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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62012CJ0553

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 17 de julho de 2014.
    Comissão Europeia contra Dimosia Epicheirisi Ilektrismou AE (DEI).
    Recurso de decisão do Tribunal Geral – Concorrência – Artigos 82.° CE e 86.°, n.° 1, CE – Manutenção dos direitos privilegiados atribuídos pela República Helénica a favor de uma empresa pública para a extração e a exploração de jazidas de lenhite – Exercício desses direitos – Vantagem concorrencial nos mercados do fornecimento de lenhite e grossista de eletricidade – Manutenção, extensão ou reforço de uma posição dominante.
    Processo C‑553/12 P.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:2083

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    17 de julho de 2014 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Artigos 82.° CE e 86.°, n.o 1, CE — Manutenção dos direitos privilegiados atribuídos pela República Helénica a favor de uma empresa pública para a extração e a exploração de jazidas de lenhite — Exercício desses direitos — Vantagem concorrencial nos mercados do fornecimento de lenhite e grossista de eletricidade — Manutenção, extensão ou reforço de uma posição dominante»

    No processo C‑553/12 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que deu entrada em 30 de novembro de 2012,

    Comissão Europeia, representada por T. Christoforou e A. Antoniadis, na qualidade de agentes, assistidos por A. Oikonomou, dikigoros, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrente,

    apoiada por:

    Mytilinaios AE,

    Protergia AE,

    Alouminion AE,

    com sede em Amaroussion (Grécia), representadas por N. Korogiannakis, I. Zarzoura, D. Diakopoulos e E. Chrisafis, dikigoroi,

    sendo as outras partes no processo:

    Dimosia Epicheirisi Ilektrismou AE (DEI), com sede em Atenas (Grécia), representada por P. Anestis, dikigoros,

    demandante em primeira instância,

    República Helénica, representada por M.‑T. Marinos, P. Mylonopoulos e K. Boskovits, na qualidade de agentes,

    Energeiaki Thessalonikis AE, com sede em Echedorso (Grécia),

    Elliniki Energeia kai Anaptyxi AE (HE & DSA), com sede em Kifisia (Grécia),

    intervenientes em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 3 de outubro de 2013,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de dezembro de 2013,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, DEI/Comissão (T‑169/08, EU:T:2012:448, a seguir «acórdão recorrido»), que anulou a Decisão C(2008) 824 final da Comissão, de 5 de março de 2008, relativa à concessão ou à manutenção em vigor por parte da República Helénica dos direitos a favor da DEI para a extração de lenhite (a seguir «decisão controvertida»).

    Antecedentes do litígio e decisão controvertida

    2

    A DEI foi criada em 1950, sob a forma de uma empresa pública pertencente ao Estado grego. Beneficiava do direito exclusivo de produzir, transportar e fornecer eletricidade na Grécia. Em 1996, a Lei grega n.o 2414/1996, relativa à modernização das empresas públicas (FEK A’ 135), permitiu a transformação da demandante em primeira instância em sociedade por ações, continuando a ser detida pelo Estado como acionista único.

    3

    Em 1 de janeiro de 2001, foi transformada em sociedade anónima, em conformidade, em particular, com a Lei grega n.o 2773/1999, relativa à liberalização do mercado de eletricidade (FEK A’ 286), que transpôs, designadamente, a Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO 1997, L 27, p. 20). Nos termos do artigo 43.o, n.o 3, desta lei, a participação do Estado no capital da DEI não pode, em caso algum, ser inferior a 51% das ações com direito de voto, mesmo após um aumento de capital. Quando da adoção da decisão controvertida, a República Helénica detinha 51,12% das ações desta empresa. Desde 12 de dezembro de 2001, as ações da DEI são cotadas na Bolsa de Atenas (Grécia) e na Bolsa de Londres (Reino Unido).

    4

    Todas as centrais elétricas gregas que funcionam a lenhite pertencem à DEI. De acordo com o Instituto de Investigação Geológica e das Minas grego, as reservas conhecidas do total de jazidas de lenhite na Grécia estavam estimadas, em 1 de janeiro de 2005, em 4415 milhões de toneladas. Segundo a Comissão, existem ainda 4590 milhões de toneladas de reservas de lenhite na Grécia.

    5

    A República Helénica atribuiu à DEI direitos de extração e de exploração de lenhite para minas cujas reservas se elevam aproximadamente a 2 200 milhões de toneladas. 85 milhões de toneladas de reservas pertencem a particulares. Noutras jazidas públicas, foram atribuídos direitos de extração e de exploração a outros particulares, para cerca de 220 milhões de toneladas, abastecendo essas jazidas parcialmente as centrais elétricas da DEI. Não foi ainda atribuído nenhum direito de exploração para cerca de 2000 milhões de toneladas de reservas de lenhite na Grécia.

