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Documento 62010CJ0271
Judgment of the Court (Third Chamber) of 30 June 2011.#Vereniging van Educatieve en Wetenschappelijke Auteurs (VEWA) v Belgische Staat.#Reference for a preliminary ruling: Raad van State - Belgium.#Directive 92/100/EEC - Copyright and related rights - Public lending - Remuneration of authors - Adequate income.#Case C-271/10.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 30 de Junho de 2011.
Vereniging van Educatieve en Wetenschappelijke Auteurs (VEWA) contra Belgische Staat.
Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Bélgica.
Directiva 92/100/CEE - Direitos de autor e direitos conexos - Comodato público - Remuneração dos autores - Remuneração adequada.
Processo C-271/10.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 30 de Junho de 2011.
Vereniging van Educatieve en Wetenschappelijke Auteurs (VEWA) contra Belgische Staat.
Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Bélgica.
Directiva 92/100/CEE - Direitos de autor e direitos conexos - Comodato público - Remuneração dos autores - Remuneração adequada.
Processo C-271/10.
Colectânea de Jurisprudência 2011 I-05815
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2011:442
Processo C‑271/10
Vereniging van Educatieve en Wetenschappelijke Auteurs (VEWA)
contra
Belgische Staat
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State)
«Directiva 92/100/CEE – Direitos de autor e direitos conexos – Comodato público – Remuneração dos autores – Remuneração adequada»
Sumário do acórdão
Aproximação das legislações – Direito de autor e direitos conexos – Direito de locação e de comodato de obras protegidas – Directiva 92/100 – Remuneração dos autores em caso de comodato público
(Directiva 92/100 do Conselho, artigo 5.°, n.° 1)
O artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual, opõe‑se a uma legislação, que institui um sistema segundo o qual a remuneração dos autores em caso de comodato público é calculada exclusivamente em função do número de comodatários inscritos nas instituições públicas, com base num montante fixo por comodatário e por ano.
Visto que a remuneração constitui a contrapartida pelo prejuízo causado aos autores pela utilização das suas obras sem a sua autorização, a fixação do montante dessa remuneração não pode ser totalmente dissociada dos elementos constitutivos desse prejuízo. Uma vez que o prejuízo resulta do comodato público, isto é, da disponibilização de bens protegidos, por instituições acessíveis ao público, o montante da remuneração deve ter em conta a extensão dessa disponibilização, que do ponto de vista do número dos comodatários inscritos quer do ponto de vista do número de bens protegidos postos à disposição por uma instituição de empréstimo público.
(cf. n.os 37 a 39, 43 e disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
30 de Junho de 2011 (*)
«Directiva 92/100/CEE – Direitos de autor e direitos conexos – Comodato público – Remuneração dos autores – Remuneração adequada»
No processo C‑271/10,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Raad van State (Bélgica), por decisão de 17 de Maio de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 31 de Maio de 2010, no processo
Vereniging van Educatieve en Wetenschappelijke Auteurs (VEWA)
contra
Belgische Staat,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: D. Šváby, presidente da Sétima Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, J. Malenovský (relator) e T. von Danwitz, juízes,
advogado‑geral: V. Trstenjak,
secretário: C. Strömholm, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 24 de Março de 2011,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Vereniging van Educatieve en Wetenschappelijke Auteurs (VEWA), por Y. Nelissen Grade e S. Verbeke, advocaten,
– em representação do Governo belga, por T. Materne e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por C. Doutrelepont e K. Lemmens, avocats,
– em representação do Governo espanhol, por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e J. Samnadda, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da noção de «remuneração» paga aos titulares dos direitos de autor a título do comodato público, prevista no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61), actual artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 376, p. 28).
2 Este pedido foi apresentado no quadro de uma acção de declaração de ilegalidade do Decreto Real de 25 de Abril de 2004 relativo aos direitos a remuneração, pelo comodato público, dos autores, dos artistas‑intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos produtores das primeiras fixações de filmes (a seguir «decreto real»), proposta contra o Belgische Staat pela Vereniging van Educatieve en Wetenschappelijke Auteurs (VEWA).
