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Documento 62012CJ0105

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 22 de outubro de 2013.
Staat der Nederlanden contra Essent NV (C‑105/12), Essent Nederland BV (C‑105/12), Eneco Holding NV (C‑106/12) e Delta NV (C‑107/12).
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Hoge Raad der Nederlanden.
Reenvio prejudicial — Livre circulação de capitais — Artigo 63.° TFUE — Regimes de propriedade — Artigo 345.° TFUE — Operadores de redes de distribuição de eletricidade ou de gás — Proibição de privatização — Proibição de vínculos com empresas que produzem, fornecem ou comercializam eletricidade ou gás — Proibição de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede.
Processos apensos C‑105/12 a C‑107/12.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2013:677

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

22 de outubro de 2013 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de capitais — Artigo 63.o TFUE — Regimes de propriedade — Artigo 345.o TFUE — Operadores de redes de distribuição de eletricidade ou de gás — Proibição de privatização — Proibição de vínculos com empresas que produzem, fornecem ou comercializam eletricidade ou gás — Proibição de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede»

Nos processos apensos C‑105/12 a C‑107/12,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisões de 24 de fevereiro de 2012, entrados no Tribunal de Justiça em 29 de fevereiro de 2012, nos processos

Staat der Nederlanden

contra

Essent NV (C‑105/12),

Essent Nederland BV (C‑105/12),

Eneco Holding NV (C‑106/12),

Delta NV (C‑107/12),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen e M. Safjan, presidentes de secção, A. Rosas, J. Malenovský, U. Lõhmus, E. Levits, A. Ó Caoimh, A. Arabadjiev (relator), D. Šváby, M. Berger e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de janeiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Essent NV e da Essent Nederland BV, por W. Knibbeler e A. Pliego Selie, advocaten,

em representação da Eneco Holding NV, por C. Kroes, advocaat,

em representação da Delta NV, por T. Ottervanger e P. Glazener, advocaten,

em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e T. Müller, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti, S. Noë e T. van Rijn, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de abril de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 63.° TFUE e 345.° TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem a Staat der Nederlanden à Essent NV, à Essent Nederland BV, à Eneco Holding NV e à Delta NV, sociedades que operam, nomeadamente, na produção, no fornecimento e na comercialização de eletricidade e de gás no território neerlandês (a seguir, em conjunto, «Essent e o.»), a propósito da compatibilidade, com o direito da União, da legislação nacional que proíbe, em primeiro lugar, a venda de ações detidas nos operadores de redes de distribuição de eletricidade e de gás que atuam no território neerlandês a investidores privados (a seguir «proibição de privatização»), em segundo lugar, vínculos de propriedade ou de controlo entre, por um lado, sociedades que fazem parte de um grupo ao qual pertence um operador dessas redes de distribuição e, por outro, sociedades que pertencem a um grupo ao qual pertence uma empresa que produz, fornece e comercializa eletricidade ou gás no território neerlandês (a seguir «proibição de grupo») e, em terceiro lugar, a realização, por tal operador e pelo grupo de que faz parte, de operações ou de atividades suscetíveis de prejudicar os interesses da gestão da rede em causa (a seguir «proibição de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2003/54/CE

3

Nos termos dos considerandos 4 a 8, 10 e 23 da Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO L 176, p. 37):

«(4)

As liberdades que o Tratado [CE] garante aos cidadãos europeus, nomeadamente a liberdade de circulação de mercadorias, de prestação de serviços e de estabelecimento, pressupõem um mercado plenamente aberto que permita a todos os consumidores a livre escolha de fornecedores e a todos os fornecedores o livre abastecimento dos seus clientes.

(5)

Os principais obstáculos à realização de um mercado interno plenamente operacional e concorrencial encontram‑se associados, entre outras, a questões de acesso à rede, a questões de tarifação e à diversidade de graus de abertura do mercado existentes nos Estados‑Membros.

(6)

Uma concorrência eficaz implica um acesso à rede não discriminatório, transparente e a preços justos.

(7)

Para a plena realização do mercado interno da eletricidade é da máxima importância o acesso não discriminatório à rede do operador da rede de transporte ou de distribuição. O operador de uma rede de transporte ou de distribuição pode compreender uma ou mais empresas.

(8)

Para assegurar um acesso eficiente e não discriminatório às redes é conveniente que as redes de distribuição e de transporte sejam exploradas por entidades juridicamente separadas nos casos em que existam empresas verticalmente integradas. A Comissão [Europeia] deverá avaliar medidas de efeito equivalente, desenvolvidas pelos Estados‑Membros para realizar o objetivo da presente exigência, e, sempre que adequado, apresentar propostas de alteração da presente diretiva. É também conveniente que os operadores das redes de transporte e de distribuição tenham o direito efetivo de tomar decisões no tocante aos ativos necessários para manter, explorar e desenvolver as redes, se os ativos em questão forem propriedade de empresas verticalmente integradas e forem por elas explorados.

É necessário que a independência dos operadores da rede de distribuição e dos operadores da rede de transporte possa ser garantida, especialmente, no que diz respeito aos interesses da produção e do fornecimento. Há, pois, que criar estruturas independentes de gestão entre os operadores da rede de distribuição, os operadores da rede de transporte e as empresas de produção/fornecimento.

É todavia importante distinguir entre essa separação jurídica e a separação da propriedade. A separação jurídica não implica uma mudança de propriedade dos bens e nada impede a aplicação de condições de emprego semelhantes ou iguais em toda a empresa verticalmente integrada. Contudo, deverá assegurar‑se a existência de um processo de tomada de decisões não discriminatório mediante medidas de organização em matéria de independência dos responsáveis pelas decisões.

[...]

(10)

Embora a presente diretiva não aborde questões de propriedade, recorda‑se que, no caso de uma empresa que efetue o transporte ou distribuição e que se encontre separada, no plano jurídico, das empresas que desempenham as atividades de produção e/ou fornecimento, o operador designado da rede pode ser a mesma empresa que é proprietária da infraestrutura.

[…]

(23)

Tendo em vista a segurança do fornecimento, é necessário monitorizar o equilíbrio entre a oferta e a procura em cada um dos Estados‑Membros e elaborar um relatório sobre a situação a nível comunitário, tendo em conta a capacidade de interligação de zonas. […] A construção e a manutenção das infraestruturas de rede necessárias, incluindo a capacidade de interligação, deverão contribuir para garantir a estabilidade do fornecimento de eletricidade. A construção e a manutenção das infraestruturas de rede necessárias, incluindo a capacidade de interligação e a produção descentralizada de energia elétrica, são elementos de grande importância para a salvaguarda da estabilidade do fornecimento de eletricidade.»