    6

    Após a entrada em vigor da Diretiva 96/92, o mercado grego de eletricidade foi aberto à concorrência. Em maio de 2005, foi criado um mercado diário obrigatório para todos os vendedores e compradores de eletricidade na rede de interconexão grega, que abrange a Grécia continental e algumas ilhas gregas. Nesse mercado, os produtores e os importadores de eletricidade injetam e vendem a sua produção e as suas importações numa base diária.

    7

    Em 2003, a Comissão recebeu uma queixa apresentada por um particular que pediu que a sua identidade permanecesse confidencial. Segundo o queixoso, a decisão do Estado grego de conceder à DEI, ao abrigo do Decreto Legislativo grego n.o 4029/1959, de 12 e 13 de novembro de 1959 (FEK A’ 250), e da Lei grega n.o 134/1975, de 23 e 29 de agosto de 1975 (FEK A’ 180), uma licença exclusiva de extração e de exploração de lenhite na Grécia era contrária ao artigo 86.o, n.o 1, CE, conjugado com o artigo 82.o CE. Após variada troca de correspondência com a República Helénica, que ocorreu entre 2003 e 2008, a Comissão adotou a decisão controvertida.

    8

    Com esta decisão, a Comissão declarou, nomeadamente, que a concessão e a manutenção desses direitos eram contrárias ao artigo 86.o, n.o 1, CE, conjugado com o artigo 82.o CE, uma vez que criavam uma situação de desigualdade de oportunidades entre os operadores económicos, no que se refere ao acesso aos combustíveis primários para efeitos da produção de eletricidade, e permitiam à DEI manter ou reforçar a sua posição dominante no mercado grossista de eletricidade da Grécia, excluindo qualquer nova entrada no mercado ou criando entraves à mesma.

    9

    Na decisão controvertida, a Comissão afirma que a República Helénica sabia, desde a adoção da Diretiva 96/92, cujo prazo de transposição expirava, o mais tardar, em 19 de fevereiro de 2001, que o mercado da eletricidade devia ser liberalizado. Acrescenta que a República Helénica adotou medidas estatais relativas a dois mercados distintos, sendo o primeiro o do fornecimento de lenhite e o segundo o mercado grossista de eletricidade, que engloba a produção e o fornecimento de eletricidade em centrais e a importação de eletricidade através de dispositivos de interconexão.

    10

    Segundo a Comissão, a DEI detinha nestes dois mercados uma posição dominante com uma quota de mercado superior, respetivamente, a 97% e a 85%. Por outro lado, não havia perspetiva de nova entrada suscetível de diminuir significativamente a quota da DEI no mercado grossista de eletricidade, não constituindo as importações, que representam 7% do consumo total, um obstáculo real de concorrência neste mercado.

    11

    Relativamente às medidas estatais em causa, a Comissão observa que, ao abrigo do Decreto Legislativo n.o 4029/1959 e da Lei n.o 134/1975, 91% dos direitos de exploração das jazidas públicas de lenhite foram concedidos à DEI. Especifica que, durante o período de aplicação destas medidas, e não obstante as possibilidades oferecidas pela legislação nacional, não foi atribuído nenhum outro direito sobre uma jazida importante. Além disso, refere que a DEI obteve, sem concurso, direitos de exploração sobre algumas jazidas exploráveis, para as quais não tinham ainda sido atribuídos direitos de exploração. A Comissão acrescenta que as centrais que funcionam a lenhite, que são as que têm menos custos na Grécia, são as mais utilizadas, uma vez que produzem 60% da eletricidade que permite abastecer a rede interconectada.

    12

    Graças à concessão à DEI e à manutenção, em seu favor, de direitos de quase monopólio de exploração de lenhite que lhe garantem um acesso privilegiado ao combustível mais atrativo que existe na Grécia para a produção de eletricidade, a República Helénica criou uma desigualdade de oportunidades entre os operadores económicos no mercado grossista de eletricidade e falseou a concorrência, mantendo ou reforçando assim a posição dominante da DEI e excluindo qualquer nova entrada nesse mercado ou criando entraves a essa entrada, isto não obstante a liberalização do mercado grossista de eletricidade.

    13

    Além disso, com a decisão controvertida, a Comissão pedia à República Helénica que a informasse, no prazo de dois meses a contar da notificação dessa decisão, das medidas que pretendia adotar para corrigir os efeitos anticoncorrenciais das medidas estatais em causa, referindo que essas medidas deveriam ser adotadas e aplicadas no prazo de oito meses a contar da sua decisão.

    Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

    14

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de maio de 2008, a DEI interpôs recurso de anulação da decisão controvertida. Durante o processo, a República Helénica interveio em apoio da DEI, enquanto a Elliniki Energeia kai Anaptyxi AE (HE & DSA) e a Energeiaki Thessalonikis AE, sociedades anónimas que operam na área da produção de energia elétrica na Grécia, intervieram em apoio dos pedidos da Comissão.

    15

    Em apoio do seu recurso, a DEI invocou quatro fundamentos, relativos, em primeiro lugar, a erros de direito na aplicação das disposições conjugadas dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE e a um erro manifesto de apreciação; em segundo lugar, à violação do dever de fundamentação previsto no artigo 253.o CE; em terceiro lugar, por um lado, à violação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da proteção da propriedade privada e, por outro, a desvio de poder; e, em quarto lugar, à violação do princípio da proporcionalidade.

    16

    O primeiro fundamento articulava‑se em cinco partes, das quais a segunda e a quarta punham em causa a conclusão da Comissão de que o exercício dos direitos de exploração da lenhite, atribuídos à DEI, teria tido por efeito estender a sua posição dominante do mercado de fornecimento da lenhite ao mercado grossista de eletricidade, em violação das disposições conjugadas dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE. No essencial, segundo o Tribunal Geral, a DEI apresentava dois argumentos contra esta conclusão da Comissão. No primeiro argumento, a DEI alegava que, para demonstrar uma infração à aplicação conjugada destas disposições, era necessário que a empresa em causa gozasse de um direito exclusivo ou especial na aceção do artigo 86.o, n.o 1, CE, não tendo sido esse o caso.

    17

    Com o segundo desses argumentos, que o Tribunal Geral examinou em primeiro lugar, a DEI acusava a Comissão de não ter demonstrado a existência de um abuso real ou potencial da sua posição dominante nos mercados em causa, quando essa prova era uma condição prévia para a aplicação do artigo 86.o, n.o 1, CE, em conjugação com o artigo 82.o CE.

    18

    No n.o 85 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que o litígio, no caso vertente, se centrava principalmente em saber se a Comissão devia identificar um abuso, real ou potencial, da posição dominante da DEI ou se era suficiente provar que as medidas estatais em causa falseavam a concorrência ao criarem, a favor da DEI, uma desigualdade de oportunidades entre os operadores económicos.

    19

    No que toca ao mercado do fornecimento de lenhite, o Tribunal Geral salientou nos n.os 87 a 89 do acórdão recorrido que, com as medidas estatais em causa, a República Helénica tinha concedido à DEI direitos de exploração de lenhite para minas com reservas até aproximadamente 2200 milhões de toneladas, que estas medidas, anteriores à liberalização do mercado de eletricidade, tinham sido mantidas e continuavam a afetar esse mercado e que, além disso, apesar do interesse manifestado pelos concorrentes da DEI, nenhum operador económico tinha podido obter da República Helénica direitos de exploração de outras jazidas de lenhite, muito embora a Grécia dispusesse de cerca de 2000 milhões de toneladas de lenhite ainda não exploradas.

    20

    Contudo, considerou que a impossibilidade de os outros operadores económicos acederem às jazidas de lenhite ainda disponíveis não podia ser imputada à DEI, dado que a concessão das licenças de exploração de lenhite dependia exclusivamente da vontade da República Helénica. O Tribunal Geral acrescentou que, no dito mercado, o papel da DEI se tinha limitado à exploração das jazidas sobre as quais tinha direitos, não tendo a Comissão afirmado que, no que se refere ao acesso à lenhite, a DEI tivesse abusado da sua posição dominante no mercado de fornecimento dessa matéria‑prima.

    21

    Em seguida, nos n.os 90 a 93 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou a constatação da Comissão de que a impossibilidade de os concorrentes da DEI entrarem no mercado de fornecimento de lenhite tinha repercussões no mercado grossista de eletricidade. A Comissão tinha alegado a este respeito que, dado a lenhite ser o combustível mais atrativo na Grécia, a sua exploração permitia produzir eletricidade a custo variável baixo e colocá‑la no mercado diário obrigatório, com uma margem de lucro mais interessante do que a eletricidade produzida a partir de outros combustíveis. No entender da Comissão, a DEI podia assim manter ou reforçar a sua posição dominante no mercado grossista de eletricidade, excluindo qualquer nova entrada nesse mercado ou colocando entraves à mesma.

