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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62013CJ0166

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 5 de novembro de 2014.
Sophie Mukarubega contra Préfet de police et Préfet de la Seine‑Saint‑Denis.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal administratif de Melun.
Reenvio prejudicial – Vistos, asilo, imigração e outras políticas ligadas à livre circulação de pessoas – Diretiva 2008/115/CE – Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular – Procedimento de adoção de uma decisão de regresso – Princípio do respeito dos direitos de defesa – Direito de um nacional de um país terceiro em situação irregular de ser ouvido antes da adoção de uma decisão suscetível de lesar os seus interesses – Recusa da Administração, acompanhada de uma obrigação de abandonar o território, de conceder a esse nacional uma autorização de residência ao abrigo do direito de asilo – Direito de ser ouvido antes de a decisão de regresso ser proferida.
Processo C‑166/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:2336

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

5 de novembro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Vistos, asilo, imigração e outras políticas ligadas à livre circulação de pessoas — Diretiva 2008/115/CE — Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular — Procedimento de adoção de uma decisão de regresso — Princípio do respeito dos direitos de defesa — Direito de um nacional de um país terceiro em situação irregular de ser ouvido antes da adoção de uma decisão suscetível de lesar os seus interesses — Recusa da Administração, acompanhada de uma obrigação de abandonar o território, de conceder a esse nacional uma autorização de residência ao abrigo do direito de asilo — Direito de ser ouvido antes de a decisão de regresso ser proferida»

No processo C‑166/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal administratif de Melun (França), por decisão de 8 de março de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de abril de 2013, no processo

Sophie Mukarubega

contra

Préfet de police,

Préfet de la Seine‑Saint‑Denis,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, A. Rosas (relator), E. Juhász, D. Šváby e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de maio de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação de S. Mukarubega, por B. Vinay, avocat,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues, D. Colas, F.‑X. Bréchot e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por M. Michelogiannaki e L. Kotroni, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por J. Langer e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e D. Maidani, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de junho de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO L 348, p. 98), bem como do direito de ser ouvido em qualquer procedimento.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe S. Mukarubega, de nacionalidade ruandesa, ao préfet de police e ao préfet de la Seine‑Saint‑Denis, relativamente a decisões que recusaram o seu pedido de autorização de residência com o estatuto de refugiada e impuseram a obrigação de abandonar o território francês.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 4, 6 e 24 da Diretiva 2008/115 têm a seguinte redação:

«(4)

Importa estabelecer normas claras, transparentes e justas para uma política de regresso eficaz, enquanto elemento necessário de uma política de migração bem gerida.

[...]

(6)

Os Estados‑Membros deverão assegurar a cessação das situações irregulares de nacionais de países terceiros através de um procedimento justo e transparente. De acordo com os princípios gerais do direito comunitário, as decisões ao abrigo da presente diretiva deverão ser tomadas caso a caso e ter em conta critérios objetivos, sendo que a análise não se deverá limitar ao mero facto da permanência irregular. [...]

[...]

(24)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios consagrados, em especial, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir ‘Carta’].»

4

O artigo 1.o da referida diretiva, com a epígrafe «Objeto», enuncia:

«A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

5

O artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva enuncia:

«A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.»

6

Nos termos do artigo 3.o da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

2)

‘Situação irregular’, a presença, no território de um Estado‑Membro, de um nacional de país terceiro que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições [...] aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro;

[...]

4)

‘Decisão de regresso’, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

5)

‘Afastamento’, a execução do dever de regresso, ou seja, o transporte físico para fora do Estado‑Membro;

[...]

7)

‘Risco de fuga’, a existência num caso concreto de razões, baseadas em critérios objetivos definidos por lei, para crer que o nacional de país terceiro objeto de um procedimento de regresso pode fugir;

[...]»

7

O artigo 6.o da referida diretiva, com a epígrafe «Decisão de regresso», enuncia:

«1.   Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

[...]

4.   Os Estados‑Membros podem, a qualquer momento, conceder autorizações de residência autónomas ou de outro tipo que, por razões compassivas, humanitárias ou outras, confiram o direito de permanência a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território. Neste caso, não pode ser emitida qualquer decisão de regresso. Nos casos em que já tiver sido emitida decisão de regresso, esta deve ser revogada ou suspensa pelo prazo de vigência da autorização de residência ou outra que confira direito de permanência.

[...]

6.   A presente diretiva não obsta a que os Estados‑Membros tomem decisões de cessação da permanência regular a par de decisões de regresso, ordens de afastamento, e/ou proibições de entrada, por decisão ou ato administrativo ou judicial previsto no respetivo direito interno, sem prejuízo das garantias processuais disponíveis ao abrigo do capítulo III e de outras disposições aplicáveis do direito comunitário e do direito nacional.»

8

O artigo 7.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Partida voluntária», dispõe:

«1.   A decisão de regresso deve prever um prazo adequado para a partida voluntária, entre sete e trinta dias, sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 e 4.

[...]

4.   Se houver risco de fuga ou se tiver sido indeferido um pedido de permanência regular por ser manifestamente infundado ou fraudulento, ou se a pessoa em causa constituir um risco para a ordem ou segurança pública ou para a segurança nacional, os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou podem conceder um prazo inferior a sete dias.»

