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Documento 62012CC0527

Conclusões do advogado-geral Wahl apresentadas em 13 de Fevereiro de 2014.
Comissão Europeia contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado - Auxílios estatais incompatíveis com o mercado interno - Obrigação de recuperação - Artigo 108.º, n.º 2, TFUE -Regulamento (CE) n.º 659/1999 - Artigo 14.º, n.º 3 - Decisão da Comissão - Medidas a tomar pelos Estados-Membros.
Processo C-527/12.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:90

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 13 de fevereiro de 2014 ( 1 )

Processo C‑527/12

Comissão Europeia

contra

República Federal da Alemanha

«Ação ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE — Auxílio estatal — Recuperação de auxílio incompatível — Obrigação de resultado — Impossibilidade absoluta — Processo nacional — Direito à tutela jurisdicional efetiva»

1. 

Pode a recuperação de um auxílio considerado incompatível com o mercado interno tornar‑se absolutamente impossível devido à obrigação de respeitar o direito à tutela jurisdicional efetiva de que goza o beneficiário do auxílio e, em caso afirmativo, em que circunstâncias e durante quanto tempo?

2. 

Esta é, no essencial, a principal questão a analisar para se proferir uma decisão na presente ação, que foi intentada pela Comissão contra a República Federal da Alemanha por esta alegadamente não ter recuperado o auxílio incompatível concedido ao grupo Biria.

I – Quadro jurídico

3.

O artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 ( 2 ), com a epígrafe «Recuperação do auxílio» estabelece o seguinte:

«1.   Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário […]. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito [da UE].

[…]

3.   Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça [da União Europeia] nos termos do artigo [278.° TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados‑Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação [da UE].»

4.

Nos termos do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999:

«Quando o Estado‑Membro em causa não der cumprimento às decisões condicionais ou negativas, em especial nos casos previstos no artigo 14.o, a Comissão pode recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça […] nos termos do artigo [108.°, n.o 2, TFUE]. […]»

II – Matéria de facto

5.

Em 2001, a Bike Systems GmbH & Co (a seguir «Bike Systems») recebeu um financiamento da gbb‑Beteiligungs AG (a seguir «gbb») sob a forma de uma «participação passiva». Essa participação não foi notificada à Comissão em conformidade com as regras da UE em matéria de auxílios estatais.

6.

Desde então, sucederam à Bike Systems , primeiro, a MB System GmbH & Co KG (a seguir «MB System») e, depois, a MB Immobilien Verwaltungs GmbH (a seguir «MB Immobilien»). Todas estas empresas pertencem ao grupo Biria. Tanto a Bike Systems como a MB System fabricaram bicicletas até 2005, ano em que cessou a produção e o objeto social único foi alterado, passando a consistir em gestão imobiliária.

7.

À data da concessão do auxílio, a gbb era uma subsidiária integralmente detida pelo Kreditanstalt für Wiederaufbau (a seguir «KfW»), um banco de desenvolvimento de direito público alemão. Em 2003, a gbb cessou a sua atividade comercial e todos os seus ativos foram transferidos para a Technologie‑Beteiligungsgesellschaft mbH (a seguir «tbg»), que também é uma subsidiária integralmente detida pelo KfW.

8.

No seguimento de um procedimento formal de investigação relativo a três alegados auxílios estatais, a Comissão, na sua Decisão 2007/492/CE ( 3 ) (a seguir «primeira decisão da Comissão»), concluiu que o auxílio concedido à Bike Systems em 2001 era ilegal. Subsequentemente, a MB System e a MB Immobilien interpuseram recurso da Decisão 2007/492 no Tribunal Geral. Por acórdão de 3 de março de 2010, o Tribunal Geral anulou a decisão por falta de fundamentação ( 4 ). Em 14 de dezembro de 2010, a Comissão adotou a Decisão 2011/471/UE (a seguir «decisão da Comissão em causa»), em que explicou mais detalhadamente os motivos subjacentes à sua conclusão de que o auxílio concedido era incompatível com o mercado interno e ordenou a recuperação desse auxílio ( 5 ). Mais uma vez, a MB System interpôs recurso da decisão no Tribunal Geral. Primeiro, aquele Tribunal indeferiu o pedido de medidas provisórias apresentado pela MB System ( 6 ) e, posteriormente, por acórdão de 3 de julho de 2013 ( 7 ), confirmou também a decisão da Comissão em causa.

9.

A República Federal da Alemanha devia executar a decisão da Comissão em causa no prazo de quatro meses a contar da data da sua notificação ( 8 ). Para esse efeito, a tbg, agindo em representação da República Federal da Alemanha, enviou um pedido de crédito de direito privado à MB System, em 16 de fevereiro de 2007, para esta dar cumprimento à primeira decisão da Comissão. Quando a MB System recusou o pagamento, a tbg intentou uma ação no Landgericht Mühlhausen (Tribunal Regional de Mühlhausen), em 10 de abril de 2008, tendo em vista a recuperação do auxílio em questão (a seguir «processo nacional de recuperação»). Para além da primeira decisão da Comissão, essa ação baseia‑se na violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, por falta de notificação do auxílio em causa. De acordo com o §134 do Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) (Código Civil alemão) e com a jurisprudência assente dos órgãos jurisdicionais alemães, um contrato celebrado em violação do artigo 108.o TFUE é nulo. É por este motivo que, para assegurar a recuperação do auxílio em causa, bastava à tbg invocar a violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Por conseguinte, a ação intentada no Landgericht Mühlhausen não foi diretamente afetada pela anulação da primeira decisão da Comissão. O crédito de direito privado continua a existir, independentemente da existência de uma decisão ou injunção definitiva da Comissão.

10.

No decurso do processo nacional de recuperação, foram proferidas várias decisões provisórias e despachos de medidas provisórias. Em 26 de novembro de 2008, o Landgericht Mühlhausen proferiu, à revelia, uma sentença executória provisória contra a MB System. Porém, em 19 de dezembro de 2008, a MB System recorreu dessa sentença. Depois de a MB System ter prestado uma caução sob a forma de garantia bancária, o Landgericht Mühlhausen, por despacho de 9 de janeiro de 2009, suspendeu a apreensão dos bens daquela empresa. Em março de 2009, tendo em conta o processo pendente no Tribunal Geral àquela data, o órgão jurisdicional nacional também suspendeu o processo nacional de recuperação. A tbg, por sua vez, recorreu desta decisão, primeiro para o Oberlandesgericht Jena (Tribunal Regional Superior de Jena) e depois para o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal). Uma vez que, entretanto, o recurso interposto no Tribunal Geral relativo à Decisão 2007/492 tinha terminado, o Bundesgerichtshof concluiu, em 16 de setembro de 2010 ( 9 ), que o recurso nele pendente tinha ficado desprovido de objeto e que o processo principal podia prosseguir.

11.

Consequentemente, em março de 2011 foi apresentado no Amtsgericht Nordhausen (Tribunal Local de Nordhausen) um pedido de apreensão forçada dos bens da MB System mediante a inscrição, no registo predial, de hipotecas a favor dos credores. Após a publicação do registo das hipotecas, a tbg requereu, em 21 de julho de 2011, a venda coerciva dos bens da MB System. Para este efeito, o Amtsgericht Nordhausen ordenou a elaboração de um relatório pericial sobre o valor de mercado dos bens em questão. Porém, em 8 de setembro de 2011, a MB System apresentou um pedido reconvencional contra a venda coerciva dos seus bens. O pedido foi julgado improcedente por infundado. A MB System recorreu então para o Oberlandesgericht Jena, mas desistiu do recurso em maio de 2012.

12.

A instância no processo nacional de recuperação no Landgericht Mühlhausen foi suspensa, pela segunda vez, em 30 de março de 2011. A tbg recorreu desta decisão para o Oberlandesgericht Jena, que negou provimento ao recurso. Um novo recurso interposto pela tbg foi finalmente acolhido pelo Bundesgerichtshof, que, por despacho de 13 de setembro de 2012 ( 10 ), anulou a suspensão.

13.

Os bens da MB System deviam ter sido vendidos em hasta pública em 10 de abril de 2013, mas não foi apresentada qualquer proposta nessa ocasião.

III – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

14.

