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Documento 62008CJ0346

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 22 de Abril de 2010.
Comissão Europeia contra Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
Incumprimento de Estado - Directiva 2001/80/CE - Poluição e emissões nocivas - Instalações de combustão - Limite das emissões de certos poluentes para a atmosfera - Não aplicação da referida directiva à central eléctrica de Lynemouth (Reino Unido).
Processo C-346/08.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-03491

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2010:213

Processo C‑346/08

Comissão Europeia

contra

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

«Incumprimento de Estado – Directiva 2001/80/CE – Poluição e emissões nocivas – Instalações de combustão – Limitação das emissões de certos poluentes para a atmosfera – Não aplicação da referida directiva à central eléctrica de Lynemouth (Reino Unido)»

Sumário do acórdão

Ambiente – Poluição atmosférica – Directiva 2001/80 – Âmbito de aplicação – Grandes instalações de combustão – Derrogações

(Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho 2001/80, art. 2.º, n.º 7,segundo parágrafo, 1.º período)

Uma vez que a Directiva 2001/80/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2001, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão, define a instalação de combustão como um equipamento técnico onde sejam oxidados produtos combustíveis a fim de se utilizar o calor assim produzido, a electricidade não constitui um produto de combustão. Com efeito, os produtos de combustão são os gases residuais, as cinzas e os outros resíduos, bem como o calor gerado na combustão. A electricidade não é nem um produto físico da combustão nem do calor, resultando antes de uma série de operações através das quais a combustão liberta calor que é utilizado em seguida para produzir vapor numa caldeira, vapor esse que, por sua vez, acciona um gerador que, por fim, produz electricidade. Considerar que a electricidade é um «produto da combustão» implicaria interpretar este conceito de forma tão lata que incluiria igualmente outros produtos que não resultam directamente de uma combustão e que não correspondem à acepção habitual desta expressão, nem na linguagem científica nem na linguagem corrente.

O artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, da Directiva 2001/80 não se limita a precisar o conceito de «instalação de combustão», mas exclui certas instalações do âmbito de aplicação dessa directiva. Aliás, a natureza derrogatória desta disposição é patente na sua letra, pois dispõe que a directiva se aplica às instalações destinadas à produção de energia, «com excepção das que utilizam directamente os produtos da combustão em processos de fabrico». Uma interpretação restritiva do artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da Directiva 2001/80 impõe‑se ainda mais quando a exclusão de certas instalações de combustão do âmbito de aplicação desta directiva contraria o seu próprio objectivo. Com efeito, esta directiva visa lutar contra a acidificação, reduzindo as emissões de dióxido de enxofre e de óxido de azoto, para as quais contribuem significativamente as grandes instalações de combustão, entre as quais as instalações de produção de electricidade. Alargar a excepção prevista no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da referida directiva às centrais eléctricas, cuja produção é utilizada directamente num processo de fabrico, prejudicaria o seu efeito útil.

(cf. n.os 36‑37, 40‑42)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

22 de Abril de 2010 (*)

«Incumprimento de Estado – Directiva 2001/80/CE – Poluição e emissões nocivas – Instalações de combustão – Limitação das emissões de certos poluentes para a atmosfera – Não aplicação da referida directiva à central eléctrica de Lynemouth (Reino Unido)»

No processo C‑346/08,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 25 de Julho de 2008,

Comissão Europeia, representada por P. Oliver e A. Alcover San Pedro, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por L. Seeboruth, na qualidade de agente, assistido por D. Wyatt, QC,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, G. Arestis, J. Malenovský, T. von Danwitz e D. Šváby (relator), juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de Dezembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não assegurar a aplicação da Directiva 2001/80/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2001, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão (JO L 309, p. 1), à central eléctrica explorada pela Rio Tinto Alcan Smelting and Power (UK) Ltd (a seguir «Alcan»), em Lynemouth, no nordeste de Inglaterra (a seguir «central de Lynemouth»), o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva.