9

O artigo 12.o da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Forma», prevê, no n.o 1, primeiro parágrafo:

«As decisões de regresso e, se tiverem sido emitidas, as decisões de proibição de entrada e as decisões de afastamento são emitidas por escrito e contêm as razões de facto e de direito que as fundamentam, bem como informações acerca das vias jurídicas de recurso disponíveis.»

10

O artigo 13.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Vias de recurso», determina, nos seus n.o 1 e 3:

«1.   O nacional de país terceiro em causa deve dispor de vias de recurso efetivo contra as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o n.o 1 do artigo 12.o, ou da possibilidade de requerer a sua reapreciação, perante uma autoridade judicial ou administrativa competente ou um órgão competente composto por membros imparciais que ofereçam garantias de independência.

[...]

3.   O nacional de país terceiro em causa pode obter assistência e representação jurídicas e, se necessário, serviços linguísticos.»

Direito francês

11

Nos termos do artigo L. 511‑1 do Código da Entrada e da Residência dos Estrangeiros e do Direito de Asilo (code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile), conforme alterado pela Lei n.o 2011‑672, de 16 de junho de 2011, relativa à emigração, à integração e à nacionalidade (loi no 2011‑672, du 16 juin 2011, relative à l’immigration, à l’intégration et à la nationalité; JORF de 17 de junho de 2011, p. 10290, a seguir «Ceseda»):

«I.

A autoridade administrativa pode obrigar a abandonar o território francês um estrangeiro que não seja nacional de um Estado‑Membro da União Europeia [...], e que não seja membro da família desse nacional, na aceção dos pontos 4° e 5° do artigo L. 121‑1, nos seguintes casos:

[...]

Se a concessão ou a renovação da autorização de residência tiver sido recusada ao estrangeiro ou se a mesma lhe tiver sido retirada;

[...]

Se o comprovativo do pedido do título de residência ou a autorização provisória de residência emitida ao estrangeiro lhe tiver sido retirada, ou se a renovação destes documentos lhe tiver sido recusada.

A decisão que estabelece a obrigação de abandonar o território francês deve ser fundamentada.

A fundamentação da referida decisão não pode ser distinta da fundamentação da decisão relativa à autorização de residência nos casos previstos nos pontos 3° e 5° da presente secção I, sem prejuízo, sendo caso disso, da indicação das razões por que se aplicam as secções II e III.

No caso de execução oficiosa, a obrigação de abandonar o território francês deve fixar o país para o qual o estrangeiro é enviado.

II.

Para dar cumprimento à obrigação que lhe foi imposta de abandonar o território francês, o estrangeiro dispõe de um prazo de trinta dias a contar da notificação e, para o efeito, pode recorrer a um dispositivo de auxílio ao regresso ao seu país de origem. Em função da situação pessoal do estrangeiro, a autoridade administrativa pode conceder, a título excecional, um prazo de partida voluntária superior a trinta dias.

Contudo, a autoridade administrativa pode, mediante decisão fundamentada, decidir que o estrangeiro é obrigado a abandonar imediatamente o território francês:

[...]

Se houver o risco de o estrangeiro não cumprir essa obrigação. Este risco é considerado demonstrado, salvo circunstâncias especiais, nos seguintes casos:

[...]

d)

Se o estrangeiro não tiver respeitado uma anterior medida de afastamento;

e)

Se o estrangeiro tiver contrafeito, falsificado ou obtido sob outro nome uma autorização de residência ou um documento de identidade ou de viagem;

[...]

A autoridade administrativa pode aplicar o disposto no segundo parágrafo da presente secção II, quando o motivo ocorrer durante o prazo concedido nos termos do primeiro parágrafo.

[...]»

12

O artigo L. 512‑1 do Ceseda dispõe:

«I.

O estrangeiro sujeito à obrigação de abandonar o território francês e que disponha do prazo de partida voluntária indicado no primeiro parágrafo da secção II do artigo L. 511‑1 pode, no prazo de [30] dias após a sua notificação, pedir ao tribunal administrativo a anulação dessa decisão, bem como a anulação da decisão relativa à residência, da decisão que indica o país de destino e da decisão de proibição de regresso ao território francês que eventualmente a acompanhem. O estrangeiro que for objeto da proibição de regresso prevista no terceiro parágrafo da secção III do mesmo artigo L. 511‑1 pode, no prazo de trinta dias após a sua notificação, pedir a anulação dessa decisão.

O estrangeiro pode requerer a concessão de apoio judiciário, o mais tardar, aquando da interposição do seu recurso de anulação. O tribunal administrativo pronunciar‑se‑á no prazo de três meses a contar da interposição do recurso.

Todavia, se o estrangeiro for colocado em detenção, em aplicação do artigo L. 551‑1 [...], o recurso será decidido nos termos do procedimento e nos prazos previstos na secção III do presente artigo.

II.

O estrangeiro sujeito à obrigação de abandonar imediatamente o território pode, nas [48] horas após a sua notificação por via administrativa, pedir ao presidente do tribunal administrativo a anulação dessa decisão, bem como a anulação da decisão relativa à residência, da decisão que recusa um prazo de partida voluntária, da decisão que indica o país de destino e da decisão de proibição de regresso ao território francês que eventualmente a acompanhem.

