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Documento 62013CJ0282

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 22 de janeiro de 2015.
T-Mobile Austria GmbH contra Telekom-Control-Kommission.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof.
Reenvio prejudicial ― Redes e serviços de comunicações eletrónicas ― Diretiva 2002/20/CE ― Artigo 5.°, n.° 6 ― Direitos de utilização de radiofrequências e de números ― Diretiva 2002/21/CE ― Artigo 4.°, n.° 1 ― Direito de recurso de uma decisão de uma autoridade reguladora nacional ― Conceito de ‘empresa afetada por uma decisão de uma autoridade reguladora nacional’ ― Artigo 9.°‑B ― Transferência de direitos individuais de utilização de radiofrequências ― Reatribuição dos direitos de utilização de radiofrequências na sequência da fusão de duas empresas.
Processo C-282/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:24

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

22 de janeiro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/20/CE — Artigo 5.o, n.o 6 — Direitos de utilização de radiofrequências e de números — Diretiva 2002/21/CE — Artigo 4.o, n.o 1 — Direito de recurso de uma decisão de uma autoridade reguladora nacional — Conceito de ‘empresa afetada por uma decisão de uma autoridade reguladora nacional’ — Artigo 9.o‑B — Transferência de direitos individuais de utilização de radiofrequências — Reatribuição dos direitos de utilização de radiofrequências na sequência da fusão de duas empresas»

No processo C‑282/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), por decisão de 24 de abril de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de maio de 2013, no processo

T‑Mobile Austria GmbH

contra

Telekom‑Control‑Kommission,

estando presentes:

Hutchison Drei Austria Holdings GmbH, anteriormente Hutchison 3G Austria Holdings GmbH,

Hutchison Drei Austria GmbH, anteriormente Hutchison 3G Austria GmbH e Orange Austria Telecommunication GmbH,

Stubai SCA,

Orange Belgium SA,

A1 Telekom Austria AG,

Bundesministerin für Verkehr, Innovation und Technologie,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de maio de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da T‑Mobile Austria GmbH, por E. Lichtenberger, Rechtsanwalt,

em representação da Telekom‑Control‑Kommission, por W. Feiel, Rechtsanwalt,

em representação da Hutchison Drei Austria Holdings GmbH e da Hutchison Drei Austria GmbH, por B. Burtscher, Rechtsanwalt,

em representação da A1 Telekom Austria AG, por H. Kristoferitsch e S. Huber, Rechtsanwälte,

em representação do Governo austríaco, por A. Posch, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e L. Nicolae, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de setembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.° e 9.°‑B da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 37, a seguir «diretiva‑quadro»), bem como do artigo 5.o, n.o 6, da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) (JO L 108, p. 21), conforme alterada pela Diretiva 2009/140 (a seguir «diretiva autorização»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a T‑Mobile Austria GmbH (a seguir «T‑Mobile Austria») à Telekom‑Control‑Kommission (Comissão de controlo das telecomunicações, a seguir «TCK») devido à recusa desta última de lhe reconhecer a qualidade de parte no âmbito de um procedimento de autorização da alteração da estrutura acionista resultante da aquisição da Orange Austria Telecommunication GmbH (a seguir «Orange») pela Hutchison 3G Austria GmbH, atualmente Hutchison Drei Austria GmbH (a seguir «Hutchison Drei Austria»), bem como a possibilidade de interpor recurso da decisão da TCK tomada no fim desse procedimento.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 4.o da diretiva‑quadro, intitulado «Direito de recurso», dispõe no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem garantir a existência de mecanismos eficazes a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas que tenha sido afetado/a por uma decisão de uma autoridade reguladora nacional [a seguir ‘ARN’] tenha o direito de interpor recurso dessa decisão junto de um órgão de recurso que seja independente das partes envolvidas. Esse órgão, que pode ser um tribunal, deve ter os meios de perícia necessários para poder exercer eficazmente as suas funções. Os Estados‑Membros devem assegurar que o mérito da causa seja devidamente apreciado e que exista um mecanismo de recurso eficaz.

