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Documento 62010CJ0509

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 5 de julho de 2012.
Josef Geistbeck e Thomas Geistbeck contra Saatgut-Treuhandverwaltungs GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentada por Bundesgerichtshof.
Processo C-509/10.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2012:416

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

5 de julho de 2012 ( *1 )

«Propriedade intelectual e industrial — Regime de proteção comunitária das variedades vegetais — Regulamento (CE) n.o 2100/94 — Privilégio do agricultor — Conceito de ‘indemnização adequada’ — Reparação do prejuízo sofrido — Violação do direito das variedades vegetais»

No processo C-509/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 30 de setembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de outubro de 2010, no processo

Josef Geistbeck,

Thomas Geistbeck

contra

Saatgut-Treuhandverwaltungs GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits (relator), J.-J. Kasel e M. Berger, juízes,

advogado-geral: N. Jääskinen,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de janeiro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação de J. e T. Geistbeck, por J. Beismann e M. Miersch, Rechtsanwälte,

em representação da Saatgut-Treuhandverwaltungs GmbH, por K. von Gierke e C. von Gierke, Rechtsanwälte,

em representação do Governo grego, por X. Basakou e A.-E. Vasilopoulou, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por F. Díez Moreno, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por B. Schima, F. Wilman e M. Vollkommer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 29 de março de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação de certas disposições do Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, de 27 de julho de 1994, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais (JO L 227, p. 1), e do Regulamento (CE) n.o 1768/95 da Comissão, de 24 de julho de 1995, que estabelece as regras de aplicação relativas à exceção agrícola prevista no n.o 3 do artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 2100/94 (JO L 173, p. 14), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2605/98 da Comissão, de 3 de dezembro de 1998 (JO L 328, p. 6, a seguir «Regulamento n.o 1768/95»).

2

O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe os agricultores J. e T. Geistbeck à Saatgut-Treuhandverwaltungs GmbH (a seguir «STV»), que representa os interesses dos titulares das variedades vegetais protegidas Kuras, Quarta, Solara e Marabel, a respeito do cultivo não totalmente declarado dessas variedades pelos recorrentes no processo principal.

Quadro jurídico

O Regulamento n.o 2100/94

3

De acordo com o artigo 11.o do Regulamento n.o 2100/94, o direito à proteção comunitária das variedades vegetais pertence ao «titular», isto é, à «pessoa que criou ou descobriu e desenvolveu a variedade ou [ao] seu sucessível».

4

O artigo 13.o desse regulamento, intitulado «Direitos do titular de um direito comunitário de proteção de uma variedade vegetal e atos ilícitos», dispõe o seguinte:

«1.   Um direito comunitário de proteção de uma variedade vegetal tem por efeito habilitar o seu titular ou titulares, a seguir designados por ‘titular’, a praticar os atos previsto no n.o 2.

2.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.° e 15.°, carecem da autorização do titular os seguintes atos relativos aos constituintes varietais, ou ao material de colheita da variedade protegida, ambos a seguir conjuntamente designados por ‘material’:

a)

Produção ou reprodução (multiplicação);

[…]

O titular pode sujeitar a sua autorização a determinadas condições e restrições.

[…]»

5

O artigo 14.o desse regulamento, com a epígrafe «Exceção ao direito comunitário de proteção das variedades vegetais», dispõe, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 13.o, e no intuito de proteger a produção agrícola, os agricultores podem utilizar, para fins de multiplicação nas suas próprias explorações, o produto da colheita que tenham obtido por plantação, nas suas explorações, de material de propagação de uma variedade que não seja um híbrido ou uma variedade artificial, que beneficie da proteção comunitária das variedades vegetais.»