    22

    Depois de ter lembrado, no n.o 91 do acórdão recorrido, que, após a liberalização do mercado grossista de eletricidade, tinha sido criado um mercado diário obrigatório na Grécia, mecanismo cujas regras de funcionamento não foram postas em causa pela decisão controvertida e que a DEI e os seus concorrentes tinham de respeitar, e que, além disso, a DEI tinha estado presente neste mercado antes da sua liberalização, o Tribunal Geral salientou o seguinte:

    «92

    Ora, a Comissão não provou que o acesso privilegiado à lenhite poderia criar uma situação em que, pelo mero exercício dos seus direitos de exploração, a [DEI] poderia cometer abusos de posição dominante no mercado grossista de eletricidade ou teria sido levada a cometer tais abusos nesse mercado. Do mesmo modo, a Comissão não acusa a [DEI] de ter estendido, sem justificação objetiva, a sua posição dominante no mercado do fornecimento de lenhite ao mercado grossista de eletricidade.

    93

    Ao referir simplesmente que a [DEI], antiga empresa monopolista, continua a manter uma posição dominante no mercado grossista de eletricidade graças à vantagem que lhe dá o acesso privilegiado à lenhite e que esta situação cria uma desigualdade de oportunidades neste mercado entre a [DEI] e as outras empresas, a Comissão não identificou nem demonstrou com força jurídica bastante a que abuso, na aceção do 82.° CE, a medida estatal em causa levou ou podia levar a [DEI].»

    23

    Em seguida, nos n.os 94 a 103 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou a jurisprudência constante referida na decisão controvertida, de acordo com a qual um Estado‑Membro viola as proibições previstas pelos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE quando a empresa em causa é levada, pelo simples exercício dos direitos exclusivos ou especiais que lhe foram conferidos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo ou quando esses direitos são suscetíveis de criar uma situação em que esta empresa seja levada a cometer tais abusos. Após uma análise dos acórdãos Raso e o. (C‑163/96, EU:C:1998:54), Höfner e Elser (C‑41/90, EU:C:1991:161), Merci convenzionali Porto di Genova (C‑179/90, EU:C:1991:464), Job Centre (C‑55/96, EU:C:1997:603) e MOTOE (C‑49/07, EU:C:2008:376), o Tribunal Geral concluiu nos seguintes termos, no n.o 103 do acórdão recorrido:

    «Decorre destes acórdãos […] que o abuso de posição dominante da empresa que goza de um direito exclusivo ou especial pode resultar da possibilidade de exercer esse direito de forma abusiva ou ser uma consequência direta desse direito. Todavia não se infere dessa jurisprudência que o simples facto de a empresa em causa se encontrar numa situação vantajosa relativamente aos seus concorrentes, em razão de uma medida estatal, constitui só por si um abuso de posição dominante.»

    24

    Por último, nos n.os 104 a 118 do seu acórdão, o Tribunal Geral respondeu ao último argumento da Comissão, que considerava que a decisão controvertida era conforme com a jurisprudência segundo a qual um sistema de concorrência não falseada só podia ser garantido se fosse assegurada a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos. A Comissão alegava, a este respeito, que se a desigualdade de oportunidades entre os operadores económicos — e, em consequência, a distorção da concorrência — se devesse a uma medida estatal, essa medida constituía uma violação do artigo 86.o, n.o 1, CE, conjugado com o artigo 82.o CE.

    25

    No n.o 105 deste acórdão, o Tribunal Geral declarou que não decorre dos acórdãos em que a Comissão se tinha baseado, a saber, os acórdãos França/Comissão (C‑202/88, EU:C:1991:120), GB‑Inno‑BM (C‑18/88, EU:C:1991:474) e Connect Austria (C‑462/99, EU:C:2003:297), que, para considerar que foi cometida uma violação do artigo 86.o, n.o 1, CE, aplicado em conjugação com o artigo 82.o CE, bastava demonstrar que uma medida estatal falseava a concorrência ao criar uma desigualdade de oportunidades entre os operadores económicos, sem que fosse necessário identificar um abuso de posição dominante da empresa.

    26

    Depois de ter analisado estes acórdãos, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 113 do acórdão recorrido, que, embora fosse verdade que o Tribunal de Justiça, nesses acórdãos, usou as formulações invocadas pela Comissão, esta não se podia basear unicamente nessas formulações sem atender ao seu contexto. Por outro lado, nos n.os 114 a 117, o Tribunal Geral declarou que a tese da Comissão também não era apoiada pelo acórdão Dusseldorp e o. (C‑203/96, EU:C:1998:316), que a Comissão tinha invocado na audiência.

    27

    No n.o 118 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que não resultava dessa jurisprudência que a Comissão «não [era] obrigada a identificar e a demonstrar o abuso de posição dominante a que a medida estatal em causa conduziu ou podia conduzir a [DEI]».

