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Documento 62014CJ0168

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 15 de outubro de 2015.
Grupo Itevelesa SL e o. contra Oca Inspección Técnica de Vehículos SA e Generalidad de Cataluña.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo.
Reenvio prejudicial — Artigos 49.° TFUE e 51.° TFUE — Liberdade de estabelecimento — Diretiva 2006/123/CE — Âmbito de aplicação — Serviços no mercado interno — Diretiva 2009/40/CE — Acesso às atividades de inspeção técnica de veículos — Exercício por um organismo privado — Atividades que fazem parte do exercício da autoridade pública — Regime de autorização prévia — Razões imperiosas de interesse geral — Segurança rodoviária — Distribuição territorial — Distância mínima entre centros de inspeção técnica de veículos — Quota máxima de mercado — Justificação — Aptidão para alcançar a finalidade prosseguida — Coerência — Proporcionalidade.
Processo C-168/14.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:685

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

15 de outubro de 2015 ( * )

«Reenvio prejudicial — Artigos 49.° TFUE e 51.° TFUE — Liberdade de estabelecimento — Diretiva 2006/123/CE — Âmbito de aplicação — Serviços no mercado interno — Diretiva 2009/40/CE — Acesso às atividades de inspeção técnica de veículos — Exercício por um organismo privado — Atividades que fazem parte do exercício da autoridade pública — Regime de autorização prévia — Razões imperiosas de interesse geral — Segurança rodoviária — Distribuição territorial — Distância mínima entre centros de inspeção técnica de veículos — Quota máxima de mercado — Justificação — Aptidão para alcançar a finalidade prosseguida — Coerência — Proporcionalidade»

No processo C‑168/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Espanha), por decisão de 20 de março de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de abril de 2014, no processo

Grupo Itevelesa SL,

Applus Iteuve Technology,

Certio ITV SL,

Asistencia Técnica Industrial SAE

contra

OCA Inspección Técnica de Vehículos SA,

Generalidad de Cataluña,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, J. L. da Cruz Vilaça, A. Arabadjiev (relator), C. Lycourgos e J.‑C. Bonichot, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de março de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Grupo Itevelesa SL, por J. Lavilla Rubira, M. Alvarez‑Tólcheff, T. Puente Méndez, M. Barrantes Diaz e S. Rodiño Sorli, abogados,

em representação da Applus Iteuve Technology, por A. Vázquez Guillén, procurador, J. Folguera Crespo, L. Moscoso del Prado González e A. Guerra Fernández, abogados,

em representação da Certio ITV SL, por R. Sorribes Calle, procuradora, J. Just Sarobé e R. Miró Miró, abogados,

em representação da Asistencia Técnica Industrial SAE, por M. Marsal i Ferret, M. Ortíz‑Cañavate Levenfeld e I. Galobardes Mendonza, abogados,

em representação da OCA Inspección Técnica de Vehículos SA, por J. Macias Castaño, A. Raventós Soler e M. Velasco Muñoz Cuellar, abogados,

em representação da Generalidad de Cataluña, por N. París Domenech, abogada,

em representação do Governo espanhol, por M. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

em representação da Irlanda, por S. Kingston, L. Williams e A. Joyce, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por N. Otte Widgren, A. Falk, C. Meyer‑Seitz, U. Persson, K. Sparrman, L. Swedenborg, F. Sjövall e E. Karlsson, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por H. Tserepa‑Lacombe e J. Rius, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de junho de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto, em substância, a interpretação dos artigos 49.° TFUE e 51.° TFUE, dos artigos 2.°, n.o 2, alíneas d) e i), 3.°, 9.°, 10.° e 14.° da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36, a seguir «diretiva sobre os serviços»), bem como do artigo 2.o da Diretiva 2009/40/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativa ao controlo técnico dos veículos a motor e seus reboques (JO L 141, p. 12).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Grupo Itevelesa SL (a seguir «Itevelesa»), a Applus Iteuve Technology (a seguir «Applus»), a Certio ITV SL (a seguir «Certio») e a Asistencia Técnica Industrial SAE (a seguir «ATI») à OCA Inspección Técnica de Vehículos SA (a seguir «OCA») a propósito da legalidade de disposições nacionais relativas à inspeção técnica de veículos.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva sobre os serviços

3

Segundo o considerando 21 da diretiva sobre os serviços, «[o]s serviços de transporte, incluindo os transportes urbanos, os táxis e as ambulâncias, bem como os serviços portuários, deverão ser excluídos do âmbito de aplicação da presente diretiva».

4

O considerando 33 desta diretiva enuncia, nomeadamente, que a mesma cobre os serviços de certificação e de ensaio.

5

Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, a diretiva sobre os serviços estabelece disposições gerais que facilitam o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, mantendo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços.

6

Em conformidade com o seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d), esta diretiva não é aplicável aos «serviços no domínio dos transportes, incluindo os serviços portuários, abrangidos pelo âmbito do título [VI] do Tratado [FUE]».

7

Nos termos do seu artigo 2.o, n.o 2, alínea i), a referida diretiva não se aplica às «[a]tividades relacionadas com o exercício da autoridade pública, como previsto no artigo [51.° TFUE]».