O recurso será decidido nos termos do procedimento e nos prazos previstos na secção I.

Todavia, se o estrangeiro for colocado em detenção, em aplicação do artigo L. 551‑1 [...], o recurso será decidido nos termos do procedimento e nos prazos previstos na secção III do presente artigo.

III.

Em caso de decisão de detenção [...], o estrangeiro pode pedir ao presidente do tribunal administrativo a anulação desta decisão nas [48] horas seguintes à sua notificação. Quando o estrangeiro tiver sido sujeito à obrigação de abandonar o território francês, o mesmo recurso de anulação pode igualmente ser dirigido contra a obrigação de abandonar o território francês e contra a decisão que recusa um prazo de partida voluntária, a decisão que indica o país de destino e a decisão de proibição de regresso ao território francês que eventualmente a acompanhem, quando essas decisões forem notificadas com a decisão de detenção ou de prisão domiciliária. [...]

[...]»

13

O artigo L. 512‑3 do Ceseda dispõe:

«Os artigos L. 551‑1 e L. 561‑2 são aplicáveis ao estrangeiro que esteja sujeito à obrigação de abandonar o território francês a partir do termo do prazo de partida voluntária que lhe foi concedido ou, se nenhum prazo lhe foi concedido, a partir da notificação da obrigação de abandonar o território francês.

A obrigação de abandonar o território francês não pode ser objeto de execução oficiosa nem antes do termo do prazo de partida voluntária ou, caso não tenha sido concedido nenhum prazo, antes do termo do prazo de [48] horas seguintes à sua notificação por via administrativa, nem antes da decisão do tribunal administrativo, se este tiver sido chamado a pronunciar‑se. O estrangeiro será informado por escrito da obrigação de abandonar o território francês.»

14

O artigo L. 742‑7 do Ceseda enuncia:

«O estrangeiro ao qual tenha sido definitivamente recusado o reconhecimento do estatuto de refugiado ou o benefício da proteção subsidiária e que não possa ser autorizado a ficar no território a outro título deve abandonar o território francês, sob pena de ser sujeito a uma medida de afastamento prevista no título I do livro V e, caso se justifique, às sanções previstas no capítulo I do título II do livro VI.»

15

O artigo 24.o da Lei n.o 2000‑321, de 12 de abril de 2000, relativa aos direitos dos cidadãos nas suas relações com a Administração (loi no 2000‑321, du 12 avril 2000, relative aux droits des citoyens dans leurs relations avec l’administration; JORF de 13 de abril de 2000, p. 5646), prevê:

«Com exceção dos casos em que se decide sobre um pedido, as decisões individuais que devem ser fundamentadas em aplicação dos artigos 1.° e 2.° da Lei n.o 79‑587, de 11 de julho de 1979, relativa à fundamentação dos atos administrativos e à melhoria das relações entre a Administração Pública e os cidadãos (loi no 79‑587, du 11 juillet 1979, relative à la motivation des actes administratifs et à l’amélioration des relations entre l’administration et le public), só podem ser adotadas depois de a pessoa interessada ter tido oportunidade de apresentar observações escritas e, se for caso disso, a seu pedido, observações orais. Esta pessoa pode recorrer a um defensor ou ser representada por um mandatário à sua escolha. A autoridade administrativa não está obrigada a deferir os pedidos de audição abusivos, nomeadamente, pelo seu número ou pelo seu caráter repetitivo ou sistemático.

As disposições do parágrafo anterior não são aplicáveis:

[...]

Às decisões para as quais um processo contraditório especial tenha sido instituído por disposições legislativas.»

16

Segundo o despacho de reenvio, o Conseil d’État entendeu, num parecer de 19 de outubro de 2007, que, nos termos do artigo 24.o, ponto 3°, da Lei n.o 2000‑321, de 12 de abril de 2000, relativa aos direitos dos cidadãos nas suas relações com a Administração, o artigo 24.o desta lei não é aplicável às decisões que impõem a obrigação de abandonar o território francês, na medida em que, ao prever no Ceseda garantias processuais específicas, o legislador pretendeu estabelecer todas as regras de procedimento administrativo e contencioso a que estão sujeitas a adoção e a execução dessas decisões.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

S. Mukarubega, nascida em 12 de março de 1986 e de nacionalidade ruandesa, entrou em França, em 10 de setembro de 2009, munida do seu passaporte com visto.

18

Requereu uma autorização de residência em França, ao abrigo do direito de asilo. Durante o período de apreciação do seu requerimento, beneficiou de uma autorização provisória de residência, que foi regularmente renovada.

19

Por decisão de 21 de março de 2011, tomada após a audição da interessada, o diretor‑geral do Office français de protection des réfugiés et apatrides (Gabinete francês de Proteção aos Refugiados e Apátridas) (OFPRA) recusou o seu pedido de asilo.

20

S. Mukarubega recorreu dessa decisão para a Cour nationale du droit d’asile (Tribunal Nacional em matéria de Asilo) (CNDA). Na audiência realizada neste tribunal, S. Mukarubega, representada por um advogado, foi ouvida, assistida por um intérprete.