    28

    Ora, depois de declarar, nos n.os 87 a 93 do acórdão recorrido, que a Comissão, na sua decisão controvertida, não tinha demonstrado esse abuso de posição dominante, no n.o 119 do referido acórdão, o Tribunal Geral julgou procedente o segundo argumento apresentado pela DEI na segunda e quarta partes do primeiro fundamento e anulou a decisão controvertida, «sem que seja necessário examinar as outras alegações, partes e fundamentos aduzidos».

    Pedidos das partes e processo no Tribunal de Justiça

    29

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    decidir definitivamente o litígio;

    condenar a DEI nas despesas das duas instâncias.

    30

    A DEI e a República Helénica concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso;

    a título subsidiário, examinar os outros fundamentos de anulação invocados no processo T‑169/08 e anular a decisão controvertida;

    condenar a Comissão nas despesas das duas instâncias.

    31

    Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de março de 2013, a Mytilinaios AE, a Protergia AE e a Alouminion AE pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

    32

    Por despacho de 11 de julho de 2013, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça deferiu esse pedido.

    Quanto ao presente recurso

    33

    Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca dois fundamentos, relativos, o primeiro, a um erro de direito na interpretação e na aplicação das disposições conjugadas do artigo 86.o, n.o 1, CE e do artigo 82.o CE e, o segundo, a uma fundamentação lacunar, imprecisa e insuficiente.

    Argumentos das partes

    34

    Com o primeiro fundamento, dirigido contra os n.os 94 a 118 do acórdão recorrido, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação e na aplicação das disposições conjugadas do artigo 86.o, n.o 1, CE, e do artigo 82.o CE, ao julgar que a Comissão devia identificar e demonstrar o comportamento abusivo a que a medida estatal em causa tinha levado ou podia levar a DEI.

    35

    De acordo com a Comissão, quando o artigo 82.o CE é aplicado em conjugação com o artigo 86.o, n.o 1, CE a situações em que existe uma desigualdade de oportunidades entre os operadores económicos e, portanto, uma concorrência falseada que resulta de uma medida estatal, a medida estatal em causa constitui, em si, uma infração aos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE. Por conseguinte, basta provar que esta medida criou efetivamente uma desigualdade de oportunidades ao favorecer a empresa pública privilegiada e que, por essa razão, afetou a estrutura do mercado ao permitir à empresa em causa manter, reforçar ou alargar a sua posição dominante a outro mercado, vizinho ou a jusante, ao impedir, por exemplo, a entrada de novos concorrentes nesse mercado.

    36

    Consequentemente, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter aplicado erradamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça aos factos do caso em apreço e por ter desvirtuado o fundamento da decisão controvertida. A este respeito, salienta que, ao contrário do que o Tribunal Geral entendeu, esta decisão não se baseava na constatação de que o simples facto de a DEI se encontrar, por causa das medidas estatais em causa, numa situação vantajosa face às suas concorrentes constituía em si mesmo um abuso de posição dominante. Pelo contrário, a referida decisão descreveu em pormenor a infração mostrando que as medidas estatais em causa tinham criado uma desigualdade de oportunidades entre a DEI e as suas concorrentes e que, pelo simples exercício dos direitos que tinham conferido à DEI, esta empresa podia alargar a sua posição dominante do mercado (a montante) do fornecimento da lenhite ao mercado (a jusante) grossista de eletricidade na Grécia. Esta extensão ao mercado a jusante teve por efeito limitar a concorrência nesse mercado ao excluir a entrada de novos concorrentes nesse mercado, mesmo depois da adoção das medidas para a sua liberalização. Aliás, apesar de pedidos nesse sentido, nenhum direito sobre qualquer jazida significativa de lenhite foi atribuído a concorrentes da DEI.

    37

    Uma vez que a decisão controvertida explicou como é que, por um lado, a manutenção em vigor das medidas estatais controvertidas e, por outro, o simples exercício dos direitos privilegiados atribuídos à DEI bem como o comportamento desta no mercado a jusante conduziram a um risco de abuso da sua posição dominante neste mercado ao excluir ou ao impedir a entrada de novos concorrentes, a Comissão satisfez todos os requisitos estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação conjugada dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE.

    38

    A DEI e a República Helénica consideram que este fundamento é improcedente. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para poder aplicar o artigo 86.o, n.o 1, CE, conjugado com o artigo 82.o CE, a Comissão deve demonstrar o comportamento abusivo ao qual a medida estatal em questão conduziu ou era suscetível de conduzir a empresa em causa. O facto de a medida estatal em causa dar origem a uma situação de desigualdade de oportunidades constitui, com efeito, um requisito necessário, mas não suficiente para justificar a aplicação dos referidos artigos. Em substância, a Comissão tenta transformar o artigo 86.o, n.o 1, CE numa disposição autónoma e de nível superior. O Tribunal Geral aplicou corretamente a referida jurisprudência aos factos do caso em apreço.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    39

    Importa recordar que, por força do artigo 86.o, n.o 1, CE, no que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, os Estados‑Membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no Tratado CE, designadamente ao disposto no artigo 82.o CE.