4

O artigo 15.o desta diretiva, que tem por epígrafe «Separação dos operadores das redes de distribuição», dispunha, designadamente:

«1.   No caso [de o] operador da rede de distribuição fazer parte de uma empresa verticalmente integrada, deve ser independente, pelo menos no plano jurídico, nos planos da organização e da tomada de decisões, das outras atividades não relacionadas com a distribuição. Estas normas não criam a obrigação de separar a propriedade dos ativos da rede de distribuição da empresa verticalmente integrada.

2.   Para além dos requisitos indicados no n.o 1, o operador da rede de distribuição, nos casos em que fizer parte de uma empresa verticalmente integrada, deve ser independente nos planos da organização e da tomada de decisão das outras atividades não relacionadas com a distribuição. Para o efeito, são aplicáveis os seguintes critérios mínimos:

a)

As pessoas responsáveis pela gestão do operador da rede de distribuição não podem participar nas estruturas da empresa de eletricidade integrada responsáveis, direta ou indiretamente, pela exploração diária da produção, transporte ou fornecimento de eletricidade;

b)

Devem ser tomadas medidas adequadas para garantir que os interesses profissionais das pessoas responsáveis pela gestão do operador da rede de distribuição sejam tidos em conta de maneira a assegurar a sua capacidade de agir de forma independente;

c)

O operador da rede de distribuição deve dispor de poder de decisão efetivo e independente da empresa de eletricidade integrada no que respeita aos ativos necessários para explorar, manter ou desenvolver a rede. Tal não impede que exista um mecanismo de coordenação adequado para assegurar a proteção dos direitos de supervisão económica e de gestão da empresa‑mãe, regulados indiretamente, nos termos do n.o 2 do artigo 23.o, no que se refere à rentabilidade de uma sua filial. Tal deve permitir, em particular, que a empresa‑mãe aprove o plano financeiro anual, ou instrumento equivalente, do operador da rede de distribuição e estabeleça limites globais aos níveis de endividamento da sua filial. Tal não deve permitir que a empresa‑mãe dê instruções relativamente à exploração diária, nem relativamente às decisões específicas sobre a construção ou o melhoramento das linhas de distribuição que não excedam os termos do plano financeiro aprovado ou instrumento equivalente;

d)

O operador da rede de distribuição deve elaborar um programa de conformidade que enuncie as medidas adotadas para garantir a exclusão de comportamentos discriminatórios e garanta que a sua observância é controlada de forma adequada. [...]

[...]»

Diretiva 2003/55/CE

5

Os considerandos 4, 6 e 7 da Diretiva 2003/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Diretiva 98/30/CE (JO L 176, p. 57), estavam formulados em termos correspondentes aos dos considerandos 4, 5 e 6 da Diretiva 2003/54. A redação dos considerandos 8 e 23 da Diretiva 2003/55 era, mutatis mutandis, correspondente à dos considerandos 7 e 23 da Diretiva 2003/54.

6

Os considerandos 9 e 10 da Diretiva 2003/55 enunciavam:

«(9)

No caso de uma empresa de gás natural que desempenhe atividades relacionadas com o transporte, o armazenamento ou o gás natural liquefeito (GNL) e que se encontre separada, no plano jurídico, das empresas que desempenham atividades de produção e/ou de fornecimento, o operador designado da rede pode ser a mesma empresa que é proprietária da infraestrutura.

(10)

Para assegurar um acesso eficiente e não discriminatório às redes é conveniente que as redes de transporte e de distribuição sejam exploradas por entidades juridicamente separadas nos casos em que existam empresas verticalmente integradas. A Comissão deverá avaliar medidas de efeito equivalente, desenvolvidas pelos Estados‑Membros para realizar o objetivo da presente exigência, e, sempre que adequado, apresentar propostas de alteração da presente diretiva.

É também conveniente que os operadores das redes de transporte e de distribuição tenham o direito efetivo de tomar decisões no tocante aos ativos necessários para manter, explorar e desenvolver as redes, se os ativos em questão forem propriedade de empresas verticalmente integradas e forem por elas explorados.

É todavia importante distinguir entre essa separação jurídica e a separação da propriedade. A separação jurídica não implica uma mudança de propriedade dos bens e nada impede a aplicação de condições de emprego semelhantes ou iguais em toda a empresa verticalmente integrada. Contudo, deverá assegurar‑se a existência de um processo de tomada de decisões não discriminatório mediante medidas de organização em matéria de independência dos responsáveis pelas decisões.»

7

O artigo 13.o desta diretiva, que tem por epígrafe «Separação [jurídica] dos operadores das redes de distribuição», era, mutatis mutandis, idêntico ao artigo 15.o da Diretiva 2003/54.

Diretiva 2009/72/CE

8

Os considerandos 3, 4, 7, 9 a 12, 15, 16, 21, 25, 26 e 44 da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO L 211, p. 55), referem o seguinte:

«(3)

As liberdades que o Tratado garante aos cidadãos da União, nomeadamente a liberdade de circulação de mercadorias, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços, pressupõem um mercado plenamente aberto que permita a todos os consumidores a livre escolha de comercializadores e a todos os comercializadores o livre fornecimento dos seus clientes.

(4)

Contudo, presentemente, existem obstáculos à venda de eletricidade em igualdade de condições e sem discriminação ou desvantagem, em toda a [União]. Concretamente, não existe ainda um acesso não discriminatório à rede nem uma supervisão reguladora de eficácia equivalente em todos os Estados‑Membros.

[...]

(7)

A Comunicação da Comissão de 10 de janeiro de 2007, intitulada ‘Uma política energética para a Europa’, destacou a importância da plena realização do mercado interno da eletricidade e da criação de igualdade de condições para todas as empresas de eletricidade estabelecidas na [União]. As Comunicações da Comissão de 10 de janeiro de 2007, intituladas ‘Perspetivas para o mercado interno do gás e da eletricidade’ e ‘Inquérito nos termos do artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 sobre os setores europeus do gás e da eletricidade (relatório final)’, revelaram que as atuais regras e medidas não proporcionam o quadro necessário para alcançar o objetivo de um mercado interno em bom funcionamento.

[...]

(9)

Sem a separação efetiva entre as redes e as atividades de produção e de comercialização (‘separação efetiva’), há um risco inerente de discriminação, não só na exploração da rede, mas também no incentivo às empresas verticalmente integradas para investirem adequadamente nas suas redes.

(10)

As regras vigentes em matéria de separação jurídica e funcional, tal como previstas na Diretiva 2003/54/CE, não levaram, todavia, à separação efetiva dos operadores das redes de transporte. Na sua reunião de 8 e 9 de março de 2007, o Conselho Europeu convidou, por isso, a Comissão a elaborar propostas legislativas para ‘uma separação efetiva entre atividades de produção e comercialização, por um lado, e atividades de rede, por outro’.