6

O artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2100/94 dispõe:

«As condições para a aplicação da exceção prevista no n.o 1 e para salvaguardar os legítimos interesses do titular e do agricultor serão estabelecidas, antes da entrada em vigor do presente regulamento, nas regras de execução a que se refere o artigo 114.o, com base nos seguintes critérios:

[…]

os pequenos agricultores não serão obrigados a pagar qualquer remuneração ao titular; […]

[…]

os restantes agricultores devem pagar ao titular uma remuneração equitativa, que deve ser significativamente inferior ao preço da produção licenciada do material de propagação da mesma variedade na mesma área; o nível real dessa remuneração poderá variar ao longo do tempo, de acordo com o uso que for feito da exceção prevista no n.o 1 no caso da variedade em questão,

[…]

sempre que os titulares o solicitem, os agricultores e os prestadores de serviços de processamento devem prestar-lhes as informações pertinentes; […]»

7

O artigo 94.o desse regulamento, relativo às ações cíveis que podem ser intentadas em caso de uso de uma variedade vegetal constitutivo de uma violação, dispõe:

«1.   Todo aquele que:

a)

Praticar um dos atos previstos no n.o 2 do artigo 13.o sem para tal ter legitimidade, em relação a uma variedade para a qual tenha sido reconhecido um direito comunitário de proteção das variedades vegetais;

[…]

pode ser alvo de uma ação judicial por parte do titular, no sentido de pôr termo à infração ou de pagar uma indemnização adequada, ou ambos.

2.   Quem assim agir intencionalmente ou por negligência terá, além disso, de indemnizar o titular de quaisquer danos suplementares resultantes do ato praticado. Em caso de negligência simples, estas indemnizações poderão ser reduzidas em função do grau de gravidade da negligência mas nunca de modo a torná-las inferiores aos benefícios que dela resultaram para a pessoa que praticou a violação.»

8

A aplicação supletiva das legislações nacionais em matéria de violação de direitos rege-se pelo artigo 97.o desse regulamento, que dispõe, no seu n.o 1:

«Quando a parte responsável nos termos do artigo 94.o tiver, em virtude da violação, obtido qualquer benefício em detrimento do titular ou do legítimo detentor de uma licença, os tribunais competentes nos termos dos artigos 101.° ou 102.° aplicarão à indemnização a sua legislação nacional, incluindo o seu direito internacional privado.»

O Regulamento n.o 1768/95

9

O artigo 2, n.o 1, do Regulamento n.o 1768/95 tem a seguinte redação:

«As condições a que se refere o artigo 1.o devem ser respeitadas, quer pelo titular, em representação do obtentor, quer pelo agricultor, de forma a salvaguardar os legítimos interesses de cada um.»

10

O artigo 5.o do Regulamento n.o 1768/95, que aprova as seguintes normas sobre a remuneração devida ao titular, dispõe:

«1.   O nível da remuneração equitativa a pagar ao titular nos termos do n.o 3, quarto travessão, do artigo 14.o do regulamento de base pode ser objeto de contrato entre o titular e o agricultor em causa.

2.   Caso não exista um contrato ou, existindo, não seja aplicável, o nível da remuneração deve ser significativamente inferior ao montante cobrado pela produção autorizada de material de propagação da categoria mais baixa, certificada oficialmente, da mesma variedade e na mesma área.

[…]

5.   Se, no caso previsto no n.o 2, não for aplicável um acordo, dos previstos no n.o 4, a remuneração a pagar deve ser igual a 50% dos montantes cobrados pela produção autorizada de material de propagação, conforme referido no n.o 2.

[…]»

11

O artigo 14.o desse regulamento, relativo ao controlo, pelo titular, da execução das obrigações do agricultor, dispõe, no seu n.o 1:

«Para efeitos de controlo, pelo titular, da observância do disposto no artigo 14.o do regulamento de base, nos termos do presente regulamento, no que respeita ao cumprimento pelo agricultor das suas obrigações, este deve, a pedido do titular:

a)

Apresentar provas que corroborem as informações por si prestadas nos termos do artigo 8.o, mediante fornecimento de documentos relevantes disponíveis, tais como faturas, rótulos utilizados ou quaisquer outros elementos, como o requerido no n.o 1, alínea a), do artigo 13.o, relativos a:

prestação de serviços de processamento do produto da colheita de uma variedade do titular para cultivo, por terceiros, ou

no caso do n.o 2, alínea e), do artigo 8.o, fornecimento de material de propagação de uma variedade do titular,

ou mediante prova da existência de terras ou instalações de armazenagem;

b)

Fornecer ou facilitar o acesso às provas referidas no n.o 3 do artigo 4.o e no n.o 5 do artigo 7.o»

12

Nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1768/95:

«1.   A pessoa a que se refere o artigo 17.o pode ser demandada em juízo pelo titular para que cumpra as suas obrigações decorrentes do n.o 3 do artigo 14.o do regulamento de base, nos termos do presente regulamento.