Quadro jurídico
Direito da União
3 O sétimo, o décimo quarto, o décimo quinto e o décimo oitavo considerando da Directiva 92/100 têm o seguinte teor:
«Considerando que o trabalho criativo e artístico dos autores e dos artistas‑intérpretes e executantes exige uma remuneração adequada na perspectiva da continuação desse trabalho criativo e artístico; que os investimentos exigidos em especial para a produção de fonogramas e filmes são especialmente elevados e arriscados; que o pagamento dessa remuneração e a recuperação desse investimento só podem ser assegurados efectivamente através de uma protecção legal adequada dos titulares envolvidos;
[…]
Considerando que, no caso de o comodato por um estabelecimento acessível ao público dar lugar a um pagamento de um montante não superior ao necessário para cobrir os custos de financiamento do mesmo, não existem benefícios económicos ou comerciais, directos ou indirectos, na acepção da presente directiva;
Considerando que é necessário introduzir um regime que garanta que os autores e os artistas‑intérpretes ou executantes obterão uma remuneração equitativa inalienável […];
[…]
Considerando que é igualmente necessário proteger, pelo menos, os direitos dos autores no que se refere ao aluguer ao público mediante a criação de um regime específico; que, no entanto, quaisquer medidas baseadas no artigo 5.° da presente directiva terão de ser compatíveis com a legislação comunitária, especialmente com o artigo 7.° do Tratado.»
4 Os n.os 1 a 3 do artigo 1.° da Directiva 92/100 precisam:
«1. Em conformidade com o disposto neste capítulo, os Estados‑Membros deverão prever, sem prejuízo do disposto no artigo 5.°, o direito de autorizar ou proibir o aluguer e o comodato de originais e cópias de obras protegidas por direitos de autor e de outros objectos referidos no n.° 1 do artigo 2.°
2. Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘aluguer’ a colocação à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado e com benefícios comerciais directos ou indirectos.
3. Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘comodato’ a colocação [de bens] à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado, sem benefícios económicos ou comerciais, directos ou indirectos, se for efectuada através de estabelecimentos acessíveis ao público.»
5 Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 92/100:
«Sempre que um autor ou artista‑intérprete ou executante transmita ou ceda o seu direito de aluguer relativo a um fonograma ou ao original ou cópia de um filme a um produtor de fonogramas ou filmes, este conservará o direito de auferir uma remuneração equitativa pelo aluguer.»
6 Os n.os 1 a 3 do artigo 5.° da Directiva 92/100 dispõem:
«1. Os Estados‑Membros poderão derrogar o direito exclusivo previsto para os comodatos públicos no artigo 1.°, desde que pelo menos os autores aufiram remuneração por conta de tais comodatos. Os Estados‑Membros poderão determinar livremente tal remuneração tendo em conta os seus objectivos de promoção da cultura.
2. Sempre que os Estados‑Membros não aplicarem o direito exclusivo de comodato referido no artigo 1.° relativamente aos fonogramas, filmes e programas de computadores, deverão introduzir uma remuneração, pelo menos, para os autores.
3. Os Estados‑Membros poderão isentar determinadas categorias de estabelecimentos do pagamento da remuneração referida nos n.os 1 e 2.»
7 Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 92/100:
«Os Estados‑Membros deverão prever um direito tendente a garantir o pagamento de uma remuneração equitativa e única pelos utilizadores que usem fonogramas publicados com fins comerciais ou suas reproduções em emissões radiodifundidas por ondas radioeléctricas ou em qualquer tipo de comunicações ao público, bem como garantir a partilha de tal remuneração pelos artistas-intérpretes ou executantes e pelos produtores dos fonogramas assim utilizados […]»
Legislação nacional
A Lei de 30 de Junho de 1994
8 A Lei de 30 de Junho de 1994 relativa aos direitos de autor e aos direitos conexos (Moniteur belge de 27 de Julho de 1994, p. 19297), na versão em vigor desde 2005 (a seguir «Lei de 30 de Junho de 1994»), transpõe a Directiva 92/100.
9 O artigo 23.°, § 1, desta lei dispõe o seguinte:
«O autor não pode proibir o comodato de obras literárias, de bases de dados, de obras fotográficas, de partituras de obras musicais, de obras sonoras e de obras audiovisuais, quando esse comodato for organizado com fins educativos ou culturais por instituições reconhecidas ou criadas oficialmente para esse fim pelas autoridades públicas.»
10 O artigo 47.°, § 1, da mesma lei dispõe:
«O artista‑intérprete ou executante e o produtor não podem proibir o comodato de fonogramas ou a primeira fixação de filmes, quando o comodato for feito com fins educativos ou culturais por organizações reconhecidas ou criadas oficialmente para esse fim pelas autoridades públicas.»
11 Nos termos dos §§ 1 e 2 do artigo 62.° da Lei de 30 de Junho de 1994:
«§1. Em caso de comodato de obras literárias, de bases de dados, de obras fotográficas ou de partituras de obras musicais, nas condições definidas no artigo 23.°, o autor e o editor têm direito a ser remunerados.
