EUR-Lex Acesso ao direito da União Europeia

Voltar à página inicial do EUR-Lex

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62013CJ0497

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 4 de junho de 2015.
Froukje Faber contra Autobedrijf Hazet Ochten BV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof Arnhem-Leeuwarden.
Reenvio prejudicial ― Diretiva 1999/44/CE ― Venda e garantia dos bens de consumo ― Estatuto do comprador ― Qualidade de consumidor ― Falta de conformidade do bem entregue ― Dever de informar o vendedor ― Falta manifestada num prazo de seis meses a contar da entrega do bem ― Ónus da prova.
Processo C-497/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:357

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

4 de junho de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 1999/44/CE — Venda e garantia dos bens de consumo — Estatuto do comprador — Qualidade de consumidor — Falta de conformidade do bem entregue — Dever de informar o vendedor — Falta manifestada num prazo de seis meses a contar da entrega do bem — Ónus da prova»

No processo C‑497/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden (Países Baixos), por decisão de 10 de setembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de setembro de 2013, no processo

Froukje Faber

contra

Autobedrijf Hazet Ochten BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, S. Rodin, A. Borg Barthet, M. Berger (relatora) e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de setembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Autobedrijf Hazet Ochten BV, por W. van Ochten, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman, C. Schillemans e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por T. Materne e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 27 de novembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.°, n.o 2, alínea a), e 5.° da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO L 171, p. 12).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe F. Faber à Autobedrijf Hazet Ochten BV (a seguir «stand Hazet») a respeito de um pedido de indemnização pelo dano causado pela falta de conformidade do veículo adquirido por F. Faber ao stand Hazet.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 1999/44 define o conceito de «consumidor» como «qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional».

4

O artigo 2.o, n.os 1 e 2, desta diretiva dispõe:

«1.   O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.

2.   Presume‑se que os bens de consumo são conformes com o contrato, se:

a)

Forem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor e possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;

b)

Forem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceite;

c)

Forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;

d)

Apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente[,] às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.»

5

O artigo 3.o da Diretiva 1999/44, com a epígrafe «Direitos do consumidor», prevê, no seu n.o 1, que «[o] vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue».

6

O artigo 5.o desta diretiva, relativo aos prazos, tem a seguinte redação:

«1.   O vendedor é responsável, nos termos do artigo 3.o, quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois anos a contar da entrega do bem. [...]

2.   Os Estados‑Membros podem determinar que, para usufruir dos seus direitos, o consumidor deve informar o vendedor da falta de conformidade num prazo de dois meses a contar da data em que esta tenha sido detetada.

[...]

3.   Até prova em contrário, presume‑se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de seis meses a contar da data de entrega do bem já existiam nessa data, salvo quando essa presunção for incompatível com a natureza do bem, ou com as características da falta de conformidade.»

7

O artigo 7.o da Diretiva 1999/44 precisa que as disposições desta têm caráter vinculativo e que, em especial, as cláusulas contratuais que limitem direta ou indiretamente os direitos dela resultantes não vinculam, nos termos previstos na legislação nacional, o consumidor.

Direito neerlandês

Direito material

8

O artigo 7:5, n.o 1, do Código Civil (Burgerlijk Wetboek, a seguir «BW») define a venda de um bem de consumo como «a venda de um bem móvel […], celebrada entre um vendedor no âmbito da sua atividade profissional ou comercial e um comprador, pessoa singular, que não age no âmbito de uma atividade profissional ou comercial».

9

O artigo 7:17, n.o 1, do BW dispõe que o bem entregue deve estar em conformidade com o contrato.

10

O artigo 7:18, n.o 2, do BW, que transpõe para a ordem jurídica neerlandesa o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44, prevê:

«Em caso de venda ao consumidor, presume‑se que o bem não estava, à data da entrega, em conformidade com o estipulado no contrato se a falta de conformidade se revelar no prazo de seis meses a contar da entrega, salvo se a natureza do bem ou da falta de conformidade a isso se opuser.»

11

Decorre da exposição de motivos relativa à introdução dessa disposição que o comprador deve alegar e, em caso de contestação, provar que o bem não está em conformidade com o estipulado no contrato e que essa falta de conformidade se manifestou no prazo de seis meses a contar da entrega. Cabe, então, ao vendedor alegar e provar que, à data de entrega, o bem estava efetivamente em conformidade com o estipulado no contrato.

