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Documento 62009CJ0239

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 16 de Dezembro de 2010.
Seydaland Vereinigte Agrarbetriebe GmbH & Co. KG contra BVVG Bodenverwertungs- und -verwaltungs GmbH.
Pedido de decisão prejudicial: Landgericht Berlin - Alemanha.
Auxílios de Estado - Auxílios concedidos pela República Federal da Alemanha para a aquisição de terras - Programa de privatização de terras e de reestruturação da agricultura nos novos Länder alemães.
Processo C-239/09.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-13083

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2010:778

Processo C‑239/09

Seydaland Vereinigte Agrarbetriebe GmbH & Co. KG

contra

BVVG Bodenverwertungs‑ und ‑verwaltungs GmbH

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Berlin)

«Auxílios de Estado – Auxílios concedidos pela República Federal da Alemanha para a aquisição de terras – Programa de privatização de terras e de reestruturação da agricultura nos novos Länder alemães»

Sumário do acórdão

Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Venda de terrenos para uso agrícola e silvícola por autoridades públicas – Regulamentação nacional que prevê métodos de cálculo para a determinação do valor dos terrenos – Admissibilidade – Requisitos

(Artigo 87.° CE)

O conceito de auxílio pode abarcar não apenas prestações positivas, como subvenções, empréstimos ou aquisições de participações no capital de empresas, mas também intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que, normalmente, oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos. Por conseguinte, não se pode, em princípio, excluir que uma venda de terrenos públicos a um preço inferior ao do mercado possa constituir um auxílio de Estado.

Pode assim apresentar elementos de auxílio de Estado uma venda pelas autoridades públicas de terras ou de edifícios a uma empresa ou a um particular que exerça uma actividade económica, como a agricultura ou silvicultura, designadamente quando não é efectuada ao valor de mercado, isto é, ao preço que um investidor privado, actuando em condições de concorrência normais, teria podido fixar. Por conseguinte, quando o direito nacional institui regras de cálculo do valor de mercado para a sua venda pelas autoridades públicas, a aplicação das referidas regras deve, com vista à sua conformidade com o artigo 87.° CE, levar, em todos os casos, a um preço o mais próximo possível do valor de mercado. Dado que este último é teórico, salvo para as vendas ao proponente com a oferta mais alta, deve ser necessariamente tolerada uma margem de variação do preço obtido em relação ao preço teórico.

No entanto, há igualmente que assinalar que, no contexto da política agrícola comum, qualquer venda de terrenos públicos a um preço inferior ao do mercado não deve necessariamente ser considerada incompatível com o Tratado CE. Com efeito, no âmbito do amplo poder de apreciação em matéria de política agrícola comum de que dispõe, o legislador da União aprovou novas regras específicas sobre a concessão de ajudas no domínio da política agrícola, entre as quais figuram, designadamente, os apoios aos investimentos nas explorações agrícolas, através, num primeiro momento, do Regulamento n.° 950/97, relativo à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas, aplicável ratione temporis aos factos do litígio no processo principal, e a seguir, do Regulamento n.° 1257/1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola ao desenvolvimento rural.

Em qualquer caso, o artigo 87.° CE não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê métodos de cálculo para a determinação do valor de terrenos para uso agrícola e silvícola postos à venda pelas autoridades públicas no âmbito de um plano de privatizações, desde que os referidos métodos prevejam a actualização dos preços em caso de forte subida destes, de modo a que, o preço efectivamente pago pelo adquirente se aproxime o mais possível do valor de mercado destes terrenos.