Na sua petição, datada de 20 de novembro de 2012, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

declarar que a República Federal da Alemanha não deu cumprimento às obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 288.°, n.o 4, e 108.°, n.o 2, TFUE, do princípio da efetividade, do artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999 e dos artigos 2.° e 3.° da Decisão 2011/471/UE da Comissão, de 14 de dezembro de 2010, relativa ao auxílio estatal concedido pela República Federal da Alemanha ao grupo Biria, na medida em que não adotou as medidas necessárias para dar execução à referida Decisão 2011/471 dentro do prazo estipulado;

condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

15.

A República Federal da Alemanha pede que o Tribunal de Justiça se digne:

julgar a ação improcedente;

condenar a Comissão nas despesas.

16.

Tanto o Governo alemão como a Comissão apresentaram observações orais na audiência que teve lugar em 4 de dezembro de 2013.

IV – Análise

17.

Nas suas extensas alegações escritas e na audiência, ambas as partes desenvolveram vários argumentos em apoio das respetivas posições. Apresentarei esses argumentos mais detalhadamente quando analisar o mérito de cada um.

18.

Nesta fase, limitar‑me‑ei a referir que a Comissão critica o Governo alemão pelo facto de o auxílio incompatível concedido ao grupo Biria não ter sido recuperado no prazo fixado na decisão da Comissão em causa. Por seu lado, o Governo alemão nega as infrações que lhe são imputadas e alega que foi dado cumprimento à decisão da Comissão em causa no referido prazo. A título subsidiário, o Governo alemão alega que qualquer eventual atraso na recuperação efetiva era imputável ao facto de que era absolutamente impossível executar a decisão da Comissão em causa.

19.

Dito isto, é importante salientar que nenhuma das partes contesta os seguintes factos: (i) o beneficiário do auxílio não tinha restituído o auxílio incompatível no termo do prazo especificado na decisão da Comissão em causa; (ii) o auxílio ainda não tinha sido recuperado em 4 de dezembro de 2013, data da audiência no presente processo; e (iii) o auxílio a recuperar ascende a 651 007 EUR, acrescidos de juros.

20.

Considero que, para se pronunciar sobre a presente ação, o Tribunal de Justiça terá de tomar uma posição sobre várias questões jurídicas relacionadas com o alcance e as consequências da obrigação dos Estados‑Membros de darem cumprimento às decisões da Comissão que ordenam a recuperação de um auxílio incompatível.

A – Qual é o âmbito da ação ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE?

21.

Uma questão preliminar que, na minha opinião, importa abordar diz respeito ao âmbito do presente processo. Nas suas observações escritas e orais, as partes discutem exaustivamente se as autoridades alemãs podiam — e, consoante o caso, deviam — ter utilizado os seus poderes administrativos para recuperar o auxílio ilegalmente concedido ao grupo Biria.

22.

O Governo alemão alega essencialmente que, na ordem jurídica alemã, a forma de concessão do auxílio determina o procedimento aplicável à sua recuperação (teoria do actus contrarius). Consequentemente, um auxílio atribuído por meio de um contrato de direito privado (como o auxílio concedido ao grupo Biria) só pode ser recuperado por meio de um procedimento de direito privado. Por outro lado, esse auxílio não pode ser recuperado através de um procedimento administrativo, dado que o direito alemão não prevê uma base jurídica específica que habilite as autoridades públicas a recuperarem um auxílio incompatível por meio de um ato administrativo.

23.

Embora não invoque formalmente um fundamento específico sobre essa matéria, a Comissão contesta o argumento avançado pelo Governo alemão. A Comissão sustenta que, em virtude do efeito direto dos artigos 108.° e 288.° TFUE e do artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999, as autoridades alemãs dispõem de bases jurídicas suficientes para aquele fim. Segundo a Comissão, este entendimento encontra apoio em duas decisões proferidas, respetivamente, pelo Oberverwaltungsgericht Berlin‑Brandeburg (Tribunal Administrativo Superior de Berlim‑Brandeburgo) ( 11 ) e pelo Verwaltungsgericht Trier (Tribunal Administrativo de Trier) ( 12 ).

24.

Estes argumentos exigem uma breve explicação sobre as diferenças entre um procedimento instaurado ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e um procedimento baseado no artigo 258.o TFUE.

25.

O artigo 108.o, n.o 2, TFUE refere expressamente que o procedimento nele previsto constitui uma derrogação ao disposto nos artigos 258.° e 259.° TFUE. Com efeito, tal como observou o Tribunal de Justiça, o procedimento previsto no atual artigo 108.o, n.o 2, TFUE constitui apenas uma variante da ação por incumprimento, especialmente adaptada aos problemas específicos que os auxílios estatais apresentam para a concorrência no mercado comum ( 13 ).

26.

É de salientar que a fase pré‑contenciosa do procedimento, que é uma etapa necessária nos processos ordinários por incumprimento, não existe nas ações instauradas nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE. O recurso ao Tribunal de Justiça ao abrigo desta disposição é mais rápido e mais fácil ( 14 ), dado que as discussões formais com o Estado‑Membro e (se for caso disso) com outras partes interessadas já tiveram lugar no âmbito do procedimento administrativo que culminou com a adoção pela Comissão da decisão pertinente ( 15 ).

27.

Consequentemente, o Tribunal de Justiça clarificou que, devido às características especiais do procedimento em questão, a atuação do Estado‑Membro contra o qual a ação prevista no atual artigo 108.o, n.o 2, TFUE for intentada deve ser apreciada unicamente à luz das obrigações que lhe haviam sido impostas pela decisão da Comissão relevante ( 16 ).

28.

Por estes motivos, entendo que um procedimento baseado no artigo 108.o, n.o 2, TFUE só pode ter por objeto a questão de saber se, em relação a uma decisão específica da Comissão, o Estado‑Membro em causa cumpriu ou não a obrigação de suprimir ou modificar o auxílio incompatível no prazo fixado. Por conseguinte, é a decisão da Comissão que define, em última instância, os limites do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

29.

Daqui decorre que esta disposição processual derrogatória não admite nenhuma outra ação. Em especial, não são admissíveis pedidos de âmbito mais geral ou de natureza horizontal, no contexto de um procedimento nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Por exemplo, a questão de saber se, em determinados casos, as normas jurídicas alemãs atualmente em vigor são efetivamente inadequadas para assegurar a pronta e efetiva recuperação de um auxílio incompatível (como quando o auxílio é concedido através de contratos de direito privado) ou se existe uma infração estrutural ou sistémica das regras sobre auxílios estatais por parte das autoridades alemãs são matérias que — se fossem suscitadas — só poderiam ser apreciadas no quadro de um processo ordinário por incumprimento, ao abrigo do artigo 258.o TFUE.

30.

Assim, estou convicto de que não cabe ao Tribunal de Justiça interpretar as leis alemãs para se pronunciar sobre se as autoridades públicas alemãs têm, ou deveriam ter, competência para adotar atos administrativos com o objetivo de recuperar auxílios incompatíveis concedidos através de contratos de direito civil. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça ignore todos os argumentos referentes a estas matérias e que apenas se pronuncie sobre a existência ou não de uma violação das obrigações estabelecidas na decisão da Comissão em causa.

B – Os artigos 288.°, n.o 4, e 108.°, n.o 2, TFUE impõem uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado?

31.

A primeira questão importante suscitada no presente caso consiste em determinar se a obrigação, estabelecida nos artigos 288.°, n.o 4, e 108.°, n.o 2, TFUE, de recuperar um auxílio incompatível é uma obrigação quanto aos meios a utilizar ou quanto ao resultado a alcançar.

32.

O Governo alemão alega que, no prazo de quatro meses estipulado na decisão da Comissão em causa, as autoridades públicas adotaram todas as medidas necessárias para assegurar a efetiva recuperação do auxílio em questão. Segundo o Governo alemão, o elemento essencial a ponderar nos termos do artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999 não é se o auxílio foi efetivamente recuperado, mas sim se as medidas adotadas são idóneas in abstracto para assegurar o cumprimento.

33.

Tal como a Comissão, não encontro qualquer apoio para os argumentos do Governo alemão, nem no texto das disposições pertinentes do direito da UE nem na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

34.

Em primeiro lugar, parece‑me evidente que a redação do Regulamento n.o 659/1999 aponta para uma obrigação de resultado, e não de meios. Se fosse suficiente que um Estado‑Membro se limitasse a dar início ao processo de recuperação para assegurar a efetiva restituição do auxílio no futuro, a execução da decisão da Comissão não seria «imediata e efetiva» e a recuperação não seria efetuada «imediatamente», como impõe aquele instrumento jurídico.

