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Documento 62008CJ0358

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 2 de Dezembro de 2009.
Aventis Pasteur SA contra OB.
Pedido de decisão prejudicial: House of Lords - Reino Unido.
Directiva 85/374/CEE - Responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos - Artigos 3.º e 11.º - Erro sobre a qualificação de ‘produtor’ - Processo judicial - Pedido de substituição do demandado inicial pelo produtor - Termo do prazo de prescrição.
Processo C-358/08.

Colectânea de Jurisprudência 2009 I-11305

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2009:744

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

2 de Dezembro de 2009 ( *1 )

«Directiva 85/374/CEE — Responsabilidade decorrente de produtos defeituosos — Artigos 3.o e 11.o — Erro sobre a qualificação de ‘produtor’ — Processo judicial — Pedido de substituição do demandado inicial pelo produtor — Expiração do prazo de prescrição»

No processo C-358/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pela House of Lords (Reino Unido), por decisão de 11 de Junho de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 5 de Agosto de 2008, no processo

Aventis Pasteur SA

contra

OB,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts (relator) e E. Levits, presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J. Malenovský, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh e J.-J. Kasel, juízes,

advogada-geral: V. Trstenjak,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 30 de Junho de 2009,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Aventis Pasteur SA, por G. Leggatt, QC, assistido por P. Popat, barrister,

em representação de OB, por S. Maskrey, QC, assistido por H. Preston, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por G. Wilms, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 8 de Setembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO L 210, p. 29; EE 13 F19 p. 8), conforme alterada pela Directiva 1999/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Maio de 1999 (JO L 141, p. 20, a seguir «Directiva 85/374»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Aventis Pasteur SA (a seguir «APSA»), sociedade com sede em França, a OB, na sequência da colocação em circulação de uma vacina alegadamente defeituosa.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3

O primeiro, décimo, décimo primeiro e décimo terceiro considerandos da Directiva 85/374 dispõem:

«Considerando que é necessária uma aproximação das legislações em matéria de responsabilidade do produtor pelos danos causados pela qualidade defeituosa dos seus produtos, por [a] sua disparidade ser susceptível de falsear a concorrência, de prejudicar a livre circulação das mercadorias no mercado comum e de originar diferenças relativamente ao grau de protecção do consumidor contra os danos causados à sua saúde e aos seus bens por um produto defeituoso;

[…]

Considerando que um prazo de prescrição uniforme para a acção de indemnização é vantajoso tanto para o lesado como para o produtor;

Considerando que os produtos se deterioram com o tempo, que as normas de segurança se tornam mais rigorosas e que os conhecimentos científicos e técnicos progridem; que não seria, portanto, razoável exigir do produtor uma responsabilidade ilimitada no [tempo] pelos defeitos do seu produto; que a sua responsabilidade deve, por conseguinte, extinguir-se após um prazo razoável sem prejuízo, contudo, das acções pendentes;

[…]

Considerando que, consoante os sistemas jurídicos dos Estados-Membros, o lesado pode ter direito a uma indemnização a título da responsabilidade extracontratual diferente da prevista na presente directiva; que essas disposições não devem ser prejudicadas pela presente directiva, desde que tenham igualmente por objectivo uma protecção eficaz dos consumidores[…]»

4

A Directiva 85/374 prevê, no seu artigo 1.o, que «[o] produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto».

5

O artigo 3.o da Directiva 85/374 está redigido do seguinte modo:

«1.   O termo ‘produtor’ designa o fabricante de um produto acabado, o produtor de uma matéria-prima ou o fabricante de uma parte componente, e qualquer pessoa que se apresente como produtor pela aposição sobre o produto do seu nome, marca ou qualquer outro sinal distintivo.

2.   Sem prejuízo da responsabilidade do produtor, qualquer pessoa que importe um produto na Comunidade tendo em vista uma venda, locação, locação financeira ou qualquer outra forma de distribuição no âmbito da sua actividade comercial[…] será considerada como produtor do mesmo, na acepção da presente directiva, e responsável nos mesmos termos que o produtor.

3.   Quando não puder ser identificado o produtor do produto, cada fornecedor será considerado como produto[r], salvo se indicar ao lesado, num prazo razoável, a identidade do produtor ou daquele que lhe forneceu o produto. O mesmo se aplica no caso de um produto importado, se este produto não indicar o nome do importador referido no n.o 2, mesmo se for indicado o nome do produtor».

