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Documento 62010CJ0564

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 29 de março de 2012.
Bundesanstalt für Landwirtschaft und Ernährung contra Pfeifer & Langen KG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht.
Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Artigos 3.° e 4.° — Medidas administrativas — Reembolso de benefícios obtidos de forma irregular — Juros compensatórios e juros de mora devidos em aplicação do direito nacional — Aplicação das regras de prescrição do Regulamento n.° 2988/95 para recuperação desses juros de mora — Dies a quo da prescrição — Conceito de ‘suspensão’ — Conceito de ‘interrupção’.
Processo C‑564/10.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2012:190

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

29 de março de 2012 ( *1 )

«Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Artigos 3.° e 4.° — Medidas administrativas — Reembolso de benefícios obtidos de forma irregular — Juros compensatórios e juros de mora devidos em aplicação do direito nacional — Aplicação das regras de prescrição do Regulamento n.o 2988/95 para recuperação desses juros de mora — Dies a quo da prescrição — Conceito de ‘suspensão’ — Conceito de ‘interrupção’»

No processo C-564/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha), por decisão de 21 de outubro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de dezembro de 2010, no processo

Bundesanstalt für Landwirtschaft und Ernährung

contra

Pfeifer & Langen KG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.-C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann, L. Bay Larsen, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: E. Sharpston,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de novembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Bundesanstalt für Landwirtschaft und Ernährung, por W. Wolski, B. Messerschmidt e J. Jakubiec, na qualidade de agentes,

em representação da Pfeifer & Langen KG, por D. Ehle e C. Hagemann, Rechtsanwälte,

em representação da Comissão Europeia, por G. von Rintelen e P. Rossi, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 26 de janeiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Pfeifer & Langen KG (a seguir «Pfeifer & Langen») ao Bundesanstalt für Landwirtschaft und Ernährung (Organismo Federal para a Agricultura e para a Alimentação, a seguir «Bundesanstalt») a respeito da recuperação de direitos aos juros relativos ao reembolso de custos de armazenagem indevidamente recebidos em detrimento dos interesses financeiros da União Europeia.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 2988/95

3

Nos termos do terceiro considerando do Regulamento n.o 2988/95, «importa combater em todos os domínios os atos lesivos dos interesses financeiros das Comunidades».

4

De acordo com o quinto considerando do mesmo regulamento, «os comportamentos que constituem irregularidades, bem como as medidas e sanções administrativas que lhes dizem respeito, estão previstos em regulamentos sectoriais em conformidade com o presente regulamento».

5

O artigo 1.o do mesmo diploma estabelece:

«1.   Para efeitos da proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, é adotada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.

2.   Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida.»

6

O artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 prevê:

«1.   O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.o 1 do artigo 1.o Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

[…]

2.   O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.

Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3.   Os Estados-Membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que [o previsto no n.o 1]».

7

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento enuncia:

«1.   Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:

através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos,

[…]

2.   A aplicação das medidas referidas no n.o 1 limita-se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa.»

Regulamento (CE) n.o 1258/1999

8

O artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 1258/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 160, p. 103), tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados-Membros tomarão, de acordo com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, as medidas necessárias para:

a)

Se certificarem de que as operações financiadas pelo [Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA)] são efetivamente realizadas e corretamente executadas;

b)

Evitar e processar as irregularidades;

c)

Recuperar as importâncias perdidas em consequência de irregularidades ou negligências.

Os Estados-Membros informarão a Comissão das medidas tomadas para esses fins, nomeadamente da situação dos processos administrativos e judiciais.

2.   Na falta de recuperação total, as consequências financeiras das irregularidades ou [das negligências são suportadas pela Comunidade, exceto as que resultem de irregularidades ou de negligências] imputáveis aos serviços ou organismos dos Estados-Membros.

As importâncias recuperadas serão creditadas aos organismos pagadores aprovados e por estes deduzidas das despesas financiadas pelo [FEOGA]. Os juros das importâncias recuperadas ou pagas tardiamente serão creditados ao [FEOGA].