35.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça também suporta esta interpretação. De acordo com jurisprudência assente, o Estado‑Membro destinatário de uma decisão de recuperação é livre de escolher os meios de cumprimento da obrigação imposta por essa decisão, em conformidade com as suas próprias normas internas ( 17 ), desde que as medidas escolhidas não ponham em causa o alcance e a eficácia do direito da UE ( 18 ). Isto significa que as medidas adotadas pelo Estado‑Membro têm de conduzir à efetiva recuperação dos montantes devidos ( 19 ).

36.

Importa observar que o Tribunal de Justiça já esclareceu que a recuperação deve ocorrer no prazo fixado na decisão da Comissão adotada ao abrigo do artigo 108.o, n.o 1, TFUE ou, se for o caso, no prazo posteriormente estabelecido pela Comissão. Por uma questão de princípio, uma recuperação extemporânea — ou seja, uma recuperação após os prazos estipulados pela Comissão — não satisfaz os requisitos estabelecidos nos Tratados ( 20 ).

37.

No seu recente acórdão Comissão/Eslováquia, já referido, o Tribunal de Justiça julgou improcedente, pelos mesmos motivos, um argumento semelhante ao avançado pelo Governo alemão no presente processo ( 21 ).

38.

Por conseguinte, considero que os artigos 288.°, n.o 4, e 108.°, n.o 2, TFUE impõem uma obrigação de resultado ao Estado‑Membro destinatário de uma decisão de recuperação. Assim, o Estado‑Membro só dá cumprimento efetivo à decisão da Comissão depois de o beneficiário do auxílio incompatível o ter restituído integralmente ao Estado.

39.

Acrescento que, se um Estado‑Membro considerar que o prazo concedido pela Comissão não é suficiente ou se enfrentar dificuldades na recuperação do auxílio, pode sempre pedir à Comissão uma (ou mais) prorrogação(ões). Para tal, o Estado deve explicar, de forma precisa, os motivos do seu pedido e, se necessário, apresentar provas dos factos por ele alegados, de modo a permitir à Comissão tomar uma decisão informada ( 22 ). Nesse caso, à luz do dever de cooperação consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, a Comissão está obrigada a apreciar o pedido do Estado‑Membro e, na medida do possível, a ajudá‑lo a superar as dificuldades existentes concedendo‑lhe a prorrogação solicitada, caso as condições aplicáveis estejam preenchidas ( 23 ).

40.

Se o Estado‑Membro considerar que, não obstante o diálogo com a Comissão, o prazo final fixado por esta instituição ainda não é razoável e que o seu cumprimento é objetivamente impossível, pode impugnar o prazo perante os tribunais da UE.

41.

A este propósito, gostaria de salientar que, no contexto do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, o prazo estabelecido numa decisão da Comissão que ordena a recuperação de um auxílio tem a mesma função que o prazo fixado num parecer fundamentado ao abrigo do artigo 258.o TFUE ( 24 ). Na minha opinião, isto significa que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a razoabilidade do prazo estipulado em pareceres fundamentados deve ser aplicada, mutatis mutandis, às decisões adotadas pela Comissão nos termos do artigo 108.o TFUE. De acordo com jurisprudência assente sobre o atual artigo 258.o TFUE, a Comissão deve conceder aos Estados‑Membros um prazo razoável para darem cumprimento a um parecer fundamentado ( 25 ). A legalidade desse prazo está sujeita ao controlo do Tribunal de Justiça ( 26 ). Para apreciar a razoabilidade do prazo fixado, o Tribunal de Justiça deve tomar em consideração o conjunto das circunstâncias que caracterizam a situação em apreço ( 27 ).

42.

Consequentemente, concluo do exposto que o prazo estabelecido numa decisão da Comissão pode ser prorrogado ou mesmo impugnado judicialmente pelo Estado‑Membro em causa. Porém, por uma questão de princípio, é nesse prazo, ou no prazo fixado posteriormente, que a recuperação deve ocorrer.

C – Pode um processo nacional tornar a recuperação do auxílio absolutamente impossível?

43.

Tendo chegado à conclusão intermédia de que o auxílio deve ser imperativamente recuperado no prazo estabelecido pela Comissão, e dado que as partes reconhecem que o auxílio não foi restituído no prazo fixado na decisão da Comissão em causa, importa analisar se esse incumprimento pode ser justificado.

44.

O Governo alemão alega que não pode ser responsabilizado pelo atraso que se deveu ao facto de o beneficiário do auxílio ter contestado a recuperação nos órgãos jurisdicionais nacionais. Ao fazê‑lo, o grupo Biria limitou‑se a exercer o seu direito constitucional a uma tutela jurisdicional efetiva. O Governo alemão alega ainda que a tbg fez tudo o que podia para executar a decisão da Comissão em causa e não pode ser criticada pelos atos dos órgãos jurisdicionais alemães, que aplicaram de forma errada as regras da UE em matéria de auxílios estatais, atrasando assim o processo de recuperação.

45.

No essencial, os argumentos apresentados pelo Governo alemão suscitam a questão de saber se o facto de os beneficiários dos auxílios terem recorrido aos processos nacionais é suscetível de tornar absolutamente impossível o cumprimento de uma decisão da Comissão.

46.

À luz do exposto, analisarei primeiro as linhas gerais do conceito de «impossibilidade absoluta» e explicarei em que circunstâncias esse meio de defesa pode, em princípio, ser admitido num caso relacionado com a recuperação de um auxílio estatal. Seguidamente, abordarei as características específicas do caso em apreço.

1. Conceito de «impossibilidade absoluta»

47.

De acordo com jurisprudência assente, o único meio de defesa suscetível de ser invocado por um Estado‑Membro numa ação por incumprimento proposta pela Comissão nos termos do atual artigo 108.o, n.o 2, TFUE é o extraído da impossibilidade absoluta de executar a decisão em questão ( 28 ).

48.

O conceito de «impossibilidade absoluta», também designado frequentemente pelo termo francês «force majeure» (força maior), deve geralmente ser entendido «no sentido de um circunstancialismo alheio a quem o invoca, anormal e imprevisível, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências desenvolvidas» ( 29 ).

49.

Assim, os principais elementos constitutivos do conceito de «impossibilidade absoluta» são, por um lado, a ocorrência de um acontecimento que não pode ser influenciado pela pessoa que deseja invocar esse meio de defesa (elemento objetivo) e, por outro lado, o exercício de todos os esforços razoáveis por essa pessoa para evitar as consequências do acontecimento em questão (elemento subjetivo) ( 30 ).

50.

Entendo que, num caso como este, é possível invocar um meio de defesa baseado na impossibilidade absoluta em duas situações distintas.

51.

A primeira situação envolve uma impossibilidade factual, ou seja, ocorre quando a recuperação efetiva do montante a restituir é objetiva e inevitavelmente inviável. É tipicamente o caso quando o beneficiário do auxílio é uma empresa que já não existe na data em que a Comissão adota a sua decisão. Nessa situação, não existe uma entidade a quem a restituição possa ser exigida nem bens a apreender ( 31 ). É o que acontece se nenhuma outra empresa tiver — de facto ou de jure — sucedido à empresa liquidada e continuado a beneficiar do auxílio incompatível ( 32 ).

52.

A segunda situação envolve uma impossibilidade jurídica. Conforme estabelece o artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999: «[a] Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito [da UE]» ( 33 ).

53.

Em ambas as situações, a impossibilidade pode ser apenas temporária, o que significa que pode ser ultrapassada decorrido um determinado período de tempo, ou pode ser permanente, o que significa que obstará definitivamente ao cumprimento.

54.

O princípio geral de direito da UE a que o Governo alemão se refere no presente caso é o da tutela jurisdicional efetiva.

55.

A este respeito, gostaria de recordar que, de acordo com jurisprudência assente, ao aplicar o direito da UE, o juiz nacional deve respeitar as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos que as pessoas extraem do direito da UE, conforme garantida pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 34 ). Na minha opinião, isto é especialmente verdade quando a aplicação do direito da UE afeta negativamente a situação jurídica das pessoas.

56.

No entanto, por outro lado, importa igualmente observar que o artigo 3.o, n.o 3, TUE dispõe que a União Europeia estabelece um mercado interno, o qual, de acordo com o Protocolo n.o 27 relativo ao mercado interno e à concorrência ( 35 ), anexo ao Tratado de Lisboa, inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada.

57.