6

O artigo 11.o da Directiva 85/374 dispõe:

«Os Estados-Membros estabelecerão na sua legislação que os direitos concedidos ao lesado nos termos da presente directiva se extinguem no termo de [um] período de dez anos a contar da data em que o produtor colocou em circulação o produto que causou o dano, excepto se a vítima tiver intentado uma acção judicial contra o produtor durante este período.»

7

Nos termos do artigo 13.o da referida directiva, esta «[…] não prejudica os direitos que o lesado pode invocar nos termos do direito da responsabilidade contratual ou extracontratual ou nos termos de um regime especial de responsabilidade que exista no momento da notificação da presente directiva».

8

A Directiva 85/374 foi notificada aos Estados-Membros em 30 de Julho de 1985.

Legislação nacional

9

A Directiva 85/374 foi transposta no Reino Unido pela Lei de 1987 relativa à protecção dos consumidores (Consumer Protection Act 1987, a seguir «Lei de 1987»).

10

A Lei de 1987 aditou à Lei de 1980 relativa à prescrição (Limitation Act 1980) uma nova section 11A, cuja subsection 3 determina:

«Nenhuma acção ao abrigo da presente section pode ser intentada depois de decorrido o prazo de dez anos a contar do momento pertinente […]; a presente subsection tem por efeito extinguir o direito de acção findo o referido período de dez anos, quer esse direito de acção tenha ou não expirado e quer os prazos previstos nas disposições seguintes deste Act tenham ou não começado a correr.»

11

A section 35 da Lei de 1980 proíbe, em princípio, a substituição de uma parte após o termo do prazo de prescrição. A título excepcional, as normas processuais podem, todavia, por força das subsections 5(b) e 6(a) dessa section, conferir ao juiz o poder de proceder, em certas circunstâncias, a essa substituição com efeitos a contar da propositura da acção inicial. É assim considerada a substituição pela nova parte «da parte cujo nome tinha sido dado, por erro, em lugar do nome da nova parte, em qualquer pedido formulado na acção inicial».

12

A rule 19.5(3)(a) do Código de Processo Civil (Civil Procedure Rules) confere tal poder de substituição ao juiz, que o pode exercer de forma discricionária. Determina no entanto que, mesmo quando a condição para fazer uso desse poder esteja satisfeita, o juiz tenha em conta o facto de a substituição ter por efeito privar o demandado do efeito exoneratório do termo do prazo de prescrição e só permita a substituição quando considere que, nas circunstâncias do caso concreto, a justiça o exige.

Antecedentes do litígio no processo principal e questão prejudicial

13

A Pasteur Mérieux Sérums et Vaccins SA (a seguir «Pasteur Mérieux»), sociedade de direito francês que, na sequência de uma mudança de denominação, passou a APSA, fabrica produtos farmacêuticos, entre os quais uma vacina anti-haemophilus.

14

A Mérieux UK Ltd (a seguir «Mérieux UK»), sociedade de direito inglês, era, em 1992, uma filial a 100% da APSA, agindo como distribuidor, no Reino Unido, dos produtos fabricados por esta.

15

Em 18 de Setembro de 1992, a APSA enviou um lote de doses de vacinas anti-haemophilus à Mérieux UK, que recebeu esse lote em 22 de Setembro seguinte. A APSA enviou nessa ocasião uma factura à sua filial, que a liquidou como devido.

16

Em data posterior, que permanece desconhecida, mas se situa em finais de Setembro ou princípios de Outubro de 1992, uma parte desse fornecimento foi vendida pela Mérieux UK ao Ministério da Saúde britânico, com destino a um hospital designado por esse ministério. Esse hospital, por seu turno, forneceu uma parte dessas doses de vacina a um consultório médico estabelecido no território britânico.

17

Em 3 de Novembro de 1992, foi administrada a OB, nesse consultório, uma dose da vacina em causa.

18

Subsequentemente, OB sofreu graves lesões. Os médicos que o trataram consideraram que essas lesões tinham sido causadas por uma infecção devida ao vírus do herpes simplex. OB sustenta, pelo contrário, que o dano sofrido está ligado ao carácter defeituoso da vacina que lhe foi administrada.