8

O artigo 3.o desta mesma diretiva precisa:

«Sempre que haja conflito entre uma disposição da presente diretiva e um outro instrumento comunitário que discipline aspetos específicos do acesso e do exercício da atividade de um serviço em domínios ou profissões específicos, as disposições desse instrumento comunitário prevalecem e aplicam‑se a esses domínios ou profissões específicos. [...]»

9

O artigo 9.o da diretiva sobre os serviços, que tem por epígrafe «Regimes de autorização», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros só podem subordinar a um regime de autorização o acesso a uma atividade de serviços e o seu exercício se forem cumpridas as condições seguintes:

a)

O regime de autorização não ser discriminatório em relação ao prestador visado;

b)

A necessidade de um regime de autorização ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)

O objetivo pretendido não poder ser atingido através de uma medida menos restritiva, nomeadamente porque um controlo a posteriori significaria uma intervenção demasiado tardia para se poder obter uma real eficácia.

[...]

3.   A presente secção não é aplicável aos aspetos dos regimes de autorização que são regidos, direta ou indiretamente, por outros instrumentos comunitários.»

10

O artigo 10.o desta diretiva, que tem por epígrafe «Condições de concessão da autorização», impõe que os regimes de autorização assentem em critérios que enquadrem o exercício do poder de apreciação das autoridades competentes para que este não seja exercido de forma arbitrária e fixa a lista desses critérios.

11

O artigo 14.o da referida diretiva, que tem por epígrafe «Requisitos proibidos», prevê:

«Os Estados‑Membros não devem condicionar o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício no respetivo território ao cumprimento dos requisitos seguintes:

[...]

5)

Aplicação casuística de uma avaliação económica que sujeite a concessão da autorização à comprovação da existência de uma necessidade económica ou de uma procura no mercado, de uma avaliação dos efeitos económicos potenciais ou atuais da atividade ou de uma apreciação da adequação da atividade aos objetivos de programação económica fixados pela autoridade competente; esta proibição não se aplica aos requisitos em matéria de programação, que não sejam de natureza económica mas razões imperiosas de interesse geral;

[...]»

Diretiva 2009/40

12

O considerando 2 da Diretiva 2009/40 tem a seguinte redação:

«No âmbito da política comum de transportes, a circulação de determinados veículos no espaço comunitário deve efetuar‑se nas melhores condições, tanto no plano da segurança como no da concorrência entre transportadores dos vários Estados‑Membros.»

13

O considerando 5 da mesma diretiva enuncia:

«Deverão, portanto, ser definidos normas e métodos comunitários mínimos para controlo dos pontos enumerados na presente diretiva, mediante diretivas específicas.»

14

O considerando 26 da referida diretiva precisa que os objetivos por ela prosseguidos consistem em «harmonizar as regras relativas ao controlo técnico, impedir a distorção da concorrência entre os transportadores e garantir que os veículos sejam corretamente controlados e mantidos [...]».

15

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da mencionada diretiva, «[a]s categorias de veículos a controlar, a periodicidade do controlo técnico e os pontos a controlar obrigatoriamente estão indicados nos anexos I e II».

16

O artigo 2.o da Diretiva 2009/40 prevê:

«O controlo técnico previsto na presente diretiva deve ser efetuado pelo Estado‑Membro ou por entidades de natureza pública por ele incumbidos dessa função, ou por organismos ou estabelecimentos por ele designados, eventualmente de caráter privado, autorizados para o efeito, e atuando sob a sua vigilância direta. Em particular, sempre que os estabelecimentos encarregados do controlo técnico funcionarem simultaneamente como oficinas de reparação de veículos, os Estados‑Membros assegurarão a objetividade e uma elevada qualidade do controlo.»

Diretiva 2014/45/UE

17

A Diretiva 2014/45/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à inspeção técnica periódica dos veículos a motor e dos seus reboques e que revoga a Diretiva 2009/40 (JO L 127, p. 51), prevê, no seu considerando 3, o seguinte:

«A inspeção técnica automóvel faz parte de um regime mais vasto concebido para assegurar que os veículos em circulação se mantenham em condições aceitáveis do ponto de vista da segurança e da proteção do ambiente. [...]»

18

Nos termos do considerando 43 da Diretiva 2014/45:

«As inspeções técnicas têm um impacto direto na segurança rodoviária, razão pela qual deverão ser revistas de forma periódica. [...]»

19

O artigo 4.o, n.o 2, da mesma diretiva enuncia:

«As inspeções técnicas devem ser efetuadas pelo Estado‑Membro de matrícula do veículo ou por um organismo público por ele incumbido dessa função, ou por organismos ou estabelecimentos designados e supervisionados pelo referido Estado‑Membro, incluindo organismos privados aprovados.»

Direito espanhol

20

Os artigos 35.° a 37.° da Lei 12/2008 relativa à segurança industrial (Ley 12/2008 de seguridad industrial), adotada em 31 de julho de 2008 pelo Parlamento da Catalunha (BOE n.o 204, de 23 de agosto de 2008, p. 14194, a seguir «Lei 12/2008»), precisam o seguinte:

«Artigo 35.o Competências das entidades titulares dos centros de inspeção técnica de veículos

São as seguintes as competências das entidades titulares dos centros de inspeção técnica de veículos:

a)

efetuar materialmente a inspeção técnica dos veículos, dos respetivos componentes e acessórios;

b)

impedir, como medida cautelar, a utilização dos veículos que, após a respetiva revisão, apresentem deficiências que afetem as suas condições de segurança e impliquem um perigo iminente.

