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Documento 62011CC0028

Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen apresentadas em 8 de março de 2012.
Eurogate Distribution GmbH contra Hauptzollamt Hamburg‑Stadt.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburg.
Código Aduaneiro Comunitário — Regulamento (CEE) n.° 2913/92 — Artigo 204.°, n.° 1, alínea a) — Regime de entreposto aduaneiro — Constituição da dívida aduaneira por incumprimento de uma obrigação — Registo tardio na contabilidade de existências de informações relativas ao levantamento da mercadoria do entreposto aduaneiro.
Processo C‑28/11.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2012:131

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 8 de março de 2012 ( 1 )

Processo C-28/11

Eurogate Distribution GmbH

contra

Hauptzollamt Hamburg-Stadt

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha)]

«Código Aduaneiro Comunitário — Entreposto aduaneiro — Artigo 204.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 — Artigo 204.o — Constituição de uma dívida aduaneira por incumprimento de uma obrigação — Inscrição tardia na contabilidade de existências»

I — Introdução

1.

O regime do entreposto aduaneiro, previsto no Código Aduaneiro Comunitário ( 2 ), permite a armazenagem de mercadorias não comunitárias num entreposto aduaneiro sem que aquelas fiquem sujeitas a direitos de importação.

2.

A gestão de um entreposto aduaneiro privado, que é um regime aduaneiro económico suspensivo, necessita de uma autorização e está sujeita a determinadas condições ( 3 ). A pessoa designada pelas autoridades aduaneiras deve, nomeadamente, manter uma contabilidade de existências de todas as mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro. Essa contabilidade deve, em qualquer momento, evidenciar as existências das mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro.

3.

No processo principal, a Eurogate Distribution GmbH (a seguir «Eurogate Distribution») foi autorizada a gerir um entreposto aduaneiro privado. É ponto assente que as mercadorias armazenadas no interposto aduaneiro em causa receberam um novo destino aduaneiro autorizado, por força da sua reexportação, tendo assim o regime aduaneiro sido apurado regularmente ( 4 ).

4.

Contudo, verificou-se que a Eurogate Distribution não respeitou a sua obrigação de inscrever a expedição das mercadorias na contabilidade de existências no momento da saída das mercadorias do entreposto aduaneiro, só o tendo feito muito posteriormente.

5.

Baseando-se nesse facto, a Hauptzollamt Hamburg Stadt (a seguir «Hauptzollamt») aplicou direitos aduaneiros, com base no artigo 204.o do código aduaneiro, relativamente às mercadorias que foram tardiamente inscritas na contabilidade de existências.

6.

Chamado a decidir um recurso interposto pela Eurogate Distribution do aviso de liquidação, o Finanzgericht Hamburg (Tribunal tributário de Hamburgo) (Alemanha) submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial para saber se o incumprimento da obrigação de inscrever a saída da mercadoria do entreposto aduaneiro no programa informático previsto para esse efeito, mesmo que à mercadoria tenha sido atribuído um novo destino aduaneiro no momento do apuramento do regime aduaneiro, leva à constituição de uma dívida aduaneira nos termos do artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro.

7.

À semelhança do processo Döhler Neuenkirchen (C-262/10) pendente no Tribunal de Justiça, no qual também apresentarei hoje as minhas conclusões, relativo à apresentação tardia da relação de apuramento no âmbito de um regime de aperfeiçoamento ativo, o presente processo permitirá ao Tribunal de Justiça precisar as condições de constituição da dívida aduaneira nos termos do artigo 204.o do código aduaneiro. Ainda que os factos e o incumprimento suscetíveis de constituir uma dívida sejam diferentes nestes dois processos, há que reconhecer que ambos versam sobre a interpretação da mesma disposição legal e que ambos dizem respeito a regimes aduaneiros suspensivos, a saber, o regime do aperfeiçoamento ativo no processo C-262/10 e o do entreposto aduaneiro no processo C-28/11.

II — Quadro jurídico

A — Código aduaneiro

8.