(cf. n.os 30‑35, 43, 54 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

16 de Dezembro de 2010 (*)

«Auxílios de Estado – Auxílios concedidos pela República Federal da Alemanha para a aquisição de terras – Programa de privatização de terras e de reestruturação da agricultura nos novos Länder alemães»

No processo C‑239/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Landgericht Berlin (Alemanha), por decisão de 18 de Junho de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 1 de Julho de 2009, no processo

Seydaland Vereinigte Agrarbetriebe GmbH & Co. KG

contra

BVVG Bodenverwertungs‑ und ‑verwaltungs GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A Tizzano (relator), presidente de secção, J.‑J. Kasel, A. Borg Barthet, E. Levits e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Seydaland Vereinigte Agrarbetriebe GmbH & Co. KG, por G. Korth, Rechtsanwalt,

–        em representação da BVVG Bodenverwertungs‑ und ‑verwaltungs GmbH, por C. von Donat, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e B. Klein, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Stromsky e B. Martenczuk, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 87.° CE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Seydaland Vereinigte Agrarbetriebe GmbH & Co. KG (a seguir «Seydaland») à BVVG Bodenverwertungs‑ und ‑verwaltungs GmbH (a seguir «BVVG»), a propósito dos métodos de cálculo utilizados por esta última para determinar o preço de venda de terras agrícolas.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 As regras relativas aos auxílios de Estado

3        O título II, ponto 1, primeiro parágrafo, da Comunicação da Comissão, de 10 de Julho de 1997, no que respeita a auxílios estatais no âmbito da venda de terrenos e imóveis públicos (JO C 209, p. 3, a seguir «comunicação»), tem a seguinte redacção:

«Uma venda de um terreno ou de um imóvel realizada na sequência de um concurso suficientemente publicitado, de carácter geral e incondicional, comparável a uma hasta pública, ao proponente com a oferta mais alta ou ao único proponente, constitui, por definição, uma venda pelo valor de mercado, que não inclui, por conseguinte, quaisquer auxílios estatais. […]»

4        Segundo o título II, ponto 2, alínea a), primeiro parágrafo, da comunicação, quando «as autoridades públicas decidirem não recorrer ao procedimento descrito no [título II, ponto 1]», apenas «uma avaliação [...] [efectuada] por um ou vários peritos avaliadores previamente às negociações de venda, por forma a estabelecer o valor de mercado, com base em indicadores de mercado e critérios de avaliação de aceitação geral», permite excluir a presença de elementos de auxílios de Estado.

5        Nos termos do título II, ponto 2, alínea a), quinto parágrafo, da comunicação:

«Por ‘valor de mercado’ entende‑se o preço pelo qual os terrenos e construções poderiam ser vendidos, à data da avaliação, por contrato privado celebrado entre um vendedor voluntário e um comprador independente, subentendendo‑se que o bem é objecto de uma oferta pública no mercado, que as condições deste permitem uma venda regular e que se dispõe de um prazo normal para negociar a venda, tendo em conta a natureza do bem […]»

6        Através da sua Decisão 1999/268/CE, de 20 de Janeiro de 1999, relativa à aquisição de terras nos termos da Lei sobre compensações (JO L 107, p. 21, a seguir «Decisão de 20 de Janeiro de 1999»), a Comissão das Comunidades Europeias declarou parcialmente incompatível com o mercado comum o regime de auxílios instituído por um programa da República Federal da Alemanha destinado à reprivatização de terras no território dos novos Länder.

7        O artigo 2.°, segundo parágrafo, desta decisão enunciava:

«São incompatíveis com o mercado comum as ajudas […] que ultrapassam o limite máximo de intensidade de 35% aplicável às superfícies agrícolas em regiões não desfavorecidas nos termos do Regulamento (CE) n.° 950/97 [do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativo à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas (JO L 142, p. 1)].»

8        Após exame das modificações introduzidas no referido programa pela República Federal da Alemanha na sequência da Decisão de 20 de Janeiro de 1999, a Comissão adoptou a Decisão de 22 de Dezembro de 1999 relativa à autorização de auxílios concedidos pelos Estados no âmbito das disposições dos artigos 87.° e 88.° (antigos artigos 92.° e 93.°) do Tratado CE (JO 2000, C 46, p. 2, a seguir «Decisão de 22 de Dezembro de 1999»), notificada à República Federal da Alemanha por ofício da Comissão de 19 de Janeiro de 2000, e respeitante a este programa, conforme alterado.