19

Em 1994, a APSA constituiu uma «joint venture» com a Merck Inc. of the United States. A Mérieux UK tornou-se filial britânica dessa «joint venture». Em razão de uma mudança de denominação, passou a Aventis Pasteur MSD (a seguir «APMSD»).

20

Em 2 de Novembro de 2000, OB intentou na High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division, uma acção de indemnização contra a APMSD. Na exposição dos factos que apresentou em 1 de Agosto de 2001, sustentou que a vacina tinha sido fabricada pela APMSD e que era defeituosa, pelo que pretendia que a responsabilidade dessa sociedade fosse apurada à luz do disposto na Lei de 1987.

21

Na sua contestação, apresentada em 29 de Novembro de 2001, a APMSD alegou que era apenas o distribuidor da vacina administrada a OB, e não o seu fabricante.

22

Em 17 de Abril de 2002, a APMSD respondeu a um pedido de confirmação da sua qualidade de fabricante reafirmando que não era o fabricante da vacina. Designou a Pasteur Mérieux como sendo esse fabricante, sem especificar que se tratava da antiga denominação da APSA.

23

Em 16 de Outubro de 2002, OB intentou na High Court of Justice uma acção de indemnização contra a APSA.

24

Admitindo embora que era o fabricante da vacina em causa, a APSA alegou que a acção dirigida contra si tinha prescrito, uma vez que o prazo de dez anos para intentar uma acção a título do disposto na Lei de 1987 expirara, em sua opinião, em 18 ou 22 de Setembro de 2002, consoante o ponto de partida desse prazo corresponda à data em que a referida vacina foi enviada pela APSA à Mérieux UK ou à data em que esta a recebeu.

25

Em 10 de Março de 2003, OB pediu que a APMSD fosse substituída pela APSA no processo instaurado contra aquela no mês de Novembro de 2000. Baseou este pedido no facto de, no momento da instauração desse processo, ter considerado, sem razão, que o fabricante da vacina em causa era a APMSD.

26

É pacífico que esse pedido de substituição foi apresentado após a extinção do prazo de dez anos previsto para instaurar um processo judicial contra o fabricante do produto alegadamente defeituoso.

27

A APSA sustentou que, na medida em que autoriza tal substituição após a extinção do referido prazo, o direito nacional não está em conformidade com a interpretação que se deve dar ao artigo 11.o da Directiva 85/374, o que OB contestou.

28

Por decisão de 18 de Novembro de 2003, entrada no Tribunal de Justiça em 8 de Março de 2004, a High Court of Justice apresentou um pedido de decisão prejudicial, ao qual o Tribunal de Justiça respondeu através do acórdão de 9 de Fevereiro de 2006, O’Byrne (C-127/04, Colect., p. I-1313).

29

A segunda e terceira questões submetidas pela High Court of Justice no processo que deu origem ao acórdão O’Byrne, já referido, estavam formuladas nos seguintes termos:

«2)

Se for proposta uma acção na qual se reivindicam os direitos conferidos ao demandante pela directiva, em relação a um produto alegadamente defeituoso, contra uma sociedade (A), no pressuposto erróneo de que A é o seu produtor, quando na realidade o produtor não foi A mas sim a sociedade (B), é lícito aos Estados-Membros conferirem aos seus tribunais, através das suas disposições nacionais, o poder discricionário de considerarem que a referida acção equivale a uma ‘acção judicial [intentada] contra o produtor’, na acepção do artigo 11.o da directiva?

3)

O artigo 11.o da directiva, correctamente interpretado, permite a um Estado-Membro conferir a um tribunal o poder discricionário de permitir que B substitua A na posição de demandado numa acção como a referida na segunda questão, supra (a seguir ‘acção relevante’), no caso de:

a)

ter expirado o prazo de dez anos a que se refere o artigo 11.o;

b)

a acção relevante ter sido proposta contra A antes do termo do prazo de dez anos; e

c)

não ter sido proposta uma acção contra B, relativamente ao produto que causou os danos alegados pelo demandante, antes do termo do prazo de dez anos?»