 Quadro jurídico

2        A Directiva 2001/80, que revogou a Directiva 88/609/CEE do Conselho, de 24 de Novembro de 1988, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão (JO L 336, p. 1), enquadra‑se na estratégia comunitária de luta contra a acidificação e tem como objectivo limitar as emissões de dióxido de enxofre, óxidos de azoto e poeiras provenientes de grandes instalações de combustão com potência térmica nominal igual ou superior a 50 MW. Esta limitação é fixada nos anexos III a VII da Directiva 2001/80, que aplicam a estas instalações valores‑limite de emissão, expressos em concentrações máximas destas substâncias poluentes nos gases de combustão.

3        O sexto e décimo primeiro considerandos da Directiva 2001/80 referem:

«(6)      As grandes instalações de combustão existentes contribuem de forma significativa para as emissões de dióxido de enxofre e de óxidos de azoto na Comunidade e é necessário reduzir essas emissões. Por conseguinte, é necessário adaptar a abordagem às características diferentes do sector das grandes instalações de combustão nos Estados‑Membros.

[…]

(11)      As instalações de produção de electricidade representam uma grande parte do sector das grandes instalações de combustão.»

4        O artigo 1.o da referida directiva dispõe:

«A presente directiva aplica‑se às instalações de combustão com potência térmica nominal igual ou superior a 50 MW, independentemente do tipo de combustível utilizado (sólido, líquido ou gasoso).»

5        O artigo 2.° da mesma directiva tem a seguinte redacção:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

[…]

7.      ‘Instalação de combustão’, qualquer equipamento técnico onde sejam oxidados produtos combustíveis a fim de se utilizar o calor assim produzido.

A presente directiva diz unicamente respeito às instalações de combustão destinadas à produção de energia, exceptuando‑se as que utilizam directamente os produtos da combustão em processos de fabrico. Em especial, a presente directiva não se aplica às seguintes instalações de combustão:

a)      Instalações onde os produtos da combustão sejam utilizados para o aquecimento directo, secagem ou qualquer outro tratamento de objectos ou materiais, como por exemplo fornos de reaquecimento e fornos para tratamento térmico;

b)      Instalações de pós‑combustão, ou seja, qualquer equipamento técnico que tenha por objectivo a depuração dos fumos por combustão e não seja explorado como instalação de combustão autónoma;

c)      Equipamentos de regeneração de catalisadores de fraccionamento catalítico;

d)      Equipamentos para a conversão do sulfureto de hidrogénio em enxofre;

e)      Reactores utilizados na indústria química;

f)      Fornos accionados a coque;

g)      Aquecedores de ar de altos fornos;

h)      Qualquer equipamento técnico que seja utilizado para a propulsão de um veículo, embarcação ou aeronave;

i)      Turbinas a gás utilizadas em plataformas off‑shore;

j)      Turbinas a gás autorizadas antes de 27 de Novembro de 2002 ou que, no parecer da autoridade competente, tenham sido objecto de um pedido de licenciamento completado antes de 27 de Novembro de 2002 na condição de a instalação ser posta a funcionar até 27 de Novembro de 2003 [...], sem prejuízo do n.° 1 do artigo 7.o e das partes A e B do anexo VIII.

As instalações accionadas por motores diesel, a gasolina ou a gás ou por turbinas a gás, seja qual for o combustível utilizado, não são abrangidas pela presente directiva.

Se duas ou mais novas instalações independentes forem construídas de modo a que, tendo em conta factores técnicos e económicos, os respectivos fumos possam, no entender dos serviços oficiais competentes, ser expelidos por uma chaminé comum, o complexo formado por essas instalações será considerado uma só unidade;

[…]»

6        Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, da Directiva 2001/80, os Estados‑Membros devem alcançar reduções significativas das emissões das instalações de combustão existentes, o mais tardar, até 1 de Janeiro de 2008, quer adoptando as medidas apropriadas para que as referidas instalações observem os valores‑limite de emissões fixados nos anexos da referida directiva quer garantindo que as mesmas ficam sujeitas ao plano nacional de redução das emissões (a seguir «PNRE»). Por força do artigo 4.o, n.° 6, da referida directiva, qualquer Estado‑Membro que optasse por aplicar um PNRE tinha a obrigação de o comunicar à Comissão, o mais tardar, até 27 de Novembro de 2003, devendo esta avaliar, num prazo de seis meses a contar da comunicação, se tal plano obedecia ou não aos requisitos previstos no referido artigo 4.o, n.° 6.