[...]

Artigo 36.o Requisitos das entidades titulares dos centros de inspeção técnica de veículos

1.   Os titulares dos centros de inspeção técnica de veículos que pretendam exercer a respetiva atividade na Catalunha devem cumprir os seguintes requisitos:

a)

respeitar o plano territorial de centros de inspeção técnica de veículos que, nos termos do disposto no artigo 37.o, n.o 2, seja eventualmente aprovado pelo governo;

b)

a empresa ou grupo de empresas não exceder a quota máxima de mercado a definir por regulamento. Essa quota máxima deverá garantir que ninguém possa ser detentor de um conjunto de centros de inspeção técnica de veículos cujo número ultrapasse metade do número total existente na Catalunha. [...]

c)

respeitar as distâncias mínimas de compatibilidade entre centros de inspeção técnica de veículos pertencentes à mesma empresa ou ao mesmo grupo de empresas, a aprovar pelo governo, nos termos do disposto no artigo 37.o, n.o 3;

[...]

Artigo 37.o Concessão de autorização às entidades titulares de centros de inspeção técnica de veículos

1.   Compete à Agencia Catalana de Seguridad Industrial [Agência catalã de segurança industrial] a concessão de autorização às entidades titulares de centros de inspeção técnica de veículos. A autorização individual será concedida a cada centro de acordo com o procedimento previsto em regulamento.

2.   Com vista a garantir a qualidade da prestação do serviço relativamente ao parque automóvel existente e a assegurar a objetividade e a qualidade da inspeção, o governo pode fixar, por decreto, a obrigatoriedade de um determinado número de centros de inspeção técnica de veículos e de linhas de inspeção por cada centro, os quais devem ser calculados com base no parque automóvel existente, e estabelecer a sua localização através de um plano territorial. [...]

3.   Para garantir a concorrência efetiva entre operadores, o governo deve fixar, por decreto, distâncias mínimas de compatibilidade entre centros detidos pela mesma empresa ou grupo de empresas. Essas distâncias devem ser suficientes para impedir a ocorrência de qualquer situação de predominância territorial por parte do mesmo detentor, tendo em conta as características das diversas localizações dos centros de inspeção técnica de veículos.

[...]»

21

O Decreto 30/2010, que aprova o Regulamento de execução da Lei 12/2008, de 31 de julho de 2008, relativa à segurança industrial (decreto 30/2010, por el que se aprueba el reglamento de desarrollo de la Ley 12/2008, de 31 de julho, de seguridad industrial), adotado em 2 de março de 2010 pelo Governo da Generalidad de Cataluña (Generalidade da Catalunha) (a seguir «Decreto 30/2010), e o Decreto 45/2010, que aprova o plano territorial de novos centros de inspeção técnica de veículos na Catalunha para o período de 2010‑2014 (decreto 45/2010, por el que se aprueba el Plan territorial de nuevas estaciones de inspección técnica de vehículos de Cataluña para el periodo 2010‑2014), adotado em 30 de março de 2010 pelo referido governo (a seguir «Decreto 45/2010»), executam as disposições da Lei 12/2008 no que se refere às instalações dos centros de inspeção técnica de veículos.

22

Os artigos 73.° a 75.° do Decreto 30/2010 preveem:

«Artigo 73.o

Conformidade com o plano territorial e garantia da continuidade

73.1   Com vista a garantir ao público a prestação de um serviço adequado e um serviço de inspeção capaz de satisfazer a procura existente e conforme com o previsto na alínea a) do artigo 36.o, n.o 1, da Lei [12/2008], as entidades titulares dos centros de inspeção técnica de veículos devem respeitar o disposto no plano territorial de centros de inspeção técnica em vigor.

[...]

Artigo 74.o

Quota máxima de mercado

74.1   Nos termos do previsto na alínea b) do artigo 36.o, n.o 1, da Lei [12/2008], a quota de mercado de cada empresa ou grupo de empresas autorizadas para a prestação do serviço de inspeção técnica de veículos na Catalunha não pode ser superior a metade do número total. [...]

74.2   A quota de mercado é determinada em função do número de linhas de inspeção autorizadas para os centros fixos detidos por cada entidade titular em relação à totalidade das referidas linhas existentes na Catalunha.

Artigo 75.o

Distâncias mínimas de compatibilidade

75.1   Com vista a garantir a concorrência efetiva entre os operadores, nos termos do n.o 3 do artigo 37.o deste decreto e da alínea c) do artigo 36.o, n.o 1, da Lei [12/2008], as distâncias reais existentes entre centros de inspeção técnica de veículos autorizados a uma mesma empresa ou grupo de empresas não podem ser inferiores a:

a)

4 km entre centros situados em municípios que tenham mais de 30000 habitantes à data da respetiva autorização pela Agencia Catalana de Seguridad Industrial;

b)

20 km entre centros situados no restante território da Catalunha;

c)

10 km entre centros situados, um num município que tenha mais de 30000 habitantes à data da respetiva autorização e o outro no restante território da Catalunha.

75.2   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por distância real a distância mínima a percorrer, utilizando as vias públicas existentes, entre os centros à data da respetiva autorização pela Agencia Catalana de Seguridad Industrial.

75.3   No que respeita à rede de centros já existente à data da entrada em vigor deste decreto, as distâncias previstas na alínea b) do n.o 1 poderão ser reduzidas até um máximo de 20%.»