Decorre do artigo 4.o do código aduaneiro que, para efeitos do referido código, o conceito de «dívida aduaneira na importação» designa a obrigação de uma pessoa pagar os direitos de importação que se aplicam a determinadas mercadorias nos termos das disposições comunitárias em vigor. O destino aduaneiro de uma mercadoria visa nomeadamente a sujeição da mercadoria ao regime aduaneiro ou a sua reexportação do território aduaneiro da Comunidade Europeia. Já o regime aduaneiro se refere, entre outros, ao entreposto aduaneiro.

9.

O regime do entreposto aduaneiro é um regime suspensivo que constitui um regime aduaneiro económico, na aceção do artigo 84.o, n.o 1, alíneas a) e b), do código aduaneiro.

10.

Decorre do artigo 98.o, n.os 1 e 2, do código aduaneiro, que o regime do entreposto aduaneiro permite a armazenagem de mercadorias não comunitárias num entreposto aduaneiro sem que essas mercadorias fiquem sujeitas a direitos de importação. A expressão «entreposto aduaneiro» designa qualquer local aprovado pelas autoridades aduaneiras e sujeito ao seu controlo, onde as mercadorias podem ser armazenadas nas condições enunciadas neste código.

11.

Segundo o artigo 99.o do referido código, o entreposto privado é um entreposto aduaneiro reservado à armazenagem de mercadorias pelo depositante. O depositante é a pessoa autorizada a gerir o entreposto aduaneiro. O depositário é a pessoa vinculada pela declaração de sujeição das mercadorias ao regime de entreposto aduaneiro ou para quem foram transferidos os direitos e obrigações dessa pessoa.

12.

O artigo 105.o, primeiro parágrafo, do código aduaneiro, dispõe o seguinte:

«A pessoa designada pelas autoridades aduaneiras deve manter, sob uma forma reconhecida por essas autoridades, uma contabilidade de existências de todas as mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro. [...]»

13.

O artigo 107.o do código aduaneiro prevê:

«As mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro devem ser registadas na contabilidade de existências prevista no artigo 105.o logo após a sua entrada no referido entreposto.»

14.

O título VII do código aduaneiro, intitulado «Dívida aduaneira», prevê, no seu capítulo 2, as disposições relativas à constituição da dívida aduaneira.

15.

O artigo 201.o do código aduaneiro dispõe as regras de princípio nos seguintes termos:

«1.   É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)

A introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação, ou

b)

A sujeição de tal mercadoria a um regime de importação temporária com isenção parcial dos direitos de importação.

2.   A dívida aduaneira considera-se constituída no momento da aceitação da declaração aduaneira em causa.

[...]»

16.

O artigo 204.o do código aduaneiro prevê uma categoria residual nos seguintes termos:

«1.   É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)

O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida ou

[...],

em casos distintos dos referidos no artigo 203.o, salvo se se provar que o incumprimento ou a não observância não tiver reais consequências para o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão.

2.   A dívida aduaneira considera-se constituída quer no momento em que cessa o cumprimento da obrigação cujo incumprimento dá origem à dívida aduaneira quer no momento em que a mercadoria foi submetida ao regime aduaneiro em causa quando se verificar a posteriori que não foi, na realidade, cumprida uma das condições fixadas para a sujeição dessa mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais.

[...]»

B — Regulamento de aplicação

17.

O código aduaneiro é completado pelo Regulamento (CEE) n.o 2454/93 ( 5 ).

18.

Os artigos 529.° e 530.° do Regulamento de aplicação contêm disposições relativas à manutenção de uma contabilidade de existências no entreposto aduaneiro.

19.

O artigo 529.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe o seguinte:

«A contabilidade de existências deve, em qualquer momento, apresentar a situação atual das existências de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro. O depositário deve entregar à estância de controlo, nos prazos fixados pelas autoridades aduaneiras, uma relação dessas existências.»

20.