(11)

A separação efetiva só poderá ser assegurada mediante a supressão do incentivo que se apresenta às empresas verticalmente integradas para discriminarem os concorrentes no acesso às redes e no investimento. A separação da propriedade, que implica a nomeação do proprietário da rede como operador da rede e a sua independência em relação a quaisquer interesses de comercialização e de produção, é claramente uma forma eficaz e estável de resolver o inerente conflito de interesses e garantir a segurança do fornecimento. Por este motivo, o Parlamento Europeu, na sua Resolução de 10 de julho de 2007, sobre as perspetivas do mercado interno do gás e da eletricidade [JO 2008, C 175 E, p. 206], considerou que a separação da propriedade a nível do transporte constitui o meio mais eficaz de promover o investimento nas infraestruturas de forma não discriminatória, o acesso equitativo à rede por parte dos novos operadores e a transparência do mercado. No quadro da separação da propriedade, deverá, pois, exigir‑se que os Estados‑Membros assegurem que a(s) mesma(s) pessoa(s) não seja(m) autorizada(s) a exercer controlo sobre uma empresa de produção ou de comercialização, ao mesmo tempo que exerce controlo ou direitos sobre um operador de rede de transporte ou uma rede de transporte. Reciprocamente, o controlo sobre uma rede de transporte ou operador de rede de transporte deverá vedar a possibilidade de exercício de controlo ou de direitos sobre uma empresa de produção ou de comercialização. Dentro destes limites, uma empresa de produção ou de comercialização poderá deter uma participação minoritária num operador de rede de transporte ou numa rede de transporte.

(12)

O sistema de separação a aplicar deverá eliminar eficazmente quaisquer conflitos de interesses entre os produtores, os comercializadores e os operadores das redes de transporte, a fim de criar incentivos aos necessários investimentos e garantir a entrada de novos operadores no mercado num quadro regulamentar transparente e eficiente, e não poderá impor às entidades reguladoras nacionais um regime regulamentar excessivamente oneroso.

[...]

(15)

No quadro da separação da propriedade, para assegurar a independência total das operações de rede em relação aos interesses de comercialização e produção e impedir a troca de informações confidenciais, a mesma pessoa não poderá ser membro do conselho de administração de um operador de rede de transporte ou de uma rede de transporte e, simultaneamente, de uma empresa que exerça atividades de produção ou comercialização. Pela mesma razão, a mesma pessoa não poderá nomear membros do conselho de administração de um operador de rede de transporte ou de uma rede de transporte e exercer controlo ou direitos sobre uma empresa de produção ou de comercialização.

(16)

A criação de um operador de rede ou de um operador de transporte independente de interesses de comercialização e produção deverá permitir à empresa verticalmente integrada manter a propriedade de ativos de rede, assegurando simultaneamente a efetiva separação de interesses, sob condição de esse operador de rede independente ou de esse operador de transporte independente desempenhar todas as funções de um operador de rede e de serem instituídos mecanismos de regulamentação circunstanciada e de supervisão regulamentar abrangente.

[...]

(21)

Os Estados‑Membros têm o direito de optar pela plena separação [das estruturas] da propriedade no seu território. Se um Estado‑Membro tiver exercido esse direito, as empresas não têm o direito de criar um operador independente de rede ou um operador independente de transporte. Além disso, as empresas que exerçam atividades de produção ou comercialização não podem, direta ou indiretamente, exercer controlo ou quaisquer direitos sobre um operador de rede de transporte de um Estado‑Membro que tenha optado pela plena separação da propriedade.

[...]

(25)

A segurança do fornecimento energético é um elemento essencial de segurança pública, estando pois intrinsecamente associada ao funcionamento eficiente do mercado interno da eletricidade e à integração dos mercados da eletricidade isolados dos Estados‑Membros. [...]

(26)

O acesso não discriminatório à rede de distribuição determina o acesso a jusante aos clientes de retalho. A possibilidade de discriminação no que respeita ao acesso e ao investimento de terceiros é, porém, menos significativa a nível da distribuição do que a nível do transporte, no qual o congestionamento e a influência dos interesses de produção são em geral maiores do que a nível da distribuição. Além disso, a separação jurídica e funcional dos operadores das redes de distribuição só se tornou exigível a partir de 1 de julho de 2007, por força da Diretiva 2003/54/CE, e os seus efeitos no mercado interno da eletricidade têm ainda de ser avaliados. As regras vigentes em matéria de separação jurídica e funcional podem levar à separação efetiva, desde que sejam definidas com maior clareza, aplicadas de modo correto e acompanhadas de perto. Para efeitos de igualdade de condições ao nível retalhista, os operadores das redes de distribuição deverão, pois, ser supervisionados para não poderem aproveitar a sua integração vertical no que respeita à posição concorrencial que detêm no mercado, sobretudo em relação a clientes domésticos e a pequenos clientes não domésticos.

[...]

(44)

Tendo em vista a segurança do fornecimento, é necessário fiscalizar o equilíbrio entre a oferta e a procura em cada Estado‑Membro e, com base nisso, elaborar um relatório sobre a situação a nível comunitário, tendo em conta a capacidade de interligação de zonas. [...] A construção e a manutenção das infraestruturas de rede necessárias, incluindo a capacidade de interligação e a produção descentralizada de energia elétrica, são elementos de grande importância da garantia da estabilidade do fornecimento de eletricidade.»

9

O artigo 9.o da Diretiva 2009/72 trata da «[s]eparação entre as redes de transporte e os operadores das redes de transporte», e o seu artigo 14.o, da «[s]eparação dos proprietários das redes de transporte». Os artigos 18.° e 19.° desta diretiva visam, em conformidade com a respetiva epígrafe, assegurar, respetivamente, a «[i]ndependência do operador da rede de transporte» e a «[i]ndependência do pessoal e da gestão do operador da rede de transportes».

10

Nos termos do artigo 26.o, n.os 1 a 3, da referida diretiva, que tem por epígrafe «Separação dos operadores das redes de distribuição»:

«1.   No caso de o operador da rede de distribuição fazer parte de uma empresa verticalmente integrada, deve ser independente, pelo menos em termos de forma jurídica, organização e tomada de decisões, de outras atividades não relacionadas com a distribuição. Estas normas não criam a obrigação de separar da empresa verticalmente integrada a propriedade dos ativos da rede de distribuição.