 Procedimento pré‑contencioso

7        Por carta de 27 de Novembro de 2003, o Reino Unido submeteu à Comissão a primeira versão do seu PNRE, na qual a central de Lynemouth surgia entre as instalações de combustão abrangidas pela Directiva 2001/80. Em 28 de Abril de 2005, este Estado‑Membro apresentou um PNRE actualizado, do qual constava também esta instalação. No entanto, esta foi eliminada da versão revista do PNRE, remetida à Comissão em 28 de Fevereiro de 2006.

8        Por ofício de 4 de Setembro de 2006, a Comissão fez saber ao Reino Unido que considerava a eliminação desconforme com a Directiva 2001/80. Na sua resposta de 2 de Fevereiro de 2007, este Estado‑Membro sustentou que a central de Lynemouth deveria beneficiar da excepção geral prevista no artigo 2.°, ponto 7, da directiva, uma vez que estava completamente integrada numa fundição de alumínio e apenas se dedicava à produção deste metal. Sublinhou igualmente o baixo impacto ambiental desta central e o risco de a Alcan ser levada a cessar a exploração dessa fundição de alumínio, se a central eléctrica viesse a estar sujeita às limitações previstas na directiva.

9        Em 29 de Junho de 2007, a Comissão enviou ao Reino Unido uma notificação para cumprir, à qual este Estado‑Membro respondeu por carta de 31 de Agosto de 2007.

10      Em 23 de Outubro de 2007, a Comissão, insatisfeita com a resposta recebida, remeteu ao Reino Unido um parecer fundamentado, no qual instou este Estado‑Membro a pôr termo ao incumprimento no prazo máximo de dois meses a contar da respectiva recepção.

11      Não tendo ficado convencida com os argumentos avançados pelo Reino Unido em resposta ao referido parecer fundamentado, na sua carta de 21 de Dezembro de 2007, a Comissão intentou a presente acção.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

12      A Comissão defende que a Directiva 2001/80 é aplicável à central de Lynemouth e recorda que, inicialmente, o Reino Unido perfilhava o mesmo entendimento, já que incluíra esta instalação nas diferentes versões do seu PNRE e apenas a suprimiu na versão revista entregue à Comissão em 28 de Fevereiro de 2006.

13      Segundo a Comissão, a Directiva 2001/80 aplica‑se a todas as instalações de combustão, com excepção das que estejam expressamente excluídas nos termos do artigo 2.°, ponto 7, a saber:

–        as instalações de combustão não destinadas à produção de energia (a seguir «excepção 1»);

–        as instalações de combustão que utilizam directamente o produto da combustão nos processos de fabrico (a seguir «excepção 2»);

–        as instalações referidas no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a f), que são ilustrações das excepções 1 e 2; bem como

–        as diversas excepções sui generis enumeradas no referido artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas g) a j), e no mesmo artigo 2.°, ponto 7, terceiro parágrafo.

14      A Comissão alega que todas as instalações referidas no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a f), da Directiva 2001/80 são subsumíveis às excepções 1 ou 2, sendo lógico que não estejam abrangidas por essa directiva, uma vez que a metodologia ou os valores‑limite de emissões nela previstos não lhes são facilmente aplicáveis. Refere, a este propósito, que a Directiva 2001/80 visa regulamentar as emissões provocadas pela combustão (oxidação) de combustíveis e que o processo pelo qual são calculados os valores‑limite de emissões assenta na hipótese de as emissões expectáveis na sequência da combustão do combustível utilizado para alimentar a instalação de combustão serem previsíveis. Entende que, quando os gases de combustão quentes provenientes do processo de combustão de combustível se misturam com outras substâncias que normalmente não são associadas a um processo de combustão antes da emissão, os resultados não são suficientemente previsíveis e os valores‑limite de emissões fixados na referida directiva para a combustão de combustível não poderão ser aplicados.

15      A Comissão reconhece, por outro lado, que as instalações referidas no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas g) a j), da Directiva 2001/80 não se reconduzem à excepção 1 nem à excepção 2 e entende que consubstanciam excepções sui generis.

