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Documento 62006CJ0412

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 10 de Abril de 2008.
Annelore Hamilton contra Volksbank Filder eG.
Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Stuttgart - Alemanha.
Protecção dos consumidores - Contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais - Directiva 85/577/CEE - Artigos 4.º, primeiro parágrafo, e 5.º, n.º 1 - Contrato de crédito de longa duração - Direito de rescisão.
Processo C-412/06.

Colectânea de Jurisprudência 2008 I-02383

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2008:215

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de Abril de 2008 ( *1 )

«Protecção dos consumidores — Contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais — Directiva 85/577/CEE — Artigos 4.o, primeiro parágrafo, e 5.o, n.o 1 — Contrato de crédito de longa duração — Direito de rescisão»

No processo C-412/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Oberlandesgericht Stuttgart (Alemanha), por decisão de 2 de Outubro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de Outubro de 2006, no processo

Annelore Hamilton

contra

Volksbank Filder eG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Tizzano, A. Borg Barthet, M. Ilešič (relator) e E. Levits, juízes,

advogado-geral: M. Poiares Maduro,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Setembro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A. Hamilton, por K.-O. Knops, Rechtsanwalt,

em representação do Volksbank Filder eG, por M. Siegmann e J. Höger, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por M. Lumma e A. Günther, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por E. Ośniecka-Tamecka, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Aresu e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 21 de Novembro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131; a seguir «directiva relativa à venda ao domicílio»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. Hamilton ao Volksbank Filder eG (a seguir «Volksbank») a propósito de um pedido de anulação de um contrato de crédito e de reembolso dos juros pagos.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3

O quarto considerando da directiva relativa à venda ao domicílio enuncia:

«[…] os contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais do comerciante se caracterizam pelo facto de a iniciativa das negociações provir normalmente do comerciante e que o consumidor não está, de forma nenhuma, preparado para tais negociações e que foi apanhado desprevenido; […] muitas vezes, o consumidor nem mesmo pode comparar a qualidade e o preço da oferta com outras ofertas; […] este elemento surpresa é tomado em linha de conta, não apenas nos contratos celebrados por venda ao domicílio mas também noutras formas de contrato em que o comerciante toma a iniciativa de vender fora dos estabelecimentos comerciais».

4

Nos termos do quinto considerando desta directiva:

«[…] é necessário conceder ao consumidor um direito de resolução por um período de pelo menos sete dias, a fim de lhe ser dada a possibilidade de avaliar as obrigações que decorrem do contrato».

5

O artigo 1.o, n.o 1, da referida directiva dispõe:

«A presente directiva é aplicável aos contratos celebrados entre um comerciante que forneça bens ou serviços e um consumidor:

[…]

durante uma visita do comerciante:

i)

a casa do consumidor […];

[…]

quando a visita não se efectua a pedido expresso do consumidor.»

6

O artigo 4.o da mesma directiva enuncia:

«Nos casos das transacções referidas no artigo 1.o, o comerciante deve informar por escrito o consumidor do direito que lhe assiste de rescindir o contrato nos prazos fixados no artigo 5.o, bem como do nome e da direcção da entidade junto da qual esse direito pode ser exercido.

Esta informação é datada e menciona os elementos que permitem identificar o contrato. Deve ser fornecida ao consumidor:

a)

no caso previsto no n.o 1 do artigo 1.o, na altura da celebração do contrato;

[…]

Os Estados-Membros velam por que a respectiva legislação nacional preveja medidas adequadas para protecção do consumidor nos casos em que não seja fornecida a informação prevista no presente artigo.»

7

O artigo 5.o da directiva relativa à venda ao domicílio prevê:

«1.   O consumidor tem o direito de renunciar aos efeitos do compromisso que assumiu desde que envie uma notificação, no prazo de pelo menos sete dias a contar da data em que recebeu a informação referida no artigo 4.o, em conformidade com as modalidades e condições prescritas pela legislação nacional. […]

2.   A notificação feita desvincula o consumidor de qualquer obrigação decorrente do contrato rescindido.»

8

Nos termos do artigo 7.o da referida directiva:

«Caso o consumidor exerça o direito de renúncia, os efeitos jurídicos dessa renúncia são regulados de acordo com a legislação nacional, nomeadamente no que respeita ao reembolso de pagamentos aferentes a bens ou prestações de serviços, assim como à restituição de mercadorias recebidas.»