    40

    Esta última disposição proíbe, na medida em que seja suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros, a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste.

    41

    Há que recordar que, segundo a jurisprudência, um Estado‑Membro viola as proibições estabelecidas no artigo 86.o, n.o 1, CE, conjugado com o artigo 82.o CE, quando adota uma medida legislativa, regulamentar ou administrativa que cria uma situação em que uma empresa pública ou uma empresa à qual conferiu direitos especiais ou exclusivos seja levada, pelo simples exercício dos direitos privilegiados que lhe foram conferidos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo, ou quando esses direitos possam criar uma situação em que essa empresa seja levada a cometer esses abusos (v., neste sentido, acórdãos Connect Austria, EU:C:2003:297, n.o 80, MOTOE, EU:C:2008:376, n.o 49 e jurisprudência referida). A este propósito, não é necessário que se verifique realmente o abuso (acórdãos GB‑Inno‑BM, EU:C:1991:474, n.os 23 a 25; Raso e o., EU:C:1998:54, n.o 31; e MOTOE, EU:C:2008:376, n.o 49).

    42

    Assim, há violação destas disposições quando uma medida imputável a um Estado‑Membro cria um risco de abuso de posição dominante (v. acórdão MOTOE, EU:C:2008:376, n.o 50 e jurisprudência referida).

    43

    Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um sistema de concorrência não falseada como o previsto no Tratado só pode ser garantido se a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos for garantida (v. acórdãos GB‑Inno‑BM, EU:C:1991:474, n.o 25; MOTOE, EU:C:2008:376, n.o 51; e Connect Austria, EU:C:2003:297, n.o 83 e jurisprudência referida).

    44

    Pelo que, se a desigualdade de oportunidades entre os operadores económicos, e, portanto, a concorrência falseada, for o resultado de uma medida estatal, tal medida constitui uma violação do artigo 86.o, n.o 1, CE, lido em conjugação com o artigo 82.o CE (v. acórdão Connect Austria, EU:C:2003:297, n.o 84).

    45

    Aliás, a este respeito, o Tribunal de Justiça teve ocasião de esclarecer que, embora o mero facto de um Estado‑Membro criar uma posição dominante através da concessão de direitos exclusivos não seja, como tal, incompatível com o artigo 82.o CE, o Tratado obriga, todavia, os Estados‑Membros a não adotarem ou a manterem em vigor medidas suscetíveis de retirar o efeito útil a esta disposição (acórdãos ERT, C‑260/89, EU:C:1991:254, n.o 35; Corbeau, C‑320/91, EU:C:1993:198, n.o 11; e Deutsche Post, C‑147/97 e C‑148/97, EU:C:2000:74, n.o 39).

    46

    Das considerações recordadas nos n.os 41 a 45 do presente acórdão resulta que, como o advogado‑geral salientou no n.o 55 das suas conclusões, pode ocorrer uma violação das disposições conjugadas dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE, independentemente da existência real de um abuso. Importa apenas que a Comissão identifique uma consequência anticoncorrencial, potencial ou real, suscetível de resultar da medida estatal em causa. Assim, uma violação desse tipo pode ser constatada quando as medidas estatais em causa afetam a estrutura do mercado ao criarem condições desiguais de concorrência entre as empresas, ao permitirem à empresa pública ou à empresa a quem foram concedidos direitos especiais ou exclusivos manter, por exemplo, através da criação de entraves à entrada de novos concorrentes nesse mercado, reforçar ou alargar a sua posição dominante a outro mercado, restringindo assim a concorrência, e isto sem ser necessário provar a existência real de uma prática abusiva.

    47

    Nestas condições, resulta que, contrariamente à análise do Tribunal Geral nos n.os 105 a 118 do acórdão recorrido, basta demonstrar que essa consequência anticoncorrencial, potencial ou real, pode resultar da medida estatal em causa e não é necessário identificar um abuso diferente do que resultaria da situação criada pela medida estatal em causa. Resulta também que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir que a Comissão, tendo declarado que a então demandante, antiga empresa monopolista, continuava a manter uma posição dominante no mercado grossista de eletricidade graças à vantagem proporcionada pelo acesso privilegiado à lenhite e que esta situação criava uma desigualdade de oportunidades neste mercado entre a demandante e as outras empresas, não tinha identificado nem demonstrado com força jurídica bastante a que abuso, na aceção do 82.° CE, a medida estatal em causa levou ou podia levar a DEI.