[…]»

4

O artigo 8.o da diretiva‑quadro, intitulado «Objetivos de política geral e princípios de regulação», enuncia no seu n.o 2:

«As [ARN] devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente:

[…]

b)

Assegurando que não existam distorções ou restrições da concorrência no setor das comunicações eletrónicas, incluindo no que diz respeito à transmissão de conteúdos;

[…]

d)

Incentivando uma utilização eficiente e assegurando uma gestão eficaz das radiofrequências e dos recursos de numeração.»

5

Nos termos do artigo 9.o‑B da diretiva‑quadro, intitulado «Transferência ou locação de direitos individuais de utilização de radiofrequências»:

«1.   Os Estados‑Membros garantem que as empresas possam transferir ou locar a outras empresas, de acordo com as condições associadas aos direitos de utilização de radiofrequências e com os procedimentos nacionais, direitos individuais de utilização de radiofrequências nas faixas para as quais tal esteja previsto nas medidas de execução aprovadas ao abrigo do n.o 3.

Nas outras faixas, os Estados‑Membros podem igualmente prever que as empresas possam transferir ou locar direitos individuais de utilização de radiofrequências a outras empresas de acordo com os procedimentos nacionais.

[…]

2.   Os Estados‑Membros devem assegurar que a intenção de uma empresa de transferir direitos de utilização de radiofrequências, bem como a transferência efetiva dos mesmos, seja notificada, de acordo com procedimentos nacionais, à autoridade nacional competente responsável pela concessão de direitos individuais de utilização de radiofrequências e tornada pública. [...]

[…]»

6

O artigo 5.o da diretiva autorização, intitulado «Direitos de utilização de radiofrequências e números», dispõe nos seus n.os 2 e 6:

«2.   […]

Sem prejuízo dos critérios e procedimentos específicos aprovados pelos Estados‑Membros para a concessão de direitos de utilização de radiofrequências aos fornecedores de serviços de conteúdos de radiodifusão sonora ou televisiva tendo em vista a realização de objetivos de interesse geral em conformidade com o direito comunitário, os direitos de utilização de radiofrequências e números são concedidos por procedimentos abertos, objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais e, no caso das radiofrequências, de acordo com o disposto no artigo 9.o da [diretiva‑quadro]. Pode aplicar‑se uma exceção ao requisito de procedimentos abertos nos casos em que se demonstre que a concessão de direitos individuais de utilização das radiofrequências aos fornecedores de serviços de conteúdos de radiodifusão sonora ou televisiva é necessária para realizar um objetivo de interesse geral definido pelos Estados‑Membros em conformidade com o direito comunitário.

Ao concederem direitos de utilização, os Estados‑Membros devem especificar se esses direitos podem ser transferidos pelo seu titular e em que condições. No caso das radiofrequências, essa disposição é conforme com os artigos 9.° e 9.°‑B da [diretiva‑quadro].

[…]

6.   As autoridades nacionais competentes asseguram que as radiofrequências sejam efetiva e eficientemente utilizadas, nos termos do n.o 2 do artigo 8.o e do n.o 2 do artigo 9.o da [diretiva‑quadro]. Aquelas asseguram que a concorrência não seja falseada por transferências ou acumulação de direitos de utilização das radiofrequências. Para tal, os Estados‑Membros podem tomar medidas adequadas, como determinar a venda ou a concessão de direitos de utilização de radiofrequências.»

Direito austríaco

7

O § 8 da Lei geral sobre o procedimento administrativo (Allgemeines Verwaltungsverfahrensgesetz) enuncia:

«As pessoas que recorrem a uma atividade da autoridade ou às quais esta atividade diz respeito são interessados; na medida em que disponham, relativamente ao objeto desta atividade, de um direito ou de um interesse jurídico, são partes.»

8

O § 54 da Lei das telecomunicações de 2003 (Telekommunikationsgesetz 2003, BGBl. I, 70/2003, a seguir «TKG 2003»), intitulado «Atribuição de frequências», dispõe no seu n.o 1:

«A atribuição de frequências faz‑se segundo o plano de utilização e de atribuição das frequências em função de critérios objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais, com base em procedimentos transparentes e objetivos e no respeito da neutralidade sob o ponto de vista tecnológico e tendo em conta os serviços.»