12

Nos termos do artigo 7:23, n.o 1, do BW:

«O comprador deixa de poder invocar a falta de conformidade do bem entregue com o estipulado no contrato se não tiver informado o vendedor dessa falta de conformidade num prazo razoável a contar do momento em que detetou ou razoavelmente devia ter detetado essa falta de conformidade. No entanto, se ao bem faltar uma qualidade que, segundo o vendedor, o mesmo possuía, ou se a falta de conformidade estiver relacionada com factos que aquele conhecia ou devia conhecer, mas que não comunicou, o comprador deve informar o vendedor num prazo razoável após ter detetado a falta de conformidade. No caso da venda de um bem de consumo, o comprador deve informar o vendedor num prazo razoável após ter detetado a falta de conformidade, considerando‑se que este último foi informado num prazo razoável se tiver sido informado no prazo de dois meses a contar da deteção.»

13

Segundo jurisprudência constante do Hoge Raad (Conselho de Estado), incumbe ao comprador, caso o vendedor alegue que a informação não foi prestada dentro do prazo, alegar e, em caso de contestação fundamentada, provar que prestou essa informação num prazo razoável e de forma claramente identificável por parte do vendedor. No caso da venda de um bem de consumo, a questão de saber se uma informação prestada mais de dois meses após a deteção da falta de conformidade pode ser considerada prestada num prazo razoável depende das circunstâncias do caso concreto.

Direito processual

14

Nos termos dos artigos 23.° e 24.° do Código de Processo Civil (Wetboek van Burgerlijke Rechtsvordering, a seguir «Rv»), o juiz apenas se pode pronunciar sobre os pedidos das partes e deve ater‑se aos factos jurídicos em que baseiam o pedido, a petição ou a contestação.

15

Num processo de recurso, o órgão jurisdicional competente só se pode pronunciar sobre as questões que foram suscitadas pelas partes no primeiro pedido apresentado em sede de recurso. No entanto, o órgão jurisdicional de recurso deve aplicar oficiosamente as disposições de ordem pública pertinentes, mesmo que não tenham sido invocadas pelas partes.

16

Todavia, nos termos do artigo 22.o do Rv, «o juiz pode em qualquer caso e em cada fase do processo ordenar às partes ou a uma delas que clarifique determinadas alegações ou que apresente certos documentos relativos ao processo».

Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

Em 27 de maio de 2008, F. Faber comprou ao stand Hazet um veículo em segunda mão. O contrato de compra e venda celebrado entre as partes foi redigido num formulário pré‑impresso em papel timbrado do stand, intitulado «Contrato de compra e venda com um particular».

18

Em 26 de setembro de 2008, o veículo em causa incendiou‑se em movimento e ficou completamente destruído. F. Faber, que conduzia o veículo, ia a caminho de um encontro profissional acompanhada da sua filha.

19

O referido veículo foi rebocado para o stand Hazet e, posteriormente, a pedido desta, para uma empresa de desmantelamento para aí ficarem guardados os salvados, em conformidade com a regulamentação ambiental em vigor. F. Faber alega, mas o stand contesta, que, nessa altura, as partes falavam sobre o sinistro e a eventual responsabilidade do stand.

20

No início de 2009, o stand Hazet contactou telefonicamente F. Faber, que lhe indicou que aguardava o relatório da polícia relativo ao incêndio. Contudo, em resposta a um pedido de F. Faber, a polícia informou‑a de que não tinha sido elaborado nenhum relatório técnico.

21

Em 8 de maio de 2009, o veículo em causa foi destruído, após o stand Hazet ter sido previamente informado.

22

Por carta de 11 de maio de 2009, F. Faber informou o stand Hazet de que a considerava responsável pelo prejuízo resultante do incêndio que destruiu o seu veículo. Esse prejuízo, correspondente ao preço de compra desse veículo e ao valor de diferentes objetos que nele se encontravam, foi estimado por F. Faber em 10828,55 euros.

23

No início de julho de 2009, F. Faber encarregou uma empresa de peritagens de realizar um exame técnico sobre a causa do incêndio do veículo. Uma vez que foi entretanto desmantelado, não se pôde efetuar a peritagem.