Os artigos 107.° e 108.° TFUE contam‑se entre as regras de concorrência que, como as referidas no artigo 3.o, n.o 1, alínea b), TFUE, são necessárias ao funcionamento do referido mercado interno. Essas regras têm precisamente por finalidade evitar que a concorrência seja falseada em detrimento do interesse geral, das empresas individuais e dos consumidores, contribuindo, deste modo, para garantir o bem‑estar na União Europeia ( 36 ).

58.

Reconheço que existe um conflito intrínseco entre o direito dos beneficiários do auxílio a impugnarem judicialmente atos que poderão prejudicar os seus interesses e o direito dos seus concorrentes ao restabelecimento da situação de legalidade e das condições de mercado equitativas, o mais rapidamente possível.

59.

Uma vez que ambos estes direitos são vitais para uma União baseada no estado de Direito, do qual o mercado interno é um dos pilares, considero que nenhum deles deve ser incondicionalmente sacrificado a favor do outro.

60.

Por este motivo, não me parece inconcebível que a necessidade de assegurar a tutela jurisdicional efetiva dos beneficiários de auxílios possa, em determinadas circunstâncias, justificar a não recuperação do auxílio com fundamento em impossibilidade absoluta jurídica.

61.

Isto suscita a seguinte questão: em que condições e durante quanto tempo pode um Estado‑Membro invocar validamente a existência de um processo judicial a nível nacional como justificação do seu incumprimento?

2. Requisitos da «impossibilidade absoluta»

62.

A existência de um processo judicial nos órgãos jurisdicionais nacionais só pode ser considerada como um caso de impossibilidade absoluta se estiverem preenchidos os dois requisitos mencionados no n.o 49, supra.

63.

Quanto ao primeiro requisito — que o acontecimento que impede a recuperação não pode ter sido influenciado pela pessoa que invoca esse meio de defesa — creio que pode estar preenchido em muitos casos.

64.

Obviamente, não há nada que os Estados‑Membros possam fazer para impedir que o beneficiário de um auxílio se oponha à recuperação no contexto de um processo judicial instaurado pelas autoridades públicas com vista a uma recuperação coerciva. No caso de os órgãos da administração pública seguirem a via dos atos administrativos, também não podem obstar a que o beneficiário do auxílio recorra desses atos. Consequentemente, nunca será possível excluir a priori processos judiciais contra medidas de recuperação.

65.

Só assim não será nos casos em que sejam as próprias autoridades públicas as responsáveis pelo litígio a nível nacional. Podem ter atuado sem o grau de rigor exigido: por exemplo, podem ter calculado incorretamente os juros devidos ou cometido outro erro durante o processo de recuperação.

66.

Por conseguinte, afigura‑se que a possibilidade de uma ação judicial é algo que, pelo menos na maioria dos casos, não pode ser influenciado ou controlado pelas autoridades do Estado‑Membro.

67.

Por outro lado, creio que o segundo requisito da impossibilidade absoluta é mais difícil de preencher.

68.

Um Estado‑Membro que invoque um fundamento relativo a uma impossibilidade absoluta deve provar que as autoridades nacionais envidaram todos os esforços razoáveis para evitar ou minimizar as consequências do acontecimento em questão. O Tribunal de Justiça deixou bem claro que não é possível invocar este argumento numa situação em que uma pessoa diligente e prudente pudesse objetivamente ter tomado as providências necessárias para evitar as consequências negativas do acontecimento imprevisto ( 37 ).

69.

A este propósito, entendo que, de um modo geral, se pode considerar que o grau de diligência e de prudência que o Estado‑Membro deve demonstrar depende da probabilidade de aquele acontecimento imprevisto ocorrer: quanto maior for a probabilidade de o acontecimento ocorrer, maiores serão os esforços ex ante que a administração pública deverá envidar.

70.

No que respeita à recuperação do auxílio estatal, parece‑me evidente que as autoridades dos Estados‑Membros devem esperar que alguns beneficiários se oponham judicialmente à recuperação do auxílio. Daqui decorre que, na medida em que o processo judicial não é um acontecimento inesperado, os Estados‑Membros devem demonstrar um nível proporcionalmente elevado de diligência e prudência ( 38 ).

71.

Essa diligência e prudência devem refletir‑se, antes de mais, na escolha, de entre as várias possibilidades que têm ao seu dispor, do procedimento a seguir para assegurar a recuperação num caso específico. Embora as autoridades administrativas gozem certamente de alguma discricionariedade nessa escolha, essa discricionariedade não é ilimitada.

72.

Entendo que as autoridades têm a obrigação de escolher o procedimento que, desde o início, se afigure o mais adequado para garantir a execução imediata e efetiva da decisão da Comissão em causa, mesmo em caso de oposição do beneficiário do auxílio.

73.

Não se pode excluir a possibilidade de, por vezes, ser necessário recorrer a medidas administrativas. Com efeito, podem existir casos, ainda que excecionais, em que as autoridades públicas tenham de intervir para assegurar o pronto cumprimento das regras da UE em matéria de auxílios estatais. Por exemplo, o que acontece se a entidade que concedeu o auxílio através de um contrato de direito privado tiver entrado em liquidação e não existir um sucessor legal? Isto significa que um auxílio incompatível pode ser irrecuperável, na medida em que já não exista uma entidade com legitimidade para atuar perante os tribunais civis ou comerciais competentes?

74.

Obviamente, esta não é uma interpretação defensável das regras da UE. O Tribunal de Justiça tem considerado sempre improcedentes os argumentos dos Estados‑Membros que invocam a inexistência, no direito nacional, de uma base jurídica adequada para assegurar a pronta recuperação do auxílio incompatível ( 39 ). Com efeito, se a ordem jurídica interna de um Estado‑Membro carece dos mecanismos necessários para lhe permitir o cumprimento das suas obrigações previstas no direito da UE, é ao Estado‑Membro que compete estabelecê‑los, como consequência lógica da natureza vinculativa das decisões adotadas nos termos do artigo 288.o TFUE ( 40 ). Da mesma forma, o Tribunal de Justiça tem declarado consistentemente que os órgãos jurisdicionais nacionais devem abster‑se de aplicar normas nacionais suscetíveis de comprometer a recuperação efetiva do auxílio ( 41 ). O Tribunal de Justiça também nunca aceitou que o simples facto de os procedimentos nacionais serem complexos e demorados fosse suficiente para justificar um atraso na execução de uma decisão da Comissão ( 42 ).

75.

Além de escolherem o procedimento adequado para recuperar o auxílio, as autoridades administrativas estão obrigadas a demonstrar que adotaram uma conduta diligente e prudente na pendência do processo de recuperação.

76.

Isto significa que, por exemplo, quando confrontadas com oposição ou atrasos nos processos judiciais, as autoridades devem considerar a possibilidade de recorrer à tramitação acelerada ou a processos de medidas provisórias. Neste contexto, gostaria de recordar que, de acordo com jurisprudência assente, o juiz nacional ao qual tenha sido submetido um litígio regulado pelo direito da UE deve poder conceder medidas provisórias, para garantir a plena eficácia da decisão jurisdicional a proferir quanto à existência dos direitos invocados com fundamento no direito da UE ( 43 ).

77.

Isto implica também que as autoridades podem ter de recorrer a procedimentos diferentes dos inicialmente previstos para a recuperação, quando estes últimos se revelem impossíveis, ineficazes ou demasiado morosos ( 44 ). Tal como afirmou convincentemente a advogada‑geral E. Sharpston, a alegação de impossibilidade absoluta está ligada ao resultado a ser atingido: a recuperação do auxílio ilegal. Se pudesse ser invocada relativamente ao modo como a recuperação foi efetuada, seria demasiado fácil a um Estado‑Membro optar por um procedimento de recuperação do auxílio ilegal que se comprovasse impossível e, assim, afirmar que estava dispensado da sua obrigação de recuperar o auxílio ( 45 ).

78.

Para concluir este ponto, a questão de saber se, num determinado caso, as autoridades de um Estado‑Membro preencheram o requisito da diligência e prudência deve ser apreciada pelo Tribunal de Justiça caso a caso. Por último, é certamente desnecessário, neste contexto, sublinhar que o ónus da prova de que os requisitos da impossibilidade absoluta se encontram preenchidos recai sobre o Estado‑Membro que invoca esse meio de defesa ( 46 ).

3. Dimensão temporal

79.

Tendo explicado em que circunstâncias um Estado‑Membro pode validamente invocar uma impossibilidade absoluta, creio que existe mais um aspeto que merece atenção. Trata‑se do período de tempo durante o qual esse meio de defesa pode ser válido.