2.   Para além dos requisitos constantes do n.o 1, o operador da rede de distribuição, nos casos em que faça parte de uma empresa verticalmente integrada, deve ser independente, em termos de organização e tomada de decisões, de outras atividades não relacionadas com a distribuição. Para o efeito, são aplicáveis os seguintes critérios mínimos:

a)

As pessoas responsáveis pela gestão do operador da rede de distribuição não podem participar nas estruturas da empresa de eletricidade integrada responsável, direta ou indiretamente, pela exploração diária da produção, do transporte ou da comercialização de eletricidade;

b)

Devem ser tomadas as medidas adequadas para garantir que os interesses profissionais das pessoas responsáveis pela gestão do operador da rede de distribuição sejam tidos em conta de modo a assegurar a sua capacidade para agir de forma independente;

c)

O operador da rede de distribuição tem de dispor de poder de decisão efetivo e independente da empresa de eletricidade integrada no que respeita aos ativos necessários para explorar, manter ou desenvolver a rede. Para o cumprimento destas funções, o operador da rede de distribuição deve ter à sua disposição os recursos necessários, designadamente humanos, técnicos, materiais e financeiros. A presente disposição não impede que existam mecanismos de coordenação adequados para assegurar a proteção dos direitos de supervisão económica e de gestão da empresa‑mãe no que respeita à rentabilidade dos ativos de uma filial, regulados indiretamente nos termos do n.o 6 do artigo 37.o A presente disposição deve permitir, em particular, que a empresa‑mãe aprove o plano financeiro anual, ou instrumento equivalente, do operador da rede de distribuição e estabeleça limites globais para os níveis de endividamento da sua filial. A presente disposição não deve permitir que a empresa‑mãe dê instruções relativamente à exploração diária, nem relativamente às decisões específicas sobre a construção ou o melhoramento das linhas de distribuição que não excedam os termos do plano financeiro aprovado ou instrumento equivalente; e

d)

O operador da rede de distribuição tem de elaborar um programa de conformidade que enuncie as medidas aprovadas para garantir a exclusão de comportamentos discriminatórios e garanta a monitorização adequada da sua observância. [...]

3.   Se o operador da rede de distribuição fizer parte de uma empresa verticalmente integrada, os Estados‑Membros devem assegurar que as suas atividades sejam fiscalizadas pelas entidades reguladoras ou outros organismos competentes, de modo a que não possa tirar proveito da sua integração vertical para distorcer a concorrência. Em particular, os operadores de redes de distribuição verticalmente integrados não devem, nas suas comunicações e imagens de marca, criar confusão no que respeita à identidade distinta do ramo ‘de comercialização’ da empresa verticalmente integrada.»

11

De acordo com o disposto no artigo 49.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da mesma diretiva, o prazo para a sua transposição expirava em 3 de março de 2011.

Diretiva 2009/73/CE

12

Os considerandos 3, 5, 6, 8, 9, 12, 13 e 18 da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO L 211, p. 94), estão redigidos em termos correspondentes aos dos considerandos 3, 7, 9, 11, 12, 15, 16 e 21 da Diretiva 2009/72. Os considerandos 4, 7, 22, 25 e 40 da Diretiva 2009/73 correspondem, mutatis mutandis, aos considerandos 4, 10, 25, 26 e 44 da Diretiva 2003/72.

13

O artigo 9.o da Diretiva 2009/73 rege a «[s]eparação entre as redes de transporte e os operadores das redes de transporte», e o artigo 15.o da mesma, a «[s]eparação dos proprietários das redes de transporte e dos operadores das redes de armazenamento». Os artigos 18.° e 19.° desta diretiva visam assegurar, respetivamente, em conformidade com a epígrafe desses artigos, a «[i]ndependência do operador da rede de transporte» e a «[i]ndependência do pessoal e da gestão do operador da rede de transporte».

14

O artigo 26.o, n.os 1 a 3, da referida diretiva, que tem por epígrafe «Separação dos operadores das redes de distribuição», é, mutatis mutandis, idêntico ao artigo 26.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2009/72.

15

De acordo com o disposto no artigo 54.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/73, o prazo para a sua transposição expirava em 3 de março de 2011.

Direito neerlandês

Proibição de privatização

16

Resulta dos pedidos de decisão prejudicial que, no momento dos factos que deram origem ao litígio nos processos principais, a proibição de privatização decorria da leitura conjugada, por um lado, do artigo 93.o, da Lei que regula a produção, o transporte e a entrega de eletricidade (Lei de 1998 da eletricidade) [Wet houdende regels met betrekking tot de productie, het transport en de levering van elektriciteit (Elektriciteitswet 1998)], de 2 de julho de 1998 (Staatsblad 1998, n.o 427, a seguir «lei da eletricidade»), e/ou do artigo 85.o da Lei que estabelece regras para o transporte e entrega de gás (lei do gás) [Wet houdende regels omtrent het transport en de levering van gas (Gaswet)], de 22 de junho de 2000 (Staatsblad 2000, n.o 305, a seguir «lei do gás»), com, por outro, o Decreto que regula a concessão da autorização das alterações aos direitos relativos às ações num operador de rede conforme previsto na Lei de 1998 da eletricidade e na lei do gás (decreto que regula as ações dos operadores de rede) [Besluit houdende regels omtrent het verlenen van instemming met wijzigingen ten aanzien van rechten op aandelen in een netbeheerder als bedoeld in de Elektriciteitswet 1998 en in de Gaswet (Besluit aandelen netbeheerders)], de 9 de fevereiro de 2008 (Staatsblad 2008, n.o 62, a seguir «Decreto de 2008»), que foi aprovado ao abrigo do artigo 93.o, n.o 4, da lei da eletricidade e do artigo 85.o, n.o 4, da lei do gás.

17

Nos termos do artigo 93.o, n.o 2, da lei da eletricidade e do artigo 85.o, n.o 2, da lei do gás, a transferência de ações detidas num operador de rede estava sujeita ao consentimento do Ministro da Economia. De acordo com os artigos 1.° e 3.o do Decreto de 2008, o referido consentimento devia ser recusado quando uma transferência dessa natureza tivesse por consequência as ações tornarem‑se propriedade de pessoas diferentes do Estado neerlandês, das suas províncias ou dos seus municípios (a seguir, em conjunto, «autoridades»), ou ainda de determinadas pessoas coletivas, entre as quais a Essent e o., cujas ações eram detidas na totalidade, direta ou indiretamente, pelas ditas autoridades.

Proibição de grupo

18

Tal como a proibição de privatização, a proibição de grupo foi introduzida na legislação neerlandesa pela Lei que altera a lei da eletricidade e a lei do gás no que se refere às modalidades de gestão independente das redes (lei da gestão independente das redes) [Wet van tot wijziging van de Elektriciteitswet 1998 en van de Gaswet in verband met nadere regels omtrent een onafhankelijk netbeheer (Wet onafhankelijk netbeheer)], de 23 de novembro de 2006 (Staatsblad 2006, n.o 614, a seguir «lei da gestão independente das redes»), no artigo 10b, n.o 1, da lei da eletricidade e no artigo 2c, n.o 1, da lei do gás. A lei da gestão independente das redes alterou, nomeadamente, as disposições nacionais aprovadas para implementar as Diretivas 2003/54 e 2003/55 (a seguir, em conjunto, «Diretivas de 2003»).

19

De acordo com o artigo 10b, n.os 1 a 3, da lei da eletricidade:

«1.   Os operadores de rede não podem fazer parte de um grupo na aceção do artigo 24b do Código Civil, ao qual também pertença uma pessoa coletiva ou uma sociedade que produza, forneça ou comercialize eletricidade nos Países Baixos.

