terceira questão inadmissível.

Quanto às despesas

121

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

Os artigos 5.°, 7.°, 11.°, n.o 1, e 13.° da Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, conforme alterada pela Diretiva 2010/78/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, autoriza a aplicação de medidas gerais de vigilância da clientela desde que esta seja constituída por instituições financeiras cujo cumprimento das medidas de vigilância é objeto de supervisão quando haja suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo na aceção do artigo 7.o, alínea c), desta diretiva e, por outro, exige que as instituições e pessoas abrangidas pela referida diretiva apliquem, em função da sua análise do risco, medidas reforçadas de vigilância da clientela nas situações que, pela sua natureza, possam apresentar um risco mais elevado de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo na aceção do artigo 13.o, n.o 1, desta mesma diretiva, como a transferência de fundos.

Além disso, mesmo na falta de tais suspeitas ou riscos, o artigo 5.o da Diretiva 2005/60, conforme alterada pela Diretiva 2010/78, permite aos Estados‑Membros adotarem ou manterem em vigor disposições mais rigorosas, na medida em que estas disposições visem reforçar o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

 

2)

A Diretiva 2005/60, conforme alterada pela Diretiva 2010/78, deve ser interpretada no sentido de que as instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva não podem comprometer as funções de supervisão das instituições de pagamento que, ao abrigo do artigo 21.o da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 97/7/CE, 2002/65/CE, 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Diretiva 97/5/CE, conforme alterada pela Diretiva 2009/111/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de16 de setembro de 2009, devem ser exercidas pelas autoridades competentes e não podem substituir‑se às referidas autoridades. A Diretiva 2005/60, conforme alterada pela Diretiva 2010/78, deve ser interpretada no sentido de que, embora uma instituição financeira, no âmbito do seu dever de supervisão da sua própria clientela, possa ter em conta as medidas de vigilância aplicadas por uma instituição de pagamento à sua própria clientela, todas as medidas de vigilância que adotar devem ser adequadas ao risco de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.

 

3)

Os artigos 5.° e 13.° da Diretiva 2005/60, conforme alterada pela Diretiva 2010/78, devem ser interpretados no sentido de que uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, aprovada em aplicação seja da margem de apreciação que o artigo 13.o desta diretiva confere aos Estados‑Membros seja da competência prevista no artigo 5.o da referida diretiva, deve ser compatível com o direito da União, nomeadamente com as liberdades fundamentais garantidas pelos Tratados. Embora essa legislação nacional destinada a combater o branqueamento de capitais ou o financiamento do terrorismo prossiga um objetivo legítimo suscetível de justificar uma restrição das liberdades fundamentais e não obstante a presunção de que as transferências de fundos por parte de uma instituição abrangida pela referida diretiva em Estados‑Membros diferentes daquele em que está sediada apresentam sempre um risco mais elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo seja apta a garantir a realização do referido objetivo, essa legislação excede, contudo, o necessário para alcançar o objetivo que prossegue, na medida em que a presunção que estabelece é aplicável a todas as transferências de fundos, sem prever a possibilidade de a ilidir em relação a transferências de fundos que objetivamente não apresentam esse risco.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

Início