§2. Em caso de comodato de obras sonoras ou audiovisuais nas condições definidas nos artigos 23.° e 47.°, o autor, o artista‑intérprete ou executante e o produtor têm direito a ser remunerados.»
12 O primeiro e o terceiro parágrafo do artigo 63.° da mesma lei dispõem:
«Após consulta das instituições e das sociedades que gerem os direitos, o Rei determina o montante das remunerações referidas no artigo 62.° [...]
[…]
Após consulta das Comunidades ou por iniciativa delas, o Rei fixa para certas categorias de estabelecimentos reconhecidos ou criados pelas autoridades públicas uma isenção ou um preço fixo por empréstimo, a fim de estabelecer a remuneração prevista no artigo 62.°»
O decreto real
13 O decreto real transpõe o artigo 5.° da Directiva 92/100.
14 O primeiro, segundo e terceiro parágrafos do artigo 4.° do decreto real têm o seguinte teor:
«O montante das remunerações referidas no artigo 62.° da Lei [de 30 de Junho de 1994] é fixado em 1 euro por ano e por pessoa maior inscrita nas instituições que realizam comodatos, referidas no artigo 2.°, desde que tal instituição tenha feito pelo menos um empréstimo durante o período de referência.
O montante das remunerações referidas no artigo 62.° da Lei [de 30 de Junho de 1994] é fixado em 0,5 euros por ano e por pessoa menor de idade inscrita nas instituições que realizam comodatos, referidas no artigo 2.°, desde que tal instituição tenha feito pelo menos um empréstimo durante o período de referência.
Quando uma pessoa estiver inscrita em mais do que uma instituição que realiza comodatos, o montante da remuneração só é devida uma vez por essa pessoa.»
Litígio no processo principal e questão prejudicial
15 A VEWA é uma sociedade belga de gestão de direitos de autor.
16 Em 7 de Julho de 2004, a VEWA propôs no Raad van State uma acção de declaração de ilegalidade do decreto real.
17 Como fundamento da acção, a VEWA sustenta que o artigo 4.° do decreto real, ao prever uma remuneração fixa de 1 euro por ano e por pessoa, viola as disposições da Directiva 92/100, que exigem o pagamento de uma «remuneração equitativa» pelo comodato ou aluguer.
18 O tribunal de reenvio salienta que os artigos 4.°, n.° 1, e 8.°, n.° 2, da Directiva 92/100 se referem a uma «remuneração equitativa», ao passo que o artigo 5.°, n.° 1, da mesma apenas refere «remuneração». Acrescenta ainda que o Tribunal de Justiça, embora já tenha interpretado a noção de «remuneração equitativa» referida no artigo 8.°, n.° 2, da dita directiva (acórdão de 6 de Fevereiro de 2003, SENA, C‑245/00, Colect., p. I‑1251) e se tenha pronunciado sobre o seu artigo 5.°, n.° 3, que prevê a possibilidade de isentar certas categorias de instituições da obrigação de pagar uma remuneração (acórdão de 26 de Outubro de 2006, Comissão/Espanha, C‑36/05, Colect., p. I‑10313), nunca se pronunciou sobre a noção de «remuneração» do artigo 5.°, n.° 1, da mesma directiva.
19 Neste contexto, o Raad van State van België decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:
«O artigo 5.°, n.° 1, da Directiva [92/100], actual artigo 6.°, n.° 1, da Directiva [2006/115], opõe‑se a uma disposição nacional que estabelece como remuneração um montante fixo de 1 euro por ano e por adulto e de 0,5 euros por ano e por menor de idade?»
Quanto à questão prejudicial
20 Com a sua questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100 se opõe a uma legislação que, como a que é objecto do processo principal, institui um sistema segundo o qual a remuneração devida aos autores em caso de comodato público é calculada exclusivamente em função do número de comodatários inscritos nas instituições públicas em causa, com base num montante fixo por comodatário e por ano.
21 Há que recordar, desde logo, que, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 92/100, os autores gozam do direito exclusivo de autorizar ou proibir o comodato. Contudo, mais concretamente, no caso de comodatos públicos, o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100 permite aos Estados‑Membros derrogarem esse direito exclusivo.
22 Porque a execução dessa derrogação facultativa afecta o direito exclusivo dos autores quando eles são privados do seu direito de autorizar ou proibir uma forma concreta de comodato, essa faculdade está condicionada à obtenção de uma remuneração pelo comodato.