30

No acórdão O’Byrne, já referido, o Tribunal de Justiça respondeu a essas duas questões do seguinte modo:

«Quando é intentada uma acção contra uma sociedade erradamente considerada produtora de um produto, quando, na realidade, este foi fabricado por outra sociedade, compete, em princípio, ao direito nacional fixar as condições em que é possível proceder à substituição de uma parte por outra no âmbito de uma acção desta natureza. Um órgão jurisdicional nacional que examina as condições a que essa substituição está subordinada deve, porém, velar pelo respeito do âmbito de aplicação ratione personae da Directiva 85/374, conforme determinado pelos artigos 1.o e 3.o da mesma.»

31

Na sequência do acórdão O’Byrne, já referido, a High Court of Justice, em 20 de Outubro de 2006, deferiu o pedido de substituição apresentado por OB, pelo facto de que a APMSD tinha sido citada por erro, em lugar da APSA.

32

A APSA recorreu dessa decisão para a Court of Appeal. Em 9 de Outubro de 2007, esta negou provimento ao seu recurso.

33

Chamada a conhecer do recurso interposto pela APSA, a House of Lords decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É conforme com a [D]irectiva [85/374] o facto de [a legislação] de um Estado-Membro [permitir] a substituição por um novo demandado, numa acção proposta nos termos da [D]irectiva [85/374], após ter expirado o prazo de [dez] anos para o exercício dos direitos [conferidos ao lesado], previsto no […] artigo 11.o [da Directiva 85/374], em circunstâncias em que a única pessoa indicada como [demandado] na acção proposta durante esse período de [dez] anos não estava abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o da directiva?»

Quanto à questão prejudicial

34

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Directiva 85/374 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, no quadro de um processo judicial instaurado com base no regime de responsabilidade previsto pela referida directiva, autoriza a substituição de um demandado por um outro após o termo do prazo de dez anos fixado no artigo 11.o desta directiva, quando a pessoa designada como demandado nesse processo, antes do termo do referido prazo, não era abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva, como definido no seu artigo 3.o

35

A este respeito, há que recordar que, no n.o 34 do acórdão O’Byrne, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que, não se pronunciando a Directiva 85/374 sobre os mecanismos processuais que devem ser aplicados quando um lesado intenta uma acção de responsabilidade decorrente de um produto defeituoso e comete um erro relativo à pessoa do produtor, cabe, em princípio, ao direito processual nacional fixar as condições em que a substituição de uma parte por outra é susceptível de ocorrer no âmbito de tal acção.

36

Após ter recordado, no n.o 35 do acórdão O’Byrne, já referido, que, tendo em conta a harmonização total prosseguida pela Directiva 85/374 quanto aos pontos que ela regulamenta, a definição, dada nos artigos 1.o e 3.o dessa directiva, do círculo de responsáveis contra os quais o lesado tem o direito de intentar uma acção ao abrigo do regime de responsabilidade previsto pela directiva deve ser considerada exaustiva, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 38 desse acórdão, que um órgão jurisdicional nacional, quando examina as condições de tal substituição processual, deve velar por que o âmbito de aplicação ratione personae dessa directiva, tal como determinado pelo seu artigo 3.o, seja respeitado.

37

O artigo 11.o da Directiva 85/374 procede da mesma vontade de harmonização total, a nível comunitário, em matéria de prescrição dos direitos conferidos ao lesado em aplicação da referida directiva.

38

Esse artigo prevê um prazo uniforme de dez anos, no termo do qual esses direitos se extinguem. Fixa, de maneira imperativa, o ponto de partida do referido prazo na data em que o produtor colocou em circulação o produto que está na origem do dano. E estabelece como única causa de interrupção desse prazo a instauração de um processo judicial contra esse produtor.

39

Como resulta do décimo considerando da Directiva 85/374, a uniformização das regras de prescrição por ela prosseguida foi pretendida pelo legislador comunitário tanto no interesse do lesado como no do produtor.

40

Essa uniformização faz parte, por um lado, do objectivo geral, expresso no primeiro considerando da Directiva 85/374, que consiste em pôr termo à disparidade dos direitos nacionais susceptível de acarretar diferenças no nível de protecção dos consumidores no seio da Comunidade.

41

Nos termos do décimo primeiro considerando da Directiva 85/374, esta visa, por outro lado, circunscrever, à escala comunitária, a responsabilidade do produtor a um período de tempo razoável, tendo em conta a deterioração gradual dos produtos, o crescente rigor das normas de segurança e a constante melhoria dos conhecimentos científicos e técnicos.