24

Em 26 de outubro de 2010, F. Faber demandou o stand Hazet no Rechtbank Arnhem (Tribunal de Arnhem, Países Baixos).

25

Como fundamento de recurso, F. Faber alegou que o veículo não correspondia ao acordado e que, por conseguinte, havia uma falta de conformidade na aceção do artigo 7:17 do BW. Todavia, não afirmava ter efetuado a sua aquisição na qualidade de consumidora.

26

Em sua defesa, o stand Hazet contestou a existência de um caso de falta de conformidade e alegou que F. Faber tinha apresentado a sua reclamação intempestivamente, de modo que, por força do artigo 7:23, n.o 1, do BW, tinha perdido todos os seus direitos.

27

Por sentença de 27 de abril de 2011, o Rechtbank Arnhem julgou improcedentes os pedidos de F. Faber. Esse órgão jurisdicional considerou que o stand Hazet podia validamente invocar o artigo 7:23, n.o 1, do BW, uma vez que o primeiro contacto entre as partes só teve lugar, por telefone, no início de 2009, ou seja, mais de três meses após o incêndio do veículo. O referido órgão jurisdicional considerou igualmente que já não era necessário examinar se F. Faber agira na qualidade de consumidora.

28

Em 26 de julho de 2011, F. Faber recorreu da sentença do Rechtbank Arnhem para o Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden (Tribunal de Recurso de Arnhem‑Leeuwarden, Países Baixos).

29

No âmbito do seu recurso, F. Faber invocou dois fundamentos, o primeiro formulado contra a apreciação do órgão jurisdicional de primeira instância segundo a qual não tinha atuado nos prazos legais e o segundo baseado no facto de que os bombeiros e os polícias que acorreram ao local do incêndio tinham evocado um defeito técnico que afetava o veículo em causa.

30

Em contrapartida, F. Faber não formulou nenhuma alegação contra a apreciação do Rechtbank Arnhem segundo a qual não havia que determinar se o contrato celebrado entre as partes dizia respeito a um bem de consumo. Também não precisou se tinha adquirido o veículo em causa na qualidade de consumidora.

31

Nestas condições, o Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O órgão jurisdicional nacional, quer por força do princípio da efetividade, quer por força do elevado nível de proteção do consumidor na União [Europeia] pretendido pela Diretiva 1999/44, quer ainda por força de outras normas ou disposições legais do direito da União, é obrigado a determinar oficiosamente se o comprador celebrou um determinado contrato na qualidade de consumidor na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 1999/44?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o mesmo vale também no caso de os autos não conterem factos (ou conterem factos insuficientes ou contraditórios) que permitam determinar a qualidade do comprador?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o mesmo vale também no caso de um recurso em que o comprador não apresenta fundamentos de recurso contra a parte da sentença do tribunal de primeira instância em que este não efetuou o referido exame (oficioso) e deixou expressamente em aberto a questão de saber se o comprador pode ser qualificado de consumidor?

4)

Deve o artigo 5.o da Diretiva 1999/44 ser considerado uma norma equivalente às regras nacionais que, na ordem jurídica interna, são consideradas normas de ordem pública?

5)

O princípio da efetividade ou o elevado nível de proteção do consumidor na União pretendido pela Diretiva 1999/44, ou outras normas ou disposições legais do direito da União, opõem‑se ao direito neerlandês quando este impõe ao comprador consumidor o ónus de alegar e provar a prestação de informação (tempestiva), ao vendedor, do pretenso defeito de um bem entregue?

6)

O princípio da efetividade ou o elevado nível de proteção do consumidor na União pretendido pela Diretiva 1999/44, ou outras normas ou disposições legais do direito da União, opõem‑se ao direito neerlandês quando este impõe ao comprador consumidor o ónus de alegar e provar que existe uma falta de conformidade do bem e que essa falta de conformidade se manifestou nos seis meses seguintes à data de entrega? O que significa a expressão ‘as faltas de conformidade que se manifestem’ no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 e, em especial, em que medida deve o consumidor[,] comprador[,] alegar factos e circunstâncias relativas à (origem da) falta de conformidade? É suficiente que o consumidor[,] comprador[,] alegue, e, em caso de contestação, prove que o bem adquirido não funciona (bem), ou deve alegar e, em caso de contestação, também provar qual o defeito do bem adquirido que provocou esse mau funcionamento?