21

Por decisão de 30 de agosto de 2012, notificada a S. Mukarubega em 10 de setembro seguinte, o CNDA negou provimento a esse recurso.

22

Tendo em conta as decisões tomadas pelo OFPRA e pelo CNDA, o préfet de police recusou‑se, por decisão de 26 de outubro de 2012, a emitir uma autorização de residência a S. Mukarubega, na qualidade de refugiada, e decidiu impor‑lhe a obrigação de abandonar o território francês, fixando‑lhe um prazo de partida voluntária de 30 dias e indicando o Ruanda como país de destino para o qual S. Mukarubega podia ser afastada.

23

Não obstante, S. Mukarubega permaneceu irregularmente no território francês.

24

No início de março de 2013, S. Mukarubega tentou ir para o Canadá, sob falsa identidade, servindo‑se de um passaporte belga obtido fraudulentamente. Foi então detida pela polícia e presa preventivamente, em 4 de março de 2013, por «utilização fraudulenta de um documento administrativo», infração prevista e punida nos artigos 441‑2 e 441‑3 do Código Penal.

25

Enquanto esteve presa preventivamente, em 4 de março, das 12h15 às 18h45, S. Mukarubega foi ouvida sobre a sua situação pessoal e familiar, o seu percurso, o seu direito de residência em França e o seu eventual regresso ao Ruanda.

26

Por decisão de 5 de março de 2013, o préfet de la Seine‑Saint‑Denis, tendo constatado que S. Mukarubega se encontrava em situação irregular no território francês, ordenou que abandonasse a França, sem lhe conceder um prazo de partida voluntária, dado existir risco de fuga. No mesmo dia, S. Mukarubega foi informada da possibilidade de interpor recurso suspensivo desta decisão.

27

Tendo constatado que S. Mukarubega não podia abandonar imediatamente o território francês por falta de meio de transporte disponível, que não dava garantias bastantes por não ter um documento de identidade ou de viagem válido e uma morada permanente e que havia o risco de se subtrair à medida de afastamento de que era objeto, o préfet de la Seine‑Saint Denis determinou, noutra decisão de 5 de março de 2013, que não lhe podia ser aplicada a medida de prisão domiciliária e ordenou que fosse colocada em detenção em instalações não pertencentes à administração penitenciária, durante cinco dias, que era o tempo estritamente necessário à sua partida.

28

S. Mukarubega foi então colocada num centro de detenção administrativo.

29

Por petições de recurso registadas em 6 de março de 2013, S. Mukarubega pediu a anulação da decisão de 26 de outubro de 2012 e das duas decisões de 5 de março de 2013, bem como a concessão de uma autorização provisória de residência e o reexame da sua situação.

30

Como fundamento dos seus recursos, S. Mukarubega alega, em primeiro lugar, que a decisão de 5 de março de 2013 que ordena a sua detenção carece de base legal, pois foi‑lhe notificada antes da decisão, que constituía o seu fundamento, datada do mesmo dia, e que a obrigava a abandonar o território francês.

31

S. Mukarubega alega, em segundo lugar, que as decisões de 26 de outubro de 2012 e de 5 de março de 2013, que ordenavam que abandonasse o território francês, foram adotadas em violação do princípio da boa administração, enunciado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, pois não pôde apresentar observações antes de as mesmas serem tomadas. O caráter suspensivo do recurso de anulação contra as referidas decisões não dispensa as autoridades competentes da aplicação do princípio da boa administração.

32

Por decisão de 8 de março de 2013, o tribunal administratif de Melun anulou, por falta de base legal, a decisão de 5 de março de 2013 que determinava a colocação de S. Mukarubega em detenção administrativa.

33

Quanto às decisões de 26 de outubro de 2012 e de 5 de março de 2013, que obrigavam S. Mukarubega a abandonar o território francês, o tribunal administratif de Melun formula as seguintes observações.

34

Aquele tribunal considera que essas duas decisões constituem «decisões de regresso» na aceção do artigo 3.o da Diretiva 2008/115. Por força do artigo L. 511‑1 do Ceseda, bem como do artigo 6.o, n.o 6, daquela diretiva, o estrangeiro que tenha apresentado um pedido de autorização de residência pode ver recusado esse pedido e, simultaneamente, ficar sujeito à obrigação de abandonar o território. O referido tribunal entende que, nessas condições, o interessado teve a oportunidade de invocar perante a Administração, na pendência do processo, qualquer elemento relativo à sua situação pessoal. No entanto, observa que a decisão de recusa do pedido de autorização de residência pode ser tomada, sem que o interessado tenha sido informado previamente, no termo de um longo período posterior à apresentação do respetivo pedido, de modo que a situação deste pode ter evoluído desde essa apresentação.

35

O mesmo tribunal acrescenta que, de acordo com o artigo 7.o, n.o 4, da referida diretiva, se houver risco de fuga, os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária e que, nos termos do artigo L. 512‑3 do Ceseda, «[a] obrigação de abandonar o território francês não pode ser objeto de execução oficiosa nem antes do termo do prazo de partida voluntária ou, caso não tenha sido concedido nenhum prazo, antes do termo do prazo de [48] horas seguintes à sua notificação por via administrativa, nem antes da decisão do tribunal administrativo, se este tiver sido chamado a pronunciar‑se».