3.   O Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão, adotará as regras gerais de execução do presente artigo.»

Regulamento (CE) n.o 1290/2005

9

O artigo 32.o do Regulamento (CE) n.o 1290/2005 do Conselho, de 21 de junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 209, p. 1), dispõe:

«1.   Os montantes recuperados na sequência de irregularidades ou negligências e os respetivos juros são pagos aos organismos pagadores e inscritos por estes como receitas afetadas ao [Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA)] no mês do seu recebimento efetivo.

2.   Aquando do pagamento ao orçamento comunitário, o Estado-Membro pode reter 20% dos montantes correspondentes, a título de reembolso forfetário das despesas de recuperação, exceto quanto aos que se referem a irregularidades ou negligências imputáveis à administração ou outros organismos do Estado-Membro em questão.

3.   Aquando da transmissão das contas anuais prevista no artigo 8.o, n.o 1, alínea c), subalínea iii), os Estados-Membros enviam à Comissão um mapa recapitulativo dos processos de recuperação iniciados na sequência de irregularidades, fornecendo uma discriminação dos montantes ainda não recuperados, por processo administrativo e/ou judicial e por ano correspondente ao primeiro auto administrativo ou judicial da irregularidade.

Os Estados-Membros põem à disposição da Comissão uma relação discriminada dos processos individuais de recuperação, bem como das somas individuais ainda não recuperadas.

[…]»

10

Em conformidade com o artigo 49.o do Regulamento n.o 1290/2005, o artigo 32.o deste regulamento é aplicável no que diz respeito aos casos comunicados nos termos do artigo 3.o do Regulamento (CEE) n.o 595/91 do Conselho, de 4 de março de 1991, relativo às irregularidades e à recuperação das importâncias pagas indevidamente no âmbito da política agrícola comum, assim como à organização de um sistema de informação nesse domínio, e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 283/72 (JO L 67, p. 11), e relativamente aos quais a recuperação total não tenha ainda ocorrido em 16 de outubro de 2006.

Direito nacional

11

Nos termos do § 6, n.o 1, ponto 11, e do § 14, n.o 1, primeira frase, da Lei de aplicação das organizações comuns de mercado (Gesetz zur Durchführung der Gemeinsamen Marktorganisationen), na sua versão resultante da Lei que altera as disposições do direito dos procedimentos administrativos (Gesetz zur Änderung verwaltungsverfahrensrechtlicher Vorschriften), de 2 de maio de 1996 (BGB1. 1996 I, p. 656, a seguir «lei relativa às organizações de mercado»), o direito ao reembolso de benefícios específicos, como os subsídios de compensação dos custos de armazenagem, vence juros, a partir do momento da sua constituição, à taxa de desconto aplicável do Deutsche Bundesbank (banco central alemão), acrescida de 3%, a menos que algum ato jurídico do Conselho da União Europeia ou da Comissão preveja o contrário.

12

Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, nos termos dos §§ 197 e 201 do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch, a seguir «BGB»), na sua versão em vigor até 31 de dezembro de 2001, o direito a juros em atraso prescrevia no prazo de quatro anos a contar de 31 de dezembro do ano em que se constituía o direito aos juros. As disposições referidas são aplicáveis, por analogia, ao direito a juros decorrente do direito público.

13

Desde a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2002, da Lei de modernização do direito das obrigações (Gesetz zur Modernisierung des Schuldrechts), de 26 de novembro de 2001 (BGBl. 2001 I, p. 3138), o § 195 do BGB, na sua versão em vigor a partir dessa data, prevê que o prazo de prescrição normal do direito a juros em atraso é de três anos enquanto o prazo de prescrição de quatro anos continua a ser aplicado aos referidos direitos anteriores a 1 de janeiro de 2002.

14

Nos termos do § 217 do BGB, na sua versão em vigor até 31 de dezembro de 2001, «[s]e houver interrupção da prescrição, o tempo decorrido até à interrupção não é tido em conta; uma nova prescrição só pode começar a contar após o final da interrupção».