2.   Se a pessoa referida no n.o 1 se absteve, repetida e intencionalmente, de cumprir a sua obrigação decorrente do n.o 3, quarto travessão, do artigo 14.o do regulamento de base, relativamente a uma ou mais variedades do mesmo titular, a reparação de quaisquer danos suplementares causados a este último e previstos no n.o 2 do artigo 94.o do regulamento de base deve cobrir, pelo menos, uma quantia fixa calculada com base no quádruplo do montante médio cobrado pela produção autorizada de uma quantidade correspondente de material de propagação da mesma variedade vegetal na mesma área, sem prejuízo da compensação de quaisquer danos mais elevados.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

Entre 2001 e 2004, J. e T. Geistbeck procederam ao cultivo das variedades protegidas Kuras, Quarta, Solara e Marabel, tendo previamente informado a STV. Contudo, na sequência de um controlo, esta veio a verificar que as quantidades realmente cultivadas eram superiores às declaradas, excedendo, em certos casos, o seu triplo. Consequentemente, a STV reclamou o pagamento da quantia de 4576,15 euros, correspondente à retribuição que lhe era devida. Tendo os recorrentes no processo principal pago unicamente metade desse montante, a STV intentou uma ação para o pagamento do montante em falta e o reembolso das despesas pré-contenciosas no valor de 141,05 euros.

14

A ação foi julgada procedente em primeira instância. Foi negado provimento ao recurso interposto pelos recorrentes no processo principal. Estes interpuseram então um recurso de «Revision» no tribunal de reenvio.

15

Baseando-se no acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de abril de 2003, Schulin (C-305/00, Colet., p. I-3525), o tribunal de reenvio considera que o agricultor que não cumpre devidamente a sua obrigação de informação para com o titular da variedade vegetal protegida não pode invocar o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 e, nos termos do artigo 94.o desse mesmo regulamento, pode ser alvo de uma ação por violação dos direitos da variedade vegetal e de condenação no pagamento de uma indemnização adequada.

16

O referido tribunal interroga-se sobre as formas de cálculo da «indemnização adequada» devida nos termos do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 ao titular do direito protegido e da indemnização devida nos termos do n.o 2 desse artigo.

17

Seria possível tomar como base de cálculo dessa indemnização quer o montante médio cobrado pela produção licenciada de material de propagação das variedades protegidas da espécie vegetal em causa na mesma região quer a retribuição devida pelo cultivo autorizado, nos termos do artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94, conjugado com o artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1768/95 (a seguir «taxa por cultivo autorizado»).

18

No primeiro caso, o infrator deve pagar esse montante médio, nas mesmas condições e à mesma tarifa que um terceiro, ao passo que, no segundo caso, poderá beneficiar da tarifa privilegiada reservada aos agricultores, isto é, 50% dos montantes devidos pela produção licenciada de material de propagação.

19

Nestas condições, o Bundesgerichtshof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A indemnização adequada que um agricultor tem de pagar, nos termos do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, ao titular de um direito comunitário de proteção de uma variedade vegetal, por ter utilizado material de propagação de uma variedade protegida, obtido por cultivo, sem ter observado as obrigações previstas nos artigos 14.°, n.o 3, do Regulamento n.o 2100/94 e do artigo 8.o do Regulamento n.o 1768/95, deve ser calculada com base no montante médio cobrado pela produção autorizada de uma quantidade correspondente de material de propagação da mesma variedade vegetal protegida na mesma área, ou, em alternativa, com base na remuneração (inferior) que seria devida no caso de cultivo autorizado nos termos do artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94 e do artigo 5.o do Regulamento [n.o 1768/95]?

2)

No caso de apenas se tomar por base o valor da remuneração devida pelo cultivo autorizado:

Pode o titular do direito de proteção comunitário de uma variedade vegetal, no contexto mencionado e no caso de uma única infração cometida culposamente, calcular a indemnização por danos, que lhe é devida nos termos do artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, sob a forma de um montante fixo baseado no custo da atribuição de uma licença para a produção de material de propagação?