36

Resulta destas disposições que um estrangeiro em situação irregular que esteja sujeito a uma obrigação de abandonar o território pode interpor um recurso para o tribunal administrativo por abuso de poder, recurso este cuja interposição terá por efeito suspender o caráter executório da medida de afastamento.

37

Nestas circunstâncias, o tribunal administratif de Melun decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1)

O direito [de] ser ouvido num [procedimento], que faz parte integrante do princípio fundamental do respeito dos direitos de defesa, e está, além disso, consagrado no artigo 41.o da [Carta], deve ser interpretado no sentido de que impõe à administração, quando prevê tomar uma decisão de regresso de um estrangeiro em situação irregular, a obrigação de dar ao interessado a possibilidade de apresentar as suas observações, quer esta decisão de regresso seja ou não posterior a uma recusa de autorização de residência, nomeadamente no caso de existir risco de fuga?

2)

O efeito suspensivo do processo contencioso perante o tribunal administrativo permite derrogar a faculdade conferida ao estrangeiro em situação irregular de dar a conhecer previamente o seu ponto de vista quanto à medida de afastamento desfavorável que se prevê adotar contra ele?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

38

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito de ser ouvido num procedimento, tal como é aplicável no âmbito da Diretiva 2008/115, designadamente do seu artigo 6.o, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma autoridade nacional não proceda à audição do nacional de um país terceiro, especificamente sobre uma decisão de regresso, quando, após ter concluído pela irregularidade da sua permanência no território nacional, no termo de um procedimento em que o referido nacional foi ouvido, pretende tomar essa decisão de regresso, seja ela consecutiva ou não à recusa da autorização de residência.

39

A título preliminar, há que lembrar que, nos termos do seu considerando 2, a Diretiva 2008/115 prossegue a definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento, assente em normas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e pela dignidade das pessoas. Como resulta tanto da sua epígrafe como do seu artigo 1.o, a Diretiva 2008/115 institui, para o efeito, «normas e procedimentos comuns» que devem ser aplicados nos Estados‑Membros, para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (v. acórdãos El Dridi, C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.os 31 e 32; Arslan, C‑534/11, EU:C:2013:343, n.o 42; e Pham, C‑474/13, EU:C:2014:2096, n.o 20).

40

No seu capítulo III, sob a epígrafe «Garantias processuais», a Diretiva 2008/115 fixa os requisitos formais a que devem obedecer as decisões de regresso e, sendo o caso, as decisões de proibição de entrada e de afastamento, as quais devem, designadamente, ser emitidas por escrito e fundamentadas, e obriga os Estados‑Membros a estabelecerem vias de recurso efetivas contra estas decisões (v., quanto às decisões de afastamento, acórdão G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 29).

41

Contudo, importa referir que, embora os autores da Diretiva 2008/115 tenham decidido enquadrar pormenorizadamente as garantias atribuídas aos nacionais de países terceiros em causa, no que respeita às decisões de regresso, às decisões de proibição de entrada e às decisões de afastamento, em contrapartida, não especificaram se, e em que condições, deveria ser assegurado o respeito do direito destes nacionais de serem ouvidos, nem as consequências que deveriam ser retiradas da violação deste direito (v., neste sentido, acórdão G. e R., EU:C:2013:533, n.o 31).

42

De acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o respeito dos direitos de defesa constitui um princípio fundamental do direito da União, de que o direito de ser ouvido em todos os processos faz parte integrante (acórdãos Sopropé, C‑349/07, EU:C:2008:746, n.os 33 e 36; M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 81 e 82; e Kamino International Logistics, C‑129/13, EU:C:2014:2041, n.o 28).

43

O direito de ser ouvido em todos os processos está hoje consagrado não só nos artigos 47.° e 48.° da Carta, que garantem o respeito dos direitos de defesa assim como do direito a um processo equitativo no âmbito de qualquer processo jurisdicional, mas também no seu artigo 41.o, que assegura o direito a uma boa administração. O n.o 2 do referido artigo 41.o prevê que este direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa de ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada uma medida individual que a afete desfavoravelmente (acórdãos M., EU:C:2012:744, n.os 82 e 83, e Kamino International Logistics, EU:C:2014:2041, n.o 29).

44

Tal como o Tribunal de Justiça lembrou no n.o 67 do acórdão Y S e o. (C‑141/12 e C‑372/12, EU:C:2014:2081), resulta claramente da letra do artigo 41.o da Carta que este se dirige não aos Estados‑Membros mas unicamente às instituições, órgãos e organismos da União (v., neste sentido, acórdão Cicala, C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 28). Assim, o requerente de uma autorização de residência não pode retirar do artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta um direito de ser ouvido em todos os procedimentos respeitantes ao seu pedido.

45

Em contrapartida, esse direito é parte integrante do respeito dos direitos de defesa, princípio geral do direito da União.

46

O direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista, de maneira útil e efetiva, no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v., nomeadamente, acórdão M., EU:C:2012:744, n.o 87 e jurisprudência referida).