42

Como expõe a advogada-geral nos n.os 49 e 50 das suas conclusões, a vontade do legislador comunitário de conter em limites temporais específicos o regime de responsabilidade objectiva instituído pela Directiva 85/374 pretende também ter em conta o facto de o referido regime comportar, para o produtor, um encargo superior ao de um regime tradicional de responsabilidade, e isto a fim de não entravar o desenvolvimento tecnológico e de preservar a susceptibilidade de cobertura pelo seguro dos riscos ligados a essa responsabilidade específica [v., neste sentido, ponto 3.2.4 do Relatório da Comissão, de 31 de Janeiro de 2001, sobre a aplicação da Directiva 85/374 em matéria responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, COM(2000) 893 final].

43

Daqui decorre que, sem prejuízo da eventual aplicação do direito da responsabilidade contratual ou extracontratual ou de um regime especial de responsabilidade existente no momento da notificação da Directiva 85/374, aplicação que esta não prejudica, como resulta do seu artigo 13.o e do seu décimo terceiro considerando, o «produtor», na acepção definida no artigo 3.o da referida directiva, é, nos termos do artigo 11.o desta directiva, exonerado da responsabilidade que para ele resulta da mesma directiva no termo do prazo de dez anos a contar da colocação em circulação do produto em causa, a menos que, no decurso desse prazo, tenha sido intentada uma acção judicial contra si.

44

Nestas condições, uma norma de direito nacional que autoriza a substituição de um demandado por outro no decurso de um processo judicial não poderá, à luz da Directiva 85/374, ser aplicada de forma a permitir chamar tal produtor, após a extinção do referido prazo, a intervir como demandado num processo instaurado dentro desse prazo contra outra pessoa que não seja ele.

45

Com efeito, a solução contrária equivaleria, por um lado, a admitir que o prazo de prescrição de dez anos fixado pelo artigo 11.o da Directiva 85/374 pudesse ser interrompido relativamente a esse produtor por outra causa que não fosse um processo judicial instaurado contra si, o que seria contrário à harmonização total prosseguida pela referida directiva quanto a esse ponto.

46

Semelhante solução conduziria, por outro lado, a dilatar a duração do prazo de prescrição relativamente a tal produtor, subvertendo as previsões deste quanto à data exacta em que deveria, em aplicação do artigo 11.o da Directiva 85/374, ter sido exonerado da sua responsabilidade por força da referida directiva, o que seria contrário não somente à uniformização da duração desse prazo pretendida pelo legislador comunitário mas também à segurança jurídica que o referido artigo 11.o pretende proporcionar ao produtor no quadro do regime de responsabilidade objectiva instituído por esta directiva.

47

Importa recordar, quanto a este último ponto, que, segundo jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica, que tem por corolário o princípio da protecção da confiança legítima, exige, nomeadamente, que a aplicação das normas jurídicas seja previsível para os sujeitos de direito, revestindo esse imperativo uma importância especial quando se trata de uma regulamentação susceptível de comportar encargos financeiros, para permitir aos interessados conhecer com exactidão a extensão das obrigações que ela lhes impõe (v. acórdão de 10 de Setembro de 2009, Plantanol, C-201/08, Colect., p. I-8343, n.o 46 e jurisprudência referida).

48

Deve ainda acrescentar-se que elementos subjectivos, relativos, por exemplo, à atribuição errada, pelo lesado, da qualidade de fabricante do produto alegadamente defeituoso a uma sociedade que o não é, ou ainda à intenção real do lesado de processar, através da acção que intentou contra essa outra sociedade, o referido fabricante, não poderão, sem ignorar a dimensão objectiva das normas de harmonização editadas pela Directiva 85/374, justificar a substituição, após o termo do prazo de dez anos fixado no seu artigo 11.o, do demandado por esse fabricante num processo judicial instaurado durante esse prazo contra outra pessoa que não este último (v., neste sentido, acórdão O’Byrne, já referido, n.o 26, e, por analogia, acórdão de 17 de Julho de 2008, Comissão/Cantina sociale di Dolianova e o., C-51/05 P, Colect., p. I-5341, n.os 59 a 63).