O artigo 530.o, n.o 3, do referido Regulamento de aplicação dispõe o seguinte:

«Os registos na contabilidade de existências relativos ao apuramento do regime efetuam-se o mais tardar no momento da saída das mercadorias do entreposto aduaneiro ou das instalações de armazenagem».

21.

O artigo 859.o do Regulamento de aplicação enuncia os casos em que o incumprimento de uma obrigação prevista no artigo 204.o, n.o 1, do código aduaneiro, não implica a constituição de uma dívida aduaneira se o incumprimento não tiver reais consequências para o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão ( 6 ).

III — Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

22.

A Eurogate Distribution está, desde 2006, autorizada a gerir um entreposto aduaneiro privado. A contabilidade de existências desse entreposto aduaneiro é mantida, nos termos da autorização, com o auxílio de um programa informático.

23.

Na qualidade de depositária, a Eurogate Distribution introduziu no seu entreposto aduaneiro privado mercadorias não comunitárias provenientes dos seus clientes com vista à sua reexpedição para fora do território da União Europeia. No momento do levantamento das mercadorias do entreposto, as declarações aduaneiras foram preparadas para a sua reexportação, tendo as referidas mercadorias sido efetivamente exportadas para fora do território aduaneiro.

24.

No entanto, quando de um controlo aduaneiro, constatou-se que as saídas das mercadorias controvertidas só foram inscritas na contabilidade de existências depois de um prazo de 11 a 126 dias após a sua saída efetiva, isto é, numa data demasiado tardia para efeitos do artigo 105.o, primeiro parágrafo, do código aduaneiro, em conjugação com os artigos 529.°, n.o 1 e 530.°, n.o 3, do Regulamento de aplicação.

25.

Por aviso de liquidação de 1 de julho de 2008, a Hauptzollamt impôs direitos de importação com o imposto sobre o valor acrescentado correspondente às mercadorias inscritas tardiamente. A Eurogate Distribution apresentou uma reclamação.

26.

Na sequência da redução de uma parte dos direitos, conferida por aviso de 11 de agosto de 2009, o Hauptzollamt, quanto ao restante, indeferiu a reclamação da Eurogate Distribution, por decisão de 8 de dezembro de 2008, pelo facto de as inscrições tardias na contabilidade de existências deverem ser consideradas um incumprimento das obrigações que lhe incumbem no quadro do regime do entreposto aduaneiro e, consequentemente, que esse incumprimento tinha conduzido à constituição de uma dívida aduaneira, nos termos do artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a manifesta negligência da Eurogate Distribution não permite considerar que o referido incumprimento não teve consequências no funcionamento correto do regime aduaneiro de forma que, no caso em apreço, não estavam preenchidas as condições previstas no artigo 859.o do Regulamento de aplicação.

27.

A Eurogate Distribution interpôs então um recurso para o Finanzgericht Hamburg, tendo em vista a anulação do aviso de liquidação de 1 de julho de 2008, conforme alterado pelo aviso de 11 de agosto de 2009 e confirmado pela decisão de 8 de dezembro de 2009, alegando, nomeadamente, que as inscrições tardias das saídas do entreposto aduaneiro na contabilidade de existências não constituíam um incumprimento das suas obrigações, na aceção do artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro, na medida em que essa obrigação de inscrição, que resulta das disposições conjugadas do artigo 105.o do código aduaneiro e do artigo 530.o, n.o 3, do Regulamento de aplicação, só deveria ser executada depois do apuramento do regime do entreposto aduaneiro.

28.

A Hauptzollamt contesta esta análise, alegando que a contabilidade de existências não era uma obrigação aplicável depois do apuramento do regime em causa. A referida inscrição contabilística deve-se, pelo contrário, efetuar durante o regime de entreposto aduaneiro ou no momento do apuramento do referido regime. Segundo a Hauptzollamt, o procedimento do entreposto aduaneiro só terminou, no caso em apreço, depois da saída das mercadorias não comunitárias, quando da sua liberação para o regime de trânsito enquanto novo destino aduaneiro.

29.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que suscita dúvidas a tese de que o incumprimento da obrigação de inscrição imediata da saída das mercadorias na contabilidade de existências leva à constituição de uma dívida.