47

Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a regra segundo a qual deve ser dada ao destinatário de uma decisão lesiva dos seus interesses a possibilidade de apresentar as suas observações antes de a mesma ser tomada destina‑se a permitir que a autoridade competente tenha utilmente em conta todos os elementos pertinentes. A fim de assegurar uma proteção efetiva da pessoa em causa, essa regra tem, designadamente, por objetivo permitir que esta pessoa possa corrigir um erro ou invoque determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de a decisão ser tomada, não ser tomada ou ter determinado conteúdo (v., neste sentido, acórdão Sopropé, EU:C:2008:746, n.o 49).

48

O referido direito implica igualmente que a Administração preste toda a atenção necessária às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentando a sua decisão de forma circunstanciada (v. acórdãos Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, e Sopropé, EU:C:2008:746, n.o 50), constituindo, assim, o dever de fundamentar uma decisão de forma suficientemente específica e concreta para permitir que o interessado possa compreender as razões da recusa oposta ao seu pedido o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa (acórdão M., EU:C:2012:744, n.o 88).

49

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito do referido direito impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade (v. acórdãos Sopropé, EU:C:2008:746, n.o 38; M., EU:C:2012:744, n.o 86; e G. e R., EU:C:2013:533, n.o 32).

50

A obrigação de respeitar os direitos de defesa dos destinatários de decisões que afetam sensivelmente os seus interesses incumbe, assim, em princípio, às Administrações dos Estados‑Membros, sempre que estas tomem medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União (acórdão G. e R., EU:C:2013:533, n.o 35).

51

Quando, como acontece no presente caso, nem as condições em que deve ser assegurado o respeito dos direitos de defesa dos nacionais de países terceiros em situação irregular nem as consequências da violação desses direitos sejam fixadas pelo direito da União, essas condições e essas consequências são regidas pelo direito nacional, desde que as medidas adotadas neste sentido sejam equivalentes àquelas de que beneficiam os particulares em situações de direito nacional comparáveis (princípio da equivalência) e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos de defesa conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, designadamente, acórdãos Sopropé, EU:C:2008:746, n.o 38; Iaia e o., C‑452/09, EU:C:2011:323, n.o 16; e G. e R., EU:C:2013:533, n.o 35).

52

Essas exigências de equivalência e de efetividade exprimem a obrigação geral de os Estados‑Membros assegurarem o respeito dos direitos de defesa conferidos aos cidadãos pelo direito da União, nomeadamente no que diz respeito à definição das regras processuais (v., neste sentido, acórdão Alassini e o., C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 49).

53

Todavia, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, os direitos fundamentais, como o respeito dos direitos de defesa, não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, na condição de estas responderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituírem, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (acórdãos Alassini e o., C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 63; G. e R., EU:C:2013:533, n.o 33; e Texdata Software, C‑418/11, EU:C:2013:588, n.o 84).

54

Além disso, a existência de uma violação dos direitos de defesa deve ser apreciada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto (v., neste sentido, acórdão Solvay/Comissão, C‑110/10 P, EU:C:2011:687, n.o 63), nomeadamente, da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdãos Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 102 e jurisprudência referida, e G. e R., EU:C:2013:533, n.o 34).

55

É, pois, no contexto global da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao respeito dos direitos de defesa e do sistema da Diretiva 2008/115 que os Estados‑Membros devem, por um lado, determinar, relativamente aos nacionais de países terceiros em situação irregular, as condições em que deve ser assegurado o respeito do direito de serem ouvidos e, por outro, retirar as consequências da violação deste direito (v., neste sentido, acórdão G. e R., EU:C:2013:533, n.o 37).

56

No processo principal, nem a Diretiva 2008/115 nem a legislação nacional aplicável estabelecem um procedimento específico que garanta aos nacionais de países terceiros em situação irregular o direito de serem ouvidos antes da adoção de uma decisão de regresso.

57

No entanto, quanto ao sistema da Diretiva 2008/115 que regula as decisões de regresso em causa no processo principal, há que salientar que, uma vez verificada a situação de irregularidade, as autoridades nacionais competentes estão obrigadas a emitir uma decisão de regresso, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva e sem prejuízo das exceções previstas no seu artigo 6.o, n.os 2 a 5 (v., neste sentido, acórdãos El Dridi, EU:C:2011:268, n.o 35, e Achughbabian, EU:C:2011:807, n.o 31).

58

Além disso, o artigo 6.o, n.o 6, da Diretiva 2008/115 permite que os Estados‑Membros tomem decisões de cessação de permanência regular a par de decisões de regresso. Por outro lado, a definição do conceito de «decisão de regresso», que figura no artigo 3.o, ponto 4, dessa diretiva, associa a declaração da situação irregular ao dever de regresso.

59

Por conseguinte, e sem prejuízo das exceções previstas no artigo 6.o, n.os 2 a 5, da referida diretiva, a decisão de regresso decorre necessariamente da decisão que declara a irregularidade da permanência do interessado.