23

O artigo 79.o, n.o 1, alínea c), do Decreto 30/2010 precisa que os operadores de centros de inspeção técnica podem imobilizar os veículos nos casos previstos na regulamentação aplicável, em conformidade com as instruções e protocolos aprovados pela Agencia Catalana de Seguridad Industrial.

24

O preâmbulo do Decreto 45/2010 enuncia:

«[...] Importa fazer corresponder a oferta do serviço de inspeção técnica de veículos às necessidades existentes, tanto no que diz respeito à cobertura de áreas territoriais atualmente deficitárias, com vista a uma aproximação entre o serviço e os respetivos utilizadores, como para reduzir o défice de serviço existente em áreas abrangidas por centros de inspeção técnica de veículos mais saturados e com períodos de espera mais longos.

No serviço de inspeção técnica de veículos, devido às suas características territoriais, convém evitar que, por meras razões de rentabilidade do serviço, a oferta se concentre excessivamente numa determinada zona em detrimento de outras áreas do território que, por terem um parque automóvel mais reduzido, fiquem sem cobertura, com o consequente prejuízo para os utilizadores. Por outro lado, nas zonas onde a procura é maior devido à densidade de veículos, uma elevada concentração de centros poderia incrementar a concorrência entre os operadores, reduzindo o seu nível de exigência e, em consequência, também a qualidade do serviço.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

25

Em 5 de maio de 2010, a OCA, um dos operadores espanhóis responsável pela inspeção técnica de veículos, interpôs no Tribunal Superior de Justicia de Cataluña (Tribunal Superior de Justiça da Catalunha) um recurso de anulação parcial do Decreto 30/2010 e total do Decreto 45/2010, alegando que a regulamentação dos operadores de inspeção em matéria de segurança industrial, que os sujeita a um regime de autorização administrativa, e a determinação das condições e obrigações desse regime de autorização são contrárias à diretiva sobre os serviços.

26

Quatro outros operadores de inspeção técnica de veículos, a Itevelesa, a Applus, a Certio e a ATI, bem como a Generalidad de Cataluña, apresentaram observações em apoio da validade dos decretos em causa no processo principal.

27

Por decisão de 25 de abril de 2012, o Tribunal Superior de Justicia de Cataluña deu provimento ao referido recurso e anulou, por um lado, as disposições do Decreto 30/2010 que regulam o regime de autorização dos operadores de centros de inspeção técnica de veículos (a seguir «operadores») e, por outro, o Decreto 45/2010 na sua totalidade, considerando que esse regime era contrário à Lei 17/2009 relativa ao livre acesso às atividades de serviços e ao seu exercício (Ley 17/2009 sobre el libre acceso a las atividades de servicios y su ejercicio), de 23 de novembro de 2009, que transpõe para o direito espanhol a diretiva sobre os serviços.

28

A Itevelesa, a Applus, a Certio e a ATI interpuseram recursos dessa decisão para o Tribunal Supremo. Esse órgão jurisdicional julgou procedente o pedido da Generalidad de Cataluña de que fosse considerada parte interessada no processo na qualidade de recorrida.

29

No âmbito desses recursos, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à aplicabilidade da diretiva sobre os serviços às atividades de inspeção técnica de veículos, sendo, em seu entender, possíveis duas interpretações distintas do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da referida diretiva. De acordo com uma primeira interpretação, as instalações de inspeção técnica estão ligadas à segurança rodoviária e, por essa razão, integram a política comum de transportes. De acordo com uma segunda interpretação, os serviços de inspeção técnica de veículos, que são prestados por empresas comerciais em contrapartida de uma remuneração paga pelo utente, são equiparáveis a serviços de certificação ou de ensaio e de verificação que, em conformidade com o considerando 33 da referida diretiva, cabem no seu âmbito de aplicação.

30

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o poder cautelar de imobilização de veículos de que os operadores dispõem integram «[a]tividades relacionadas com o exercício da autoridade pública», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea i), da diretiva sobre os serviços.

31

Esse órgão jurisdicional interroga‑se igualmente sobre a interação entre esta diretiva e a Diretiva 2009/40 para determinar se o acesso às atividades de inspeção técnica pode ser sujeito a um regime de autorização. A este respeito, remete para o acórdão Comissão/Portugal (C‑438/08, EU:C:2009:651), em que o Tribunal de Justiça considerou que a Diretiva 2009/40 não continha disposições relativas ao acesso às atividades de inspeção de veículos.

32

Por último, as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio prendem‑se com a obrigação que incumbe aos operadores, no quadro do regime de autorização instituído pela regulamentação nacional, de se conformarem ao plano territorial, o qual, por motivos relacionados com a necessidade de garantir uma cobertura territorial adequada, a qualidade do serviço e a concorrência entre operadores, limita o número de centros de inspeção técnica de veículos com base em dois critérios, que são, primeiro, a exigência de uma distância mínima entre os centros de uma mesma empresa ou de um mesmo grupo de empresas e, segundo, a proibição de deter uma quota de mercado superior a 50%. A este respeito, a autoridade catalã da concorrência considerou que estes critérios não eram justificados por razões imperiosas de interesse geral e que esse plano territorial limitava a concorrência de forma injustificada, restringindo o acesso dos novos operadores ao mercado.