9

O artigo 8.o da mesma directiva dispõe:

«A presente directiva não impede os Estados-Membros de adoptarem ou manterem disposições mais favoráveis à protecção do consumidor no domínio por ela abrangido.»

Legislação nacional

10

O § 2, n.o 1, quarta frase, da Lei relativa à rescisão de contratos celebrados por venda ao domicílio e de transacções similares (Gesetz über den Widerruf von Haustürgeschäften und ähnlichen Geschäften), de 16 de Janeiro de 1986 (BGBl. I 1986, p. 122), na sua versão aplicável ao processo principal, prevê:

«Na falta de comunicação desta, o direito de rescisão [(‘Widerruf’)] do cliente só se extingue um mês depois de ambas as partes terem cumprido todas as suas obrigações.»

11

Para efeitos da aplicação desta disposição, uma informação incorrecta equivale a uma falta de informação.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

A. Hamilton assinou, em 17 de Novembro de 1992, um contrato de crédito no seu domicílio com o banco ao qual o Volksbank sucedeu, a fim de financiar a aquisição de unidades de participação num fundo imobiliário (a seguir «contrato de crédito em causa»).

13

Este contrato continha, nos termos da Lei relativa ao crédito ao consumo (Verbraucherkreditgesetz), de 17 de Dezembro de 1990 (BGBl. I 1990, p. 2840), a informação relativa ao direito de rescisão segundo a qual «[s]e o mutuário tiver recebido o empréstimo, considera-se não ter havido rescisão se este não reembolsar o montante do empréstimo nas duas semanas seguintes à declaração de rescisão ou à entrega do montante mutuado».

14

Em 16 de Dezembro de 1992, os empregados do banco ao qual o Volksbank sucedeu assinaram o referido contrato e o mesmo banco entregou o montante do empréstimo a A. Hamilton, que começou, seguidamente, a pagar os respectivos juros.

15

Tendo a sociedade gestora do fundo imobiliário em que A. Hamilton adquiriu unidades de participação declarado falência em 1997, os rendimentos mensais desse fundo, que cobriam uma parte substancial dos juros devidos por força do contrato de crédito em causa, diminuíram consideravelmente. Então, A. Hamilton decidiu proceder ao reescalonamento da sua dívida através da celebração de um contrato de poupança para construção e da contracção de um empréstimo intercalar, de forma que, no fim do mês de Abril de 1998, tinha reembolsado na totalidade o empréstimo ao banco ao qual o Volksbank sucedeu, que, consequentemente, restituiu as garantias fornecidas para esse empréstimo.

16

Em 16 de Maio de 2002, A. Hamilton, com base no acórdão de 13 de Dezembro de 2001, Heininger (C-481/99, Colect., p. I-9945), rescindiu o contrato de crédito em causa.

17

Em 27 de Dezembro de 2004, A. Hamilton intentou uma acção contra o Volksbank, a fim de obter, por um lado, o reembolso dos juros pagos por força do contrato de crédito em causa e do montante do empréstimo concedido nos termos desse contrato e, por outro, uma indemnização pelos juros pagos à caixa com a qual celebrou o contrato de poupança para construção.

18

Segundo o Oberlandesgericht Stuttgart, o contrato de crédito em causa está incluído no âmbito de aplicação do artigo 1.o, n.o 1, segundo travessão, alínea i), da directiva relativa à venda ao domicílio, pois A. Hamilton negociou-o e assinou-o no seu domicílio.

19

O Oberlandesgericht Stuttgart interroga-se, assim, sobre se as disposições do artigo 2.o, n.o 1, quarta frase, da lei relativa à rescisão de contratos celebrados por venda ao domicílio e de transacções similares podem ser consideradas «medidas para protecção do consumidor», pois prevêem, num caso como o do litígio no processo principal, a extinção do direito de rescisão.