9        Esta última decisão não suscitou, em particular, objecções contra a modificação do regime em causa relativamente ao critério utilizado para o cálculo do preço de venda das terras agrícolas. Segundo este critério, as autoridades alemãs deveriam passar a basear‑se no valor de mercado das terras postas à venda, com um abatimento de 35%.

 As regras específicas em matéria de política agrícola

10      O Regulamento n.° 950/97 previa, no seu artigo 7.°, n.° 2:

«O valor total da ajuda, expresso em percentagem do volume do investimento, é limitado:

[…]

b)      No que diz respeito às […] zonas [não desfavorecidas]:

–        a 35% para os investimentos em bens imóveis,

[…]»

11      O artigo 12.°, n.° 2, deste regulamento dispunha:

«(Ajudas geralmente autorizadas) Os Estados‑Membros podem conceder ajudas aos investimentos que tenham por objecto:

a)      A compra de terras;

[…]»

12      Posteriormente, o referido regulamento foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho, de 17 de Maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos (JO L 160, p. 80), em vigor desde 3 de Julho de 1999. O artigo 7.°, segundo parágrafo, deste regulamento tem o seguinte teor:

«É fixado um limite máximo de 40% […] para o montante total do apoio, expresso em percentagem do volume de investimento elegível.»

 Direito nacional

13      Com vista a adaptar o regime de propriedade rústica agrícola ou florestal dos novos Länder à ordem jurídica da República Federal da Alemanha, esta aprovou a Lei das Indemnizações (Ausgleichleistungsgesetz) de 27 de Setembro de 1994 (BGBl. I 1994, p. 2624, a seguir «AusglLeistG»). Esta lei incluía o programa de aquisição de terras, desenvolvido posteriormente pelo Regulamento relativo à Aquisição de Terras (Flächenerwerbsverordnung) de 20 de Dezembro de 1995 (BGBl. I 1995, p. 2072, a seguir «FlErwV»).

14      Com a finalidade de cumprir a Decisão de 20 de Janeiro de 1999, a República Federal da Alemanha introduziu seguidamente determinadas modificações tanto na AusglLeistG como no FlErwV, modificações às quais se refere a Decisão de 22 de Dezembro de 1999.

15      Assim, a AusglLeistG modificou o valor de referência das terras agrícolas, que passaria a ser calculado submetendo‑se o valor de mercado a um abatimento de 35%, e não, como estava inicialmente previsto, multiplicando por três certas unidades de valor estabelecidas em 1935.

16      O § 5, n.° 1, do FlErwV introduz um método de cálculo do referido valor de referência, baseado já não no valor de mercado das terras agrícolas, mas nos relatórios elaborados pelos peritos imobiliários regionais. Esta disposição tem a seguinte redacção:

«O valor de mercado dos terrenos agrícolas, nos termos do § 3, n.° 7 […], da [AusglLeistG], é apurado nos termos do disposto no Regulamento de Avaliação dos Bens Imóveis de 6 de Dezembro de 1988 […]. Caso existam valores de referência regionais para terras aráveis e pastos, o valor será determinado com base nos mesmos. Os valores de referência regionais são publicados pelo Ministro Federal das Finanças no Bundesanzeiger [Jornal Oficial Federal]. O interessado na compra ou a entidade responsável pela privatização poderá requerer que se proceda à fixação de um valor de mercado diferente dos referidos valores, através de um relatório de avaliação elaborado pelo comité de peritos imobiliários territorialmente competente, constituído nos termos do § 192 [da Lei do Urbanismo], desde que haja indícios reais de que os valores de referência regionais são desadequados para servir de base à determinação do valor.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      A Seydaland é uma sociedade que opera no sector da agro‑indústria. A BVVG é uma filial integralmente detida pelo Bundesanstalt für vereinigungsbedingte Sonderaufgaben (organismo federal para os assuntos especificamente relacionados com a reunificação alemã), responsável pela privatização das terras agrícolas e florestais.