15

Nos termos do § 53, n.o 1, da Lei do procedimento administrativo (Verwaltungsverfahrensgesetz), na sua versão aplicável até 31 de dezembro de 2001, «[u]m ato administrativo adotado que cria um direito a uma pessoa de direito público interrompe o prazo de prescrição deste direito. Esta interrupção mantém-se até que o ato administrativo se torne inimpugnável ou até à conclusão, por outro meio, do procedimento administrativo por via do qual este foi adotado. Os §§ 212 e 217 do [BGB, na sua versão em vigor até 31 de dezembro de 2001,] são aplicáveis por analogia».

16

Na sua versão aplicável a partir de 1 de janeiro de 2002, o referido § 53, n.o 1, prevê que «[u]m ato administrativo adotado para declarar ou criar um direito a uma pessoa de direito público suspende o prazo de prescrição deste direito. Esta suspensão termina quando o ato administrativo se torna inimpugnável ou seis meses após a sua extinção por outro meio».

17

O § 80, n.o 1, do Código de Procedimento Administrativo (Verwaltungsgerichtsordnung) dispõe que «[a] oposição e o recurso de anulação têm efeito suspensivo».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

Nas campanhas de comercialização do açúcar de 1994/1995, 1995/1996 e 1996/1997, a Pfeifer & Langen beneficiou, a seu pedido, do reembolso das despesas de armazenagem, como previsto no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 1785/81 do Conselho, de 30 de junho de 1981, que estabelece a organização comum de mercado no setor do açúcar (JO L 177, p. 4; EE 03 F22 p. 80), respeitante à entrada em armazém de açúcar no quadro da organização comum de mercado.

19

Por três decisões de 30 de janeiro de 2003, o Bundesanstalt decidiu que se deveria proceder à recuperação dos reembolsos dos custos de armazenagem em causa com o fundamento de que, nos seus pedidos, a Pfeifer & Langen tinha declarado quantidades excessivas de açúcar. Além disso, essas decisões declaravam que os montantes cuja restituição era pedida produziriam juros, em montantes a definir com precisão através de atos posteriores.

20

A Pfeifer & Langen reclamou das referidas decisões. Por decisões de 10 de outubro de 2006, o Bundesanstalt reduziu os montantes a restituir, mas indeferiu as reclamações quanto ao restante.

21

A Pfeifer & Langen interpôs recursos de anulação parcial das decisões relativas às suas reclamações, mas, até à data, nada foi decidido sobre esses recursos.

22

As decisões relativas às reclamações apresentadas pela Pfeifer & Langen tornaram-se definitivas relativamente ao montante que não foi impugnado em justiça, a saber, 469421,12 euros, que a recorrente no processo principal pagou em 15 de novembro de 2006.

23

Por decisão de 13 de abril de 2007, o Bundesanstalt declarou que eram devidos juros relativos a esta soma e, por conseguinte, pediu à Pfeifer & Langen o pagamento de juros no montante de 298650,93 euros.

24

Esta última apresentou reclamação desta decisão, tendo alegado, em particular, que o direito aos juros tinha prescrito parcialmente.

25

O Bundesanstalt deferiu parcialmente a reclamação por decisão de 22 de outubro de 2007, na parte relativa ao direito aos juros correspondente aos anos de 1997 e 1998. Este organismo federal considerou que o prazo de prescrição de quatro anos previsto no direito nacional era aplicável a estes direitos, de forma que, à data da adoção das decisões relativas à recuperação dos reembolsos dos custos de armazenagem, a saber, em 30 de janeiro de 2003, os referidos direitos estavam prescritos. No entanto, no que respeita aos direitos aos juros posteriores a 31 de dezembro de 1998, no montante de 237644,17 euros, o Bundesanstalt considerou que o direito aos juros que se constituiu nos anos posteriores não estava prescrito, nomeadamente porque as referidas decisões de 30 de janeiro de 2003 tinham interrompido o prazo de prescrição. Por consequência, a reclamação apresentada pela Pfeifer & Langen foi indeferida relativamente a este último direito aos juros.