33

Nestas condições, o Tribunal Supremo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea [d),] da [diretiva sobre os serviços] exclui do âmbito de aplicação dessa diretiva a atividade de inspeção técnica de veículos […] quando efetuada, nos termos da legislação nacional, por empresas privadas sob a supervisão da [A]dministração de um Estado‑Membro?

2)

Em caso de resposta negativa à questão anterior (isto é, se a atividade de inspeção técnica de veículos estiver abrangida, em princípio, [pelo] âmbito da [diretiva sobre os serviços], será aplicável o fundamento de exclusão previsto no artigo 2.o, n.o 2, alínea i), da referida diretiva pelo facto de as empresas privadas que prestam esse serviço estarem autorizadas, como medida provisória e cautelar, a ordenar a imobilização dos veículos que apresentem deficiências quanto às condições de segurança de tal forma graves que a respetiva circulação implique um perigo iminente?

3)

Se a [diretiva sobre os serviços] for aplicável à atividade de inspeção técnica de veículos, a sua interpretação, conjugada com o artigo 2.o da Diretiva [2009/40,] permite, em qualquer caso, condicionar essa atividade a autorização administrativa prévia? As considerações constantes do [n.o] 26 do acórdão [Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651,] são relevantes para a resposta a esta pergunta?

4)

Os artigos 10.° e 14.° da [diretiva sobre os serviços] e, caso essa diretiva não seja aplicável, o artigo [49.° TFUE) são compatíveis com uma regulamentação nacional que faz depender o número de autorizações para o início da atividade de inspeção técnica de veículos do disposto num plano territorial no qual figuram, como fundamentos da restrição quantitativa, a garantia de uma cobertura territorial adequada e da qualidade do serviço e a promoção da concorrência entre os operadores, incluindo, para esse efeito, fatores de programação económica?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

34

A Applus e a ATI contestam a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, alegando que o litígio no processo principal não contém elementos transfronteiriços e se inscreve numa situação puramente interna.

35

A este respeito, cumpre recordar que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal — que é, segundo a sua letra, indistintamente aplicável aos nacionais espanhóis e aos nacionais dos outros Estados‑Membros —, só pode, regra geral, cair na alçada das disposições relativas às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE na medida em que é aplicável a situações que têm um nexo com as trocas comerciais entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão Sokoll‑Seebacher, C‑367/12, EU:C:2014:68, n.o 10 e jurisprudência referida).

36

Contudo, não é de todo de excluir, in casu, a possibilidade de empresas estabelecidas em Estados‑Membros diferentes do Reino de Espanha terem estado ou estarem interessadas em oferecer serviços de inspeção técnica de veículos neste último Estado‑Membro.

37

Nestas condições, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

Quanto à primeira questão

38

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se a diretiva sobre os serviços é aplicável às atividades de inspeção técnica de veículos.

39

Deve recordar‑se desde logo que, de acordo com o seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d), esta diretiva não é aplicável aos «serviços no domínio dos transportes, incluindo os serviços portuários, abrangidos pelo âmbito do título [VI] do Tratado [FUE]».

40

Assim, uma vez que a diretiva sobre os serviços não define expressamente o conceito de «serviços no domínio dos transportes», na aceção da mencionada disposição, cumpre delimitar o seu alcance.

41

Em primeiro lugar, no que se refere à letra do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da diretiva sobre os serviços, há que sublinhar que os termos utilizados nesta disposição em todas as suas versões linguísticas, com exceção da versão em língua alemã, a saber, «serviços no domínio dos transportes», revestem um alcance mais amplo do que o da expressão «serviços de transporte», utilizada no considerando 21 desta diretiva para designar «os transportes urbanos, os táxis e as ambulâncias, bem como os serviços portuários».

42

Importa recordar, a respeito desta divergência linguística, que, segundo jurisprudência constante, a redação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição e também não lhe pode ser atribuído caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. Com efeito, as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões existentes em todas as línguas da União. Em caso de divergência entre as diversas versões linguísticas de um texto do direito da União, a disposição em questão deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v. acórdão Kurcums Metal, C‑558/11, EU:C:2012:721, n.o 48 e jurisprudência referida).

43

Ora, como indicado no n.o 41 do presente acórdão, há que observar que todas as versões linguísticas do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da diretiva sobre os serviços, com exceção da versão em língua alemã, utilizam expressamente os termos «serviços no domínio dos transportes», que são aplicáveis. A economia geral e a finalidade da referida disposição corroboram esta conclusão.

44

Com efeito, decorre dos trabalhos preparatórios para a adoção da diretiva sobre os serviços que a exclusão relativa aos «serviços no setor dos transportes» foi intencionalmente redigida em termos que correspondessem à letra do artigo 51.o CE, atual artigo 58.o TFUE, cujo n.o 1 enuncia que «a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes».

45

A utilização dos termos «serviços no domínio dos transportes» demonstra assim a intenção do legislador da União Europeia de não restringir a exclusão enunciada no artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da diretiva sobre os serviços apenas aos meios de transporte considerados enquanto tais.

46

Assim, há que interpretar esta exclusão no sentido de que cobre, como salientou o advogado‑geral no n.o 28 das suas conclusões, não só todo o ato físico de movimentar pessoas ou mercadorias de um local para outro por meio de um veículo, aeronave ou embarcação mas também todo o serviço intrinsecamente ligado a tal ato.