20

Nestas condições, o Oberlandesgericht Stuttgart decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 4.o, [primeiro parágrafo], e o artigo 5.o, n.o 1, da [directiva relativa à venda ao domicílio] podem ser interpretados no sentido de que o legislador nacional pode limitar no tempo o exercício do direito de rescisão, consagrado no artigo 5.o da directiva, prevendo que tal direito se extinga um mês depois de ambas as partes terem cumprido a totalidade das suas obrigações decorrentes do contrato, mesmo que o consumidor não tenha sido correctamente informado?

Caso o Tribunal de Justiça responda pela negativa à primeira questão prejudicial:

2)

A [directiva relativa à venda ao domicílio] deve ser interpretada no sentido de que o consumidor não pode perder o direito de rescisão — em especial após a execução do contrato — quando não tenha recebido a informação nos termos do artigo 4.o, [primeiro parágrafo], da directiva?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

21

O Volksbank tem dúvidas quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, pois, no seu entender, o contrato de crédito em causa não foi celebrado numa situação de venda ao domicílio. Sustenta, por conseguinte, que as questões submetidas são hipotéticas.

22

Pelo contrário, a Comissão das Comunidades Europeias considera que o pedido de decisão prejudicial consiste em convidar o Tribunal de Justiça a apurar se, depois de A. Hamilton ter rescindido o contrato de crédito em causa ao proceder ao reembolso antecipado do empréstimo, é possível uma nova rescisão desse contrato. A Comissão precisa a esse respeito, referindo-se especialmente aos n.os 35 e 69 a 70, respectivamente, do acórdão Heininger, já referido, e do acórdão de 25 de Outubro de 2005, Schulte (C-350/03, Colect., p. I-9215), bem como ao n.o 34 da decisão de reenvio, que, se a questão da rescisão de um contrato de crédito imobiliário fizer parte do âmbito de aplicação da directiva relativa à venda ao domicílio, as consequências dessa rescisão, em contrapartida, são reguladas pelo direito nacional, que deve, agora, ser interpretado, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da referida directiva. Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é, segundo a Comissão, admissível.

23

A este respeito, importa recordar que compete exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta a especificidade de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que apresenta ao Tribunal de Justiça. No entanto, o Tribunal de Justiça considerou não poder pronunciar-se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando é manifesto, designadamente, que a interpretação do direito comunitário, solicitada pelo órgão jurisdicional nacional, não tem qualquer relação com a realidade ou com o objectivo do litígio no processo principal ou quando o problema é hipotético (v. acórdão Schulte, já referido, n.o 43 e jurisprudência aí referida).

24

Ora, por um lado, incidindo as questões prejudiciais no presente processo sobre a interpretação da directiva relativa à venda ao domicílio e, por outro, fazendo o contrato de crédito em causa parte do âmbito de aplicação do artigo 1.o, n.o 1, segundo travessão, alínea i), da referida directiva, como se recordou no n.o 18 do presente acórdão, não se pode afirmar que as questões prejudiciais sejam manifestamente hipotéticas ou que não tenham relação com a realidade e o objecto do litígio no processo principal.

25

Por conseguinte, há que declarar que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

26

A. Hamilton alega que o consumidor que não foi correctamente informado do seu direito de rescisão não adquire conhecimento do mesmo nem através do cumprimento total das suas obrigações nem no prazo de um mês após este cumprimento. Assim, a legislação nacional em causa no processo principal não constitui uma medida adequada para protecção do consumidor. Acrescenta que a directiva relativa à venda ao domicílio prevê que o consumidor deve ser informado pelo comerciante do seu direito de rescisão e que o prazo de, pelo menos, sete dias previsto no artigo 5.o, n.o 1, da referida directiva só começa a correr a partir do momento em que o consumidor recebe do comerciante a informação relativa a esse direito.

27

O Volksbank sustenta que as medidas adequadas para protecção do consumidor são, de acordo com o artigo 4.o, terceiro parágrafo, da directiva relativa à venda ao domicílio, as que podem subtrair o consumidor aos riscos inerentes ao investimento financeiro, independentemente de uma rescisão do contrato celebrado ao domicílio.