    48

    Por conseguinte, há que dar provimento ao primeiro fundamento e anular o acórdão recorrido, sem que seja necessário que o Tribunal de Justiça examine o segundo fundamento de recurso, que tem caráter estritamente subsidiário em relação ao primeiro.

    Quanto ao recurso no Tribunal Geral

    49

    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando este Tribunal anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

    50

    No caso em apreço, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre a segunda e quarta partes do primeiro fundamento do recurso em primeira instância.

    51

    No n.o 59 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, antes de mais, importava examinar a segunda parte do primeiro fundamento, relativa a um erro da Comissão quando afirma que a existência de direitos exclusivos ou especiais não é uma condição necessária da violação das disposições conjugadas dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE, e a quarta parte do referido fundamento, relativa ao facto de a DEI não ter alargado a sua posição dominante do mercado do fornecimento de lenhite ao mercado grossista de eletricidade por causa do seu alegado acesso privilegiado a um combustível primário.

    52

    No mesmo número, o Tribunal Geral considerou que não era necessário, naquela fase, pronunciar‑se sobre a justeza da definição de mercados relevantes adotada pela Comissão na decisão controvertida, que era objeto da primeira parte do primeiro fundamento suscitado pela DEI, e partiu da premissa de que a dita definição, contrariamente ao alegado pela DEI, não estava inquinada de erro manifesto de apreciação.

    53

    No caso em apreço, e com base nesta mesma premissa, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre a segunda e quarta partes do primeiro fundamento suscitado pela DEI.

    Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    54

    A DEI, apoiada pela República Helénica, afirma que foi sem razão que a Comissão considerou que a qualificação jurídica da DEI de «empresa pública» era suficiente para fundamentar uma violação das disposições conjugadas dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE. Com efeito, resulta da jurisprudência que, para aplicar a teoria segundo a qual a empresa pública alargou a sua posição dominante de um mercado para outro, vizinho e distinto, a Comissão deve necessariamente demonstrar que a medida atribui ou reforça direitos exclusivos ou especiais. Ora, no caso em apreço, a DEI não beneficia de direitos exclusivos, porque não tem exclusividade para exercer a atividade económica em causa. Os direitos de extração e de exploração da DEI também não podem ser qualificados de «direitos especiais» na aceção do artigo 86.o, n.o 1, CE, visto que foram concedidos a um número limitado de beneficiários.

    55

    Apoiada pelas intervenientes, a Comissão responde, em substância, por um lado, que o âmbito de aplicação das disposições conjugadas dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE não se limita apenas às medidas estatais que concedem os direitos especiais ou exclusivos e, por outro, que, em qualquer caso, esses direitos foram concedidos à DEI.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    56

    Resulta do teor do artigo 86.o, n.o 1, CE que esta disposição é aplicável, por um lado, às empresas públicas e, por outro, às empresas a que os Estados‑Membros concedam direitos especiais ou exclusivos. Ora, no caso em apreço, é pacífico que a DEI é uma empresa pública.

    57

    Além disso, como foi recordado nos n.os 41 a 44 do presente acórdão, se a desigualdade de oportunidades entre os operadores económicos, e, portanto, a concorrência falseada, se dever a uma medida estatal, essa medida, quer seja legislativa, regulamentar ou administrativa, constitui uma violação do artigo 86.o, n.o 1, CE, conjugado com o artigo 82.o CE.

    58

    Por conseguinte, é sem razão que a DEI afirma que, para aplicar a teoria segundo a qual a empresa pública alargou a sua posição dominante de um mercado para outro, vizinho e distinto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça exige que a Comissão demonstre necessariamente que a medida estatal em causa atribui ou reforça direitos especiais ou exclusivos.

    59

    Com efeito, basta que a medida em causa crie uma situação em que uma empresa pública ou uma empresa à qual o Estado conferiu direitos especiais ou exclusivos seja levada a abusar da sua posição dominante (v., neste sentido, acórdão Connect Austria, EU:C:2003:297, n.o 80 e jurisprudência referida).

    60

    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

    Quanto à quarta parte do primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    61

    A DEI contesta a conclusão da Comissão segundo a qual o exercício dos direitos de exploração da lenhite, de que é titular, teve por efeito a extensão da sua posição dominante do mercado de fornecimento de lenhite ao mercado grossista de eletricidade, em violação das disposições conjugadas dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE, uma vez que, no caso em apreço, os requisitos de aplicação da teoria da extensão da posição dominante não estão preenchidos. Em primeiro lugar, em todos os processos em que o juiz da União aplicou esta teoria, a empresa beneficiou de um monopólio de direito ou de facto sobre o mercado e a medida estatal em causa atribuiu direitos exclusivos ou especiais sobre um mercado vizinho e distinto, o que não se passa no caso em apreço. Em segundo lugar, a DEI não possuía a competência regulamentar que lhe permitia determinar a atividade dos seus concorrentes nem a possibilidade de impor custos aos seus concorrentes. Em terceiro lugar, a Comissão, no exame do eventual abuso, devia ter examinado o impacto da alegada violação nos interesses dos consumidores. Por fim, em quarto lugar, a Comissão define a lenhite como um fator de produção absolutamente necessário («essential facility»), sem ter demonstrado que a lenhite é absolutamente necessária para operar no mercado grossista de eletricidade.