60

Assim, dado que a decisão de regresso está intimamente ligada, nos termos da Diretiva 2008/115, à constatação da irregularidade da permanência, o direito de ser ouvido não pode ser interpretado no sentido de que quando a autoridade nacional competente preveja adotar simultaneamente uma decisão que declara uma situação irregular e uma decisão de regresso, essa autoridade tem necessariamente de ouvir o interessado, permitindo‑lhe apresentar o seu ponto de vista especificamente sobre esta última decisão, desde que este tenha tido a possibilidade de apresentar, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista sobre a irregularidade da sua permanência e sobre os motivos suscetíveis de justificar, à luz do direito nacional, que a referida autoridade não adote uma decisão de regresso.

61

Todavia, no que respeita ao procedimento administrativo a seguir, de acordo com o considerando 6 da Diretiva 2008/115, os Estados‑Membros deverão assegurar a cessação das situações irregulares de nacionais de países terceiros através de um procedimento justo e transparente (acórdão Mahdi, C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.o 40).

62

Consequentemente, decorre da obrigação, imposta pelo artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva, de adotar uma decisão de regresso relativamente aos nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território, nos termos de um procedimento justo e transparente, que os Estados‑Membros devem, no âmbito da autonomia processual de que dispõem, por um lado, prever expressamente na sua legislação nacional a obrigação de abandonar o território em caso de situação irregular e, por outro, diligenciar no sentido de o interessado ser validamente ouvido no âmbito do procedimento relativo ao seu pedido de residência ou, se for o caso, sobre a irregularidade da sua permanência.

63

No tocante, por um lado, à exigência de prever, no direito nacional, a obrigação de abandonar o território em caso de situação irregular, há que realçar que o artigo L. 511‑1, secção I, 3°, do Ceseda prevê expressamente que a autoridade francesa competente pode obrigar a abandonar o território francês um estrangeiro que não seja nacional de um Estado‑Membro da União, de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou da Confederação Suíça, e que não seja membro da família desse nacional, se a concessão ou a renovação da autorização de residência lhe tiver sido recusada ou se a autorização que tinha sido emitida lhe tiver sido retirada.

64

Além disso, resulta do dossiê submetido ao Tribunal de Justiça que o artigo L. 742‑7 do Ceseda especifica que o estrangeiro ao qual tenham sido definitivamente recusados o reconhecimento do estatuto de refugiado ou o benefício da proteção subsidiária e que não possa ser autorizado a permanecer no território a outro título deve abandonar o território francês, sob pena de ser sujeito a uma medida de afastamento.

65

Por conseguinte, a obrigação de abandonar o território em caso de situação irregular está expressamente prevista no direito nacional.

66

No tocante, por outro lado, ao respeito do direito de ser ouvido sobre o seu pedido de permanência e, eventualmente, a propósito da irregularidade da permanência, no contexto da adoção das decisões de regresso em causa no processo principal, há que observar que, com a primeira decisão de regresso em causa no processo principal, concretamente a de 26 de outubro de 2012, tomada menos de dois meses após a notificação a S. Mukarubega da decisão do CNDA que confirmou a decisão do OFPRA de lhe recusar o estatuto de refugiada, as autoridades francesas recusaram‑se a reconhecer a S. Mukarubega um direito de permanência ao abrigo do direito de asilo e obrigaram‑na, concomitantemente, a abandonar o território francês.

67

No caso vertente, há que observar que a primeira decisão de regresso foi tomada na sequência do encerramento do procedimento de exame do direito de permanência de S. Mukarubega ao abrigo do direito de asilo, procedimento esse no âmbito do qual pôde apresentar de forma exaustiva todos os fundamentos do seu pedido de asilo, e após a mesma ter esgotado todas as vias de recurso previstas no direito nacional em matéria de indeferimento deste pedido.

68

Aliás, S. Mukarubega não contestou o facto de ter sido ouvida sobre o seu pedido de asilo, por um lado, pelo OFPRA e, por outro, pelo CNDA, de maneira útil e efetiva e em condições que lhe permitiram expor todos os fundamentos do seu pedido. S. Mukarubega acusa, designadamente, as autoridades nacionais competentes de não a terem ouvido sobre a evolução da sua situação pessoal entre a data do seu pedido de asilo e a data de adoção da primeira decisão de regresso, ou seja, durante um período de 33 meses.

69

Ora, importa salientar que um argumento dessa natureza não é pertinente, uma vez que S. Mukarubega foi ouvida uma segunda vez sobre o seu pedido de asilo, em 17 de julho de 2012, pelo CNDA, ou seja, seis semanas antes da decisão deste último de lhe recusar o asilo e pouco mais de três meses antes da primeira decisão de regresso.

70

Assim, S. Mukarubega pôde apresentar, de maneira útil e efetiva, as suas observações sobre a irregularidade da sua permanência. Por conseguinte, a obrigação de a ouvir especificamente sobre a decisão de regresso, antes de adotar a referida decisão, arrastaria inutilmente o procedimento administrativo, sem aumentar a proteção jurídica da interessada.

71

A este respeito, como o advogado‑geral observou no n.o 72 das suas conclusões, há que realçar que o direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão de regresso não pode ser instrumentalizado para reabrir indefinidamente o procedimento administrativo, isto tendo em vista preservar o equilíbrio entre o direito fundamental do interessado de ser ouvido antes da adoção de uma decisão que lhe causa prejuízo e a obrigação dos Estados‑Membros de combaterem a imigração ilegal.