16      No caso específico dos aquecedores de ar de altos fornos, referidos no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alínea g), da Directiva 2001/80, em cujo exemplo o Reino Unido faz assentar o essencial da sua argumentação, a Comissão clarifica que estes aquecedores se encontram equipados com tijolos refractários que são aquecidos por contacto directo com os gases de combustão quentes produzidos pela combustão de combustível e que, depois de aquecidos, os tijolos quentes são utilizados para aquecer o ar frio que circula por baixo deles, para produzir «vento quente», que é em seguida injectado no alto forno. Tendo em conta o aquecimento dos tijolos, os referidos aquecedores distinguir‑se‑iam de qualquer outro tipo de instalação de combustão. Além disso, produzir‑se‑iam fissuras no revestimento de tijolo das câmaras, fissuras essas que provocariam a contaminação do gás proveniente da combustão pelos gases dos altos fornos não queimados. Por causa destes dois elementos, os valores‑limite de emissões fixados na directiva não seriam facilmente aplicáveis aos aquecedores de ar.

17      A Comissão sublinha que nenhuma das instalações visadas nas disposições relativas à excepção 2 implica a utilização de electricidade num processo de fabrico ou a utilização de produtos da combustão fora da instalação de combustão propriamente dita.

18      Se é pacífico que a central de Lynemouth não é abrangida pela excepção 1, também não pode beneficiar da excepção 2, pois não utiliza directamente o produto da combustão nos processos de fabrico.

19      A Comissão defende que se, num processo de fabrico, se admitisse que a utilização directa de electricidade produzida por uma central eléctrica se subsume na excepção 2, um número significativo de grandes instalações de combustão ficaria excluído do âmbito de aplicação da Directiva 2001/80, com graves consequências para o ambiente.

20      A Comissão nota que a central de Lynemouth é o nono maior emitente de dióxido de carbono do Reino Unido, representando cerca de 4% do total de emissões deste gás poluente, declaradas nesse Estado‑Membro.

21      O Reino Unido defende que uma central eléctrica destinada a fornecer electricidade a uma fábrica de produção de alumínio por electrólise e construída exclusivamente para tal fim faz parte de um equipamento técnico que inclui uma fábrica de combustão destinada à produção de energia, que utiliza directamente os produtos de combustão durante as operações de fabrico e, por conseguinte, preenche os requisitos de isenção previstos no artigo 2.°, ponto 7, da Directiva 2001/80.

22      Em primeiro lugar, o Reino Unido alega que a electricidade produzida serve directamente para as operações de fabrico de alumínio. A fábrica explorada pela Alcan não poderia, ao contrário do que defende a Comissão, utilizar da mesma maneira a electricidade proveniente da rede nacional.

23      Em segundo lugar, o Reino Unido sustenta que a electricidade produzida por uma central que funciona a carvão constitui um produto indirecto da combustão. Ora, o artigo 2.°, ponto 7, da Directiva 2001/80 não diz respeito à utilização directa de produtos directos da combustão, mas sim à utilização directa de produtos da combustão. Afirma que a energia produzida pela oxidação de combustíveis, como a electricidade, deve ser considerada um produto da combustão, já que apenas são abrangidas por esta directiva as instalações de combustão onde os carburantes são oxidados para a produção de energia. Este artigo 2.°, ponto 7, não refere ser restrito aos produtos directos da combustão e seria contra‑indicado seguir uma interpretação nesse sentido. Deveria haver um nexo directo, não entre a combustão e o processo de fabrico mas antes entre os produtos da combustão e o processo de fabrico. Ora, no caso presente, há um nexo directo entre a electricidade produzida a partir da combustão e o processo de fabrico empregado, uma vez que a electricidade é utilizada por este último para produzir alumínio.