49

Em face do que precede, o artigo 11.o da Directiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que opõe-se a que uma legislação nacional que autoriza a substituição de um demandado por outro no decurso de um processo judicial seja aplicada de forma a permitir chamar, após o termo do prazo que esse artigo fixa, um «produtor», na acepção do artigo 3.o desta directiva, a intervir como demandado num processo judicial instaurado dentro desse prazo contra outra pessoa que não seja ele.

50

Todavia, o Tribunal de Justiça, chamado a conhecer de um pedido de decisão prejudicial, é competente para, tendo presentes os elementos constantes dos autos, aduzir precisões com vista a guiar o órgão jurisdicional na solução do litígio no processo principal (v., neste sentido, acórdãos de 12 de Setembro de 2000, Geffroy, C-366/98, Colect., p. I-6579, n.o 20, e de 10 de Setembro de 2009, Severi, C-446/07, Colect., p. I-8041, n.o 60).

51

A este propósito, importa salientar, em primeiro lugar, que resulta do pedido de decisão prejudicial que a APMSD (anteriormente Mérieux UK), que em 1992 forneceu ao sistema de saúde britânico a vacina administrada a OB, era, nessa época, uma filial detida a 100% pela APSA (anteriormente Pasteur Mérieux).

52

Em tal contexto, cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, em conformidade com as regras de direito nacional aplicáveis em matéria de produção da prova, se a colocação em circulação do produto em causa foi de facto determinada pela sociedade-mãe que o fabricou.

53

Se o órgão jurisdicional nacional chegar a esta conclusão, o artigo 11.o da Directiva 85/374 não se opõe a que o mesmo órgão jurisdicional considere que, no processo judicial instaurado, no prazo fixado nesse artigo, contra a filial, ao abrigo do regime de responsabilidade previsto pela referida directiva, a sociedade-mãe, «produtor» na acepção do artigo 3.o, n.o 1, desta directiva, possa substituir essa filial.

54

Em segundo lugar, tendo em conta o facto, anteriormente salientado no n.o 51 do presente acórdão, de a APMSD ser o fornecedor da vacina administrada a OB, há que recordar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 3, da Directiva 85/374, quando não puder ser identificado o produtor, o fornecedor do produto será considerado como produtor, salvo se indicar ao lesado, num prazo razoável, a identidade do produtor ou do seu próprio fornecedor.

55

Como foi sublinhado tanto pela Comissão Europeia como pela advogada-geral no n.o 97 das suas conclusões, deve compreender-se essa disposição no sentido de que visa a hipótese de, tidas em conta as circunstâncias do caso concreto, o lesado pelo produto alegadamente defeituoso não ter razoavelmente podido identificar o produtor desse produto antes de exercer os seus direitos contra o seu fornecedor, o que, no presente processo, caberá, sendo esse o caso, ao órgão jurisdicional nacional verificar.

56

Em tal hipótese, decorre do artigo 3.o, n.o 3, da Directiva 85/374 que o fornecedor deve ser considerado como «produtor» se não indicou ao lesado, num prazo razoável, a identidade do produtor ou do seu próprio fornecedor.

57

A este propósito, cumpre antes de mais declarar que o simples facto de o fornecedor do produto em causa negar ser o seu fabricante não pode, excepto se esse fornecedor tiver feito acompanhar essa negação da indicação da identidade do produtor ou do seu próprio fornecedor, bastar para considerar que o referido fornecedor comunicou ao lesado a indicação mencionada no artigo 3.o, n.o 3, da Directiva 85/374 nem, portanto, para excluir que possa ser considerado como um «produtor» em virtude dessa disposição.

58

Em seguida, importa sublinhar que a condição relativa ao fornecimento de tal indicação num «prazo razoável», na acepção do artigo 3.o, n.o 3, da Directiva 85/374, implica a obrigação de o fornecedor citado judicialmente por um lesado comunicar a este, por sua própria iniciativa e de forma diligente, a identidade do produtor ou do seu próprio fornecedor.

59

No processo principal, caberá, sendo esse o caso, ao órgão jurisdicional nacional verificar, tendo presentes as circunstâncias do caso em apreço, se a APMSD cumpriu ou não essa obrigação, tendo em conta, nomeadamente, a circunstância particular de a APMSD, enquanto filial da APSA que a esta comprou directamente a vacina em causa, conhecer necessariamente a identidade do produtor dessa vacina no momento em que OB a fez citar judicialmente.