2.   As pessoas coletivas e as sociedades que fizerem parte de um grupo na aceção do artigo 24b do livro 2 do Código Civil, ao qual também pertença uma pessoa coletiva ou uma sociedade que produza, forneça ou comercialize eletricidade nos Países Baixos, não podem deter ações num operador de rede ou numa pessoa coletiva que faça parte de um grupo ao qual também pertença um operador de rede e não podem deter participações numa sociedade que faça parte de um grupo ao qual também pertença um operador de rede.

3.   Um operador de rede e as sociedades do grupo na aceção do artigo 24b do livro 2 do Código Civil, vinculadas ao operador de rede:

a.

não podem deter ações numa pessoa coletiva que produza, forneça ou comercialize eletricidade nos Países Baixos ou numa pessoa coletiva que faça parte de um grupo ao qual também pertença uma pessoa coletiva que produza, forneça ou comercialize eletricidade nos Países Baixos;

b.

não podem deter participações numa sociedade que produza, forneça ou comercialize eletricidade nos Países Baixos ou numa sociedade que faça parte de um grupo ao qual também pertença uma pessoa coletiva ou uma sociedade que produza, forneça ou comercialize eletricidade nos Países Baixos.»

Proibição de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede

20

A proibição de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede, também introduzida na ordem jurídica neerlandesa pela lei da gestão independente das redes, estava prevista no artigo 17.o, n.os 2 e 3, da lei da eletricidade e no artigo 10b, n.os 2 e 3, da lei do gás. Segundo estas disposições legais:

«2.   Se um operador de rede que não for o operador da rede nacional de alta tensão pertencer a um grupo na aceção do artigo 24b do livro 2 do Código Civil, esse grupo não está autorizado a realizar operações ou atividades suscetíveis de não servir os interesses da gestão da rede em causa.

3.   Em todo o caso, entende‑se por operações e atividades na aceção do n.o 2:

a.

as operações e atividades que não tenham nenhuma ligação com equipamentos de infraestrutura ou com atividades conexas,

b.

a prestação, pelo operador de rede, de garantias para o financiamento de atividades de pessoas coletivas ou de sociedades pertencentes ao grupo, e

c.

o facto de o operador de rede ser fiador de dívidas de pessoas coletivas ou de sociedades que pertençam ao grupo,

a não ser que o operador de rede preste garantias ou se constitua fiador de dívidas:

1o.

para as necessidades de operações ou de atividades que o próprio operador de rede poderia realizar,

2o.

por outros motivos ligados à gestão da rede, ou

3o.

para cumprir os requisitos relacionados com a aplicação de disposições legais.»

Litígio nos processos principais e questões prejudiciais

21

Na data em que a lei da gestão independente das redes foi aprovada, a qual introduziu as proibições de grupo e de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede na lei da eletricidade e na lei do gás, a Essent e o. eram empresas verticalmente integradas, que operavam tanto na produção, no fornecimento e/ou na comercialização de eletricidade e/ou de gás no território neerlandês como na gestão e na exploração de redes de distribuição de eletricidade ou de gás neste mesmo território.

22

Na sequência da aprovação da lei da gestão independente das redes, que introduziu designadamente a proibição de grupo, a Essent NV foi cindida, em 1 de julho de 2009, em duas sociedades distintas, a saber, por um lado, a Enexis Holding NV, cujo objeto social consiste na gestão de uma rede de distribuição de gás e de eletricidade no território neerlandês e cujas ações são detidas na totalidade por autoridades, e, por outro, a Essent NV, cujo objeto social consiste na produção, no fornecimento e na comercialização de eletricidade e de gás. Esta última sociedade foi, de seguida, comprada pela filial de um grupo alemão especializado no setor da energia, a RWE AG. A Eneco Holding NV e a Delta NV não foram cindidas, mas designaram, respetivamente, as suas filiais Stedin Netbeheer BV e Delta Netwerkbedrijf BV como operadoras das suas redes de distribuição neste mesmo território.

23

A Essent e o. pediram, em três ações separadas, ao Rechtbank Den Haag que declarasse que as disposições nacionais que comportam as proibições de grupo e de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede são incompatíveis, nomeadamente, com o artigo 63.o TFUE e não devem, por essa razão, ser aplicadas.

24

O Staat der Nederlanden, demandado nesses processos, opôs a essas ações, a título principal, o princípio, consagrado na legislação nacional, relativo à proibição de privatização, que, no entender deste Estado, constitui um regime da propriedade, na aceção do artigo 345.o TFUE. Esta proibição tem por consequência, por um lado, que as ações detidas num operador de rede ativo no território neerlandês não podem ser objeto de investimentos privados e, por outro, que as regras do Tratado FUE sobre a livre circulação de capitais e a liberdade de estabelecimento não são aplicáveis. A título subsidiário, este Estado‑Membro sustentava que as proibições de grupo e de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede não obstam à livre circulação de capitais nem à liberdade de estabelecimento, ou, pelo menos, que a restrição dessas liberdades é justificada por razões imperiosas de interesse geral.

25

Por sentença de 11 de março de 2009, o Rechtbank Den Haag julgou improcedentes os pedidos da Essent e o. Em sede de recurso, o Gerechtshof Den Haag anulou esta sentença, por acórdão de 22 de junho de 2010, e declarou que as referidas disposições nacionais são incompatíveis com o artigo 63.o TFUE e, por essa razão, não devem ser aplicadas. O Staat der Nederlanden interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

26

Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, formuladas em termos idênticos em cada um dos processos apensos:

«1)

Deve o artigo 345.o TFUE ser interpretado no sentido de que no ‘regime da propriedade nos Estados‑Membros’ também se inclui o regime da proibição absoluta de privatização em causa no [processo principal], prevista no [Decreto de 2008], em conjugação com o artigo 93.o da [lei da eletricidade] e com o artigo 85.o da [lei do gás], que consiste no facto de as partes sociais ou ações de um operador da rede só poderem ser transmitidas dentro do setor da Administração Pública?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, resulta desse facto que as regras relativas à livre circulação de capitais não se aplicam à proibição de grupo e à proibição de atividades secundárias, ou, pelo menos, que não há lugar à apreciação das referidas proibições à luz dessas regras?