80.

Creio que, em virtude do princípio da tutela jurisdicional efetiva, os órgãos jurisdicionais nacionais têm de poder conceder aos beneficiários de auxílios um prazo razoável para apresentarem a sua defesa. Além disso, esses órgãos jurisdicionais devem poder dispor, eles próprios, do tempo necessário para desempenharem adequadamente a sua função judicial.

81.

No entanto, não é realista pensar que, neste tipo de casos, os órgãos jurisdicionais nacionais estão sempre em condições de chegar a uma decisão final dentro do prazo estipulado nas decisões da Comissão correspondentes (normalmente, quatro meses). A duração total dos processos judiciais depende de vários fatores.

82.

Simultaneamente, porém, também reconheço a necessidade de preservar o efeito útil das decisões da Comissão. As estratégias dilatórias praticadas pelos beneficiários dos auxílios, ou a inércia ou incúria por parte das autoridades administrativas ou dos órgãos jurisdicionais nacionais, não devem prevalecer sobre o direito legítimo de as empresas negativamente afetadas pelo auxílio incompatível obterem a eliminação definitiva do falseamento da concorrência.

83.

Encontrar o equilíbrio certo entre estes dois interesses concorrentes não é tarefa fácil.

84.

Nesta fase, recordo que o Tribunal de Justiça deixou bem claro, em vários processos, que um argumento baseado na impossibilidade absoluta só é admissível durante o tempo necessário «para uma administração, que faça prova de uma diligência normal, pôr termo [ao acontecimento imprevisto] que não depende da sua vontade» ( 47 ). Estas considerações são, na minha opinião, aplicáveis mutatis mutandis às atividades dos órgãos jurisdicionais nacionais. Consequentemente, entendo que um atraso na recuperação de um auxílio incompatível, devido a um processo judicial nacional em curso, só pode ser justificado temporariamente, ou seja, quando esse período adicional corresponder ao tempo mínimo necessário para que um órgão jurisdicional, no exercício de um grau de diligência razoável, se pronuncie sobre o litígio que lhe foi submetido.

85.

Neste contexto, é desnecessário salientar que um atraso causado pela incorreta aplicação, por parte dos referidos órgãos jurisdicionais, das regras da UE pertinentes não pode ser justificado ( 48 ). Com efeito, um órgão jurisdicional diligente aplicaria essas regras com base na jurisprudência assente e, em caso de dúvida, submeteria ao Tribunal de Justiça as questões de interpretação ou de validade, ao abrigo do processo de reenvio prejudicial.

86.

Dito isto, sou forçado a admitir que é impossível identificar, a priori, um período de tempo adicional que possa ser considerado aceitável em quaisquer circunstâncias, ou parâmetros suficientemente precisos e específicos para permitir ao Tribunal de Justiça calcular, em cada caso, o período de tempo adequado. A questão de saber se um atraso é justificável só pode ser determinada caso a caso.

87.

Contudo, creio que, neste contexto, é possível distinguir duas situações em função do tipo de pedido apresentado pelo beneficiário do auxílio nos órgãos jurisdicionais nacionais.

88.

Por um lado, uma empresa pode, direta ou indiretamente, questionar a legalidade da decisão da Comissão executada pelas autoridades nacionais. Por outro lado, pode limitar‑se a impugnar as medidas adotadas para assegurar a recuperação, sem questionar a legalidade da decisão da Comissão. De seguida, examinarei sucessivamente estas duas situações.

a) Situação em que a legalidade da decisão da Comissão é questionada

89.

Importa recordar que as decisões da Comissão gozam de uma presunção de legalidade e, como tal, produzem efeitos jurídicos enquanto não forem revogadas, anuladas ou declaradas inválidas na sequência de um pedido prejudicial ou de uma exceção de ilegalidade ( 49 ). A declaração de ilegalidade das decisões da Comissão compete exclusivamente aos tribunais da UE. Se os órgãos jurisdicionais nacionais tiverem dúvidas sobre esta matéria, devem apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça ( 50 ). Além disso, o simples facto de uma decisão ser impugnada perante os tribunais da UE não autoriza, por si só, os órgãos jurisdicionais nacionais a suspenderem a sua aplicação. Em princípio, essa suspensão deve ser objeto de um recurso interposto nos tribunais da eu, pelas partes com legitimidade para tal, nos termos dos artigos 278.° e 279.° TFUE.

90.

Porém, também é possível, a título excecional, requerer a suspensão de uma decisão da Comissão perante os órgãos jurisdicionais nacionais. O Tribunal de Justiça tem afirmado consistentemente que os órgãos jurisdicionais nacionais só podem adotar medidas de suspensão de atos da UE quando estejam preenchidas as condições estabelecidas no acórdão Zuckerfabrik ( 51 ), a saber: (i) que o órgão jurisdicional nacional tenha sérias dúvidas sobre a validade do ato da UE e, no caso de a questão da validade do ato impugnado não ter sido ainda submetida à apreciação do Tribunal de Justiça, deve ser esse mesmo órgão jurisdicional a reenviá‑la; (ii) que haja urgência, no sentido de que a medida provisória é necessária para evitar que a parte que requer a sua aplicação sofra um prejuízo grave e irreparável; (iii) que o órgão jurisdicional nacional tome devidamente em consideração os interesses da União Europeia; e (iv) que, na apreciação de todas essas condições, o órgão jurisdicional nacional respeite as decisões dos tribunais da UE sobre a legalidade do ato da UE ou um despacho em processo de medidas provisórias com vista à concessão, a nível da UE, de medidas provisórias similares.

91.

Importa ainda referir que o Tribunal de Justiça também esclareceu que, no contexto dos procedimentos relativos a auxílios estatais, os requisitos estabelecidos no acórdão Zuckerfabrik também são aplicáveis a qualquer ação destinada a obter a suspensão da instância num processo de impugnação do ato nacional que vise a recuperação do auxílio ilegal ( 52 ). Com efeito, a impugnação de atos de recuperação com fundamento na invalidade da decisão da Comissão que estão a executar equivale a impugnar diretamente essa decisão.

92.

Assim, estando preenchidos os requisitos supramencionados, as autoridades nacionais estão obviamente obrigadas a respeitar as medidas provisórias adotadas pelo órgão jurisdicional nacional e, como tal, poderá ser juridicamente impossível prosseguir o processo de recuperação.

93.

Porém, esta situação de impossibilidade dura apenas enquanto os tribunais da UE não tomarem uma decisão no processo que lhes foi submetido. Com efeito, se os tribunais da UE confirmarem a legalidade da decisão da Comissão, os órgãos jurisdicionais nacionais têm de retirar as necessárias inferências dessa decisão. As decisões tomadas pela Comissão nos termos do atual artigo 108.o TFUE, que se tornaram definitivas em relação ao beneficiário do auxílio, vinculam os órgãos jurisdicionais nacionais ( 53 ). Esses órgãos jurisdicionais estão obrigados, por força do artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999, a garantir a plena eficácia da decisão que ordena a recuperação do auxílio ilegal e a chegar a uma solução conforme com a finalidade prosseguida por essa decisão ( 54 ).

94.

O mesmo é válido para qualquer decisão adotada por uma instituição da UE que não tenha sido impugnada pelo respetivo destinatário nos prazos estipulados no artigo 263.o TFUE. Com efeito, o Tribunal de Justiça entendeu que não é possível, para o beneficiário de um auxílio estatal, que sem qualquer dúvida teria podido impugnar a decisão da Comissão perante os tribunais da UE e que deixou expirar o prazo imperativo para o efeito, pôr em causa a legalidade dessa decisão perante os órgãos jurisdicionais nacionais num recurso contra as medidas de execução dessa decisão tomadas pelas autoridades nacionais ( 55 ).

95.

Com base no exposto, concluo que, quando o beneficiário de um auxílio questiona, direta ou indiretamente, perante os órgãos jurisdicionais nacionais a legalidade de uma decisão da Comissão que ordena a recuperação, só é admissível um atraso no processo de recuperação se esse atraso corresponder ao tempo mínimo necessário para um órgão jurisdicional diligente verificar se os requisitos do acórdão Zuckerfabrik estão preenchidos. Se for esse o caso, pode admitir‑se um meio de defesa baseado na impossibilidade absoluta e, assim, justificar o atraso, mas apenas enquanto os referidos requisitos estiverem preenchidos. Se não for esse o caso, não é, em meu entender, admissível qualquer atraso adicional.

b) Situação em que a legalidade da decisão da Comissão não é questionada

96.