26

Em 14 de novembro de 2007, a Pfeifer & Langen interpôs no Verwaltungsgericht Köln um recurso de anulação parcial da decisão de 22 de outubro de 2007 que se pronunciou sobre a sua reclamação no que respeita aos direitos aos juros relativos ao período compreendido entre 1 de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de 2002, direitos que ascendem a 119 984,27 euros. No que diz respeito ao direito aos juros que se constituiu em anos posteriores, a recorrente no processo principal liquidou-os.

27

Por sentença proferida em 25 de novembro de 2009, o Verwaltungsgericht Köln anulou a referida decisão de 22 de outubro de 2007 no que respeita ao montante objeto do recurso. Com efeito, esse órgão jurisdicional considerou que, em aplicação do § 14 da lei relativa às organizações de mercado, os direitos associados ao reembolso de benefícios específicos geravam juros desde a data da sua constituição. Ora, segundo o referido órgão jurisdicional, o direito aos juros de mora em causa só se constituiu a partir da notificação das decisões de 30 de janeiro de 2003, ou seja, em 31 de janeiro de 2003, de modo que não existia obrigação de pagar juros durante o período anterior a essa data.

28

Por conseguinte, o Bundesanstalt interpôs um recurso de «Revision» no Bundesverwaltungsgericht no sentido de que fosse negado provimento ao recurso da Pfeifer & Langen.

29

O Bundesverwaltungsgericht partilha do ponto de vista do Verwaltungsgericht Köln segundo o qual, no processo principal, a obrigação de exigir juros moratórios a respeito dos montantes correspondentes aos benefícios indevidamente recebidos do orçamento da União está abrangida pelo direito nacional, no caso em apreço pelo § 14 da lei relativa às organizações de mercado, na medida em que nenhuma regulamentação da União aplicável ao setor do açúcar prevê essa obrigação.

30

Não obstante, o Bundesverwaltungsgericht considera que o Verwaltungsgericht Köln interpretou erradamente esse § 14. Com efeito, segundo o Bundesverwaltungsgericht, os direitos relativos aos reembolsos de benefícios indevidamente recebidos produzem efetivamente juros desde a sua constituição. Nestas condições, esse órgão jurisdicional considera que, uma vez que as decisões de 30 de janeiro de 2003 têm por objeto recuperar com efeito retroativo o benefício indevido, são efetivamente exigíveis juros relativos aos períodos anteriores a essas decisões.

31

O referido órgão jurisdicional conclui que os direitos aos juros em causa não prescreveram, uma vez que, em aplicação do § 53, n.o 1, da Lei do procedimento administrativo, na sua versão aplicável a partir de 1 de janeiro de 2002, o prazo de prescrição foi suspenso pela adoção das decisões de recuperação de 30 de janeiro de 2003. Contudo, considera que a eventual aplicação das regras de prescrição previstas no artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95, incluindo as relativas ao dies a quo e à interrupção da prescrição, pode ter uma incidência no sentido que deverá seguir para decidir o recurso de «Revision».

32

As dúvidas do órgão jurisdicional quanto à aplicabilidade do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 em circunstâncias como as do processo principal resultam, nomeadamente, do facto de o Bundesfinanzhof ter considerado, num processo relativo a restituições à exportação, que este artigo 3.o se aplicava à prescrição de juros relacionados com a restituição de benefícios indevidamente recebidos na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento.