30.

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, segundo a análise proposta por uma parte da doutrina alemã relativamente à redação do artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro, pode sustentar-se que, no caso em apreço, o incumprimento da obrigação ocorre «durante» a utilização do regime aduaneiro, e não era «motivado» pela referida utilização, não se tendo assim constituído qualquer dívida aduaneira. Além disso, na medida em que as mercadorias já teriam recebido um novo destino aduaneiro no momento da sua saída do entreposto aduaneiro e em que o incumprimento da obrigação não afetaria assim o estatuto das mercadorias, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se uma dívida aduaneira pode realmente constituir-se e se determinadas violações do regime não deveriam ser sancionadas de outra forma.

31.

Considerando que a decisão do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação do direito da União, o Finanzgericht Hamburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 204.o, n.o 1, alínea a), [do código aduaneiro] ser interpretado no sentido de que, no caso de uma mercadoria não comunitária sujeita ao regime de entreposto aduaneiro e à qual tenha sido atribuído um novo destino aduaneiro no momento do apuramento do referido regime, o incumprimento da obrigação de inscrever a saída da mercadoria do entreposto aduaneiro no programa informático organizado para esse efeito no momento em que se procede ao apuramento do regime de entreposto aduaneiro – e não em data muito posterior –, leva à constituição de uma dívida aduaneira relativamente à mercadoria em causa?»

32.

Apresentaram observações escritas a Eurogate Distribution, o Governo checo e a Comissão Europeia.

33.

Na audiência em comum com o processo C-262/10, que ocorreu no dia 1 de dezembro de 2011, estavam representadas a Eurogate Distribution, o governo italiano e a Comissão.

IV — Análise

34.

Através da sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do código aduaneiro, deve ser interpretado no sentido de que o incumprimento da obrigação de inscrever a saída de uma mercadoria não comunitária de um entreposto aduaneiro na contabilidade de existências prevista para esse efeito, o mais tardar no momento da sua saída, leva à constituição de uma dívida aduaneira relativamente à mercadoria em causa.

35.

O Tribunal de Justiça é portanto chamado a precisar as condições a respeitar, no quadro do regime de entreposto, cujo incumprimento leva à constituição de uma dívida aduaneira.

36.

Não se trata, no caso em apreço, do total incumprimento das disposições aplicáveis, e ainda menos de uma recusa de cooperação com as autoridades aduaneiras. Com efeito, o regime de entreposto aduaneiro decorreu corretamente no processo principal, com exceção da obrigação de inscrição na contabilidade de existências no mais curto espaço de tempo possível.

37.

Atenta a conexão entre o presente processo e o processo C-262/10, parece-me oportuno, para evitar repetições, remeter para as minhas conclusões apresentadas no referido processo.

38.

Pelos motivos expostos no referido processo Döhler Neuenkirchen (n.os 35 a 37), constato que a constituição de uma dívida aduaneira é consequência objetiva do aparecimento dos factos constitutivos enunciados no código aduaneiro, que consistem quer na introdução em livre prática regular, quer no incumprimento das obrigações.

39.

No que diz respeito mais particularmente à contabilidade de existências, a obrigação de manter uma contabilidade de existências das mercadorias colocadas sob o regime do entreposto aduaneiro privado, prevista no artigo 105.o do código aduaneiro, deve ser considerada uma obrigação essencial. Com efeito, o artigo 529.o, n.o 1, do Regulamento de aplicação precisa que «a contabilidade de existências deve, em qualquer momento, apresentar a situação atual das existências de mercadorias ainda sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro».

40.

Daqui resulta que, no caso de não existirem os elementos necessários à aplicação correta do regime do controlo aduaneiro, na aceção do artigo 529.o do Regulamento de aplicação, não se pode considerar satisfeita a obrigação de manutenção de uma contabilidade de existências. Daqui decorre o incumprimento de uma obrigação essencial do regime do controlo aduaneiro ( 7 ).

41.