24      A referência do artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alínea g), da Directiva 2001/80 aos aquecedores de ar de altos fornos confirma o facto de que a exclusão não se aplica somente na acepção restrita invocada pela Comissão. O Reino Unido recorda, nesta sede, que decorre do sistema inicial constante do artigo 2.°, ponto 7, da Directiva 88/609 que as técnicas enumeradas no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a g), da Directiva 2001/80 constituem exemplos particulares de instalações de combustão excluídas do seu âmbito de aplicação, quer porque não se destinam à produção de energia quer porque utilizam directamente os produtos da combustão num processo de fabrico. Ora, o ar quente utilizado nos aquecedores de ar não é reaquecido directamente pela oxidação do combustível, mas sim, indirectamente, na sequência da oxidação do combustível que aquece os tijolos refractários, os quais aquecem, por sua vez, o ar que alimenta as operações de fabrico. A energia assim indirectamente produzida pode perfeitamente ser equiparada a um produto da combustão, na acepção do artigo 2.°, ponto 7, da Directiva 2001/80, ainda que se trate de um produto da combustão, tal como a electricidade é um produto indirecto no caso da central de Lynemouth. Segundo uma interpretação correcta deste artigo 2.°, ponto 7, o aquecedor de ar está ligado ao alto forno do mesmo modo que a central de Lynemouth está ligada à fundição de alumínio explorada pela Alcan. Ambos são fontes de energia especializadas, integradas em processos de fabrico.

25      Ao contrário do que defende a Comissão, os aquecedores de ar de altos fornos mencionados no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alínea g), da Directiva 2001/80 não constituem uma excepção sui generis. A letra do artigo 2.°, ponto 7, da Directiva 88/609 demonstra claramente que as excepções sui generis são referidas no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas h) a j), da Directiva 2001/80.

26      Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual o entendimento do Reino Unido prejudicaria gravemente o alcance da Directiva 2001/80, este Estado‑Membro admite que seria anómalo que todas as instalações de combustão que produzem electricidade destinada a ser utilizada directamente numa produção não estivessem sujeitas às exigências desta directiva. Sublinha que uma instalação só é excluída quando foi concebida com o único fim de alimentar em electricidade um processo de fabrico. Todos os exemplos incluídos no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a i), da referida directiva respeitam a fontes de energia exclusivas, concebidas e construídas para os processos ou actividades designados. Alega que o único produto da combustão a que é feita referência é o que inclui energia.

27      O Reino Unido considera que o legislador comunitário subtraiu certo tipo de instalações ao âmbito de aplicação da Directiva 2001/80, não para evitar inconvenientes menores aos órgãos reguladores nacionais mas sim para ponderar as vantagens ambientais e o custo económico da inclusão destas instalações no referido âmbito de aplicação. Ora, no caso da instalação em apreço, os custos económicos e sociais resultantes da sua sujeição à directiva ultrapassariam largamente – dado o risco do seu encerramento que causaria a perda de 4 000 postos de trabalho, directos ou indirectos, numa região em que o desemprego é elevado – o escasso benefício ambiental que decorreria de tal sujeição, tendo em conta os avultados montantes investidos nos últimos anos pela Alcan para melhorar os desempenhos em matéria ambiental, a obrigação de reduzir as emissões de enxofre nos termos da Directiva 2008/1/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Janeiro de 2008, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO L 24, p. 8), bem como a substituição da produção em causa por importações provenientes de instalações externas à União Europeia, menos regulamentadas do ponto de vista ambiental. Uma vez que a produção de alumínio consome bastante energia e está, por esse motivo, sujeita a pressões, a Directiva 2001/80 deve ser interpretada de modo a excluir do seu âmbito de aplicação as centrais eléctricas especializadas que fornecem electricidade destinada ao processo de electrólise.

28      Em resposta ao argumento da Comissão de que, por um lado, as outras fábricas de produção de alumínio já tiveram de se adaptar às exigências da Directiva 2001/80 e que, por outro, não há nenhuma razão para atribuir uma vantagem concorrencial à fábrica explorada pela Alcan, o Reino Unido alega que se a central de Lynemouth for excluída do âmbito de aplicação desta directiva, isso deve‑se a considerações objectivas, aplicáveis a todas as instalações que se encontrem na mesma situação. Afirma que a central de Lynemouth é a única instalação situada no Espaço Económico Europeu a ter uma fonte de energia exclusiva, concebida e construída para produzir electricidade destinada ao processo de electrólise.