9

O § 55 da TKG 2003, intitulado «Atribuição de frequências pela autoridade reguladora», tem a seguinte redação:

«1)   A [ARN] deve atribuir as frequências que lhe foram cedidas ao candidato que satisfaça as condições gerais estabelecidas no n.o 2, segunda linha, e que assegure a utilização mais eficaz das frequências. […]

2)   A [ARN] deve efetuar a atribuição das frequências de acordo com os princípios de um procedimento aberto, equitativo e não discriminatório e da eficácia económica. A atribuição prevista deve assentar num concurso público

1.

se tiver sido declarada oficiosamente uma necessidade ou

2.

se tiver sido pedido e se a [ARN] considerar que o candidato está apto para preencher os requisitos associados ao direito de utilização das frequências. […]

[…]

8)

Os candidatos formam um grupo no procedimento de atribuição. [...]

[…]»

10

O § 56 da TKG 2003, intitulado «Transferência de frequências, alteração da estrutura acionista», prevê:

«1)   A transferência de direitos de utilização de frequências atribuídos pela [ARN] exige a autorização prévia desta. A [ARN] deve publicar o pedido de autorização relativo à transferência dos direitos de utilização de frequências, assim como a respetiva decisão. A [ARN] deve tomar a sua decisão após avaliar caso a caso o impacto, designadamente técnico, que uma transferência tem na concorrência. A autorização pode estar condicionada a obrigações, na medida em que estas sejam necessárias para evitar qualquer prejuízo para a concorrência. Em todo o caso, a autorização deve ser recusada quando, apesar da imposição de obrigações, a transferência puder prejudicar a concorrência.

1a)   Se, no âmbito da transferência de direitos de utilização de frequências, se revelar que uma alteração da natureza e do alcance da utilização das frequências é necessária para evitar qualquer repercussão técnica negativa na concorrência, esta alteração deve ser efetuada em conformidade com as disposições do § 57.

2)   As alterações essenciais da estrutura acionista das empresas às quais foram atribuídos os direitos de utilização de frequências no âmbito de um procedimento nos termos do § 55 exigem a autorização prévia da [ARN]. O n.o 1, da terceira à última frase, é aplicável mutatis mutandis.

[...]»

11

O § 57 da TKG 2003, intitulado «Alteração da atribuição de frequências», dispõe no seu n.o 4:

«A pedido do titular dos direitos, a [ARN] pode (§ 54, n.o 3) alterar a utilização das frequências prescrita. […]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o litígio no processo principal ocorreu no âmbito da operação de aquisição da Orange, que pertencia à Stubai SCA e à Orange Belgium SA, pela Hutchison Drei Austria. A A1 Telekom Austria AG (a seguir «A1 Telekom Austria») esteve envolvida nesta operação como cessionária de certos direitos de utilização de radiofrequências detidos pela nova entidade que resultou dessa aquisição.

13

Em 7 de maio de 2012, a referida operação entre a Hutchison Drei Austria e a Orange, que constituía uma concentração na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO L 24, p. 1), foi notificada à Comissão Europeia.

14

Em 23 de maio de 2012, em conformidade com o § 56, n.o 2, da TKG 2003, a Hutchison Drei Austria e a Orange apresentaram à TCK um pedido de autorização de alteração da sua estrutura acionista resultante dessa concentração.

15

Em 9 de julho de 2012, a A1 Telekom Austria, a Hutchison Drei Austria e a Orange apresentaram à TCK um pedido de autorização da transferência de certas frequências, em conformidade com o § 56, n.o 1, da TKG 2003.

16

Em 10 de julho de 2012, no âmbito do procedimento instaurado, em 23 de maio de 2012, pela Hutchison Drei Austria e pela Orange, a T‑Mobile Austria apresentou observações à TCK nas quais exprimiu as suas dúvidas relativamente à aquisição da Orange pela Hutchison Drei Austria e à alteração da sua estrutura acionista. A T‑Mobile Austria solicitou que fossem impostas obrigações a essas sociedades a fim de evitar qualquer prejuízo para a concorrência.