Por outro lado, poderão existir casos em que o beneficiário do auxílio não questiona, direita ou indiretamente, a legalidade da decisão da Comissão. É uma situação que se poderá verificar em diversas circunstâncias.

97.

Em primeiro lugar, essa situação poderá ocorrer quando a Comissão toma uma decisão sobre um regime de auxílio e não identifica todos os beneficiários ou omite o montante do auxílio. Nestas circunstâncias, a empresa objeto das medidas de recuperação pode alegar, perante os órgãos jurisdicionais nacionais, que não cumpre os critérios de identificação dos beneficiários do auxílio ou que, em aplicação dos parâmetros estabelecidos pela Comissão, o montante do auxílio a reembolsar é, no seu caso, zero ou inferior ao montante reclamado pelo Estado. Em segundo lugar, também pode dar‑se o caso de o beneficiário do auxílio contestar apenas o cálculo dos juros devidos sobre o auxílio a reembolsar. Por último, a empresa pode contestar simplesmente o quomodo de recuperação. Uma vez que este aspeto é, em princípio, regulado pelo princípio da autonomia processual, é possível que o beneficiário de um auxílio apenas se possa opor ao modo como a decisão da Comissão está a ser executada a nível nacional.

98.

À luz de todos estes fatores, não se pode excluir a possibilidade de existirem casos em que mesmo um órgão jurisdicional diligente precise de mais do que quatro meses para proferir a sua decisão.

99.

Contudo, sou de opinião que, em virtude do princípio da cooperação leal, os órgãos jurisdicionais nacionais não podem apreciar os pedidos deduzidos pelos beneficiários dos auxílios sem terem em conta o interesse da União Europeia em eliminar o falseamento da concorrência existente ( 56 ).

100.

Na verdade, entendo que as minhas observações anteriores sobre a necessidade de conciliar o direito dos beneficiários de auxílios a uma tutela jurisdicional efetiva e o direito dos seus concorrentes à eliminação de qualquer falseamento da concorrência causado pelo auxílio ilegal são igualmente válidas para os órgãos jurisdicionais nacionais.

101.

Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que os órgãos jurisdicionais nacionais também têm certos deveres perante os particulares, cujos interesses podem ser prejudicados pela concessão do auxílio ilegal ( 57 ). Em especial, o Tribunal de Justiça salientou, em alguns processos recentes, que uma das tarefas que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais no domínio do controlo dos auxílios estatais é precisamente a de adotar medidas adequadas para remediar a execução de auxílios ilegais, a fim de que o beneficiário não conserve o poder de livre disposição sobre estes durante o restante período de tempo até à decisão da Comissão ( 58 ).

102.

Do meu ponto de vista, as conclusões do Tribunal de Justiça são tanto mais válidas quando existe uma decisão da Comissão que é final.

103.

Embora seja verdade que o Tribunal de Justiça teceu aquelas considerações em casos relacionados com processos nacionais instaurados por empresas pretensamente prejudicadas pela concessão de um auxílio ilegal, não vejo por que razão as mesmas não são também pertinentes no contexto de ações intentadas pelos beneficiários de auxílios com o objetivo de impedir ou protelar a recuperação desses auxílios.

104.

Com base nisso, entendo que, quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a pronunciar‑se num processo que, devido à sua duração, pode atrasar o cumprimento de uma decisão da Comissão e, desse modo, prolongar o falseamento da concorrência no mercado interno, esse órgão jurisdicional deve tomar devidamente em consideração os interesses dos particulares que podem ainda ser prejudicados por aquele atraso. Em especial, um órgão jurisdicional nacional diligente deve, na minha opinião, ponderar se através da adoção de medidas provisórias, é possível assegurar, pelo menos, o cumprimento parcial ou temporário da decisão.

105.

Isto permitiria ao órgão jurisdicional nacional dispor de todo o tempo necessário para decidir o litígio e, simultaneamente, salvaguardar os interesses da União Europeia no seu conjunto.

106.

Tal como mencionado anteriormente, considero que, em princípio, cabe às autoridades públicas que são partes no processo nacional apresentar um pedido nesse sentido ( 59 ). No entanto, entendo que os órgãos jurisdicionais nacionais também têm competência para, se for caso disso, analisar oficiosamente essa opção.

107.

É com base nestes princípios que apreciarei, de seguida, o mérito do fundamento relativo à impossibilidade absoluta, invocado pelo Governo alemão.

4. Apreciação do fundamento

108.

Antes de mais, devo referir que não estou convencido com os argumentos da Comissão relativos à falta de diligência na escolha feita pelas autoridades alemãs, em 2007, quanto ao procedimento para recuperar o auxílio em questão. Na minha opinião, nada nos autos indica que o procedimento escolhido era, a priori, inadequado para alcançar esse objetivo ou que um ato administrativo teria permitido, certamente, uma recuperação mais célere.

109.

Por outro lado, considero porém que, nas circunstâncias do caso em apreço, as autoridades alemãs podem ser criticadas por uma certa falta de diligência e prontidão no processo subsequente.

110.

Em primeiro lugar, tal como referido anteriormente, é ponto assente que o auxílio incompatível concedido ao grupo Biria não tinha sido restituído até à data da audiência, que teve lugar cerca de dois anos e meio após o termo do prazo estabelecido na decisão da Comissão em causa.

111.

O facto de ter decorrido tanto tempo após o termo daquele prazo, sem nenhuma recuperação, parece indiciar que as autoridades alemãs podem não ter feito tudo o que estava ao seu alcance para dar cumprimento à decisão da Comissão em causa com a maior brevidade possível ( 60 ).

112.

Estou disposto a admitir que, uma vez que a recuperação envolvia uma venda coerciva de bens, as autoridades nacionais precisavam genuinamente de mais algum tempo para concluir todos os procedimentos necessários. Da mesma forma, também aceito que o facto de não ter sido apresentada qualquer proposta na primeira hasta pública não pode ser imputado às autoridades alemãs.

113.

No entanto, parece‑me evidente que a hasta pública devia ter sido realizada muito mais cedo e não mais de dois anos depois de a decisão da Comissão em causa ter sido adotada. Se o processo de venda coerciva tivesse avançado com maior celeridade, as autoridades alemãs teriam podido requerer rapidamente a liquidação da empresa quando não foi encontrado um licitante adequado ( 61 ). Poderia ter sido assim evitada uma maior deterioração da situação financeira do beneficiário do auxílio.

114.

Em segundo lugar, observo que as autoridades alemãs nunca pediram à Comissão uma prorrogação do prazo estabelecido na decisão da Comissão em causa. Limitaram‑se a informá‑la do andamento do processo de recuperação e das dificuldades que tinham encontrado nesse âmbito. Além disso, neste contexto, é relevante o facto de as autoridades também não terem proposto à Comissão uma via alternativa para tentar ultrapassar essas dificuldades e, consequentemente, poder executar a decisão com maior rapidez ( 62 ).

115.

Em terceiro lugar, o Governo alemão admite que, não obstante ser possível fazê‑lo, as autoridades públicas nunca requereram a aplicação de medidas provisórias que permitissem separar o auxílio incompatível do património do beneficiário durante o restante período de tempo até ao termo do processo nacional.

116.

A este respeito, o Governo alemão alega que tal não era necessário, dado que a tbg dispunha já de um título provisório de execução da decisão de recuperação, em conformidade com a sentença proferida à revelia pelo Landgericht Mühlhausen, em 26 de novembro de 2008. Porém, tal como referiu corretamente a Comissão, esse direito podia ser suspenso mediante a prestação de uma garantia. Foi precisamente o que aconteceu, dado que o Landgericht Mühlhausen suspendeu efetivamente os efeitos da sentença proferida à revelia, ao autorizar o grupo Biria a garantir o pagamento mediante a prestação de uma garantia pessoal.

117.

Relativamente a esta questão, importa salientar que — ao contrário do que afirma o Governo alemão — a mera prestação de uma garantia pessoal, não obstante implicar alguns custos para o beneficiário do auxílio, não produz os mesmos efeitos, em termos de neutralização do auxílio, que o depósito do montante integral do auxílio numa conta bloqueada ( 63 ) (dado que o auxílio continua integralmente à disposição do beneficiário do auxílio) ( 64 ). Com efeito, tal como observou corretamente o Bundesgerichtshof na sua decisão de 13 de setembro de 2012, o Landgericht Mühlhausen devia ter adotado esta última medida.