18      Decorre do despacho de reenvio que, por contrato de 18 de Dezembro de 2007, a BVVG vendeu à Seydaland terras com aptidão agrícola. O preço total de venda foi de 245 907,91 euros, dos quais 210 810,18 euros correspondiam a terras agrícolas.

19      Considerando que o preço pago era excessivo, a Seydaland pediu o reembolso de uma parte do preço de venda destas terras, alegando que o preço de venda respectivo, calculado com base nos valores de referência regionais, ascendia apenas a 146 850,24 euros.

20      Visto a BVVG não ter deferido o seu pedido, a Seydaland interpôs um recurso no Landgericht Berlin, para obter o reembolso em causa. Como fundamentos de recurso, a Seydaland alegou que o § 2, n.° 5, do contrato de 18 de Dezembro de 2007 permite expressamente ao adquirente sujeitar o preço de venda e o seu modo de cálculo a uma verificação, bem como invocar em juízo um direito de ajustamento deste preço.

21      Com efeito, segundo a Seydaland, a BVVG deveria ter calculado o preço de venda das terras em causa com base nos valores de referência regionais, ou recorrer ao comité de peritos mencionado no § 5, n.° 1, do FlErwV. A Seydaland sustentou igualmente que, em qualquer caso, este preço de venda não podia ser determinado com base na situação actual do mercado, como fez a BVVG.

22      Em contrapartida, a BVVG alega que, para calcular o preço de venda das terras em causa, não havia que ter em conta os valores de referência regionais, dado que, em geral, estes valores não reflectem a situação actual do mercado, mas sim a que existia um a dois anos antes. Assim, fixar um preço com base nos referidos valores equivale a conceder um auxílio contrário ao direito da União.

23      A este respeito, a BVVG explicou que o Ministro Federal das Finanças tinha reconhecido este desfasamento e que, em 10 de Julho de 2007, lhe deu instruções no sentido de sujeitar os valores de referência regionais publicados no Bundesanzeiger a um exame sério, uma vez que estes valores deixavam de poder servir de base para o cálculo do valor de mercado das terras agrícolas caso se afastassem mais de 20% do preço de venda médio dos bens comparáveis. Segundo o cálculo da demandada no processo principal, era o que acontecia no caso em apreço.

24      Foi nestas circunstâncias que o Landgericht Berlin, considerando que a decisão da causa de que foi chamado a conhecer, depende da interpretação do direito da União, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O § 5, n.° 1, segunda e terceira frases, do [FlErwV], adoptado em execução do § 4, n.° 3, ponto 1, da [AusglLeistG], viola o artigo 87.° CE?»

 Quanto à questão prejudicial

25      Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que aprecie a compatibilidade do § 5, n.° 1, do FlErwV com o artigo 87.° CE.

26      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, o processo previsto no artigo 267.° TFUE se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, estando este unicamente habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade dos actos da União visados neste artigo, não lhe competindo pronunciar‑se sobre a interpretação das disposições nacionais (v., designadamente, acórdãos de 18 de Janeiro de 2007, Auroux e o., C‑220/05, Colect., p. I‑385, n.° 25, e de 7 de Outubro de 2010, Dos Santos Palhota e o., C‑515/08, Colect., p. I‑0000, n.° 18).

27      No entanto, na perspectiva de dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram submetidas (acórdãos de 4 de Maio de 2006, Haug, C‑286/05, Colect., p. I‑4121, n.° 17, e de 11 de Março de 2008, Jager, C‑420/06, Colect., p. I‑1315, n.° 46).

28      Atendendo a esta jurisprudência, importa entender a questão submetida como se o órgão jurisdicional de reenvio perguntasse, no essencial, se o artigo 87.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê métodos de cálculo para a determinação do valor de terrenos de uso agrícola e florestal, postos à venda pelas autoridades públicas no âmbito de um plano de privatizações, como os estabelecidos no § 5, n.° 1, segunda e terceira frases, do FlErwV.

29      Além disso, para dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil, há que considerar, como pedido pelo Governo alemão, que a questão se refere ao dito § 5, n.° 1, no seu conjunto, isto é, tendo igualmente em conta a primeira e quarta frases deste número.