29      Seria lógico excluir as instalações de combustão dedicadas à alimentação de processos de fabrico, pois só têm um único «cliente interno» e apenas dispõem, portanto, de um único meio para recuperar as despesas incorridas para dar cumprimento à Directiva 2001/80. Além disso, os produtos finais do processo de fabrico constituem matérias‑primas objecto de trocas comerciais nos mercados internacionais e estão sujeitas à concorrência directa dos produtores estabelecidos fora da União, sujeitos a uma regulamentação menos exigente e produzindo a menores custos, ao passo que as instalações de combustão não especializadas fornecem numerosos clientes, pertencem muitas vezes aos Estados‑Membros e não têm verdadeiros concorrentes.

30      O Reino Unido rejeita o argumento da Comissão de que o artigo 2.°, ponto 7, da Directiva 2001/80 consagra um princípio geral, a interpretar de forma lata, e duas excepções de interpretação estrita. Esta disposição inclui uma definição das instalações que se encontram abrangidas pela referida directiva e definições das que dela se encontram excluídas. O Reino Unido acrescenta que, em qualquer caso, o Tribunal de Justiça já se pronunciou contra a interpretação estrita das excepções quando esta desvirtue o objectivo prosseguido por elas (acórdão de 26 de Maio de 2005, Kingcrest Associates e Montecello, C‑498/03, Colect., p. I‑4427, n.os 29 e 32).

 Apreciação do Tribunal de Justiça

31      A questão suscitada pela presente acção por incumprimento é a de saber se a central de Lynemouth deve ser considerada uma instalação de combustão à qual a Directiva 2001/80 é aplicável.

32      Embora, tal como sublinha a Comissão, possa ser surpreendente que o Reino Unido, após ter incluído a central de Lynemouth nas instalações de combustão sujeitas à Directiva 2001/80, nas duas primeiras versões do PNRE apresentadas à Comissão em 2003 e 2005, nos termos dessa directiva, bem como em todos os relatórios ou documentos elaborados desde 1990, nos termos da Directiva 88/609 que a precedeu e que estava redigida de modo quase idêntico no tocante ao ponto ora controvertido, venha agora defender que a referida central não se encontra sujeita às exigências da Directiva 2001/80, esta circunstância não influi na questão de saber se a referida central é abrangida por esta última directiva.

33      É pacífico que a central de Lynemouth é uma instalação de combustão dotada de uma potência térmica nominal superior a 50 MW, para efeitos do disposto nos artigos 1.o e 2.o, ponto 7, primeiro período, da Directiva 2001/80.

34      O Reino Unido defende, no entanto, que a referida central, construída exclusivamente para fornecer electricidade para a produção de alumínio na fundição contígua, preenche os requisitos de exclusão previstos no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da Directiva 2001/80, nos termos do qual esta só se aplica às instalações de combustão destinadas à produção de energia, com excepção das que utilizam directamente o produto da combustão nos processos de fabrico.

35      É certo que a electricidade produzida pela central de Lynemouth é utilizada directamente nas operações de produção de alumínio. Com efeito, segundo o processo «Hall‑Heroult», aplicado na fábrica explorada pela Alcan, os alumínios alimentam um electrólito, no qual se dissolvem, e uma corrente eléctrica passa do ânodo para o cátodo, decompondo os alumínios em alumínio e oxigénio e fornecendo o calor destinado a manter a fusão do electrólito.

36      Todavia, tal como alega a Comissão, a electricidade não é um produto da combustão. São‑no os fumos, as cinzas e os outros resíduos, bem como o calor gerado pela combustão, já que a Directiva 2001/80 define a instalação de combustão como «qualquer dispositivo técnico onde sejam oxidados produtos combustíveis a fim de se utilizar o calor assim produzido». A electricidade não é nem um produto físico da combustão nem do calor, resultando antes de uma série de operações através das quais a combustão liberta calor que é utilizado em seguida para produzir vapor numa caldeira, vapor esse que, por sua vez, acciona um gerador que, por fim, produz electricidade.

37      Considerar que a electricidade é um «produto da combustão» implicaria interpretar este conceito de forma tão lata que incluiria igualmente outros produtos que não resultam directamente de uma combustão e que não correspondem à acepção habitual desta expressão, nem na linguagem científica nem na linguagem corrente.