7)

Na resposta às questões anteriores, é relevante que F. Faber tenha sido assistida, em ambas as instâncias do presente processo, por um advogado?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira, segunda, terceira e sétima questões

32

Com estas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, por força do princípio da efetividade, o órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer de um litígio relativo à garantia sobre um bem móvel corpóreo está obrigado a examinar oficiosamente se o comprador deve ser considerado um consumidor na aceção da Diretiva 1999/44, ainda que esta parte não tenha invocado essa qualidade.

33

A título preliminar, há que salientar que o litígio no processo principal opõe dois particulares. Embora seja verdade que, nesse litígio, nenhuma das partes pode invocar o efeito direto da Diretiva 1999/44, resulta, no entanto, de jurisprudência constante que, quando ao órgão jurisdicional nacional seja submetido um litígio exclusivamente entre particulares, o mesmo está obrigado, ao aplicar as disposições de direito interno, a tomar em consideração todo o direito nacional e a interpretá‑lo, sempre que possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva aplicável nesta matéria, para alcançar uma solução conforme com o objetivo por ela pretendido (v., designadamente, acórdão LCL Le Crédit Lyonnais, C‑565/12, EU:C:2014:190, n.o 54 e jurisprudência aí referida).

34

Segundo as informações prestadas ao Tribunal de Justiça, a transposição da Diretiva 1999/44 na ordem jurídica neerlandesa foi levada a cabo pela introdução, no livro 7 do BW, intitulado «Contratos especiais», entre as regras de garantia indistintamente aplicáveis a todos os contratos de compra e venda, de disposições específicas aos contratos de compra e venda cujo objeto seja um bem de consumo.

35

Todavia, no que se refere ao contrato de compra e venda em causa no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio indica que existe uma dúvida quanto às disposições aplicáveis, por não se saber se esse contrato de compra e venda foi celebrado com um consumidor.

36

A decisão de reenvio indica, com efeito, que, embora F. Faber tenha apresentado, em apoio do seu pedido de garantia contra o stand Hazet, um documento contratual intitulado «Contrato de compra e venda com um particular», não especificou se esse contrato tinha sido concluído no âmbito da sua atividade profissional ou fora da mesma, quando esse elemento permitiria ao juiz que conhece do litígio no processo principal determinar se pode ser considerada consumidor, na aceção do direito nacional aplicável e do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 1999/44. Além disso, em primeira instância, o pedido de F. Faber foi declarado intempestivo à luz dos prazos fixados pelo direito nacional, sem que tenha sido demonstrado em que qualidade o interessado celebrou o referido contrato. Por último, nos fundamentos de recurso invocados e que delimitam o alcance do litígio submetido ao órgão jurisdicional de recurso, F. Faber não alegou ter atuado na qualidade de consumidor.

37

Quanto à questão de saber se, nesse contexto, o órgão jurisdicional nacional está obrigado a examinar se o comprador deve ser considerado um consumidor, há que recordar que, na falta de harmonização das regras processuais, as modalidades processuais dos recursos destinados a assegurar a proteção dos direitos que o direito da União confere aos particulares fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, desde que não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e que não tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos consumidores pelo direito da União (princípio da efetividade).

38

A este respeito, há que considerar que, em princípio, incumbe ao órgão jurisdicional nacional, para identificar as regras de direito aplicáveis a um litígio que lhe é submetido, qualificar juridicamente os factos e atos invocados pelas partes em apoio das suas pretensões. Essa qualificação jurídica impõe‑se como um requisito prévio num caso em que, como o do processo principal, a garantia do bem vendido, que a recorrida invoca, pode ser regulada por regras distintas em função da qualidade do comprador. Essa qualificação não implica, em si mesma, que o juiz exerça oficiosamente um poder de apreciação, mas apenas que constate e verifique a existência de um requisito legal que determina a norma jurídica aplicável.