3)

Os objetivos, indicados como fundamento da [lei da gestão independente das redes], de garantir a transparência no mercado da energia e de evitar distorções da concorrência, por meio do combate às subvenções cruzadas em sentido lato (incluindo o intercâmbio de informações estratégicas), são interesses puramente económicos, ou também podem ser considerados como interesses de natureza não económica, no sentido de que podem, em determinadas circunstâncias, enquanto razões imperiosas de interesse geral, justificar uma restrição à livre circulação de capitais?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

27

Por despacho de 26 de março de 2012, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu apensar os processos C‑105/12 a C‑107/12, para efeitos da fase oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

28

Com a sua primeira e a sua segunda questão, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 345.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que abrange um regime de proibição de privatização, como o que está em causa nos processos principais, que implica que as ações detidas num operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atua no território neerlandês devem ser detidas, direta ou indiretamente, por autoridades públicas identificadas pela legislação nacional. Em caso afirmativo, pergunta se esta interpretação tem por consequência subtrair à aplicação do artigo 63.o TFUE disposições nacionais, como as que estão em causa nos processos principais, que proíbem, por um lado, vínculos de propriedade ou de controlo entre sociedades que fazem parte de um grupo ao qual pertence um operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atua no referido território e sociedades que fazem parte de um grupo ao qual pertence uma empresa que produz, fornece ou comercializa eletricidade ou gás nesse mesmo território, bem como, por outro, a realização, por tal operador e pelo grupo de que faz parte, de operações ou de atividades «suscetíveis de prejudicar o interesse da gestão da rede» em causa.

29

O artigo 345.o TFUE consagra o princípio da neutralidade dos Tratados, no que toca ao regime de propriedade nos Estados‑Membros.

30

A este respeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Tratados não se opõem, em princípio, à nacionalização de empresas (v., neste sentido, acórdão de 15 de julho de 1964, Costa, 6/64, Colet. 1962-1964, pp. 549, 558) nem à sua privatização (v., neste sentido, acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Grécia, C‑244/11, n.o 17).

31

Decorre daqui que os Estados‑Membros têm legitimidade para prosseguir o objetivo que consiste em estabelecer ou manter um regime de propriedade pública para determinadas empresas.

32

Nos processos principais, resulta do artigo 93.o, n.o 2, da lei da eletricidade, do artigo 85.o, n.o 2, da lei do gás e do artigo 1.o do Decreto de 2008, cujo alcance foi resumido no n.o 17 do presente acórdão, que a proibição de privatização, na aceção da legislação nacional em causa nos processos principais, só permite, no essencial, a transferência das ações detidas num operador de rede de distribuição a favor das autoridades e das pessoas coletivas detidas, direta ou indiretamente, pelas referidas autoridades, sendo proibidas quaisquer transferências que tenham por consequência as ações tornarem‑se propriedade de pessoas diferentes destas.

33

Daqui decorre que a proibição de privatização se opõe à detenção, por quaisquer particulares, de ações num operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atua no território neerlandês. Esta proibição visa, assim, manter um regime de propriedade pública no que toca aos referidos operadores.

34

Tal proibição está abrangida pelo artigo 345.o TFUE.

35

No presente caso, é notório que a referida proibição de privatização cobre a proibição constante do artigo 10b, n.o 2, da lei da eletricidade e do artigo 2c, n.o 2, da lei do gás, por força dos quais as empresas, estabelecidas noutro Estado‑Membro, que operem na produção, no fornecimento e na comercialização de eletricidade ou de gás no território neerlandês, bem como as sociedades de outro Estado‑Membro que fazem parte de um grupo ao qual pertence tal empresa não podem adquirir ações num operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atue no referido território.

36

Todavia, o artigo 345.o TFUE não tem por efeito subtrair os regimes de propriedade existentes nos Estados‑Membros às regras fundamentais do Tratado FUE, como, nomeadamente, a não discriminação, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de movimento de capitais (v., neste sentido, acórdãos de 6 de novembro de 1984, Fearon, 182/83, Recueil, p. 3677, n.o 7; de 1 de junho de 1999, Konle, C-302/97, Colet., p. I-3099, n.o 38; de 23 de setembro de 2003, Ospelt e Schlössle Weissenberg, C-452/01, Colet., p. I-9743, n.o 24; de 8 de julho de 2010, Comissão/Portugal, C-171/08, Colet., p. I-6817, n.o 64; de 21 de dezembro de 2011, Comissão/Polónia, C-271/09, Colet., p. I-13613, n.o 44; e acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.o 16).

37

Por conseguinte, o facto de o Reino dos Países Baixos ter previsto, no setor dos operadores de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atuam no seu território, um regime de propriedade pública coberto pelo artigo 345.o TFUE não dispensa este Estado‑Membro da observância, no referido setor, das regras relativas à livre circulação de capitais (v., por analogia, acórdão Comissão/Polónia, já referido, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

38

Assim, a proibição de privatização está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.o TFUE e deve ser apreciada à luz deste artigo, da mesma maneira que a proibição de grupo ou ainda a proibição de atividades suscetíveis de prejudicar o interesse da gestão da rede.

39

A este respeito, importa recordar que, de acordo com jurisprudência constante, o artigo 63.o, n.o 1, TFUE proíbe, em termos gerais, os entraves aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros (acórdão de 28 de setembro de 2006, Comissão/Países Baixos, C-282/04 e C-283/04, Colet., p. I-9141, n.o 18 e jurisprudência aí referida, e acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.o 48).

40

Não havendo, no Tratado FUE, uma definição do conceito de «movimentos de capitais» no sentido do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, o Tribunal de Justiça reconheceu valor indicativo à nomenclatura dos movimentos de capitais constante do anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a execução do artigo 67.o do Tratado [CE] (JO L 178, p. 5). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que constituem movimentos de capitais no sentido do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, nomeadamente, os investimentos ditos «diretos», a saber, os investimentos sob a forma de participação numa empresa através da detenção de ações que confere a possibilidade de participar efetivamente na sua gestão e no seu controlo, bem como os investimentos ditos «de carteira», a saber, os investimentos sob a forma de aquisição de títulos no mercado de capitais com o único objetivo de realizar uma aplicação financeira, sem intenção de influir na gestão e no controlo da empresa (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Países Baixos, n.o 19, e Comissão/Portugal, n.o 49).

41

No que se refere a estas duas formas de investimento, o Tribunal de Justiça precisou que devem ser qualificadas de «entraves no sentido do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, as medidas nacionais suscetíveis de impedir ou de limitar a aquisição de ações nas empresas em causa ou de dissuadir os investidores dos outros Estados‑Membros de investirem no capital destas (v. acórdãos de 4 de junho de 2002, Comissão/Portugal, C-367/98, Colet., p. I-4731, n.os 45 e 46, e Comissão/França, C-483/99, Colet., p. I-4781, n.o 40; de 13 de maio de 2003, Comissão/Espanha, C-463/00, Colet., p. I-4581, n.os 61 e 62, e Comissão/Reino Unido, C-98/01, Colet., p. I-4641, n.os 47 e 49; de 2 de junho de 2005, Comissão/Itália, C-174/04, Colet., p. I-4933, n.os 30 e 31; e acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.o 20).

42

Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma disposição nacional que imponha limitações quantitativas ou qualitativas aos investimentos efetuados nos outros Estados‑Membros produz um efeito restritivo para as sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros, porquanto essa disposição constitui para elas um obstáculo à obtenção de capitais, na medida em que a aquisição, nomeadamente, de ações é limitada (v., neste sentido, acórdão Comissão/Polónia, já referido, n.os 51 e 52 e jurisprudência aí referida).