    62

    A República Helénica alega que a Comissão não refere nenhum tipo de abuso de posição dominante existente ou sequer potencial por parte da DEI. Ora, no presente litígio, a existência de tal abuso é uma condição necessária e prévia para efeitos da aplicação conjugada dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE.

    63

    A Comissão, apoiada pelas intervenientes, alega, em primeiro lugar, que as medidas estatais suscetíveis de serem abrangidas pelos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE não se limitam aos direitos especiais ou exclusivos. Em segundo lugar, a declaração de uma infração a essas disposições não depende do exercício de poderes e de competências regulamentares. Em terceiro lugar, a jurisprudência não exige que seja examinado o prejuízo potencial causado aos consumidores por uma infração às referidas disposições. Em quarto lugar, é sem razão que a DEI afirma que a Comissão, nos considerandos 132 e 238 da decisão controvertida, considerou que o acesso à lenhite era um fator de produção absolutamente necessário («essential facility»).

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    64

    A título preliminar, há que rejeitar os argumentos da República Helénica, com fundamento no exposto nos n.os 39 a 46 do presente acórdão.

    65

    Por outro lado, há que afastar os alegados «requisitos de aplicação» da teoria da extensão da posição dominante, resumidos no n.o 61 do presente acórdão, os quais, segundo a DEI, resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    66

    Com efeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, práticas de uma empresa em posição dominante que tendem a alargar, através de uma concorrência falseada, essa posição a um mercado vizinho mas distinto constituem uma exploração abusiva de uma posição dominante no sentido do artigo 82.o CE (v., neste sentido, acórdão Connect Austria, EU:C:2003:297, n.os 81 e 82 e jurisprudência referida).

    67

    Da mesma maneira, o Tribunal de Justiça já salientou que a extensão de uma situação de posição dominante, sem justificação objetiva, é proibida, «como tal», pelo artigo 86.o, n.o 1, CE, conjugado com o artigo 82.o CE, quando essa extensão resulte de uma medida estatal. Não podendo a concorrência ser eliminada desta forma, também não pode ser falseada (v., neste sentido, acórdãos Espanha e o./Comissão, C‑271/90, C‑281/90 e C‑289/90, EU:C:1992:440, n.o 36, e GB‑Inno‑BM, EU:C:1991:474, n.os 21, 23 e 24).

    68

    Por conseguinte, não é necessário, como pretende a DEI, que a Comissão demonstre, em todos os casos, que a empresa em causa beneficia de um monopólio ou que a medida estatal em causa lhe atribui direitos exclusivos ou especiais sobre um mercado vizinho e distinto, ou ainda que a DEI dispõe de uma qualquer competência regulamentar. Tendo em conta a jurisprudência recordada nos n.os 41 a 44 do presente acórdão, deve também ser afastada a alegada obrigação de a Comissão demonstrar o impacto da violação das disposições conjugadas dos artigos 86.°, n.o 1, CE e 82.° CE nos interesses dos consumidores, podendo este último artigo, além disso, visar práticas que causam um prejuízo ao lesar uma estrutura de concorrência efetiva (v., neste sentido, acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, EU:C:1973:22, n.o 26). Por último, o argumento da DEI segundo o qual a Comissão considerou a lenhite um fator de produção absolutamente necessário assenta numa premissa errada, por a Comissão apenas se ter referido à situação de «quase monopólio» da DEI no mercado grossista de eletricidade.

    69

    Por conseguinte, há que julgar improcedente a quarta parte do primeiro fundamento.

    70

    Tendo em conta os desenvolvimentos que precedem, há que negar provimento à segunda e quarta partes do primeiro fundamento suscitado pela DEI no Tribunal Geral e remeter o processo ao Tribunal, para que este examine a primeira, terceira e quinta partes do primeiro fundamento e os outros fundamentos invocados pela DEI.

    Quanto às despesas

    71

    Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

     

    1)

    É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, DEI/Comissão (T‑169/08, EU:T:2012:448).

     

    2)

    O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia, para que decida sobre os fundamentos que lhe foram apresentados e sobre os quais o Tribunal de Justiça da União Europeia não se pronunciou.

     

    3)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: grego.

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