3)

Na determinação do valor da indemnização adequada na aceção do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 ou da indemnização suplementar devida na aceção do artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, é admissível ou mesmo exigido que se tome em consideração um especial encargo de fiscalização por parte de uma organização que tutela os interesses de numerosos titulares de direitos de proteção, de modo a assegurar uma indemnização correspondente ao dobro da compensação habitualmente acordada ou da remuneração devida por força do artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

20

Com a primeira questão, o tribunal de reenvio pretende, no essencial, conhecer os elementos que permitem determinar o montante da «indemnização adequada» devida nos termos do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 por um agricultor que não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 14.o, n.o 3, quarto e sexto travessões, desse regulamento. Em particular, pergunta se deve tomar como base de cálculo dessa indemnização a taxa devida pela produção licenciada de material de propagação da mesma variedade na mesma região, dita «licença C», ou a licença de cultivo prevista no artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94, que, nos termos do artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1768/95, é de 50% dos montantes devidos pela produção licenciada de material de propagação.

21

A título liminar, há que recordar que, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, é necessária a autorização do titular da proteção comunitária de uma variedade vegetal, no que se refere aos constituintes varietais ou ao material de colheita da variedade protegida, designadamente para a produção ou a reprodução (multiplicação), para o acondicionamento para efeitos de multiplicação, para colocação à venda, para a venda ou outra forma de comercialização e para a detenção para esses fins (v. acórdão Schulin, já referido, n.o 46).

22

Nesse contexto, o artigo 14.o do Regulamento n.o 2100/94 constitui uma exceção ao princípio da autorização do titular da proteção comunitária de uma variedade vegetal (v., neste sentido, acórdão Schulin, já referido, n.o 47), na medida em que a utilização do produto da colheita obtido pelos agricultores, na sua própria exploração, para efeitos de multiplicação ao ar livre, não está sujeita a autorização do titular da proteção comunitária, quando estes preencham certas condições expressamente indicadas no n.o 3 desse artigo 14.o

23

A esse respeito, o Tribunal de Justiça já considerou que o agricultor que não pague ao titular uma remuneração equitativa, quando utiliza o produto da colheita obtido por cultivo de material de propagação de uma variedade protegida, não pode invocar o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 e, portanto, deve-se considerar que pratica um dos atos referidos no artigo 13.o, n.o 2, desse regulamento, sem para isso ter sido autorizado (acórdão Schulin, já referido, n.o 71).

24

Ora, a situação em que se encontram os recorrentes no processo principal é semelhante à de agricultores que não procederam ao pagamento da «remuneração equitativa» prevista no artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94, na medida em que, ao não declararem uma parte da quantidade do produto da sua colheita, os recorrentes no processo principal não pagaram essa remuneração.

25

Daí resulta que o cultivo de sementes não declaradas pelos recorrentes no processo principal constitui, como refere acertadamente o tribunal de reenvio, uma «violação» na aceção do artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94. Assim, é nos termos dessa disposição que têm de ser definidas as modalidades de fixação de uma indemnização adequada, como a devida por J. e T. Geistbeck à demandante no processo principal.

26

A esse respeito, J. e T. Geistbeck alegam que, na medida em que os artigos 14.°, n.o 3, quarto travessão, e 94.°, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 utilizam termos quase idênticos, a «indemnização adequada» devida nos termos do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 deve ser fixada a partir da taxa por cultivo autorizado.

27

Tal interpretação não pode, porém, ser acolhida.

28

Com efeito, primeiro, há que observar que, embora os termos «remuneração equitativa» sejam utilizados na versão francesa dessas duas disposições do Regulamento n.o 2100/94, o mesmo não acontece noutras versões linguísticas, nomeadamente a alemã e a inglesa, como referiu o advogado-geral no n.o 43 das conclusões. Assim, da semelhança das expressões utilizadas nessas disposições do Regulamento n.o 2100/94 não se pode inferir que contêm o mesmo conceito.