43

Nos processos principais, a proibição de privatização significa que nenhum investidor privado pode adquirir ações ou participações no capital de um operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atue no território neerlandês.

44

Além disso, no que toca às proibições de grupo e de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede, importa salientar que estas apresentam vários aspetos. Em primeiro lugar, decorre da proibição de grupo que uma sociedade de outro Estado‑Membro que faça parte de um grupo ao qual pertença uma empresa que opere na produção, no fornecimento ou na comercialização de eletricidade ou de gás no território neerlandês não pode adquirir ações numa sociedade que faça parte de um grupo ao qual pertença um operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atue no referido território.

45

Em segundo lugar, a referida proibição significa igualmente que uma sociedade que faça parte de um grupo ao qual pertença um operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás no território neerlandês não pode investir numa empresa estabelecida noutro Estado‑Membro que opere no setor da produção, do fornecimento ou da comercialização da eletricidade ou do gás no referido território, ou numa sociedade que faça parte de um grupo ao qual pertença tal empresa.

46

Em terceiro lugar, a proibição de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede pode igualmente impor restrições qualitativas aos investimentos noutros Estados‑Membros, uma vez que exclui, direta ou indiretamente, que as sociedades de um grupo ao qual pertença um operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atue no território neerlandês invistam em empresas que operem em setores diferentes da gestão de redes.

47

Assim, estas proibições constituem entraves à livre circulação de capitais no sentido do artigo 63.o TFUE.

48

Por conseguinte, importa responder à primeira e à segunda questão que o artigo 345.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que abrange um regime de proibição de privatização como o que está em causa nos processos principais, que implica que as ações detidas num operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atua no território neerlandês devem ser detidas, direta ou indiretamente, por autoridades públicas identificadas pela legislação nacional. Porém, esta interpretação não tem por consequência subtrair à aplicação do artigo 63.o TFUE disposições nacionais como as que estão em causa nos processos principais, que proíbem a privatização de operadores de redes de distribuição de eletricidade ou de gás, ou ainda que proíbem, por um lado, vínculos de propriedade ou de controlo entre sociedades que fazem parte de um grupo ao qual pertence um operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atua no território neerlandês e sociedades que fazem parte de um grupo ao qual pertence uma empresa que produz, fornece ou comercializa eletricidade ou gás neste mesmo território, bem como, por outro, a realização, por tal operador e pelo grupo a que pertence, de operações ou de atividades suscetíveis de prejudicar o interesse da gestão da rede em causa.

Quanto à terceira questão

49

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se os objetivos que consistem em lutar contra as subvenções cruzadas, lato sensu, incluindo a troca de informações estratégicas, em assegurar a transparência nos mercados da eletricidade e do gás e em prevenir as distorções da concorrência constituem interesses económicos puros ou, pelo contrário, razões imperiosas de interesse geral que justificam entraves à livre circulação de capitais.

50

O Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que a livre circulação de capitais só pode ser limitada por uma regulamentação nacional se esta se justificar por uma das razões mencionadas no artigo 65.o TFUE ou por razões imperiosas de interesse geral na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdãos de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, C‑274/06, n.o 35, e Comissão/Polónia, já referido, n.o 55).

51

Além disso, decorre de jurisprudência constante que motivos de natureza meramente económica não podem constituir razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar um entrave a uma liberdade fundamental garantida pelos Tratados (acórdãos de 16 de janeiro de 2003, Comissão/Itália, C-388/01, Colet., p. I-721, n.o 22, e de 17 de março de 2005, Kranemann, C-109/04, Colet., p. I-2421, n.o 34).

52

Contudo, o Tribunal de Justiça admitiu que uma regulamentação nacional pode constituir um entrave justificado a uma liberdade fundamental quando é ditada por motivos de ordem económica que prosseguem um objetivo de interesse geral (v., neste sentido, acórdão de 11 de setembro de 2008, Comissão/Alemanha, C-141/07, Colet., p. I-6935, n.o 60 e jurisprudência aí referida).

53

Assim, no que toca à proibição de privatização, que está abrangida pelo artigo 345.o TFUE, o Tribunal de Justiça decidiu, é certo, que esta disposição não pode justificar um entrave às regras relativas à livre circulação de capitais (v. acórdãos, já referidos, de 8 de julho de 2010, Comissão/Portugal, n.o 64 e jurisprudência aí referida, e Comissão/Polónia, n.o 44). Porém, isto não significa que o interesse subjacente à opção do legislador quanto ao regime de propriedade pública ou privada do operador da rede de distribuição de eletricidade ou de gás não possa ser tido em conta enquanto razão imperiosa de interesse geral.

54

A este respeito, importa assinalar que as situações, por um lado, nos processos principais e, por outro, nos processos que estiveram na origem destes acórdãos não são comparáveis. Com efeito, nos processos principais, está em causa uma proibição absoluta de privatização, ao passo que o processo que esteve na origem do acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Portugal, já referido, dizia respeito a entraves resultantes de privilégios que os Estados‑Membros conferiam à sua posição de acionistas numa empresa privatizada, e o processo que esteve na origem do acórdão Comissão/Polónia, já referido, versava sobre restrições aos investimentos no estrangeiro de fundos de pensões abertos que, porém, não afetavam em nada o regime de propriedade desses fundos.

55

Assim, as razões subjacentes à escolha do sistema de propriedade adotado pela legislação nacional abrangida pelo artigo 345.o TFUE constituem fatores a que se pode atender enquanto elementos suscetíveis de justificar restrições à livre circulação de capitais. Por conseguinte, nos processos principais, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a essa análise.

56

No tocante às outras proibições, há que observar, por um lado, que os objetivos de lutar contra as subvenções cruzadas, lato sensu, incluindo a troca de informações estratégicas, de assegurar a transparência nos mercados da eletricidade e do gás e de prevenir as distorções da concorrência visam assegurar uma concorrência não falseada nos mercados da produção, do fornecimento e da comercialização da eletricidade e do gás no território neerlandês e, por outro, que com o objetivo de lutar contra as subvenções cruzadas se pretende, além disso, garantir um investimento suficiente nas redes de distribuição de eletricidade e de gás.

57

Assim, importa verificar se as medidas nacionais em causa nos processos principais prosseguem, por intermédio destes objetivos, afinal, objetivos imperiosos de interesse geral.