17

Em 10 de dezembro de 2012, a T‑Mobile Austria solicitou à TCK que reconhecesse a sua qualidade de parte nesse procedimento, na aceção do § 8 da Lei geral sobre o procedimento administrativo. A esse respeito, pediu, por um lado, o reconhecimento do seu direito de ser ouvida formalmente no âmbito do referido procedimento e de ser notificada dos articulados dos requerentes, das perícias, das atas da audiência e da decisão final e, por outro lado, o reconhecimento do seu direito de interpor recurso dessa decisão.

18

Por decisão de 12 de dezembro de 2012, a Comissão autorizou a concentração prevista pelas referidas empresas e condicionou essa autorização a certos compromissos. No âmbito desse procedimento, a T‑Mobile Austria foi autorizada a assistir à audiência como terceiro interessado e a participar na consulta de mercado que foi realizada a respeito dos compromissos da Hutchison Drei Austria.

19

Em 13 de dezembro de 2012, a TCK também autorizou a alteração da estrutura acionista solicitada pela Hutchison Drei Austria e pela Orange, sob a condição de que, nomeadamente, os requisitos fixados na decisão da Comissão fossem satisfeitos e que essas empresas transferissem certos direitos de utilização de radiofrequências para a A1 Telekom Austria. A TCK autorizou assim a transferência de direitos de utilização de radiofrequências da Hutchison Drei Austria e da Orange para a A1 Telekom Austria. Além disso, indeferiu o pedido da T‑Mobile Austria para que lhe fosse reconhecida a qualidade de parte no procedimento de autorização de alteração da estrutura acionista da d’Hutchison Drei Austria e da Orange.

20

Na sua decisão de indeferimento deste último pedido da T‑Mobile Austria, a TCK considerou que nem a legislação nacional nem o direito da União exigem que uma empresa que ofereça serviços ou redes de comunicações eletrónicas e que tema que a alteração da estrutura acionista de empresas concorrentes prejudique a sua situação económica disponha da qualidade de parte no procedimento que visa a autorização dessa alteração.

21

A T‑Mobile Austria interpôs recurso dessa decisão da TCK no Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo). Como fundamento desse recurso, alegou que, no âmbito de um procedimento de autorização, pela ARN, da alteração da estrutura acionista de empresas ou da transferência de direitos de utilização de radiofrequências, um concorrente que disponha, ele próprio, de direitos de utilização de radiofrequências deve ser considerado afetado na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro. Invoca, a este respeito, o acórdão Tele2 Telecommunication (C‑426/05, EU:C:2008:103).

22

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a T‑Mobile Austria, titular de direitos de utilização de radiofrequências, deve ser considerada afetada, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, por uma decisão tomada no âmbito de um procedimento de autorização de alteração da estrutura acionista resultante da fusão‑aquisição de outras empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas. Indica que, em conformidade com o seu acórdão proferido em 26 de março de 2008, deve ser reconhecida à T‑Mobile Austria a qualidade de parte nesse procedimento, na aceção do § 8 da Lei geral sobre o procedimento administrativo, se esta for considerada afetada, na aceção da referida disposição.

23

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, à primeira vista, o referido procedimento não confere diretamente direitos a uma empresa terceira cuja situação jurídica permaneça inalterada, na medida em que esta pode continuar a utilizar da mesma forma as radiofrequências que já lhe foram atribuídas. No entanto, em seu entender, não se pode excluir que, enquanto titular de direitos de utilização de radiofrequências, a recorrente deva ser considerada afetada na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro.