30      Após esta precisão, importa lembrar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o conceito de auxílio pode abarcar não apenas prestações positivas, como subvenções, empréstimos ou aquisições de participações no capital de empresas, mas também intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que, normalmente, oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v., nomeadamente, acórdãos de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, Colect., p. I‑6857, n.° 25; de 1 de Julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colect., p. I‑4777, n.° 123, e de 17 de Novembro de 2009, Presidente del Consiglio dei Ministri, C‑169/08, Colect., p. I‑10821, n.° 56).

31      Por conseguinte, não se pode, em princípio, excluir que uma venda de terrenos públicos a um preço inferior ao do mercado possa constituir um auxílio de Estado.

32      No entanto, há igualmente que assinalar que, no contexto da política agrícola comum, qualquer venda de terrenos públicos a um preço inferior ao do mercado não deve necessariamente ser considerada incompatível com o Tratado CE. Com efeito, no âmbito do amplo poder de apreciação em matéria de política agrícola comum de que dispõe (acórdãos de 29 de Outubro de 1980, Maizena/Conselho, 139/79, Recueil, p. 3393, n.° 23, e de 20 de Maio de 2010, Agrana Zucker, C‑365/08, Colect., p. I‑0000, n.° 30), o legislador da União aprovou novas regras específicas sobre a concessão de ajudas no domínio da política agrícola, entre as quais figuram, designadamente, os apoios aos investimentos nas explorações agrícolas, através, num primeiro momento, do Regulamento n.° 950/97, aplicável ratione temporis aos factos do litígio no processo principal, que foi revogado a seguir pelo Regulamento n.° 1257/1999.

33      Assim, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 950/97, o valor total da ajuda, expresso em percentagem do volume de investimento elegível, era limitado a 35% para os investimentos em bens imóveis, tendo este limite sido aumentado para 40% no âmbito do Regulamento n.° 1257/1999.

34      Além disso, no que respeita à venda, pelas autoridades públicas, de terras ou de edifícios a uma empresa ou a um particular que exerça uma actividade económica, como a agricultura ou a silvicultura, há que assinalar que o Tribunal de Justiça declarou que tal venda pode conter elementos de auxílio de Estado, designadamente quando não é efectuada ao valor de mercado, isto é, ao preço que um investidor privado teria podido fixar, actuando em condições normais de concorrência (v., neste sentido, acórdão de 2 de Setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, Colect., p. I‑0000, n.° 68).

35      Decorre das considerações precedentes que, quando o direito nacional institui regras de cálculo do valor de mercado das terras para a sua venda pelas autoridades públicas, a aplicação das referidas regras deve, com vista à sua conformidade com o artigo 87.° CE, levar, em todos os casos, a um preço o mais próximo possível do valor de mercado. Dado que este último é teórico, salvo para as vendas ao proponente com a oferta mais alta, deve ser necessariamente tolerada uma margem de variação do preço obtido em relação ao preço teórico, como indica correctamente a Comissão no título II, ponto 2, alínea b), da comunicação.

36      Quanto à disposição em causa no processo principal, importa, desde logo, assinalar que, contrariamente ao defendido pela Seydaland e pelo Governo alemão, a Decisão de 22 de Dezembro de 1999 não declarou que a referida disposição era compatível com o artigo 87.° CE. Com efeito, como afirma a Seydaland, resulta desta decisão que a Comissão só se referiu à disposição em causa com o fim de descrever as alterações introduzidas no FlErwV em relação ao mesmo regime de auxílios, que tinha examinado na Decisão de 20 de Janeiro de 1999.

37      De resto, o § 5, n.° 1, do FlErwV não foi objecto, na Decisão de 22 de Dezembro de 1999, de uma apreciação substantiva, tendo‑se a Comissão limitado a analisar a intensidade dos auxílios concedidos pelo plano de privatizações alemão e os aspectos que tinha considerado discriminatórios na Decisão de 20 de Janeiro de 1999.