60

Se as eventuais verificações do órgão jurisdicional nacional o levarem a concluir pela reunião das condições de aplicação do artigo 3.o, n.o 3, da Directiva 85/374, a APMSD deverá ser considerada como «produtor», para efeitos da aplicação da referida directiva. Poder-se-á então considerar que o processo judicial instaurado, no mês de Novembro de 2000, por OB contra essa sociedade ao abrigo do regime de responsabilidade previsto pela mesma directiva, em conformidade com o disposto no artigo 11.o desta, interrompeu o prazo de prescrição a seu respeito.

61

Em contrapartida, pelas razões expostas nos n.os 37 a 47 do presente acórdão, tal conclusão, da mesma forma, aliás, que a conclusão inversa, não autorizará, sob pena de infringir a Directiva 85/374, a acolher o pedido de substituição da APMSD pela APSA no referido processo, tendo em conta o facto de o dito pedido ter sido apresentado por OB após o termo do prazo de que este dispunha, por força do artigo 11.o da Directiva 85/374, para fazer valer os seus direitos contra a APSA ao abrigo da referida directiva, como foi recordado no n.o 26 do presente acórdão.

62

Tendo em conta o conjunto das considerações que precedem, deve responder-se à questão submetida que o artigo 11.o da Directiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que opõe-se a que uma legislação nacional que autoriza a substituição de um demandado por outro no decurso de um processo judicial seja aplicada de forma a permitir chamar, após o termo do prazo que esse artigo fixa, um «produtor», na acepção do artigo 3.o desta directiva, a intervir como demandado num processo judicial instaurado dentro desse prazo contra outra pessoa que não seja ele.

63

Todavia, por um lado, o referido artigo 11.o deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o órgão jurisdicional nacional considere que, no processo judicial instaurado, dentro do prazo que esse artigo fixa, contra a filial a 100% do «produtor», na acepção do artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 85/374, essa filial possa ser substituída pelo referido produtor se o mesmo órgão jurisdicional apurar que a colocação em circulação do produto em causa foi de facto determinada por esse produtor.

64

Por outro lado, o artigo 3.o, n.o 3, da Directiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que, quando o lesado por um produto alegadamente defeituoso não tenha podido razoavelmente identificar o produtor do referido produto antes de exercer os seus direitos contra o fornecedor deste, o mesmo fornecedor deve ser considerado como «produtor» para efeitos, nomeadamente, da aplicação do artigo 11.o da referida directiva, se não comunicou ao lesado, por sua própria iniciativa e de forma diligente, a identidade do produtor ou do seu próprio fornecedor, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar tendo presentes as circunstâncias do caso concreto.

Quanto às despesas

65

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 11.o da Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, deve ser interpretado no sentido de que opõe-se a que uma legislação nacional que autoriza a substituição de um demandado por outro no decurso de um processo judicial seja aplicada de forma a permitir chamar, após o termo do prazo que esse artigo fixa, um «produtor», na acepção do artigo 3.o dessa directiva, a intervir como demandado num processo judicial instaurado dentro desse prazo contra outra pessoa que não seja ele.

 

Todavia, por um lado, o referido artigo 11.o deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o órgão jurisdicional nacional considere que, no processo judicial instaurado, dentro do prazo que esse artigo fixa, contra a filial a 100% do «produtor», na acepção do artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 85/374, essa filial possa ser substituída pelo referido produtor se o mesmo órgão jurisdicional apurar que a colocação em circulação do produto em causa foi de facto determinada por esse produtor.

 

Por outro lado, o artigo 3.o, n.o 3, da Directiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que, quando o lesado por um produto alegadamente defeituoso não tenha podido razoavelmente identificar o produtor do referido produto antes de exercer os seus direitos contra o fornecedor deste, o mesmo fornecedor deve ser considerado como «produtor» para efeitos, nomeadamente, da aplicação do artigo 11.o da referida directiva, se não comunicou ao lesado, por sua própria iniciativa e de forma diligente, a identidade do produtor ou do seu próprio fornecedor, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar tendo presentes as circunstâncias do caso concreto.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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