47

Na verdade, a atividade de inspeção técnica de veículos é acessória ao serviço de transporte. Todavia, tal inspeção é condição prévia e indispensável para o exercício da atividade principal que é o transporte, como decorre do objetivo de segurança rodoviária subjacente à atividade de inspeção técnica de veículos.

48

Em segundo lugar, importa salientar que esta interpretação é corroborada pela finalidade da Diretiva 2009/40 relativa à atividade de controlo técnico de veículos que, apesar de não conter, como declarou o Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Portugal (C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 26), nenhuma disposição relativa às regras de acesso à atividade de inspeção de veículos, rege o conteúdo dessa atividade e visa expressamente, como enunciado no seu considerando 2, garantir a segurança rodoviária. Essa finalidade decorre também expressamente dos considerandos 3 e 43 da Diretiva 2014/45, que sucedeu à Diretiva 2009/40.

49

A este respeito, importa observar que as Diretivas 2009/40 e 2014/45 foram adotadas com base, a primeira, no artigo 71.o CE e, a segunda, no artigo 91.o TFUE, constando ambos, no Tratado CE e Tratado FUE respetivamente, do título «Os transportes», constituindo a base jurídica que autoriza expressamente o legislador da União a estabelecer «medidas que permitam aumentar a segurança dos transportes». Ora, decorre dos trabalhos preparatórios para a adoção da diretiva sobre os serviços que o legislador da União quis que os serviços regulados pelas disposições adotadas com base no artigo 71.o CE ficassem excluídos do âmbito de aplicação desta diretiva.

50

Consequentemente, as atividades de inspeção técnica de veículos devem ser entendidas como «serviços no domínio dos transportes», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da diretiva sobre os serviços.

51

Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio salienta que as referidas atividades são equiparadas a atividades de certificação ou de ensaio, há que observar que o facto de estas últimas estarem, por força do considerando 33 da diretiva sobre os serviços, cobertas por esta diretiva não prejudica, como assinalou o advogado‑geral no n.o 32 das suas conclusões, a exclusão geral dos serviços no domínio dos transportes do âmbito de aplicação desta diretiva.

52

Assim, há que declarar que a diretiva sobre os serviços não é aplicável à atividade dos centros de inspeção técnica de veículos, a qual, por integrar os serviços no domínio dos transportes, também não está sujeita, em conformidade com o artigo 58.o, n.o 1, TFUE, às disposições do Tratado FUE relativas à livre prestação de serviços.

53

Nestas condições, a regulamentação nacional em causa no processo principal deverá ser apreciada à luz das disposições do Tratado FUE em matéria de liberdade de estabelecimento, diretamente aplicáveis aos transportes, e não por intermédio do título deste Tratado relativo a estes últimos (v., neste sentido, acórdão Yellow Cab Verkehrsbetrieb, C‑338/09, EU:C:2010:814, n.o 33).

54

Atendendo ao exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da diretiva sobre os serviços deve ser interpretado no sentido de que as atividades de inspeção técnica de veículos estão excluídas do âmbito de aplicação desta diretiva.

Quanto à segunda questão

55

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 51.o, primeiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que as atividades dos centros de inspeção técnica de veículos, como os visados na legislação aplicável na Catalunha, estão ligadas ao exercício da autoridade pública na aceção desta disposição, tendo em conta o poder de imobilização de que os operadores desses centros dispõem quando os veículos revelam na inspeção deficiências de segurança que implicam um perigo iminente.

56

Deve recordar‑se, desde logo, que o Tribunal de Justiça já declarou, quanto às atividades dos centros de inspeção técnica de veículos exercidas por organismos privados em Portugal, que a decisão de certificar ou não o controlo técnico é desprovida da autonomia decisória específica do exercício de prerrogativas de autoridade pública e é adotada no âmbito de uma vigilância estatal (v. acórdão Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 41). Além disso, o Tribunal de Justiça salientou que esses organismos não dispõem, no âmbito das suas atividades, de poder coercivo, cabendo às autoridades policiais e judiciais a aplicação de sanções nas situações de desrespeito das regras relativas à inspeção de veículos (v. acórdão Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 44).

57

No presente caso, há que assinalar, por um lado, que o artigo 2.o da Diretiva 2009/40 prevê expressamente que, quando os Estados‑Membros optam por confiar as atividades de inspeção técnica a organismos privados, estes últimos devem ser diretamente vigiados pelo Estado.

58

Essa vigilância estatal foi precisamente implementada pela regulamentação nacional em causa, sendo certo que o artigo 79.o, n.o 1, alínea c), do Decreto 30/2010 indica que a decisão de imobilização só pode ser adotada «nos casos previstos na regulamentação aplicável» e «em conformidade com as instruções e protocolos aprovados pela Agencia Catalana de Seguridad Industrial».

59

Por outro lado, há que observar que, atendendo aos elementos transmitidos pelo órgão jurisdicional de reenvio em reposta a um pedido de esclarecimento formulado pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 101.o do seu Regulamento de Processo, o proprietário de um veículo imobilizado tem a faculdade de apresentar uma reclamação a um interveniente técnico, funcionário da Administração responsável pela supervisão e controlo dos centros de inspeção técnica de veículos, e que esse interveniente pode reformar a decisão de imobilização. Além disso, no caso de oposição do proprietário do veículo à sua imobilização, só as autoridades do Governo da Generalidad de Cataluña competentes em matéria de circulação e de polícia estão habilitadas a adotar medidas de coerção ou coação física.