38      Em seguida, há que assinalar que o órgão jurisdicional de reenvio considera que apenas a venda ao proponente com a oferta mais alta e a determinação do preço por um perito são adequadas para estabelecer o valor de mercado de um terreno. Por isso, entende que os métodos previstos no § 5, n.° 1, segunda e quarta frases, do FlErwV não permitem determinar correctamente o referido valor.

39      A este respeito, importa precisar que, se é certo que os métodos do proponente com a oferta mais alta e do relatório pericial são susceptíveis de fornecer preços que correspondem aos valores reais de mercado, como salienta a Comissão no título II, pontos 1 e 2, alínea a), da comunicação, não se pode excluir que outros métodos possam igualmente atingir o mesmo resultado.

40      Ora, o § 5, n.° 1, do FlErwV contempla precisamente alguns destes métodos.

41      Em primeiro lugar, prevê um método de cálculo que consiste em estabelecer o valor das terras agrícolas em relação aos valores de referência regionais. O órgão jurisdicional de reenvio considera que este método só de forma inexacta permitiria fixar o valor de mercado das terras em venda, designadamente na medida em que não reflecte a importante subida dos preços das terras agrícolas no Leste da Alemanha, a partir do ano de 2007.

42      A este respeito, o Governo alemão reconhece nas suas observações escritas que esta evolução dos preços de mercado se repercute com algum atraso nos valores imobiliários utilizados no âmbito deste processo de avaliação. Além disso, como indicam a BVVG e este governo, há que ter em atenção o facto de que, regra geral, os referidos valores só são actualizados de dois em dois anos.

43      Nestas condições, há que concluir, como faz o advogado‑geral no n.° 47 das suas conclusões, que, nos casos em que o método baseado nos valores de referência regionais não contiver um mecanismo de actualização que permita uma aproximação o mais precisa possível do valor de mercado do preço de venda das terras, designadamente em períodos de fortes aumentos, o mesmo não é apto a reflectir a realidade dos preços de mercado em causa. Uma vez que esta apreciação requer uma interpretação do direito nacional, é ao órgão jurisdicional de reenvio que incumbe efectuá‑la.

44      Por outro lado, não é relevante a alegação da Seydaland segundo a qual o método baseado nos valores de referência regionais, previsto na disposição em causa no processo principal, levaria a um preço compreendido entre o de mercado e o resultante do abatimento de 35% que corresponde à intensidade do auxílio estabelecido pela regulamentação nacional em conformidade com o Regulamento n.° 950/97.

45      Com efeito, tal alegação não tem em conta o facto de que o cálculo do valor de mercado de um terreno ou de um edifício constitui a condição prévia e necessária antes de se aplicar a esse valor o índice da intensidade do auxílio segundo as regras específicas da União recordadas nos n.os 32 e 33 do presente acórdão.

46      Em segundo lugar, o § 5, n.° 1, do FlErwV prevê outro método, que consiste na possibilidade, quando há indícios reais que revelam que os valores de referência regionais não constituem a base apropriada para determinar o valor de um bem imobiliário determinado, de o adquirente ou o organismo de privatizações solicitarem que um comité de peritos imobiliários realize uma peritagem a fim de determinar o referido valor nos termos do § 192 da Lei do Urbanismo.

47      Quanto a esta última disposição, o Governo alemão indicou, em resposta a uma questão escrita colocada pelo Tribunal de Justiça, que os peritos do referido comité recorrem a um gabinete que realiza uma peritagem, tendo em conta diversos parâmetros pertinentes para a avaliação de terrenos, como os valores imobiliários de referência, os valores de referência dos preços no seu conjunto, as rendas, as taxas de juro, os custos de construção normais e os factores de adaptação ao mercado.

48      A este respeito, pelas razões expostas no n.° 43 do presente acórdão, importa assinalar que apenas uma maneira de trabalhar do referido comité de peritos imobiliários que levasse à determinação de um preço equivalente ao de mercado é susceptível de preencher os critérios de compatibilidade com as regras do Tratado em matéria de auxílios de Estado.