118.

Em quarto lugar, não creio que as autoridades públicas tenham agido sempre tão rapidamente como deviam, considerando que o tempo previsto para a recuperação nos termos da decisão da Comissão em causa era realmente um pouco curto (quatro meses). Por exemplo, a tbg só deduziu um pedido de recuperação coerciva da dívida da MB System três meses depois de a decisão da Comissão em causa ter sido adotada. Nessa altura, tinham já decorrido três quartos do prazo concedido para cumprimento da referida decisão.

119.

Em quinto e último lugar, o próprio Governo alemão admitiu que tinha ocorrido um atraso considerável devido a algumas decisões erróneas tomadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, nos quais o grupo Biria tinha interposto os recursos de oposição à recuperação.

120.

Neste contexto, chamo a atenção para o facto de que o grupo Biria também questiona a legalidade da decisão da Comissão em causa, nos órgãos jurisdicionais nacionais. Porém, dos autos parece resultar que o processo de recuperação foi suspenso, pelo menos em duas ocasiões, pelo Landgericht Mühlhausen pelo simples facto de o grupo Biria ter interposto recurso nos tribunais da UE contra as decisões da Comissão no presente caso. Como resulta da decisão do Bundesgerichthof de 13 de setembro de 2012, que anula os despachos de suspensão do Landgericht Mühlhausen de 30 de março de 2011 e do Oberlandesgericht Jena de 28 de dezembro de 2011, aquele órgão jurisdicional não realizou uma avaliação efetiva dos critérios decorrentes do acórdão Zuckerfabrik, já referido.

121.

Em qualquer caso, é evidente que já não era possível preencher aqueles requisitos depois de 21 de junho de 2011, data em que o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de suspensão da aplicação da decisão da Comissão em causa, apresentado pela MB System ( 65 ).

122.

Reconheço que o despacho do presidente do Tribunal Geral (a seguir «Despacho») contém algumas formulações pouco felizes, na medida em que parecem implicar que, para obter uma tutela provisória perante o Tribunal Geral, a MB System devia ter feito prova da inexistência de meios de recurso eficazes na ordem jurídica alemã ( 66 ). Em primeiro lugar, este raciocínio parece confundir a regra com a exceção. Parece‑me evidente que, quando uma parte com legitimidade para interpor um recurso de anulação de uma decisão da Comissão perante os tribunais da UE exerce este seu direito, o «juiz natural» para decidir se a aplicação dessa decisão deve ou não ser suspensa é o tribunal da UE com competência para conhecer do processo principal. Assim, a tutela provisória concedida pelos órgãos jurisdicionais nacionais ao abrigo do acórdão Zuckerfabrik deve ser considerada a exceção e não a regra. Em segundo lugar, o raciocínio contido no despacho parece exigir uma probatio diabolica, por parte das recorrentes, relativamente ao preenchimento da condição de urgência.

123.

Contudo, não obstante as possíveis falhas na motivação do despacho — do qual a MB System, porém, nunca recorreu — não vejo de que forma podia a suspensão reiterada e prolongada dos processos nacionais neste caso ser justificada, quando o próprio Bundesgerichtshof a considerou errónea.

124.

Em conclusão, considero que o Governo alemão não conseguiu provar que a obrigação de recuperação, estabelecida na decisão da Comissão em causa, relativa ao auxílio incompatível concedido ao grupo Biria era objetivamente impossível de cumprir.

V – Conclusão

125.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que:

Declare que a República Federal da Alemanha, ao não dar cumprimento à Decisão 2011/471/UE da Comissão, de 14 de dezembro de 2010, relativa ao auxílio estatal C 38/05 (ex NN 52/04) concedido pela República Federal da Alemanha ao grupo Biria, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 288.°, n.o 4, e 108.°, n.o 2, TFUE, do artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE], e dos artigos 2.° e 3.° da Decisão 2011/471/UE;

Condene a República Federal da Alemanha nas despesas.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1).

( 3 ) Decisão da Comissão, de 24 de janeiro de 2007, relativa ao auxílio estatal C 38/2005 (ex NN 52/2004) concedido pela República Federal da Alemanha ao Grupo Biria (JO L 183, p. 27).

( 4 ) Acórdão Freistaat Sachsen e o./Comissão (T-102/07 e T-120/07, Colet., p. II-585).

( 5 ) Decisão da Comissão, de 14 de dezembro de 2010, relativa ao auxílio estatal C 38/05 (ex NN 52/04) concedido pela República Federal da Alemanha ao grupo Biria (JO 2011, L 195, p. 55).

( 6 ) Despacho do presidente do Tribunal Geral de 21 de junho de 2011, MB System/Comissão (T‑209/11 R).

( 7 ) Acórdão de 3 de julho de 2013, MB System/Comissão (T‑209/11).

( 8 ) V. artigo 3.o, n.o 2, da Decisão 2011/471.

( 9 ) Decisão de 16 de setembro de 2010, III ZB/18/10.

( 10 ) Despacho de 13 de setembro de 2012, III ZB/3/12.

( 11 ) Acórdão de 7 de novembro de 2005, 8 S 93/05.

( 12 ) Acórdão de 8 de março de 2013, 1 L 83/13. Por uma questão de exaustividade, importa referir que o Governo alemão alega que todas estas decisões constituem casos isolados que não foram confirmados pelos respetivos tribunais superiores.

( 13 ) Acórdão de 14 de fevereiro de 1990, França/Comissão (C-301/87, Colet., p. I-307, n.o 23).

( 14 ) O próprio Tribunal de Justiça, no acórdão de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão (173/73, Colet., p. 357, n.o 9), descreveu a ação ao abrigo do atual artigo 258.o TFUE como um «procedimento mais complexo».

( 15 ) V. conclusões do advogado‑geral H. Mayras no processo que deu origem ao acórdão de 12 de julho de 1973, Comissão/Alemanha (70/72, Colet., pp. 309, 320).

( 16 ) Acórdão de 2 de fevereiro de 1988, Comissão/Países Baixos (213/85, Colet., p. 281, n.os 7 e 8).

( 17 ) Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Comissão/França (C-549/09, Colet., p. I-00155, n.o 29), e de 17 de outubro de 2013, Comissão/Itália (C‑344/12, n.o 40).

( 18 ) V. acórdãos de 12 de dezembro de 2002, Comissão/Alemanha (C-209/00, Colet., p. I-11695, n.o 34), e de 22 de dezembro de 2010, Comissão/Eslováquia (C-507/08, Colet., p. I-13489, n.o 51).

( 19 ) V., neste sentido, acórdãos de 1 de junho de 2006, Comissão/Itália (C‑207/05, n.os 36 e 37), e de 14 de abril de 2011, Comissão/Polónia (C-331/09, Colet., p. I-2933, n.o 54 e seguintes).

( 20 ) V., neste sentido, acórdãos de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Grécia (C‑419/06, n.os 38 e 61), e de 13 de outubro de 2011, Comissão/Itália (C‑454/09, n.o 37).

( 21 ) Acórdão Comissão/Eslováquia, já referido, n.os 47 a 52.

( 22 ) V. acórdão de 17 de outubro de 2013, Comissão/Grécia (C‑263/12, n.os 30 a 32).

( 23 ) V., neste sentido, acórdão de 13 de novembro de 2008, Comissão/França (C-214/07, Colet., p. I-8357, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

( 24 ) V., em especial, acórdão de 24 de janeiro de 2013, Comissão/Espanha (C‑529/09, n.os 70 e 71).

( 25 ) V., entre muitos outros, acórdãos de 13 de dezembro de 2001, Comissão/França (C-1/00, Colet., p. I-9989, n.o 65), e de 28 de outubro de 1999, Comissão/Áustria (C-328/96, Colet., p. I-7479, n.o 51).

( 26 ) V., em especial, acórdão de 10 de novembro de 1981, Comissão/Itália (28/81, Recueil, p. 2577, n.o 6).

( 27 ) V. jurisprudência referida na nota 25.

( 28 ) V., em especial, acórdãos de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha (C-499/99, Colet., p. I-6031, n.o 21), e de 18 de outubro de 2007, Comissão/França (C-441/06, Colet., p. I-8887, n.o 27).