58

Ora, o objetivo de uma concorrência não falseada nos referidos mercados é igualmente prosseguido pelo Tratado FUE, cujo preâmbulo sublinha a necessidade de uma ação concertada para garantir, nomeadamente, a lealdade da concorrência, isto para proteger, afinal, os consumidores. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a proteção dos consumidores constitui uma razão imperiosa de interesse geral (acórdãos de 13 de setembro de 2007, Comissão/Itália, C-260/04, Colet., p. I-7083, n.o 27; de 29 de novembro de 2007, Comissão/Áustria, C-393/05, Colet., p. I-10195, n.o 52; e de 18 de novembro de 2010, Comissão/Portugal, C-458/08, Colet., p. I-11599, n.o 89).

59

Em seguida, importa assinalar que o objetivo de garantir um investimento suficiente nas redes de distribuição de eletricidade e de gás visa assegurar, nomeadamente, a segurança do abastecimento de energia, objetivo que o Tribunal de Justiça também reconheceu como uma razão imperiosa de interesse geral (acórdãos de 10 de julho de 1984, Campus Oil e o., 72/83, Recueil, p. 2727, n.os 34 e 35; de 4 de junho de 2002, Comissão/Bélgica, C-503/99, Colet., p. I-4809, n.o 46; e de 2 de junho de 2005, Comissão/Itália, já referido, n.o 40).

60

Por fim, como se assinalou nos n.os 18 e 20 do presente acórdão, as proibições de grupo e de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede foram introduzidas pela lei da gestão independente das redes, que, por seu turno, alterou, nomeadamente, as disposições nacionais aprovadas para transpor as Diretivas de 2003 para a ordem jurídica neerlandesa. Em especial, as referidas proibições alteraram as disposições introduzidas para transpor o artigo 15.o da Diretiva 2003/54 e o artigo 13.o da Diretiva 2003/55.

61

Ora, resulta dos considerandos 4 a 8 e 10 da Diretiva 2003/54 e 4 e 6 a 10 da Diretiva 2003/55 que estas diretivas visam, nomeadamente, assegurar um mercado aberto e transparente, um acesso não discriminatório e transparente à rede do operador de distribuição e uma concorrência equitativa.

62

Em especial, decorre do considerando 8 da Diretiva 2003/54 e do considerando 10 da Diretiva 2003/55, por um lado, que os Estados‑Membros elaboram medidas para realizar estes objetivos. Por outro lado, estes considerandos sublinham a vontade do legislador da União de que os operadores de rede de distribuição disponham de direitos efetivos de tomada de decisão no que toca aos ativos necessários para manter, explorar e desenvolver as redes.

63

Por outro lado, o considerando 23 da Diretiva 2003/54 e o considerando 23 da Diretiva 2003/55 salientam que a construção e a manutenção das infraestruturas de rede necessárias são elementos importantes para assegurar a segurança do abastecimento estável de eletricidade e de gás.

64

Daqui decorre que, mesmo que as proibições de grupo e de atividades suscetíveis de prejudicar a gestão da rede não sejam impostas pelas referidas diretivas, o Reino dos Países Baixos prosseguiu, com a introdução destas medidas, objetivos previstos nas Diretivas de 2003.

65

Esta constatação é corroborada pelas Diretivas 2009/72 e 2009/73, que visam, nomeadamente, os mesmos objetivos, como decorre tanto dos considerandos 3, 4, 9 a 12, 15, 25 e 44 da Diretiva 2009/72 como dos considerandos 3, 4, 6 a 13, 22 e 40 da Diretiva 2009/73. Em especial, os considerandos 4, 9, 11, 15, 25, 26 e 44 da Diretiva 2009/72 e 4, 6, 8, 12, 22, 25 e 40 da Diretiva 2009/73 revelam a vontade do legislador da União de assegurar um acesso não discriminatório às redes de distribuição de eletricidade e de gás, bem como a transparência dos mercados, de prevenir subvenções cruzadas, de assegurar investimentos suficientes nas redes, para garantir a segurança no abastecimento estável de eletricidade e de gás, e de impedir as trocas de informações confidenciais entre os operadores de rede e as empresas de produção e de fornecimento.

66

Assim, os objetivos evocados pelo órgão jurisdicional de reenvio podem, em princípio, enquanto razões imperiosas de interesse geral, justificar os entraves às liberdades fundamentais verificados.

67

Porém, é ainda preciso que os entraves em causa sejam adequados aos objetivos prosseguidos e não ultrapassem o que é necessário para os alcançar (acórdão de 11 de outubro de 2007, ELISA, C-451/05, Colet., p. I-8251, n.o 82, e acórdão Comissão/Polónia, já referido, n.o 58), o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

68

Decorre das considerações precedentes que há que responder da seguinte forma à terceira questão:

no que toca ao regime de proibição de privatização em causa nos processos principais, que está abrangido pelo artigo 345.o TFUE, os objetivos subjacentes à opção do legislador quanto ao regime de propriedade adotado podem ser tidos em conta enquanto razões imperiosas de interesse geral para justificar o entrave à livre circulação de capitais;

no que toca às outras proibições, os objetivos de lutar contra as subvenções cruzadas, lato sensu, incluindo a troca de informações estratégicas, de assegurar a transparência nos mercados da eletricidade e do gás ou de prevenir as distorções da concorrência podem, a título de razões imperiosas de interesse geral, justificar os entraves à livre circulação de capitais causados por disposições nacionais como as que estão em causa nos processos principais.

Quanto às despesas

69

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 345.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que abrange um regime de proibição de privatização como o que está em causa nos processos principais, que implica que as ações detidas num operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atua no território neerlandês devem ser detidas, direta ou indiretamente, por autoridades públicas identificadas pela legislação nacional. Porém, esta interpretação não tem por consequência subtrair à aplicação do artigo 63.o TFUE disposições nacionais como as que estão em causa nos processos principais, que proíbem a privatização de operadores de redes de distribuição de eletricidade ou de gás, ou ainda que proíbem, por um lado, vínculos de propriedade ou de controlo entre sociedades que fazem parte de um grupo ao qual pertence um operador de rede de distribuição de eletricidade ou de gás que atua no território neerlandês e sociedades que fazem parte de um grupo ao qual pertence uma empresa que produz, fornece ou comercializa eletricidade ou gás neste mesmo território, bem como, por outro, a realização, por tal operador e pelo grupo a que pertence, de operações ou de atividades suscetíveis de prejudicar o interesse da gestão da rede em causa.

 

2)

No que toca ao regime de proibição de privatização em causa nos processos principais, que está abrangido pelo artigo 345.o TFUE, os objetivos subjacentes à opção do legislador quanto ao regime de propriedade adotado podem ser tidos em conta enquanto razões imperiosas de interesse geral para justificar o entrave à livre circulação de capitais. No que toca às outras proibições, os objetivos de lutar contra as subvenções cruzadas, lato sensu, incluindo a troca de informações estratégicas, de assegurar a transparência nos mercados da eletricidade e do gás ou de prevenir as distorções da concorrência podem, a título de razões imperiosas de interesse geral, justificar os entraves à livre circulação de capitais causados por disposições nacionais como as que estão em causa nos processos principais.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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