38      O artigo 2.°, ponto 7, segundo período, primeira frase, da Directiva 2001/80 opõe‑se, por outro lado, a uma interpretação lata do conceito de «produto da combustão», dado que abrange as instalações de combustão que utilizem «directamente» o produto da combustão nos processos de fabrico. Ora, não pode haver utilização directa de produtos da combustão num processo de fabrico caso haja fases intermédias, tais como a produção de electricidade, entre a combustão e o processo de fabrico.

39      O facto de o conceito de «produto da combustão» determinar o alcance da excepção a uma regra geral opõe‑se também a uma interpretação lata. Com efeito, segundo jurisprudência assente, as excepções são de interpretação estrita, de modo a que os regimes gerais não sejam esvaziados de conteúdo. (v., neste sentido, acórdão de 29 de Abril de 2004, Kapper, C‑476/01, Colect., p. I‑5205, n.° 72).

40      Ora, ao contrário do que sustenta o Reino Unido, é óbvio que o artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, da Directiva 2001/80 não se limita a precisar o conceito de «instalação de combustão», mas exclui certas instalações do âmbito de aplicação dessa directiva. Aliás, a natureza derrogatória desta disposição é patente na sua letra, pois dispõe que a directiva se aplica às instalações destinadas à produção de energia, «com excepção das que utilizam directamente os produtos da combustão em processos de fabrico».

41      Uma interpretação restritiva do artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da Directiva 2001/80 impõe‑se ainda mais quando a exclusão de certas instalações de combustão do âmbito de aplicação desta directiva contraria o seu próprio objectivo. Com efeito, tal como resulta dos considerandos quarto a sexto da directiva, esta visa lutar contra a acidificação, reduzindo as emissões de dióxido de enxofre e de óxido de azoto, para as quais contribuem significativamente as grandes instalações de combustão.

42      Por fim, estando identificadas as instalações de produção de electricidade, no décimo primeiro considerando da Directiva 2001/80, como as principais instalações de combustão abrangidas por esta última, alargar a excepção prevista no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da referida directiva às centrais eléctricas, cuja produção é utilizada directamente num processo de fabrico, prejudicaria o efeito útil da mesma.

43      Resulta do exposto que a central de Lynemouth não pode beneficiar da excepção prevista, no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da Directiva 2001/80, para as instalações de combustão que utilizam directamente o produto da combustão nos processos de fabrico.

44      Nenhum dos argumentos apresentados pelo Reino Unido põe em causa esta afirmação.

45      No que respeita, em primeiro lugar, ao argumento de que as excepções previstas na Directiva 2001/80 assentam numa ponderação entre os custos gerados pela aplicação dos valores‑limite de emissões e as vantagens ambientais daí resultantes, cujo balanço justificaria, no caso em apreço, a exclusão da central de Lynemouth do âmbito de aplicação desta directiva, cumpre recordar, desde logo, que nem a referida directiva nem sequer os seus trabalhos preparatórios expõem as razões justificativas quer da exclusão geral e abstracta das instalações de combustão que utilizem directamente o produto da combustão em processos de fabrico quer dos exemplos de certas instalações constantes do artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a g), da Directiva 2001/80.

46      Para a Comissão, as instalações de combustão abrangidas pelas excepções foram excluídas do âmbito de aplicação da Directiva 2001/80, dada a contaminação dos fumos da combustão por poluentes, na utilização directa de produtos da combustão nos processos de fabrico, de modo que a metodologia e os valores‑limite de emissões previstos nos anexos da directiva para os processos de combustão isolados não lhes são directamente aplicáveis. A Comissão demonstrou igualmente que, para todos os tipos de instalações subsumíveis no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a g), da directiva, dá‑se uma contaminação de fumos da combustão, quando, por outro lado, está assente que a utilização de electricidade no fabrico de alumínio não afecta as emissões produzidas pela central de Lynemouth.

47      O Reino Unido não nega a existência desta contaminação dos gases de escape nas diferentes instalações abrangidas pelo artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a g), da Directiva 2001/80, embora entenda que as excepções assentam, não em dificuldades de aplicação da directiva mas numa ponderação de custos e benefícios.