39

Da mesma forma que, no âmbito das modalidades processuais da sua ordem jurídica interna, deve, para identificar a norma jurídica de direito nacional aplicável, proceder à qualificação dos elementos de direito e de facto que lhe foram submetidos pelas partes, se for caso disso convidando‑os a efetuar qualquer precisão útil, o órgão jurisdicional nacional deve, por força do princípio da equivalência, a proceder à mesma operação para determinar se uma norma do direito da União é aplicável.

40

Podia ser esse o caso do processo principal, no qual o órgão jurisdicional nacional dispõe, como ele próprio salientou na decisão de reenvio, de um «indício», no caso concreto a apresentação, por F. Faber, de um documento intitulado «Contrato de compra e venda com um particular», e em que, por força do artigo 22.o do RV, esse órgão jurisdicional tem a possibilidade, sublinhada pelo Governo neerlandês, de ordenar às partes que precisem certas alegações ou que apresentem certos documentos. Cabe ao órgão jurisdicional nacional proceder às verificações necessárias para o efeito.

41

Por conseguinte, é apenas na hipótese de as modalidades processuais da ordem jurídica interna não terem apresentado nenhum fundamento ao órgão jurisdicional nacional que lhe permita dar aos factos e aos atos controvertidos a sua qualificação exata, se esta não tiver sido expressamente invocada pelas próprias partes em apoio das suas pretensões, que se coloca a questão de saber se o princípio da efetividade o pode autorizar a qualificar de consumidor uma parte que não invocou essa qualidade.

42

De facto, o Tribunal de Justiça, com base no princípio da efetividade e não obstante normas jurídicas do direito interno contrárias, exigiu que o órgão jurisdicional nacional aplique oficiosamente certas disposições contidas nas diretivas da União em matéria de proteção dos consumidores. Essa exigência foi justificada pela consideração de que o sistema de proteção implementado por essas diretivas assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional no que diz respeito tanto ao poder de negociação como ao nível de informação e que existe um risco não despiciendo de que, designadamente por ignorância, o consumidor não invoque a regra de direito destinada a protegê‑lo [v., neste sentido, a propósito da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29), acórdão Mostaza Claro, C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 28 e jurisprudência aí referida, bem como, a propósito da Diretiva 87/102/CEE do Conselho, de22 de dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo (JO 1987, L 42, p. 48), acórdão Rampion e Godard, C‑429/05, EU:C:2007:575, n.o 65].

43

O Tribunal de Justiça precisou que cada situação em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional impossibilita ou dificulta excessivamente a aplicação do direito da União deve ser analisada tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na sua tramitação e nas suas particularidades perante as várias instâncias nacionais (v., designadamente, acórdão Kušionová, C‑34/13, EU:C:2014:2189, n.o 52 e jurisprudência aí referida).

44

Ora, as modalidades processuais que, como poderia ser o caso no processo principal, proíbam tanto ao juiz da primeira instância como ao juiz de recurso, chamados a pronunciarem‑se sobre um pedido de garantia fundado num contrato de compra e venda, qualificar, com base em elementos de facto e de direito de que dispõem ou de que podem dispor mediante mero pedido de esclarecimento, a relação contratual em causa como sendo uma venda ao consumidor, quando este último não invocou expressamente essa qualidade, equivaleria a impor ao consumidor a obrigação de proceder ele próprio a uma qualificação jurídica completa da sua situação, sob pena de perder os direitos que o legislador da União lhe quis conferir através da Diretiva 1999/44. Num domínio em que, em muitos Estados‑Membros, as regras processuais permitem que os particulares se representem a si próprios em juízo, existe um risco não despiciendo de que, designadamente por ignorância, esse consumidor não esteja em condições de cumprir esse grau de exigência.

45

Daqui resulta que as modalidades processuais como as descritas no número anterior não estão em conformidade com o princípio da efetividade, na medida em que, nas ações destinadas a exercer direitos de garantia fundados numa falta de conformidade, em que são parte os consumidores, tornam excessivamente difícil a aplicação da proteção que a Diretiva 1999/44 pretende conferir aos referidos consumidores.

46

Pelo contrário, o princípio da efetividade exige que o órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se sobre um litígio relativo a um contrato suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação da referida diretiva esteja obrigado, sempre que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para tal ou deles possa dispor mediante mero pedido de esclarecimento, a verificar se o comprador pode ser qualificado de consumidor, ainda que este não tenha expressamente invocado essa qualidade.