60

Assim, a faculdade de imobilização do veículo de que os operadores dispõem quando detetam deficiências que implicam um perigo iminente está sujeita à supervisão das autoridades competentes e é desprovida do poder de coerção ou coação física. Consequentemente, não pode ser considerada ligada, enquanto tal, direta e especificamente, ao exercício da autoridade pública.

61

Resulta do exposto que o artigo 51.o, primeiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que as atividades dos centros de inspeção técnica de veículos, como os visados na legislação em causa no processo principal, não estão ligadas ao exercício da autoridade pública na aceção desta disposição, apesar de os operadores desses centros disporem do poder de imobilização quando os veículos revelam na inspeção deficiências de segurança que implicam um perigo iminente.

Quanto à terceira e quarta questões

62

Com a terceira e quarta questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se o artigo 49.o TFUE se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que reserva a atividade de inspeção técnica de veículos aos operadores titulares de uma autorização administrativa prévia, cuja emissão está sujeita à observância, por parte desses operadores, de um plano territorial que contém um requisito de distância mínima e um requisito de quota máxima de mercado.

63

Em primeiro lugar, quanto à obrigação de obter uma autorização administrativa prévia para exercer a atividade de inspeção técnica de veículos, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de indicar que a Diretiva 2009/40 não contém nenhuma disposição relativa às condições de acesso a essa atividade (v., neste sentido, acórdão Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 26).

64

Ora, na falta de harmonização na matéria, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para definir as ditas condições, devendo, porém, o exercício das respetivas competências neste domínio respeitar as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE (v., neste sentido, acórdão Nasiopoulos, C‑575/11, EU:C:2013:430, n.o 20 e jurisprudência referida).

65

No caso em apreço, impõe‑se constatar que o artigo 2.o da Diretiva 2009/40 confirma expressamente essa competência dos Estados‑Membros, precisando que o controlo técnico de veículos pode ser efetuado por organismos ou estabelecimentos privados, designados pelo Estado, autorizados para o efeito e atuando sob a sua vigilância.

66

Consequentemente, embora o direito da União não se oponha a que um Estado‑Membro sujeite a atividade de inspeção técnica de veículos à concessão de uma autorização prévia, não é menos certo que esse regime de autorização deve, como indicado no n.o 64 do presente acórdão, respeitar o direito da União e, nomeadamente, o artigo 49.o TFUE.

67

Com efeito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 49.o TFUE se opõe às restrições à liberdade de estabelecimento, ou seja, a qualquer medida nacional que perturbe ou torne menos atrativo o exercício, pelos cidadãos da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado FUE. O conceito de restrição abrange as medidas adotadas por um Estado‑Membro que, embora indistintamente aplicáveis, afetam o acesso ao mercado das empresas de outros Estados‑Membros e entravam, dessa forma, o comércio na União (v., neste sentido, acórdão SOA Nazionale Costruttori, C‑327/12, EU:C:2013:827, n.o 45 e jurisprudência referida).

68

No caso vertente, a regulamentação nacional em causa no processo principal sujeita a concessão de uma autorização administrativa prévia à observância de condições segundo as quais os centros de uma mesma empresa ou de um mesmo grupo de empresas se devem conformar a certas distâncias mínimas e não deter uma quota de mercado superior a 50%.

69

Assim, cumpre constatar que, à luz da jurisprudência evocada no n.o 67 do presente acórdão, tais regras podem dificultar ou tornar menos atrativo o exercício, pelos operadores de outros Estados‑Membros, das suas atividades no território da Catalunha por intermédio de um estabelecimento estável.

70

Consequentemente, essa regulamentação constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.o TFUE.

71

Nestas circunstâncias, há que, em segundo lugar, examinar se as disposições em causa no processo principal podem ser objetivamente justificadas.

72

Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as restrições à liberdade de estabelecimento, aplicáveis sem discriminação em razão da nacionalidade, podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, desde que sejam adequadas para garantir a realização do objetivo prosseguido e não ultrapassem o necessário para alcançar esse objetivo (v., neste sentido, acórdão Ottica New Line di Accardi Vincenzo, C‑539/11, EU:C:2013:591, n.o 33 e jurisprudência referida).

73

No processo principal, cumpre verificar, em primeiro lugar, que a regulamentação nacional em causa é aplicável indistintamente a todos os operadores.

74

Em segundo lugar, quanto aos objetivos prosseguidos pela referida regulamentação, a Generalidad de Cataluña e o Governo espanhol alegam que a mesma, ao permitir uma cobertura territorial adequada, ao garantir a qualidade do serviço e ao favorecer a concorrência, visa, como decorre expressamente do preâmbulo do Decreto 45/2010, proteger os consumidores e garantir a segurança rodoviária. Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto a proteção dos consumidores (v., neste sentido, acórdãos Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, n.o 50, e Essent e o., C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 58) como a necessidade de garantir a segurança rodoviária (acórdão Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 48 e jurisprudência referida) constituem razões imperiosas de interesse geral que podem justificar restrições à liberdade de estabelecimento.

75

Consequentemente, importa verificar, em terceiro lugar, se as condições restritivas em causa no processo principal, conforme enunciadas no n.o 68 do presente acórdão, são adequadas para garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não ultrapassam o necessário para alcançar esses objetivos.