23 Para precisar, em primeiro lugar, a quem compete satisfazer a remuneração devida aos autores no caso de comodato público, cabe salientar que o comodato é definido pelo artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 92/100 como a colocação de bens à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado, sem benefícios económicos ou comerciais, se for efectuada através de instituições acessíveis ao público. Pode inferir‑se desta definição e do objectivo da directiva que é a disponibilidade de bens nas instituições públicas, por forma a tornar possível a realização de comodatos, e não o comodato efectivo de determinados bens pelas pessoas inscritas nessas instituições, que constitui a actividade que dá origem à obrigação de pagar uma remuneração aos autores. Cabe, assim, em princípio, aos organismos que realizam comodatos pagar a remuneração devida aos autores.
24 Esta conclusão é implicitamente corroborada pelo artigo 5.°, n.° 3, da Directiva 92/100, que permite aos Estados‑Membros isentar do pagamento da remuneração certas categorias de instituições que realizam comodatos.
25 No que toca à noção de remuneração, o Tribunal de Justiça já declarou que decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito comunitário como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito comunitário que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros no sentido de estes determinarem o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados em toda a Comunidade, de modo autónomo e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pelas normas em causa (v., nomeadamente, acórdão de 9 de Novembro de 2000, Yiadom, C‑357/98, Colect., p. I‑9265, n.° 26, e acórdão SENA, já referido, n.° 23).
26 O mesmo se aplica à noção de «remuneração» do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100, que não se encontra aí definida (sobre a noção de «remuneração equitativa», v., por analogia, acórdão SENA, já referido, n.° 24).
27 No que se refere ao contexto em que se inscreve a noção de remuneração, cabe salientar que a Directiva 92/100 não constitui o único instrumento no domínio da propriedade intelectual e que as exigências decorrentes da unidade e da coerência da ordem jurídica da União impõem que aquela noção seja interpretada à luz das normas e dos princípios fixados por todas as directivas sobre propriedade intelectual, tal como interpretados pelo Tribunal de Justiça.
28 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no âmbito da interpretação da noção de «compensação equitativa» em matéria de reprodução por cópia privada, prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10), que esta compensação tem por objectivo indemnizar os autores, de modo adequado, pela utilização das suas obras sem a sua autorização, de modo que a compensação deve ser considerada como a contrapartida pelo prejuízo sofrido pelo autor em virtude da reprodução (v., neste sentido, acórdão de 21 de Outubro de 2010, Padawan, C‑467/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 39 e 40).
29 É verdade que o legislador comunitário, na Directiva 92/100, ao regular a derrogação ao direito exclusivo dos autores, utilizou o termo «remuneração» em lugar do termo «compensação» utilizado na Directiva 2001/29. Contudo, a noção de «remuneração» tem igualmente por objectivo instituir a indemnização dos autores, pois é prevista numa situação comparável, uma vez que a utilização de obras em comodato público, sem autorização dos autores, lhes causa igualmente um prejuízo.
30 Além disso, há que salientar que o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100 apenas refere uma «remuneração», ao passo que o artigo 4.°, n.° 1, da mesma directiva, relativo ao aluguer, se refere sistematicamente a uma «remuneração equitativa». A noção de «remuneração equitativa» aparece igualmente no artigo 8.°, n.° 2, da mesma directiva, que regula a radiodifusão e a comunicação ao público. Esta diferença literal implica, desde logo, que as duas noções não devem ser interpretadas da mesma forma.
31 Resulta igualmente do décimo oitavo considerando da Directiva 92/100 ser necessário prever um regime especial para o comodato público, a fim de proteger os direitos dos autores. Por conseguinte, é suposto que o regime do comodato público seja distinto dos outros regimes previstos nesta directiva. O mesmo se aplica no que se refere aos diferentes aspectos desses regimes, incluindo o da indemnização dos autores.
32 No que se refere, finalmente, ao montante da remuneração, importa salientar que o Tribunal de Justiça já declarou que a noção de «remuneração equitativa» do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 92/100 implica que o seu carácter equitativo seja analisado do ponto de vista do valor da utilização de um bem protegido nas trocas económicas (v., neste sentido, acórdão SENA, já referido, n.° 37).
33 Ora, como se recordou no n.° 23 do presente acórdão, nos termos do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 92/100, o comodato não tem, directa ou indirectamente, carácter económico ou comercial. Nestas circunstâncias, a utilização de um bem protegido em caso de comodato público não pode ser analisada em função do seu valor nas trocas económicas. Por conseguinte, o montante da remuneração será necessariamente menos elevado do que o que corresponderia a uma remuneração equitativa, ou poderá mesmo ser estabelecido um montante fixo para compensar a disponibilização da totalidade dos bens protegidos em causa.
34 Assim sendo, a remuneração a fixar deverá permitir aos autores, como prevê o sétimo considerando da Directiva 92/100, receber um rendimento adequado. O seu montante não pode, portanto, ser meramente simbólico.