Recentemente, o Tribunal de Justiça teve a oportunidade, no processo Groupe Limagrain Holding, já referido, de se pronunciar sobre a função da contabilidade de existências no quadro do benefício do pagamento antecipado de uma restituição à exportação. Nesse processo, o referido benefício dependia, designadamente, da prova de que os produtos relativamente aos quais foi apresentada uma declaração de pagamento foram colocados, e mantiveram-se, sob controlo aduaneiro até à sua exportação. O Tribunal de Justiça referiu que a sujeição destes produtos ao regime do controlo aduaneiro tinha por finalidade garantir a identidade dos produtos referidos na declaração de pagamento e dos produtos efetivamente exportados. Na falta de execução regular da colocação sob o regime aduaneiro de entreposto, não pode ser apresentada de modo satisfatório a prova de que as mercadorias referidas na declaração de pagamento de um adiantamento foram realmente exportadas. O Tribunal de Justiça equiparou à retirada do controlo aduaneiro a hipótese de a obrigação de manter, em conformidade com a regulamentação aduaneira da União, uma contabilidade de existências dos produtos colocados sob este controlo não ser cumprida. Nos dois casos, as autoridades aduaneiras ficam privadas da possibilidade de controlar o circuito percorrido pelos produtos em causa e, consequentemente, de se assegurarem do respeito das condições ligadas ao sistema de pagamento antecipado da restituição à exportação ( 8 ).

42.

Contrariamente ao processo que deu origem ao acórdão Groupe Limagrain Holding, já referido, no qual não tinha sido mantida qualquer contabilidade de existências, no processo em apreço essa contabilidade foi mantida, ainda que com um atraso compreendido entre uma dezena de dias e mais de 100 dias. Parece, além disso, que as autoridades aduaneiras receberam, ainda assim, declarações relativas ao novo destino aduaneiro das mercadorias, com vista a apurar o regime do entreposto aduaneiro. No entanto, não resulta da legislação aplicável que, numa situação como a do processo principal, uma declaração aduaneira possa substituir a execução correta da obrigação de manter uma contabilidade de existências no quadro do regime de entreposto aduaneiro.

43.

Além disso, saliento que o órgão jurisdicional de reenvio não qualificou os factos na origem do processo principal de «subtração à fiscalização aduaneira» prevista no artigo 203.o do código aduaneiro, mas de «incumprimento de uma obrigação», na aceção do artigo 204.o do referido código. Na ausência de qualquer questão relativa ao âmbito de aplicação respetivo dos referidos artigos, deve-se partir do pressuposto de que é o artigo 204.o do código aduaneiro que deve ser aplicado ( 9 ).

44.

Por outro lado, deve-se observar que a inscrição tardia na contabilidade de existências não faz parte das situações suscetíveis de serem consideradas «sem real consequência» sobre o funcionamento correto do regime aduaneiro considerado, porquanto não consta da lista exaustiva prevista no artigo 859.o do Regulamento de aplicação ( 10 ).

45.

A Eurogate Distribution alega também o caráter manifestamente excessivo da consequência de uma simples irregularidade cometida por negligência, na medida em que a legislação alemã liga a constituição da dívida aduaneira à cobrança de um imposto sobre o valor acrescentado à importação. Pela minha parte, observo que a questão do vínculo que a legislação alemã estabeleceria entre a cobrança dos direitos aduaneiros e a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado à importação não é objeto do pedido de reenvio prejudicial. Assim, não me cabe abordar essa questão mais aprofundadamente, ainda que as questões suscitadas pela Comissão quanto à conformidade do referido vínculo com o direito da União em matéria de imposto sobre o valor acrescentado não me pareçam destituídas de pertinência.

46.

Em qualquer caso, devem-se retomar duas observações que constam das conclusões relativas ao processo C-262/10.

47.