28

De qualquer forma, o Volksbank alega, por um lado, que o acórdão Heininger, já referido, diz respeito aos créditos imobiliários e não aos contratos de crédito como o que está em causa no processo principal e, por outro, que o prazo de exercício do direito de rescisão corre, no processo principal, a partir do cumprimento total do contrato de crédito em causa e não a partir da sua celebração, como foi o caso no processo que deu origem ao referido acórdão.

29

O Governo alemão salienta, por um lado, que, uma vez que a relação contratual em causa no processo principal, de uma duração de cerca de seis anos, se desenrolou correctamente, o comerciante deve poder considerar, no fim do cumprimento do contrato e após o termo do prazo de um mês seguinte a esse cumprimento, que essa relação já não pode ser objecto de uma contestação. Por outro lado, a legislação nacional em causa no processo principal confere ao consumidor tempo suficiente, designadamente, durante toda a vigência do contrato e durante um mês após o cumprimento total do mesmo, para decidir sobre a rescisão do contrato celebrado ao domicílio. Além disso, a limitação desse direito de rescisão no tempo está igualmente prevista em algumas outras directivas que visam proteger o consumidor.

30

O Governo polaco salienta que a limitação no tempo do direito de rescisão no caso dos contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais, apesar da falta de informação ou de uma informação incorrecta sobre o exercício desse direito, não é, em princípio, contrária à directiva relativa à venda ao domicílio. Esta limitação deve, contudo, ser tratada de forma a permitir ao consumidor tomar conhecimento dos seus direitos através de informações diferentes das transmitidas pelo comerciante. Segundo o referido governo, essa limitação, que também inclui a definição do período durante o qual o direito de rescisão pode ser exercido, deve ser prevista, de acordo com o artigo 4.o, terceiro parágrafo, da directiva relativa à venda ao domicílio, pela legislação nacional de cada Estado-Membro.

31

A Comissão alega, no essencial, que, embora seja ilícito, nos termos do acórdão Heininger, já referido, limitar no tempo o direito de rescisão a partir da celebração do contrato, a legislação em causa no processo principal visa, pelo contrário, uma limitação desse direito no tempo a partir do cumprimento total do referido contrato.

Resposta do Tribunal de Justiça

32

Antes de mais, cumpre observar que a directiva relativa à venda ao domicílio tem como objectivo principal proteger o consumidor contra o risco que decorre das circunstâncias típicas da celebração de um contrato fora dos estabelecimentos comerciais (v., neste sentido, acórdão Schulte, já referido, n.o 66).

33

Assim, o quinto considerando da directiva relativa à venda ao domicílio precisa que é necessário conceder ao consumidor um direito de resolução por um período de, pelo menos, sete dias, a fim de lhe ser dada a possibilidade de avaliar as obrigações que decorrem do contrato. O facto de o prazo mínimo de sete dias dever ser calculado a contar da data em que o consumidor recebeu do comerciante a informação relativa a esse direito explica-se pela consideração de que o consumidor, não tendo conhecimento da existência de um direito de rescisão, se encontra na impossibilidade de o exercer (acórdão Heininger, já referido, n.o 45).

34

Contudo, há que observar, por um lado, que, segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, A. Hamilton recebeu do Volksbank uma informação errada relativa ao seu direito de rescisão do contrato de crédito em causa, de forma que ficou, segundo as suas observações escritas, privada da possibilidade de exercer esse direito, e, por outro, que as partes no processo principal cumpriram o referido contrato na totalidade.

35

Como observou o advogado-geral nos n.os 18 e 19 das suas conclusões, a comunicação por escrito ao consumidor de uma informação errada relativa ao exercício do direito de rescisão deve ser equiparada à falta de toda e qualquer informação a esse respeito, uma vez que estas duas circunstâncias induzem de igual forma o consumidor em erro quanto ao seu direito de rescisão.

36

Para essas situações, a directiva relativa à venda ao domicílio prevê, no seu artigo 4.o, terceiro parágrafo, que «[o]s Estados-Membros velam por que a respectiva legislação nacional preveja medidas adequadas para protecção do consumidor».

37

Consequentemente, no processo principal, coloca-se a questão de saber se uma medida segundo a qual o direito de rescisão previsto no artigo 5.o, n.o 1, da referida directiva se extingue um mês após o cumprimento pelas partes da totalidade das obrigações decorrentes de um contrato de crédito de longa duração, quando o consumidor tenha recebido uma informação errada relativamente ao exercício do referido direito, pode, contudo, ser considerada uma medida adequada a proteger o consumidor, na acepção do artigo 4.o, terceiro parágrafo, da mesma directiva.