24

Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, num procedimento destinado a alterar a estrutura acionista de empresas titulares de direitos de utilização de radiofrequências, podem ser necessárias medidas adequadas de acompanhamento para evitar qualquer distorção da concorrência devida à atribuição desses direitos, mencionando expressamente o artigo 5.o, n.o 6, último período, da diretiva autorização a «venda [...] de direitos de utilização de radiofrequências». Observa que foi precisamente o que aconteceu no processo em apreço, pois, uma vez que a aquisição da Orange pela Hutchison Drei Austria fazia temer uma distorção da concorrência dessa natureza, a TCK considerou necessário que essa última transferisse uma parte dos seus direitos de utilização de radiofrequências para outra empresa. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tal obrigação afeta não apenas a posição jurídica da empresa titular dos direitos de utilização que devem ser transferidos e a posição jurídica do adquirente desses direitos mas também a das outras empresas que já dispõem de direitos de utilização de radiofrequências, como a T‑Mobile Austria, que constituem potenciais adquirentes ou que veem a sua respetiva quota‑parte de radiofrequências alterada em razão da fusão assim como da transferência parcial de direitos de utilização de radiofrequências para outra empresa imposta para atenuar o impacto negativo dessa fusão sobre a concorrência.

25

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, no âmbito da primeira atribuição de radiofrequências pela ARN, os candidatos formam um grupo no procedimento e essa atribuição de radiofrequências deve ser efetuada no respeito dos princípios de um processo aberto, equitativo e não discriminatório enunciados no artigo 5.o, n.o 2, da diretiva autorização. Qualquer transferência posterior de direitos de utilização de radiofrequências, seja contratual ou imposta pela ARN por força do artigo 5.o, n.o 6, desta diretiva, que venha alterar esta atribuição também deve, por conseguinte, obedecer a estes princípios.

26

Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 4.° e 9.°‑B da diretiva‑quadro e o artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização ser interpretados no sentido de que concedem a um concorrente num procedimento nacional nos termos do artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização a qualidade de ‘afetado’ na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro?»

27

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 2013, o pedido do órgão jurisdicional de reenvio destinado a submeter o presente reenvio prejudicial à tramitação acelerada prevista no artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça foi indeferido.

Quanto à questão prejudicial

28

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 4.°, n.o 1, e 9.°‑B da diretiva‑quadro, bem como o artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização, devem ser interpretados no sentido de que uma empresa titular de direitos de utilização de radiofrequências e concorrente das partes num procedimento de autorização de transferência de direitos de utilização de radiofrequências previsto nesse artigo 5.o, n.o 6, pode ser qualificada de afetada por uma decisão tomada por uma ARN no âmbito desse procedimento, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, e, em consequência, ser‑lhe reconhecido o direito a participar no referido procedimento.

29

A T‑Mobile Austria e a Comissão alegam que deve ser dada uma resposta afirmativa a esta questão. Em contrapartida, a Hutchison Drei Austria, a Hutchison Drei Austria Holdings GmbH, a A1 Telekom Austria e o Governo austríaco sustentam que lhe deve ser dada uma resposta negativa, precisando, nomeadamente, que o artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização não cria em relação a uma empresa que não é parte no procedimento de transferência de direitos de utilização de radiofrequências previsto nessa disposição nenhum direito a participar nesse procedimento.

30

O artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro dispõe que os «Estados‑Membros devem garantir a existência de mecanismos eficazes a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas que tenha sido afetado/a por uma decisão de uma [ARN] tenha o direito de interpor recurso dessa decisão junto de um órgão de recurso que seja independente das partes envolvidas».

31

Todavia, o conceito de utilizador ou de empresa afetada por uma decisão tomada por uma ARN não está definido na diretiva‑quadro.

32

Segundo jurisprudência constante, para interpretar uma disposição de direito da União, deve atender‑se não só aos termos dessa disposição mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra [v., neste sentido, acórdãos Tele2 Telecommunication, EU:C:2008:103, n.o 27, e The Number (UK) e Conduit Enterprises, C‑16/10, EU:C:2011:92, n.o 28 e jurisprudência referida].

33

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 4.o da diretiva‑quadro constitui uma emanação do princípio da proteção jurisdicional efetiva, por força do qual incumbe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros assegurar a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União (v., neste sentido, acórdão Tele2 Telecommunication, EU:C:2008:103, n.o 30 e jurisprudência referida).