33

Porém, o órgão jurisdicional de reenvio considera que essa interpretação não se impõe necessariamente e que, não se opondo o referido artigo 4.o, n.o 2, à existência no direito nacional de uma obrigação de cobrar juros em situações em que a regulamentação da União não prevê ou ainda não previu tal obrigação, pode ser lógico que os direitos aos juros que são impostos pelo direito nacional sejam igualmente abrangidos pelo direito nacional em matéria de prescrição. Por outro lado, esse órgão jurisdicional salienta que, se as regras do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 fossem aplicáveis a esses direitos aos juros, haveria uma certa dificuldade em aplicar o princípio segundo o qual a prescrição começa a contar a partir da «irregularidade» na aceção do artigo 1.o deste regulamento, dado que, por se tratar de um direito aos juros, este direito se constitui não no momento em que é cometida a irregularidade, mas no período que se segue a essa irregularidade.

34

Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 3.o do [Regulamento n.o 2988/95] também é aplicável à prescrição do direito aos juros que sejam devidos nos termos do direito nacional, a par da restituição dos benefícios ilicitamente obtidos devido a uma irregularidade?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)

Na comparação dos prazos exigida pelo artigo 3.o, n.o 3, do [Regulamento n.o 2988/95], [deve incluir-se] apenas a duração do prazo, ou também se devem incluir disposições nacionais que diferem o início do prazo para o final do ano civil em que se constituiu o direito (neste caso: aos juros), sem necessidade de outras circunstâncias para esse efeito?

3)

O prazo de prescrição começa a correr, também para o direito aos juros, na data em que a irregularidade foi praticada ou em que a irregularidade duradoura ou repetida cessa, mesmo que o direito a juros apenas diga respeito a períodos […] posteriores e, por conseguinte, apenas se constitua mais tarde? Em caso de irregularidades duradouras ou repetidas, o início da prescrição, no que diz respeito ao direito a juros, também é diferido, por força do artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do [Regulamento n.o 2988/95], para a data em que a irregularidade cessa?

4)

Em que momento cessa o efeito interruptivo, por força do artigo 3.o, n.o 1, terceiro parágrafo, segundo período, do [Regulamento n.o 2988/95], de uma decisão da autoridade competente que declara a existência do direito (neste caso: a juros) controvertido?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

35

Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição aí previsto é aplicável não apenas à restituição do direito principal, correspondente ao reembolso de um benefício indevidamente recebido do orçamento da União, mas igualmente à restituição dos juros resultantes desse direito, ainda que esses juros sejam devidos não em aplicação do direito da União, mas em virtude de uma obrigação que decorre exclusivamente do direito nacional.

36

Cumpre recordar que o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 introduz uma «regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário», e isto, como resulta do terceiro considerando deste regulamento, a fim de «combater em todos os domínios os atos lesivos dos interesses financeiros das Comunidades».

37

Ao adotar o Regulamento n.o 2988/95 e, em particular, o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do mesmo, o legislador da União pretendeu instituir uma regra geral de prescrição aplicável na matéria e pela qual pretendia, por um lado, definir um prazo mínimo aplicado em todos os Estados-Membros e, por outro lado, renunciar à possibilidade de recuperar valores indevidamente recebidos do orçamento da União depois de transcorrido um período de quatro anos após a prática da irregularidade que afeta os pagamentos controvertidos (acórdãos de 22 de dezembro de 2010, Corman, C-131/10, Colet., p. I-14199, n.o 39; de 5 de maio de 2011, Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C-201/10 e C-202/10, Colet., p. I-3545, n.o 24; e de 21 de dezembro de 2011, Chambre de commerce et d’industrie de l’Indre, C-465/10, Colet., p. I-14081, n.o 52).

38

No que respeita aos reembolsos dos custos de armazenagem indevidamente recebidos pelo beneficiário, como os que estão em causa no processo principal, há que salientar que o artigo 8.o do Regulamento n.o 1258/1999 prevê que os Estados-Membros, no quadro da política agrícola comum, tomem as medidas necessárias para assegurar uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União e, em particular, para recuperar os valores perdidos na sequência de irregularidades ou negligências.

39

Não existindo uma regulamentação sectorial que disponha em contrário, a regra de prescrição de quatro anos prevista no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 é aplicável às irregularidades visadas pelo artigo 4.o do referido regulamento, que lesem os interesses financeiros da União (v. acórdãos de 24 de junho de 2004, Handlbauer, C-278/02, Colet., p. I-6171, n.o 34, e de 29 de janeiro de 2009, Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., C-278/07 a C-280/07, Colet., p. I-457, n.o 22).