48      Sem que seja necessário determinar a finalidade exacta das referidas excepções, a argumentação do Reino Unido deve, em todo o caso, ser rejeitada, porquanto a excepção formulada em abstracto no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da Directiva 2001/80 não pode assentar numa ponderação de custos e benefícios. Com efeito, embora seja possível apreciar os custos e benefícios ligados à aplicação dos valores‑limite de emissões a uma instalação particular, ou mesmo a tipos particulares de instalações, como os referidos no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a g), da directiva, tal não é o caso quando se trate de instalações que utilizam directamente produtos da combustão.

49      No que respeita, em segundo lugar, ao argumento de que a excepção de que beneficiam os aquecedores de ar de altos fornos, constante do artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alínea g), da Directiva 2001/80, revela que o conceito de «produto da combustão» deve ser entendido de forma lata e que inclui os produtos da combustão indirectos, como a electricidade, basta ter presente que, tal como referiu a advogada‑geral no n.° 39 das suas conclusões, essa excepção se prende com a utilização de um produto directo da combustão, a saber, o calor. Com efeito, através de tijolos refractários, os referidos aquecedores emitem para o ar o calor resultante de um processo de combustão, que é posteriormente injectado num alto forno, para a fusão.

50      Embora os aquecedores de ar de altos fornos não constituam, é certo, um caso de aplicação da derrogação abstracta enunciada no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da Directiva 2001/80, na medida em que o calor resultante da combustão apenas é utilizado de forma indirecta, não deve daí inferir‑se que a referida derrogação deva ser interpretada de modo a que sejam excluídas do âmbito de aplicação desta directiva as instalações que utilizam produtos indirectos da combustão num processo de fabrico.

51      Tal como reconhecido pela Comissão, está em causa uma anomalia redaccional, no sentido de que os referidos aquecedores de ar são uma excepção sui generis e não uma aplicação da excepção abstracta prevista no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, da Directiva 2001/80. A Comissão explicou, contudo, sem impugnação do Reino Unido, os motivos particulares pelos quais os valores‑limite de emissões fixados por esta directiva não são facilmente aplicáveis a este tipo de instalação, tendo em conta que o aquecimento dos tijolos refractários torna o aquecedor de ar fundamentalmente diferente de qualquer outro tipo de instalação de combustão e que o frequente aparecimento de fissuras no revestimento da câmara leva à contaminação dos fumos resultantes da combustão pelos gases de altos fornos não queimados. De resto, tal como a advogada‑geral refere na nota do ponto 40 das suas conclusões, os aquecedores de ar de altos fornos, para pouparem energia, queimam frequentemente o gás originado nos altos fornos, gás este já contaminado, pelo que, apesar da utilização da melhor técnica disponível, os valores‑limite de emissões fixados pela referida directiva não podem ser respeitados.

52      O aditamento, no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas h) a j), da Directiva 2001/80, de derrogações suplementares para três tipos de instalações que não podem manifestamente incluir‑se na excepção geral e abstracta constante do artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, primeiro período, desta directiva, confirma, aliás, que o sentido e o alcance da referida excepção geral não podem ser determinados com base numa excepção particular.

53      Cumpre, ainda, sublinhar que nenhuma das excepções particulares referidas no artigo 2.°, ponto 7, segundo parágrafo, alíneas a) a g), da Directiva 2001/80 se estende à utilização de produtos da combustão fora da instalação de combustão propriamente dita, nem à utilização de electricidade num processo de fabrico.

54      Resulta do exposto que a Directiva 2001/80 se aplica à central de Lynemouth e que a acção da Comissão deve ser julgada procedente.

55      Por conseguinte, há que declarar que, ao não assegurar a aplicação da Directiva 2001/80 à central de Lynemouth, o Reino Unido não deu cumprimento às obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva.

 Quanto às despesas

56      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      Ao não assegurar a aplicação da Directiva 2001/80/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2001, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão, à central eléctrica explorada pela Rio Tinto Alcan Smelting and Power (UK) Ltd, em Lynemouth, no nordeste de Inglaterra, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva.

2)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.

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