49      Em terceiro lugar, na medida em que se possa afirmar, como faz o Governo alemão, que o § 5, n.° 1, do FlErwV prevê um terceiro método de cálculo ao remeter para o Regulamento de Avaliação dos Bens Imóveis de 6 de Dezembro de 1988, há que recordar, por um lado, que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, nos processos que lhe são submetidos, qual é a interpretação correcta do direito nacional (acórdão de 22 de Junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, Colect., p. I‑0000, n.° 49).

50      Por outro lado, o princípio da interpretação conforme do direito nacional, que é inerente ao sistema do Tratado na medida em que permite ao órgão jurisdicional nacional assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União, quando se pronuncia sobre o litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, acórdão de 15 de Maio de 2003, Mau, C‑160/01, Colect., p. I‑4791, n.° 34), exige que o órgão jurisdicional nacional tome em consideração o direito nacional no seu todo, para apreciar em que medida este pode ser objecto de uma aplicação tal que não conduza a um resultado contrário ao direito da União (v., neste sentido, acórdãos de 25 de Fevereiro de 1999, Carbonari e o., C‑131/97, Colect., p. I‑1103, n.os 49 e 50, e de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.° 115).

51      No caso em apreço, incumbe, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se o § 5, n.° 1, do FlErwV pode ser interpretado em conformidade com o artigo 87.° CE, designadamente à luz das outras disposições nacionais eventualmente aplicáveis, como o Regulamento de Avaliação dos Bens Imóveis de 6 de Dezembro de 1988 e, como assinala a BVVG, sendo caso disso, o § 404, n.° 2, do Código de Processo Civil alemão.

52      Além disso, há ainda que observar que, mesmo que o órgão jurisdicional de reenvio devesse declarar a conformidade do § 5, n.° 1, do FlErwV com o artigo 87.° CE, não se pode excluir que, em certos casos, o método previsto nesta disposição de direito nacional conduza a um resultado que se afasta do valor de mercado. Nessas circunstâncias, por força da obrigação que incumbe a todos os órgãos do Estado, incluindo os tribunais nacionais e as autoridades administrativas, de afastar uma regra de direito nacional contrária ao direito da União, o referido órgão jurisdicional e as autoridades administrativas responsáveis pela sua aplicação seriam obrigados a não aplicar a referida disposição nacional (v., neste sentido, acórdãos de 22 de Junho de 1989, Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839, n.° 31, e de 9 de Setembro de 2003, CIF, C‑198/01, Colect., p. I‑8055, n.os 48 e 49).

53      A este respeito, o juiz nacional deve ter designadamente em conta que isso implica, se for o caso, a obrigação de adoptar todas as medidas para facilitar a realização do pleno efeito do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 13 de Julho de 1972, Comissão/Itália, 48/71, Colect., p. 181, n.° 7, e acórdão CIF, já referido, n.° 49).

54      Nestas condições, há que responder à questão submetida que o artigo 87.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê métodos de cálculo para a determinação do valor de terrenos de uso agrícola e florestal, postos à venda pelas autoridades públicas no âmbito de um plano de privatizações, como os estabelecidos no § 5, n.° 1, do FlErwV, desde que os referidos métodos prevejam a actualização dos preços em caso de forte subida destes, de modo a que o preço efectivamente pago pelo adquirente se aproxime o mais possível do valor de mercado destes terrenos.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 87.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê métodos de cálculo para a determinação do valor de terrenos de uso agrícola e florestal, postos à venda pelas autoridades públicas no âmbito de um plano de privatizações, como os estabelecidos no § 5, n.° 1, do Regulamento relativo à Aquisição de Terras (Flächenerwerbsverordnung) de 20 de Dezembro de 1995, desde que os referidos métodos prevejam a actualização dos preços em caso de forte subida destes, de modo a que o preço efectivamente pago pelo adquirente se aproxime o mais possível do valor de mercado destes terrenos.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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