( 29 ) V. acórdãos de 5 de outubro de 2006, Comissão/Alemanha (C-105/02, Colet., p. I-9659, n.o 89), e de 5 de outubro de 2006, Comissão/Bélgica (C-377/03, Colet., p. I-9733, n.o 95).

( 30 ) V., neste sentido, n.os 21 a 24 das conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo que deu origem ao acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Itália (C-334/08, Colet., p. I-6869).

( 31 ) V., entre outros, acórdãos, já referidos, Comissão/Espanha (C‑499/99, n.o 37) e Comissão/França (C‑214/07, n.o 64).

( 32 ) V., por exemplo, acórdãos de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha (C‑610/10, n.o 106), e de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão (C-277/00, Colet., p. I-3925, n.o 86). V. também n.os 22 e 23 das conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo que deu origem ao acórdão de 21 de março de 1991, Itália/Alemanha (C-305/89, Colet., p. I-1603).

( 33 ) Esse princípio tinha sido já estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 21 de setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o. (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.o 33), e no acórdão de 20 de março de 1997, Alcan Deutschland (C-24/95, Colet., p. I-1591, n.o 25). Por uma questão de exaustividade, importa referir que, naqueles casos, o Tribunal de Justiça aplicou aquele princípio restritivamente. Para uma análise crítica, v. Gambaro, E. e Papi Rossi, A., «Recovery of Unlawful and Incompatible Aid», in Santa Maria, A. (ed.), Competition and State Aid — An Analysis of the EC Practice, Kluwer Law International, Alphen aan den Rhijn: 2007, p. 183 a 220.

( 34 ) V., por exemplo, acórdãos de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank (C‑472/11, n.o 29), e de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o. (C-89/08 P, Colet., p. I-11245, n.os 50 e 54).

( 35 ) JO 2010, C 83, p. 309.

( 36 ) V., neste sentido, acórdãos de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères (C-94/00, Colet., p. I-9011, n.o 42), e de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C-52/09, Colet., p. I-527, n.os 20 a 22).

( 37 ) V., por analogia, despacho de 18 de janeiro de 2005, Zuazaga Meabe/IHMI (C-325/03 P, Colet., p. I-403, n.o 25), e acórdão de 12 de julho de 1984, Ferriera Valsabbia/Comissão (209/83, Recueil, p. 3089, n.o 22).

( 38 ) V., neste sentido, acórdão de 4 de março de 2010, Comissão/Itália (C-297/08, Colet., p. I-1749, n.os 80 a 86).

( 39 ) V., por exemplo, acórdão de 21 de março de 1991, Itália/Comissão (C-303/88, Colet., p. I-1433, n.os 56 e 60).

( 40 ) V., neste sentido, n.o 76 das conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo que deu origem ao acórdão de 13 de novembro de 2008, Comissão/França (C‑214/07), já referido.

( 41 ) V., neste sentido, acórdão de 5 de outubro de 2006, Comissão/França (C-232/05, Colet., p. I-10071, n.o 53).

( 42 ) V., por exemplo, acórdão Comissão/Itália (C‑353/12, já referido, n.o 41).

( 43 ) V. acórdão de 13 de março de 2007, Unibet (C-432/05, Colet., p. I-2271, n.o 75), e acórdão de 19 de junho de 1990, Factortame e o. (C-213/89, Colet., p. I-2433, n.o 23).

( 44 ) V., por exemplo, o acórdão Comissão/França (C‑214/07, já referido, n.o 56).

( 45 ) V. n.o 44 das conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo que deu lugar ao acórdão Comissão/França (C‑214/07), já referido.

( 46 ) V., entre outros, acórdão Comissão/Eslováquia (já referido, n.os 61 a 64).

( 47 ) Acórdão Comissão/Itália (C‑297/08, já referido, n.o 48 e jurisprudência aí referida). V., também, n.os 20 e 25 das conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo que deu origem ao acórdão de 16 de março de 2000, Comissão/Bélgica (C-236/99, Colet., p. I-5657).

( 48 ) De acordo com jurisprudência assente, um Estado‑Membro não fica exonerado da sua responsabilidade se a violação das suas obrigações no contexto da UE for atribuível, no todo ou em parte, a erros de interpretação ou aplicação das regras relevantes da UE pelos órgãos jurisdicionais nacionais. V., em especial, parecer 1/09 de 8 de março de 2011, Colet., p. I‑1137, n.o 87, e acórdão de 12 de novembro de 2009, Comissão/Espanha (C‑154/08). O Tribunal de Justiça proferiu recentemente uma série de decisões no domínio do controlo dos auxílios estatais que ilustram bem este ponto. V., em especial, acórdãos de 6 de outubro de 2011, Comissão/Itália (C‑302/09); de 22 de dezembro de 2010, Comissão/Itália (C-304/09, Colet., p. I-13903); e de 29 de março de 2012, Comissão/Itália (C‑243/10).

( 49 ) V. acórdão de 5 de outubro de 2006, Comissão/Grécia (C-475/01, Colet., p. I-8923, n.o 18 e jurisprudência aí referida).

( 50 ) Acórdãos de 22 de outubro de 1987, Foto‑Frost (314/85, Colet., p. 4199, n.os 9 a 18), e de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C-344/04, Colet., p. I-403, n.os 27 a 32).

( 51 ) Acórdãos de 21 de fevereiro de 1991, Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest (C-143/88 e C-92/89, Colet., p. I-415), e de 9 de novembro de 1995, Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (I) (C-465/93, Colet., p. I-3761).

( 52 ) Acórdão Comissão/Itália (C‑304/09, já referido, n.o 47).

( 53 ) Acórdão de 9 de março de 1994, Textilwerke Deggendorf (C-188/92, Colet., p. I-833, n.o 26).

( 54 ) Acórdão de 20 de maio de 2010, Scott e Kimberly Clark (C‑210/09, Colet., p. ECR I‑4613, n.o 29).

( 55 ) V., entre outros, acórdãos TWD Textilwerke Deggendorf (já referido, n.os 13, 17 e 20), e de 22 de outubro de 2002, National Farmers’ Union (C-241/01, Colet., p. I-9079, n.os 34 e 35).

( 56 ) V., por analogia, acórdão Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (I) (já referido, n.os 28 e 29 e 42 a 45).

( 57 ) V., em especial, acórdãos de 21 de novembro de 1991, Fédération Nationale du Commerce Extérieur des Produits Alimentaires e Syndicat National des Négociants et Transformateurs de Saumon («FNCE») (C-354/90, Colet., p. I-5505, n.os 11 e 12), e de 11 de julho de 1996, SFEI e o. (C-39/94, Colet., p. I-3547, n.os 39 e 40).

( 58 ) V. acórdão de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa (C‑284/12, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

( 59 ) V. n.o 76, supra.

( 60 ) V., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2013, Comissão/Itália (C‑411/12, n.o 35), de 14 de julho de 2011, Comissão/Itália (C‑303/09, n.o 32).

( 61 ) É jurisprudência assente que a inscrição do crédito relativo à restituição do auxílio incompatível na tabela de créditos de uma empresa objeto de um processo de liquidação é um meio de recuperação aceitável (v., por exemplo, acórdão Comissão/Espanha, C‑610/10, já referido, n.o 72 e jurisprudência aí referida).

( 62 ) De acordo com jurisprudência assente, a condição da impossibilidade absoluta de execução de uma decisão não se verifica quando o Estado‑Membro demandado se limita a comunicar à Comissão as dificuldades jurídicas, políticas ou práticas que a execução da decisão apresentava, sem efetuar uma verdadeira diligência junto das empresas em causa para recuperar o auxílio e sem propor à Comissão formas alternativas de execução da decisão que tivessem permitido superar as dificuldades (v., entre muitos outros, acórdão de 5 de maio de 2011, Comissão/Itália, C-305/09, Colet., p. I-3225, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

( 63 ) V. acórdão de 11 de março de 2010, CELF e Ministre de la Culture et de la Communication (C-1/09, Colet., p. I-2099, n.o 37).

( 64 ) V., neste sentido, o n.o 70 da Comunicação da Comissão intitulada «Para uma aplicação efetiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados‑Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis» (JO 2007, C 272, p. 4).

( 65 ) Neste contexto, é praticamente desnecessário acrescentar que a decisão da Comissão em causa foi, em última análise, confirmada em 3 de julho de 2013, data em que o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação interposto pela MB System.

( 66 ) Despacho do presidente do Tribunal Geral de 21 de junho de 2011, MB System/Comissão (T‑209/11 R, já referido, n.os 46 a 52).

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