40

Assim, na falta, tanto no Regulamento n.o 1258/1999 como no Regulamento n.o 1785/81, de disposição relativa ao regime de prescrição aplicável na matéria, a recuperação de reembolsos de custos de armazenagem indevidamente recebidos é suscetível, em aplicação do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 e na falta de ato suspensivo, de prescrever no termo de um período de quatro anos a contar do momento em que foi cometida a irregularidade, na condição, porém, de o Estado-Membro onde foram cometidas as irregularidades não ter feito uso da faculdade que lhe é permitida pelo artigo 3.o, n.o 3, do referido regulamento de prever um prazo de prescrição mais longo (v. acórdãos, já referidos, Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., n.o 36, e Corman, n.o 48).

41

Além disso, o n.o 2 do artigo 4.o do Regulamento n.o 2988/95 prevê que a retirada do benefício indevidamente obtido pode também ser acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa.

42

A cobrança desses juros, acrescida ao direito principal constituído pelo benefício indevidamente recebido do orçamento da União, pode ser prevista numa regulamentação sectorial da União. Tal foi o caso, por exemplo, do Regulamento (CE) n.o 800/1999 da Comissão, de 15 de abril de 1999, estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO L 102, p. 11), ou ainda do Regulamento (CEE) n.o 1957/69 da Comissão, de 30 de setembro de 1969, que estabelece modalidades complementares de aplicação referentes à concessão de restituições à exportação no setor dos produtos submetidos a um regime de preço único (JO L 250, p. 1).

43

Em contrapartida, no que respeita ao reembolso de custos de armazenagem indevidamente recebidos, como os que estão em causa no processo principal, nem o Regulamento n.o 1258/1999 nem o Regulamento n.o 1785/81 preveem que a recuperação desses reembolsos, quando foram indevidamente recebidos, deva ser acompanhada da cobrança de juros.

44

Com efeito, o artigo 8.o do Regulamento n.o 1258/1999 e o artigo 32.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1290/2005 preveem, na verdade, que os juros relativos às importâncias recuperadas na sequência de uma irregularidade ou de uma negligência sejam entregues aos organismos pagadores e inscritos por estes como receitas afetadas, respetivamente, ao FEOGA ou ao FEAGA, no mês do seu recebimento efetivo. No entanto, estas disposições, que apenas preveem uma mera norma de afetação orçamental das referidas receitas, não preveem, contudo, a obrigação de os Estados-Membros exigirem juros relativos às importâncias recuperadas quando estas dizem respeito a reembolsos de custos de armazenagem.

45

Consequentemente, no processo principal, coloca-se a questão de saber se, na falta de regulamentação sectorial que preveja a recuperação de juros, o direito da União, em particular o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, se opõe a que um Estado-Membro aplique uma obrigação do seu direito nacional que exige a recuperação desses juros para além da recuperação do benefício indevidamente recebido do orçamento da União e, caso não se oponha, se a recuperação dos direitos constituídos por esses juros deve ser sujeita ao prazo de prescrição previsto no artigo 3.o deste regulamento ou é abrangida pelo direito nacional desse Estado-Membro.

46

No que respeita, em primeiro lugar, ao próprio princípio da cobrança de juros previsto no direito nacional numa situação em que o direito da União não prevê a cobrança desses juros, já foi julgado compatível com o direito da União que um Estado-Membro, quando procede à recuperação de um benefício indevidamente recebido do orçamento da União, recupere, em aplicação do seu direito nacional, juros que, na falta de regras que prevejam atempadamente o seu pagamento aos fundos comunitários, eram lançados em crédito no seu próprio orçamento (v. acórdão de 6 de maio de 1982, Fromme, 54/81, Recueil, p. 1449, n.o 8).