29

Segundo, há que salientar que, como disposição que contém uma exceção ao princípio da proteção comunitária das variedades vegetais, o artigo 14.o desse regulamento deve ser objeto de interpretação restritiva e, por isso, não deve ser aplicado num contexto diferente do contexto expressamente instituído por esse mesmo artigo.

30

Com efeito, como salientou o advogado-geral nos n.os 45 a 47 das suas conclusões, o conceito de «remuneração equitativa» a que se refere o artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94, conjugado com o artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1768/95, tem por objetivo instituir um equilíbrio entre os interesses legítimos recíprocos dos agricultores e dos titulares das variedades vegetais.

31

Em contrapartida, o artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, cuja redação não distingue em função da qualidade do autor da violação, visa especificamente o pagamento de uma indemnização adequada no contexto de uma ação por violação do direito das variedades vegetais.

32

Daí resulta que, nas circunstâncias do processo principal, a taxa por cultivo autorizado, na aceção do artigo 14.o do Regulamento n.o 2100/94, não pode ser tomada como base de cálculo da «indemnização adequada» prevista no artigo 94.o, n.o 1, desse regulamento.

33

O tribunal de reenvio evoca como base alternativa de cálculo dessa indemnização a taxa pela produção licenciada, isto é, a licença C.

34

Como recordado no n.o 23 do presente acórdão, o agricultor que não cumpra as obrigações que lhe incumbem por força, nomeadamente, do artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2100/94, conjugado com o artigo 8.o do Regulamento n.o 1768/95, não pode invocar o privilégio que essa disposição lhe confere.

35

Deve, portanto, ser considerado um terceiro que procedeu a um dos atos previstos no artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, sem autorização.

36

Na medida em que o artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 pretende reparar o prejuízo sofrido pelo titular da variedade vegetal vítima de uma violação do direito das variedades vegetais, há que considerar que, não podendo J. e T. Geistbeck, no processo principal, invocar o «privilégio do agricultor», isto é, a exceção à proteção comunitária das variedades vegetais prevista no artigo 14.o, n.o 1, desse regulamento, tal como resulta do n.o 3 desse artigo, esse prejuízo eleva-se, pelo menos, a um montante equivalente à licença C, que um terceiro deveria ter pago.

37

Por conseguinte, para fixar a «indemnização adequada» prevista no artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, nas circunstâncias do processo principal, há que tomar como base de cálculo um montante equivalente à taxa devida pela produção licenciada.

38

Em primeiro lugar, para se oporem a essa interpretação, J. e T. Geistbeck alegam que o material de propagação extraído de uma primeira colheita é de qualidade inferior ao previsto no artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94. Contudo, esse argumento é irrelevante, pois a propagação do material protegido não pode ter influência na existência do direito de propriedade intelectual associado a esse material.

39

Em segundo lugar, J. e T. Geistbeck também não podem alegar que considerar um montante equivalente à taxa devida pela produção ao abrigo da licença C como base de cálculo da «indemnização adequada» devida nos termos do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 por um agricultor que não tenha respeitado as exigências previstas no artigo 14.o, n.o 3, desse regulamento, conjugado com o artigo 8.o do Regulamento n.o 1768/95, equivaleria a reconhecer às disposições desse artigo 94.o caráter de reparação punitiva alheio ao próprio objetivo desse artigo.

40

Com efeito, tal como referido no n.o 35 do presente acórdão, o agricultor que não tenha invocado as disposições do artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2100/94 deve ser considerado um terceiro que praticou, sem autorização, um dos atos previstos no artigo 13.o, n.o 2, desse regulamento. Assim, a vantagem que o autor aufere com a violação, que o artigo 94.o, n.o 1, desse regulamento pretende compensar, corresponde ao montante equivalente à taxa devida pela produção ao abrigo da licença C, que não pagou.

41

De resto, tomar como base de cálculo da indemnização adequada, devida em caso de violação, não o montante equivalente à taxa devida pela produção ao abrigo da licença C, mas sim um montante inferior correspondente à taxa por cultivo autorizado, poderia ter o efeito de favorecer os agricultores que não cumprem as obrigações que lhes incumbem face ao titular nos termos do artigo 14.o, n.o 3, sexto travessão, do Regulamento n.o 2100/94 e do artigo 8.o do Regulamento n.o 1768/95, comparativamente com os que declaram corretamente as sementes cultivadas.