34

Na hipótese referida no artigo 4.o da diretiva‑quadro, os Estados‑Membros são, por conseguinte, obrigados a prever uma via de recurso para um órgão jurisdicional com vista a proteger os direitos que a ordem jurídica da União reconhece aos utilizadores e às empresas. Daqui resulta que o imperativo de conferir uma proteção jurisdicional efetiva, de que resulta o artigo 4.o da diretiva‑quadro, se deve aplicar igualmente aos utilizadores e às empresas aos quais a ordem jurídica da União, nomeadamente as diretivas sobre comunicações eletrónicas, confere direitos e que são afetados por uma decisão de uma ARN (acórdão Tele2 Telecommunication, EU:C:2008:103, n.os 31 e 32).

35

Tendo em conta estes elementos, o Tribunal de Justiça declarou, no âmbito de um processo relativo ao procedimento de análise de mercado previsto no artigo 16.o da diretiva‑quadro, que as empresas concorrentes de uma empresa com poder significativo no mercado relevante, enquanto beneficiários potenciais dos direitos correspondentes às obrigações regulamentares específicas impostas pela ARN a essa empresa com poder significativo no mercado, podem ser consideradas afetadas, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, pelas decisões desta autoridade que modificam ou suprimem as referidas obrigações (v., neste sentido, acórdão Tele2 Telecommunication, EU:C:2008:103, n.o 36).

36

Por outro lado, o Tribunal de Justiça salientou que, uma vez que as ARN devem, nos termos do artigo 8.o, n.o 2, da diretiva‑quadro, promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente assegurando que a concorrência no setor das comunicações eletrónicas não seja distorcida nem entravada, uma interpretação estrita do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, de acordo com a qual esta disposição apenas confere um direito de recurso às pessoas que são destinatárias das decisões da ARN, seria dificilmente compatível com os objetivos gerais e os princípios reguladores que decorrem para as ARN do artigo 8.o da referida diretiva e, em particular, com o objetivo de promoção da concorrência (v., neste sentido, acórdão Tele2 Telecommunication, EU:C:2008:103, n.os 37 e 38).

37

Conforme referiu o advogado‑geral no n.o 74 das suas conclusões, o artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro visa, nomeadamente, qualquer empresa que ofereça redes ou serviços de comunicações eletrónicas. Por conseguinte, há que considerar que esta disposição visa tanto o destinatário da decisão em causa como as outras empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas e que podem ser concorrentes desse destinatário, desde que a decisão em causa seja suscetível de afetar a sua posição no mercado.

38

Importa também referir que o artigo 8.o, n.o 2, da diretiva‑quadro impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem que as ARN tomarão todas as medidas razoáveis a fim de promover a concorrência na oferta dos serviços de comunicações eletrónicas, velando por que a concorrência não seja falseada nem entravada no setor das comunicações eletrónicas e eliminando os últimos obstáculos à oferta dos referidos serviços (v., neste sentido, acórdãos Centro Europa 7, C‑380/05, EU:C:2008:59, n.o 81, e Comissão/Polónia, C‑227/07, EU:C:2008:620, n.os 62 e 63).

39

Por conseguinte, uma empresa como a T‑Mobile Austria pode ser considerada afetada, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, por uma decisão de uma ARN tomada no âmbito de um procedimento previsto pelas diretivas sobre as comunicações eletrónicas quando tal empresa, que oferece redes ou serviços de comunicações eletrónicas, seja uma concorrente da empresa ou das empresas destinatárias da decisão da ARN, a ARN se pronuncie no âmbito de um procedimento destinado a salvaguardar a concorrência e a decisão em causa seja suscetível de afetar a posição desta primeira empresa no mercado.

40

No caso concreto, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio diz respeito aos direitos de um concorrente no âmbito de um procedimento de autorização de alteração da estrutura acionista de empresas concorrentes, o qual implica uma transferência de radiofrequências das empresas que nele participam e, por conseguinte, uma alteração da repartição das radiofrequências entre as empresas ativas no mercado. Está assente que se trata de um procedimento levado a cabo pela TCK nos termos do § 56, n.o 2, da TKG 2003, que transpõe para o direito austríaco o artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização, relativo à transferência de direitos de utilização de radiofrequências.