47

Deve ser aplicado o mesmo critério quando esses juros, cuja cobrança não é imposta pelo direito da União, são, no quadro das medidas financiadas pelo FEAGA, restituídos ao orçamento da União. Por conseguinte, nessa situação, que corresponde à do processo principal, o direito da União, em particular o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, não se opõe a que os Estados-Membros prevejam no seu direito nacional a recuperação de juros de mora e/ou compensatórios em acréscimo à recuperação dos benefícios indevidamente recebidos do orçamento da União, juros que são, no quadro das medidas financiadas pelo FEAGA, restituídos ao orçamento da União.

48

No que respeita, em segundo lugar, às modalidades e às condições de cobrança desses juros, numa situação em que, como no processo principal, o direito aos juros em complemento da recuperação do benefício financeiro indevidamente recebido do orçamento da União se constitui em aplicação do direito nacional de um Estado-Membro, é ao direito desse Estado-Membro que compete prever essas modalidade e condições aplicáveis à recuperação desses juros, acessoriamente à recuperação dos montantes indevidamente recebidos (v. acórdão de 21 de maio de 1976, Roquette frères/Comissão, 26/74, Colet., p. 295, n.o 12).

49

Assim, na falta de uma disposição específica constante de uma regulamentação sectorial aplicável na matéria, compete igualmente ao referido Estado-Membro a definição e a execução do regime de prescrição aplicável à recuperação desse direito aos juros previsto no seu direito nacional e considerado por esse direito como um direito autónomo em relação ao benefício indevidamente recebido do orçamento da União, cuja recuperação se mantém, no que a esta diz respeito, abrangida pelas regras de prescrição e pelas derrogações previstas no artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95.

50

A este respeito, embora a recuperação de um benefício indevidamente recebido do orçamento da União seja abrangida pelo regime de prescrição previsto no artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95, não resulta, todavia, da redação desta disposição nem da economia deste regulamento que esse regime tenha vocação para regular a recuperação do direito a juros quando, como no caso do processo principal, é, de qualquer modo, o direito nacional, e não uma regulamentação sectorial, que impõe a recuperação desse direito aos juros.

51

Todavia, tendo em conta o caráter acessório do referido direito aos juros, o mesmo não seria recuperável se, em aplicação do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 ou de uma regulamentação sectorial da União, o direito principal, isto é, o benefício indevidamente recebido do orçamento da União, já estivesse prescrito.

52

Além disso, uma vez que, nos termos do artigo 325.o TFUE, para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, os Estados-Membros tomarão medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros, estes devem, na falta de regulamentação da União e sempre que o seu direito nacional preveja a cobrança de juros no quadro da recuperação de benefícios do mesmo tipo indevidamente recebidos do seu orçamento nacional, proceder à cobrança, de maneira análoga, dos juros quando da recuperação de benefícios indevidamente recebidos do orçamento da União, em particular quando, contrariamente ao ocorrido no processo que deu origem ao acórdão Fromme, já referido, os montantes recebidos a título de juros, cuja recuperação é imposta pelo direito nacional, são in fine restituídos ao orçamento da União.

53

Tendo em conta o exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição aí previsto para a recuperação do direito principal, correspondente ao reembolso de um benefício indevidamente recebido do orçamento da União, não é aplicável à recuperação de juros decorrentes desse direito, quando esses juros não são devidos em aplicação do direito da União, mas apenas nos termos de uma obrigação do direito nacional.

Quanto à segunda a quarta questões

54

A segunda a quarta questões foram submetidas a título subsidiário em caso de resposta afirmativa à primeira questão.

55

Consequentemente, tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda a quarta questões.

Quanto às despesas

56

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 3.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição aí previsto para a recuperação do direito principal, correspondente ao reembolso de um benefício indevidamente recebido do orçamento da União, não é aplicável à recuperação de juros decorrentes desse direito, quando esses juros não são devidos em aplicação do direito da União, mas apenas nos termos de uma obrigação do direito nacional.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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