42

Ora, o caráter incentivador ligado ao conceito de «indemnização adequada» como previsto no artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 impõe-se ainda mais quando, por força do artigo 14.o, n.o 3, quinto travessão, desse regulamento, os titulares são os únicos responsáveis pelo controlo e pela vigilância da utilização das variedades protegidas no âmbito do cultivo autorizado e têm, portanto, direito à boa-fé e à cooperação dos agricultores em causa.

43

Resulta do exposto que há que responder à primeira questão colocada que, para fixar a «indemnização adequada», devida nos termos do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, por um agricultor que tenha utilizado material de propagação de uma variedade protegida, obtido pelo seu cultivo, sem cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 14.o, n.o 3, desse regulamento, conjugado com o artigo 8.o do Regulamento n.o 1768/95, há que tomar como base de cálculo o montante equivalente à taxa devida pela produção ao abrigo da licença C.

44

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda.

Quanto à terceira questão

45

Com a terceira questão, o tribunal de reenvio pretende saber, por um lado, se o artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 deve ser interpretado no sentido de que o pagamento de uma indemnização pelas despesas causadas pelo controlo do respeito dos direitos do titular de uma variedade vegetal entra no cálculo da indemnização adequada prevista no n.o 1 do artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94, ou se esse pagamento entra no cálculo do montante da reparação do prejuízo previsto no n.o 2 desse artigo. Por outro lado, quando o titular alega esse prejuízo, o tribunal de reenvio pergunta se essa indemnização pode ser calculada num valor fixo e corresponder ao dobro da remuneração habitualmente acordada ou da remuneração equitativa prevista no artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do referido regulamento.

46

Nas suas observações, a Comissão refere que essa questão é puramente hipotética, visto que a STV não reclamou o pagamento dessas despesas.

47

A esse respeito, resulta de jurisprudência assente que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União de que necessitam para a decisão da causa (v., nomeadamente, acórdãos de 24 de março de 2009, Danske Slagterier, C-445/06, Colet., p. I-2119, n.o 65, e de 15 de setembro de 2011, Unió de Pagesos de Catalunya, C-197/10, Colet., p. I-8495, n.o 16 e jurisprudência aí referida).

48

No âmbito desta cooperação, as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar a responder a uma questão submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação do direito da União pedida não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdão de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o., C-94/04 e C-202/04, Colet., p. I-11421, n.o 25, e acórdão Unió de Pagesos de Catalunya, já referido, n.o 17).

49

No caso em apreço, uma vez que resulta da decisão de reenvio que a STV, na ação principal, pediu efetivamente o pagamento de uma «indemnização adequada» na aceção do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, há que responder à terceira questão do tribunal de reenvio na parte respeitante ao referido conceito de «indemnização adequada».

50

A esse respeito, basta observar que o n.o 1 do artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 se limita a prever uma indemnização adequada em caso de utilização ilegal de uma variedade vegetal, sem no entanto prever a reparação de prejuízos diferentes dos ligados à falta de pagamento dessa indemnização.

51

Nestas condições, há que responder à terceira questão colocada que o pagamento de uma indemnização pelas despesas causadas pelo controlo do respeito dos direitos do titular de uma variedade vegetal não pode entrar no cálculo da «indemnização adequada» prevista no artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

Para fixar a «indemnização adequada», devida nos termos do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, de 27 de julho de 1994, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais, por um agricultor que tenha utilizado material de propagação de uma variedade protegida, obtido pelo seu cultivo, sem cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 14.o, n.o 3, desse regulamento, conjugado com o artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 1768/95 da Comissão, de 24 de julho de 1995, que estabelece as regras de aplicação relativas à exceção agrícola prevista no n.o 3 do artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 2100/94, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2605/98 da Comissão, de 3 de dezembro de 1998, há que tomar como base de cálculo o montante da taxa devida pela produção licenciada de material de propagação de variedades protegidas da espécie vegetal em causa na mesma região.

 

2)

O pagamento de uma indemnização pelas despesas causadas pelo controlo do respeito dos direitos do titular de uma variedade vegetal não pode entrar no cálculo da «indemnização adequada» prevista no artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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