72

Decorre daqui que, nestas circunstâncias, a primeira decisão de regresso tomada em relação a S. Mukarubega, na sequência do procedimento que conduziu a recusar‑lhe o estatuto de refugiada e a concluir pela irregularidade da sua permanência, é o prolongamento lógico e necessário desse procedimento à luz do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 e foi tomada no respeito do direito de ser ouvido.

73

No tocante à segunda decisão de regresso de 5 de março de 2013, resulta do dossiê de que dispõe o Tribunal de Justiça que, antes dessa decisão, S. Mukarubega foi presa preventivamente com fundamento no artigo 62‑2 do Código de Processo Penal francês, em razão da utilização fraudulenta de um documento administrativo.

74

A audição de S. Mukarubega teve lugar em 4 de março de 2013, das 15h30 às 16h20. Resulta da ata da audição que S. Mukarubega foi ouvida, designadamente, sobre o seu direito de permanência em França. Foi interrogada sobre a questão de saber se aceitava regressar ao seu país de origem e se desejava permanecer em França.

75

Como o advogado‑geral realçou no n.o 90 das suas conclusões, embora a audição tivesse decorrido principalmente sob a forma de perguntas e respostas, S. Mukarubega foi convidada, durante a mesma, a acrescentar quaisquer outras observações que considerasse pertinentes.

76

Resulta claramente dessa ata que S. Mukarubega sabia que não tinha o direito de permanecer legalmente em França, apesar das várias diligências que efetuara a esse respeito, e que conhecia as consequências da sua situação irregular. S. Mukarubega indicou que, devido ao facto de estar em situação irregular e de não poder trabalhar nem permanecer em França, tinha conseguido arranjar um passaporte belga falso, para ir para o Canadá.

77

Nas suas observações escritas, o Governo francês salienta que, no âmbito da prisão preventiva, S. Mukarubega «foi ouvida pelos serviços de polícia sobre a sua situação, nomeadamente a respeito do direito de permanência», que, «assim, indicou ter tentado deixar o território francês, para ir para o Canadá, munida de um passaporte obtido fraudulentamente na Bélgica», que «não apresentou nenhum elemento relativo às razões da sua presença no território francês que pudesse justificar um eventual direito de permanência em França» e que, «em especial, não declarou ter intenção de apresentar novo pedido de proteção internacional».

78

O Governo francês acrescenta que, no âmbito da prisão preventiva que precedeu a segunda decisão de regresso, S. Mukarubega apenas tentou alegar que a sua situação excecional era suscetível de permitir uma regularização da sua permanência em França.

79

Daqui resulta que S. Mukarubega beneficiou da possibilidade de ser ouvida tendo em consideração outros fatores para além do «mero facto da permanência irregular», na aceção do considerando 6 da Diretiva 2008/115.

80

Atendendo às modalidades de audição de S. Mukarubega e na medida em que as garantias estabelecidas pela legislação e a jurisprudência francesas foram respeitadas, o facto de esta audição ter durado 50 minutos não pode, só por si, levar à conclusão de que foi insuficiente.

81

Uma vez que a segunda decisão de regresso foi tomada pouco tempo após a audição de S. Mukarubega a respeito da irregularidade da sua permanência e que esta pôde apresentar, de maneira útil e efetiva, as suas observações a esse respeito, decorre das considerações evocadas no n.o 70 do presente acórdão que as autoridades nacionais adotaram a segunda decisão de regresso em conformidade com o direito de ser ouvida.

82

Há, pois, que responder à primeira questão que, em circunstâncias como as do processo principal, o direito de ser ouvido em qualquer procedimento, tal como é aplicável no âmbito da Diretiva 2008/115, designadamente do seu artigo 6.o, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma autoridade nacional não ouça o nacional de um país terceiro especificamente acerca de uma decisão de regresso, quando, após ter concluído pela irregularidade da sua permanência no território nacional, no termo de um procedimento que respeitou plenamente o seu direito de ser ouvido, pretende tomar a seu respeito uma decisão dessa natureza, quer essa decisão de regresso seja consecutiva ou não a uma recusa de autorização de residência.

Quanto à segunda questão

83

Na sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito de um nacional de um país terceiro em situação irregular instaurar, ao abrigo do direito nacional, um processo contencioso com caráter suspensivo num órgão jurisdicional nacional permite às autoridades administrativas nacionais não o ouvirem antes da adoção de um ato lesivo dos seus interesses, a saber, no caso em apreço, uma decisão de regresso.

84

Esta questão foi colocada na hipótese de, em circunstâncias como as do processo principal, o direito de ser ouvido não ter sido respeitado. Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda.

Quanto às despesas

85

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

Em circunstâncias como as do processo principal, o direito de ser ouvido em qualquer procedimento, tal como é aplicável no âmbito da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, designadamente do seu artigo 6.o, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma autoridade nacional não ouça o nacional de um país terceiro especificamente acerca de uma decisão de regresso, quando, após ter concluído pela irregularidade da sua permanência no território nacional, no termo de um procedimento que respeitou plenamente o seu direito de ser ouvido, pretende tomar a seu respeito uma decisão dessa natureza, quer essa decisão de regresso seja consecutiva ou não a uma recusa de autorização de residência.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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