47

Há que acrescentar que a questão de saber se o consumidor beneficia ou não da assistência de um advogado não pode alterar essa conclusão, uma vez que a interpretação do direito da União, bem como o alcance dos princípios da efetividade e da equivalência, são independentes das circunstâncias concretas do caso (v., neste sentido, acórdão Rampion e Godard, C‑429/05, EU:C:2007:575, n.o 65).

48

À luz das considerações precedentes, há que responder à primeira, segunda, terceira, e sétima questões que a Diretiva 1999/44 deve ser interpretada no sentido de que o órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se sobre um litígio relativo a um contrato suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva está obrigado, sempre que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para tal ou deles possa dispor mediante mero pedido de esclarecimento, a verificar se o comprador pode ser qualificado de consumidor na aceção da mesma diretiva, ainda que este não tenha expressamente invocado essa qualidade.

Quanto à quarta questão

49

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o da Diretiva 1999/44 pode ser considerado uma norma equivalente a uma regra de ordem pública na aceção do direito interno, isto é, uma regra que pode ser suscitada oficiosamente pelo órgão jurisdicional nacional no âmbito de um recurso.

50

Resulta da decisão de reenvio que esta questão visa concretamente o artigo 5.o, n.o 3, da referida diretiva, que prevê que, até prova em contrário, se presume que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de seis meses a contar da data de entrega do bem já existiam nessa data.

51

Deve salientar‑se que a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio só pode ser pertinente no caso de o órgão jurisdicional nacional ter demonstrado que o contrato em causa está abrangido pelo âmbito de aplicação material da Diretiva 1999/44, o que pressupõe, designadamente, que esse contrato foi celebrado com um consumidor.

52

No sistema de responsabilidade instituído pela Diretiva 1999/44, enquanto o artigo 2.o, n.o 2, da mesma enuncia uma presunção ilidível de conformidade com o contrato, o artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva precisa que o vendedor responde por qualquer falta de conformidade que exista no momento da entrega do bem. Resulta da aplicação conjugada dessas disposições que, em princípio, incumbe ao consumidor fazer a prova da existência de uma falta de conformidade e da existência desta à data da entrega do bem.

53

O artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 prevê uma regra derrogatória a esse princípio no caso de a falta de conformidade se ter manifestado num prazo de seis meses a contar da data de entrega do bem. Com efeito, nesse caso, presume‑se que a falta já existia no momento da entrega.

54

Esta flexibilização do ónus da prova em benefício do consumidor assenta na constatação de que, no caso de a falta de conformidade só se manifestar posteriormente à data de entrega do bem, fazer a prova de que essa falta já existia naquela data pode revelar‑se «um obstáculo intransponível para o consumidor», ao passo que é geralmente mais fácil para o profissional demonstrar que a falta de conformidade não existia no momento da entrega e que resulta, por exemplo, de uso inadequado feito pelo consumidor [v. exposição de motivos da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à venda e às garantias dos bens de consumo, COM (95) 520 final, p. 13].

55

A repartição do ónus da prova a que procede o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 tem, em conformidade com o artigo 7.o dessa diretiva, caráter vinculativo tanto para as partes, que não o podem derrogar mediante acordo, como para os Estados‑Membros, que devem velar pelo seu respeito. Daqui resulta que esta regra relativa ao ónus da prova deve ser aplicada ainda que não tenha sido expressamente invocada pelo consumidor que dela pode beneficiar.

56

Dada a natureza e a importância do interesse público que está na base da proteção que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 garante aos consumidores, essa disposição deve ser considerada uma norma equivalente a uma regra nacional que ocupa, na ordem jurídica interna, o grau de norma de ordem pública. Daqui resulta que, uma vez que dispõe, no âmbito do seu sistema jurisdicional interno, da faculdade de aplicar oficiosamente tal norma, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a aplicar oficiosamente qualquer disposição do seu direito interno que transponha o referido artigo 5.o, n.o 3 (v., neste sentido, acórdão Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, EU:C:2009:615, n.os 52 a 54 e jurisprudência aí referida).