76

Importa nomeadamente verificar se o modo como a regulamentação nacional em causa no processo principal prossegue esses objetivos não é incoerente. Com efeito, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a legislação nacional no seu todo, bem como as diferentes regras pertinentes, só são adequadas para garantir a realização do objetivo visado se responderem verdadeiramente à intenção de o alcançar de forma coerente e sistemática (v., neste sentido, acórdão Ottica New Line di Accardi Vincenzo, C‑539/11, EU:C:2013:591, n.o 47 e jurisprudência referida).

77

A este respeito, cabe, em última instância, ao juiz nacional, que é o único competente para apreciar a matéria de facto do litígio no processo principal e para interpretar a legislação nacional, determinar se, e em que medida, esta respeita essas exigências. No entanto, o Tribunal de Justiça, chamado a dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio, tem competência para lhe fornecer indicações baseadas nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais que lhe foram apresentadas, suscetíveis de permitir que o órgão jurisdicional nacional se pronuncie (acórdão Sokoll‑Seebacher, C‑367/12, EU:C:2014:68, n.o 40 e jurisprudência referida).

78

No presente caso, a primeira condição, que consiste, como decorre do artigo 75.o, n.o 1, do Decreto 30/2010, em impor a observância de distâncias mínimas entre os centros de inspeção técnica de veículos, tem por objetivo, como indicado no preâmbulo do Decreto 45/2010, incentivar os operadores a instalarem‑se nas zonas isoladas do território. Todavia, exigindo a observância de distâncias mínimas entre centros pertencentes a uma mesma empresa ou a um mesmo grupo de empresas, e não a empresas concorrentes, as informações submetidas ao Tribunal de Justiça não demonstram que essa condição permite, de per se, realizar esse objetivo, tanto mais que a Generalidad de Cataluña não indicou na audiência que esses operadores são obrigados a instalarem‑se nessas zonas isoladas.

79

Quanto à segunda condição, que proíbe os operadores de deterem uma quota de mercado superior a 50% no mercado das prestações de inspeção técnica de veículos, decorre da regulamentação nacional em causa no processo principal que esta condição se destina a garantir a qualidade das prestações de inspeção técnica e, por conseguinte, a assegurar a proteção dos consumidores.

80

Ora, essa condição, por poder ter repercussões na atividade preexistente dos centros de inspeção técnica de veículos na Catalunha, bem como na estrutura do mercado, não parece, a priori, poder contribuir para a proteção dos consumidores.

81

A este respeito, importa salientar, quanto ao objetivo da qualidade do serviço, que o conteúdo das prestações de inspeção técnica de veículos é objeto, como assinalou o advogado‑geral no n.o 75 das suas conclusões, de harmonização a nível da União.

82

Com efeito, o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2009/40, lido em conjugação com os seus anexos I e II, prevê um enquadramento preciso dos veículos a controlar, da periodicidade do controlo e dos pontos de controlo obrigatórios, para assegurar, como sublinha em substância o considerando 26 da referida diretiva, um nível de qualidade das prestações de inspeção técnica de veículos na União. Esse enquadramento contém, segundo o considerando 5 desta mesma diretiva, normas e métodos mínimos, normas e métodos que há que ter em conta no âmbito da fiscalização da proporcionalidade.

83

Assim, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar que as duas condições previstas na regulamentação em causa no processo principal para efeitos da autorização do exercício da atividade de inspeção técnica de veículos são adequadas para garantir a realização dos objetivos de proteção dos consumidores e de segurança rodoviária de forma coerente e sistemática.

84

Atendendo às considerações expostas, há que responder à terceira e quarta questões que o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que sujeita a autorização de abertura por uma empresa ou por um grupo de empresas de um centro de inspeção técnica de veículos à condição, por um lado, de que exista uma distância mínima entre esse centro e os centros já autorizados dessa empresa ou desse grupo de empresas e, por outro, de que a referida empresa ou grupo de empresas não detenha, sendo essa autorização concedida, uma quota de mercado superior a 50%, a não ser que se demonstre, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que essa condição é verdadeiramente adequada para alcançar os objetivos de proteção dos consumidores e de segurança rodoviária e não ultrapassa o que é necessário para o efeito.

Quanto às despesas

85

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, deve ser interpretado no sentido de que as atividades de inspeção técnica de veículos estão excluídas do âmbito de aplicação desta diretiva.

 

2)

O artigo 51.o, primeiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que as atividades dos centros de inspeção técnica de veículos, como os visados na legislação em causa no processo principal, não estão ligadas ao exercício da autoridade pública na aceção desta disposição, apesar de os operadores desses centros disporem do poder de imobilização quando os veículos revelam na inspeção deficiências de segurança que implicam um perigo iminente.

 

3)

O artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que sujeita a autorização de abertura por uma empresa ou por um grupo de empresas de um centro de inspeção técnica de veículos à condição, por um lado, de que exista uma distância mínima entre esse centro e os centros já autorizados dessa empresa ou desse grupo de empresas e, por outro, de que a referida empresa ou grupo de empresas não detenha, sendo essa autorização concedida, uma quota de mercado superior a 50%, a não ser que se demonstre, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que essa condição é verdadeiramente adequada para alcançar os objetivos de proteção dos consumidores e de segurança rodoviária e não ultrapassa o que é necessário para o efeito.

 

Assinaturas


( * )   Língua do processo: espanhol.

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