35 No que toca, mais concretamente, aos critérios de determinação do montante da remuneração dos autores em caso de comodato público, há que salientar que o Tribunal de Justiça já declarou não haver nenhuma razão objectiva que justifique que seja o juiz comunitário a fixar modalidades precisas para a determinação de uma remuneração uniforme, o que levaria forçosamente o Tribunal de Justiça a substituir‑se aos Estados‑Membros, aos quais a Directiva 92/100 não impõe nenhum critério particular. Assim, cabe exclusivamente aos Estados‑Membros determinar, no seu território, os critérios mais pertinentes para assegurar, nos limites impostos pelo direito comunitário, e concretamente pela Directiva 92/100, a observância desta noção comunitária (v., por analogia, acórdão SENA, já referido, n.° 34).
36 Nesta matéria, a letra do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100 concede uma ampla margem de apreciação aos Estados‑Membros. Com efeito, os Estados‑Membros podem fixar o montante da remuneração dos autores em caso de comodato público, em função dos seus próprios objectivos de promoção cultural.
37 Todavia, e porque a remuneração constitui, como se constatou nos n.os 28 e 29 do presente acórdão, a contrapartida pelo prejuízo causado aos autores pela utilização das suas obras sem a sua autorização, a fixação do montante dessa remuneração não pode ser totalmente dissociada dos elementos constitutivos desse prejuízo. Uma vez que o prejuízo resulta do comodato público, isto é, da disponibilização de bens protegidos, por instituições acessíveis ao público, o montante da remuneração deve ter em conta a extensão dessa disponibilização.
38 Assim, quanto maior for o número de bens protegidos postos à disposição por uma instituição que realiza comodatos públicos maior é a infracção aos direitos de autor. Daqui resulta que o montante da remuneração a satisfazer por essa instituição deverá ter em conta o número de bens postos à disposição do público e que, por conseguinte, as grandes instituições que realizam comodatos públicos devem pagar uma remuneração superior à que pagam as instituições mais pequenas.
39 Além disso, o público em causa, ou seja, o número de comodatários inscritos numa instituição que realiza comodatos é um critério igualmente pertinente. Com efeito, quanto maior for o número de pessoas com acesso aos bens protegidos maior será a infracção aos direitos de autor. Daqui resulta que o montante da remuneração a satisfazer aos autores deverá ser fixada considerando igualmente o número de comodatários inscritos nessa instituição.
40 No processo principal, é facto assente que o sistema instituído pelo decreto real toma em consideração o número de comodatários inscritos nas instituições que realizam comodatos públicos, mas não o número de bens postos à disposição do público. Assim, a consideração apenas do primeiro critério não tem suficientemente em conta a extensão do prejuízo sofrido pelos autores nem o princípio que impõe que os autores recebam uma remuneração correspondente a um rendimento adequado, como referido no sétimo considerando da Directiva 92/100.
41 Além disso, o artigo 4.°, terceiro parágrafo, do mesmo decreto prevê que, em caso de inscrição de uma mesma pessoa em diferentes instituições, a remuneração só seja devida uma vez por essa pessoa. A este respeito, a VEWA sustentou, na audiência, que 80% das instituições da comunidade francesa da Bélgica alegam que uma grande parte dos seus leitores estão igualmente inscritos noutras instituições que realizam comodatos e que, por consequência, esses leitores não são tomados em consideração no pagamento da remuneração do autor em causa.
42 Nestas condições, o referido sistema pode conduzir a que numerosas instituições fiquem, de facto, quase isentas da obrigação de pagar uma remuneração. Ora, essa isenção de facto não é conforme com o artigo 5.°, n.° 3, da Directiva 92/100, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, segundo o qual apenas uma categoria limitada de instituições potencialmente obrigadas a pagar uma remuneração em aplicação do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100 é susceptível de ser isentada desse pagamento (v. acórdão Comissão/Espanha, já referido, n.° 32).
43 Tendo em conta quanto precede, há que responder à questão colocada que o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100 se opõe a uma legislação como a que é objecto do processo principal, que institui um sistema segundo o qual a remuneração dos autores em caso de comodato público é calculada exclusivamente em função do número de comodatários inscritos nas instituições públicas, com base num montante fixo por comodatário e por ano.
Quanto às despesas
44 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:
O artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual, opõe‑se a uma legislação como a que é objecto do processo principal, que institui um sistema segundo o qual a remuneração dos autores em caso de comodato público é calculada exclusivamente em função do número de comodatários inscritos nas instituições públicas, com base num montante fixo por comodatário e por ano.
Assinaturas
* Língua do processo: neerlandês.