57

Nestas condições, há que responder à quarta questão que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que deve ser considerado uma norma equivalente a uma regra nacional que ocupa, na ordem jurídica interna, o grau de norma de ordem pública e que o órgão jurisdicional nacional é obrigado a aplicar oficiosamente qualquer disposição do seu direito interno que assegure a sua transposição para o direito interno.

Quanto à quinta questão

58

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da efetividade se opõe a uma regra nacional que impõe ao consumidor que demonstre que informou o vendedor da falta de conformidade num prazo razoável.

59

Resulta da decisão de reenvio que o legislador neerlandês prevê essa obrigação no artigo 7:23 do BW e que, em conformidade com a jurisprudência do Hoge Raad, incumbe ao consumidor, no caso de contestação do vendedor, fazer prova de que informou esse último da falta de conformidade do bem entregue. Resulta igualmente das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, no regime previsto pelo legislador neerlandês, se considera que essa informação foi dada num prazo razoável se tiver sido prestada no prazo de dois meses a contar da deteção da falta de conformidade. Além disso, segundo a jurisprudência do Hoge Raad, a questão de saber se uma informação dada após o decurso desse prazo ainda pode ser considerada como tendo sido prestada num prazo razoável depende das circunstâncias específicas de cada caso.

60

A este respeito, importa recordar que o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44 permite aos Estados‑Membros preverem que, para usufruir dos seus direitos, o consumidor deve informar o vendedor da falta de conformidade num prazo de dois meses a contar da data em que esta tenha sido detetada.

61

Segundo os trabalhos preparatórios da referida diretiva, essa possibilidade responde a uma preocupação de reforçar a segurança jurídica, incentivando o comprador a uma «certa diligência tendo em conta os interesses do vendedor», «sem instituir uma obrigação estrita de efetuar uma inspeção minuciosa do bem» [v. exposição de motivos da Proposta de diretiva COM (95) 520 final, p. 14].

62

Como resulta da redação do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44, lido à luz do seu considerando 19, e da finalidade prosseguida por essa disposição, a obrigação assim imposta ao consumidor não pode exceder a que consiste em informar o vendedor da existência de uma falta de conformidade.

63

Quanto ao conteúdo dessa informação, o consumidor não pode ser obrigado, nessa fase, a fazer prova de que uma falta de conformidade afeta efetivamente o bem que adquiriu. Tendo em conta a inferioridade em que se encontra relativamente ao vendedor no que respeita às informações relativas às qualidades desse bem e ao estado em que este foi vendido, o consumidor também não pode estar obrigado a indicar a causa precisa dessa falta de conformidade. Em contrapartida, a fim de que essa informação possa ser útil ao vendedor, deve incluir um certo número de indicações, cujo grau de precisão variará necessariamente em função das circunstâncias específicas de cada caso, relativamente à natureza do bem em causa, ao conteúdo do contrato de compra e venda correspondente e às manifestações concretas da alegada falta de conformidade.

64

No que respeita à prova de que essa informação foi dada ao vendedor, obedece, em princípio, às regras nacionais na matéria que, no entanto, devem respeitar o princípio da efetividade. Daqui decorre que um Estado‑Membro não pode estabelecer requisitos que tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício de direitos que a Diretiva 1999/44 confere ao consumidor.

65

Por conseguinte, há que responder à quinta questão que o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regra nacional que prevê que o consumidor, para beneficiar dos direitos que a mesma diretiva lhe confere, deve informar o vendedor da falta de conformidade num prazo razoável, desde que esse consumidor disponha, para dar essa informação, de um prazo que não seja inferior a dois meses a contar da data em que detetou essa falta, que a informação a prestar diga respeito apenas à existência da referida falta e que não esteja sujeita a regras de prova que tornem impossível ou excessivamente difícil, para o consumidor, o exercício dos seus direitos.

Quanto à sexta questão

66

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, como funciona a repartição do ónus da prova efetuada pelo artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 e, em especial, quais são os elementos que incumbe ao consumidor demonstrar.

67

Como exposto no n.o 53 do presente acórdão, essa disposição prevê uma regra derrogatória do princípio segundo o qual incumbe ao consumidor ilidir a presunção de conformidade do bem vendido, enunciada no artigo 2.o, n.o 2, dessa diretiva e fazer prova da falta de conformidade que alega.