Em primeiro lugar, a obrigação de pagar direitos aduaneiros nesse caso não constitui uma sanção administrativa, fiscal ou aduaneira, mas a simples consequência da constatação de que as condições exigidas para a obtenção do benefício resultante da aplicação do regime do aperfeiçoamento ativo não estão reunidas, fazendo com que a suspensão não se aplique e justificando assim a aplicação de direitos aduaneiros ( 11 ). A este respeito, remeto para os n.os 55 a 59 das minhas conclusões apresentadas no processo C-262/10.

48.

Em segundo lugar, saliento que para efeitos do código aduaneiro, uma dívida aduaneira não corresponde ao conceito de dívida aduaneira «económica», segundo o qual uma dívida aduaneira apenas se constitui em relação às mercadorias introduzidas colocadas em livre prática. Assim, a questão de saber se as mercadorias em causa foram, ou não, efetivamente introduzidas em livre prática, não é pertinente. Daí decorre que os direitos aduaneiros também podem ser cobrados sobre as mercadorias que deixaram efetivamente o território da União ( 12 ).

V — Conclusão

49.

Face às considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial apresentada pelo Finanzgericht Hamburg da seguinte forma:

«O artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de uma mercadoria não comunitária, o incumprimento da obrigação de inscrever a saída da mercadoria do entreposto aduaneiro na contabilidade de existências prevista para esse efeito, o mais tardar no momento da saída da mercadoria do entreposto aduaneiro, leva à constituição de uma dívida aduaneira relativamente a essa mercadoria, mesmo que esta tenha sido reexportada.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Regulamento (CEE) n.o 2913 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p.1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005 (JO L 117, p. 13, a seguir «código aduaneiro»). O código aduaneiro foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) (JO L 145, p. 1), do qual algumas disposições entraram em vigor em 24 de junho de 2008. Atendendo à data dos factos no litígio principal, este continua a reger-se pelas regras enunciadas no código aduaneiro.

( 3 ) V. artigos 84.°, n.o 1, 85.° e 87.° do código aduaneiro.

( 4 ) V. artigo 89.o, n.o 1, do código aduaneiro.

( 5 ) Regulamento da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinada disposição de aplicação ao Regulamento n.o 2913/92 (JO L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 993/2001, da Comissão, de 4 de maio de 2001 (JO L 141, p. 1, a seguir «Regulamento de aplicação»).

( 6 ) Noto que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as condições de aplicação desta disposição não se encontram preenchidas no caso em apreço.

( 7 ) V., neste sentido, acórdão de 27 de outubro de 2011, Groupe Limagrain Holding (C-402/10, Colet., p. I-10827, n.os 33 a 37).

( 8 ) Acórdão Groupe Limagrain Holding, já referido (n.os 43 a 46).

( 9 ) Relativamente ao âmbito de aplicação respetivo dos artigos 203.° e 204.° do código aduaneiro, v. acórdão de 12 de fevereiro de 2004, Hamann International (C-337/01, Colet., p. I-1791, n.o 28).

( 10 ) O caráter exaustivo da enumeração constante desta disposição foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 11 de novembro de 1999, Söhl & Söhlke (C-48/98, Colet., p. I-7877, n.o 43).

( 11 ) V., neste sentido, acórdão de 14 de dezembro de 2000, Emsland-Stärke (C-110/99, Colet., p. I-11569, n.o 56), e de 4 de junho de 2009, Pometon (C-158/08, Colet., p. I-4695, n.o 28).

( 12 ) Ainda que os direitos aduaneiros tenham nomeadamente por objetivo proteger a produção doméstica contra a concorrência exterior («Wirtschaftszollgedanke» na língua alemã), não deixa de ser verdade que a aplicação das regras na matéria é mecânica e formal, o que pode conduzir a situações em que os direitos aduaneiros são cobrados mesmo que não seja exigida uma proteção, não sendo as mercadorias em causa introduzidas em livre prática. V. Willemoes Jørgensen, C., Toldskuldens opståen og ophør, København, Jurist og Økonomforbundets Forlag, 2009, p. 148, bem como acórdão de 29 de abril de 2004, British American Tobacco (C-222/01, Colet., p. I-4683, n.o 55).

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