41

Assim sendo, cabe determinar se as decisões que uma ARN é levada a tomar nos termos do artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização visam salvaguardar a concorrência e se tais decisões são suscetíveis de afetar a posição no mercado de uma empresa que oferece redes ou serviços de comunicações eletrónicas e é concorrente do destinatário ou dos destinatários dessas decisões.

42

Quanto aos procedimentos relativos à transferência de direitos de utilização de radiofrequências, o artigo 9.o‑B, n.o 1, da diretiva‑quadro impõe aos Estados‑Membros que garantam que as empresas possam transferir para outras empresas, de acordo com as condições associadas aos direitos de utilização de radiofrequências e com os procedimentos nacionais, direitos individuais de utilização de radiofrequências.

43

Segundo o artigo 5.o, n.o 2, segundo parágrafo, da diretiva autorização, aquando da primeira atribuição dos direitos de utilização de radiofrequências, os Estados‑Membros devem assegurar que esses direitos sejam concedidos por meio de procedimentos abertos, objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais, bem como de acordo com o disposto no artigo 9.o da diretiva‑quadro.

44

Além disso, o artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização impõe às ARN, nomeadamente, uma obrigação de assegurarem que a concorrência não seja falseada por transferências ou acumulação de direitos de utilização das radiofrequências.

45

Em particular, conforme foi recordado no n.o 38 do presente acórdão, o artigo 8.o, n.o 2, da diretiva‑quadro impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem que as ARN tomarão todas as medidas razoáveis a fim de promover a concorrência na oferta dos serviços de comunicações eletrónicas, velando por que a concorrência não seja falseada nem entravada no setor das comunicações eletrónicas e eliminando os últimos obstáculos à oferta dos referidos serviços.

46

Daqui decorre que o procedimento de transferência de direitos de utilização de radiofrequências visado, nomeadamente, pelo artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização, e, por conseguinte, o procedimento na TCK objeto do litígio no processo principal, se destina a salvaguardar a concorrência.

47

Por outro lado, conforme resulta da decisão de reenvio, a recorrente no processo principal, a saber, a T‑Mobile Austria, encontra‑se em concorrência direta com as partes envolvidas na operação de transferência de frequências, a saber, a Orange, a Hutchison Drei Austria e a A1 Telekom Austria, no mercado dos serviços de comunicações eletrónicas. Por conseguinte, a T‑Mobile Austria deve ser considerada afetada por uma decisão de uma ARN como a que está em causa no processo principal, uma vez que a transferência de direitos de utilização de radiofrequências da Orange e da Hutchison Drei Austria para a A1 Telekom Austria altera as respetivas quotas‑partes de radiofrequências de que essas empresas dispõem e, consequentemente, afeta a posição da T‑Mobile Austria no referido mercado.

48

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que os artigos 4.°, n.o 1, e 9.°‑B da diretiva‑quadro, bem como o artigo 5.o, n.o 6, da diretiva autorização, devem ser interpretados no sentido de que uma empresa, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, pode ser qualificada de afetada, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, uma vez que essa empresa, que oferece redes ou serviços de comunicações eletrónicas, é concorrente da empresa ou das empresas partes num procedimento de autorização de transferência de direitos de utilização de radiofrequências previsto nesse artigo 5.o, n.o 6, e destinatárias da decisão da ARN, e a referida decisão pode afetar a posição dessa primeira empresa no mercado.

Quanto às despesas

49

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

Os artigos 4.°, n.o 1, e 9.°‑B da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, bem como o artigo 5.o, n.o 6, da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização), conforme alterada pela Diretiva 2009/140, devem ser interpretados no sentido de que uma empresa, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, pode ser qualificada de afetada, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, uma vez que essa empresa, que oferece redes ou serviços de comunicações eletrónicas, é concorrente da empresa ou das empresas partes num procedimento de autorização de transferência de direitos de utilização de radiofrequências previsto nesse artigo 5.o, n.o 6, e destinatárias da decisão da autoridade reguladora nacional, e a referida decisão pode afetar a posição dessa primeira empresa no mercado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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