68

No caso de a falta de conformidade se ter manifestado no prazo de seis meses a contar da entrega do bem, o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 atenua o ónus da prova que incumbe ao consumidor, prevendo que se presume que a falta existia no momento da entrega.

69

Para beneficiar dessa atenuação, o consumidor deve, contudo, fazer prova de certos factos.

70

Em primeiro lugar, o consumidor deve alegar e fazer prova de que o bem vendido não está em conformidade com o contrato em causa na medida em que, por exemplo, não possui as qualidades acordadas no referido contrato ou ainda é impróprio para o uso habitualmente esperado para esse tipo de bem. O consumidor está obrigado a provar a existência da falta. Não está obrigado a provar a causa da mesma nem que a sua origem é imputável ao vendedor.

71

Em segundo lugar, o consumidor deve provar que a falta de conformidade em causa se manifestou, isto é, se revelou materialmente, num prazo de seis meses a contar da entrega do bem.

72

Demonstrados estes factos, o consumidor está dispensado de demonstrar que a falta de conformidade existia à data da entrega do bem. A ocorrência dessa falta no curto período de seis meses permite pressupor que, caso esta apenas se tenha revelado posteriormente à entrega do bem, já estava presente, «em estado embrionário», no mesmo aquando da entrega [v. exposição de motivos da Proposta de Diretiva COM (95) 520 final, p. 12].

73

Incumbe, então, ao profissional, se for caso disso, fazer prova de que a falta de conformidade não estava presente no momento da entrega do bem, demonstrando que essa falta tem como causa ou origem um ato ou omissão posterior a essa entrega.

74

No caso de o vendedor não demonstrar cabalmente que a causa ou a origem da falta de conformidade reside numa circunstância ocorrida depois da entrega do bem, a presunção estabelecida no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 permite ao consumidor alegar os direitos que retira dessa diretiva.

75

Por conseguinte, há que responder à sexta questão que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que a regra segundo a qual se presume que a falta de conformidade existia no momento da entrega do bem

se aplica quando o consumidor faça prova de que o bem vendido não está em conformidade com o contrato e que a falta de conformidade em causa se manifestou, isto é, se revelou materialmente, num prazo de seis meses a contar da entrega do bem. O consumidor não está obrigado a provar a causa dessa falta de conformidade nem que a origem da mesma é imputável ao vendedor;

só pode ser excluída se o vendedor demonstrar cabalmente que a causa ou a origem da referida falta de conformidade reside numa circunstância ocorrida depois da entrega do bem.

Quanto às despesas

76

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

A Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, deve ser interpretada no sentido de que o órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se sobre um litígio relativo a um contrato suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva está obrigado, sempre que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para tal ou deles possa dispor mediante mero pedido de esclarecimento, a verificar se o comprador pode ser qualificado de consumidor na aceção da mesma diretiva, ainda que este não tenha expressamente invocado essa qualidade.

 

2)

O artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que deve ser considerado uma norma equivalente a uma regra nacional que ocupa, na ordem jurídica interna, o grau de norma de ordem pública e que o órgão jurisdicional nacional é obrigado a aplicar oficiosamente qualquer disposição que assegure a sua transposição para o direito interno.

 

3)

O artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regra nacional que prevê que o consumidor, para beneficiar dos direitos que a mesma diretiva lhe confere, deve informar o vendedor da falta de conformidade num prazo razoável, desde que esse consumidor disponha, para dar essa informação, de um prazo que não seja inferior a dois meses a contar da data em que detetou essa falta, que a informação a prestar diga respeito apenas à existência da referida falta e que não esteja sujeita a regras de prova que tornem impossível ou excessivamente difícil, para o consumidor, o exercício dos seus direitos.

 

4)

O artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que a regra segundo a qual se presume que a falta de conformidade existia no momento da entrega do bem

se aplica quando o consumidor faça prova de que o bem vendido não está em conformidade com o contrato e que a falta de conformidade em causa se manifestou, isto é, se revelou materialmente, num prazo de seis meses a contar da entrega do bem. O consumidor não está obrigado a provar a causa dessa falta de conformidade nem que a origem da mesma é imputável ao vendedor;

só pode ser excluída se o vendedor demonstrar cabalmente que a causa ou a origem da referida falta de conformidade reside numa circunstância ocorrida depois da entrega do bem.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

Início