38

A este respeito, há que observar que o conceito de «medidas adequadas para protecção do consumidor», que o artigo 4.o, terceiro parágrafo, da directiva relativa à venda ao domicílio refere, indica que o legislador comunitário quis dar a essas medidas um alcance uniforme ao nível comunitário.

39

Além disso, o termo «adequadas», na referida disposição, indica que as referidas medidas não visam uma protecção absoluta dos consumidores. Com efeito, a margem de apreciação de que os Estados-Membros dispõem deve ser exercida em conformidade tanto com o objectivo principal da directiva relativa à venda ao domicílio como com as outras disposições da mesma.

40

Embora seja verdade, conforme recordado no n.o 32 do presente acórdão, que a directiva relativa à venda ao domicílio tem por objectivo principal a protecção do consumidor, há que salientar que tanto a economia geral como a redacção de diversas disposições dessa directiva indicam que a referida protecção está sujeita a certos limites.

41

Assim, no que diz respeito, mais especificamente, ao objectivo do prazo de rescisão, o quinto considerando da referida directiva prevê, conforme recordado no n.o 33 do presente acórdão, que esse prazo confere ao consumidor a «possibilidade de avaliar as obrigações que decorrem do contrato» celebrado ao domicílio. Com efeito, a referência, no referido considerando, ao conceito de «obrigações que decorrem do contrato» indica que o consumidor pode rescindir esse contrato enquanto este durar.

42

De igual modo, a disposição que regula o exercício do direito de rescisão, ou seja, o artigo 5.o, n.o 1, da directiva relativa à venda ao domicílio, prevê, entre outros, que «[o] consumidor tem o direito de renunciar aos efeitos do compromisso que assumiu». Com efeito, a utilização, nessa disposição, da palavra «compromisso» indica, tal como o Volksbank alegou na audiência no Tribunal de Justiça, que o direito de rescisão pode ser exercido, a menos que não exista para o consumidor, no momento do exercício do referido direito, nenhum compromisso decorrente do contrato denunciado. Esta lógica resulta de um dos princípios gerais do direito civil, a saber, que o cumprimento total de um contrato resulta, regra geral, da realização das prestações mútuas das partes desse contrato e da finalidade do mesmo.

43

Além do mais, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da mesma directiva, que regula as consequências do exercício do direito de rescisão, a notificação da rescisão tem por efeito desvincular o consumidor de «qualquer obrigação decorrente do contrato rescindido». A referência ao conceito de «obrigação», na referida disposição, indica que a existência das referidas consequências pressupõe que o consumidor tenha exercido o seu direito de rescisão à luz de um contrato ainda em fase de cumprimento, ao passo que após o cumprimento total do contrato já não existe obrigação.

44

Por outro lado, no que diz respeito aos efeitos jurídicos da rescisão, designadamente no que concerne ao reembolso dos pagamentos relativos aos bens ou às prestações de serviços e à restituição de mercadorias, o artigo 7.o da directiva relativa à venda ao domicílio remete para a legislação nacional.

45

Daqui resulta que constitui uma «medid[a] adequad[a]», na acepção do artigo 4.o, terceiro parágrafo, da directiva relativa à venda ao domicílio, uma medida que prevê que o cumprimento pelas partes da totalidade das obrigações decorrentes de um contrato de crédito de longa duração conduz à extinção do direito de rescisão.

46

Esta interpretação não é infirmada pelos acórdãos Heininger e Schulte, já referidos, e de 25 de Outubro de 2005, Crailsheimer Volksbank (C-229/04, Colect., p. I-9273). Efectivamente, resulta dos n.os 16 e 18 do acórdão Heininger, já referido, n.o 26 do acórdão Schulte, já referido, e n.o 24 do acórdão Crailsheimer Volksbank, já referido, que a interpretação da directiva relativa à venda ao domicílio feita pelo Tribunal de Justiça nesses acórdãos diz respeito aos contratos de crédito que não foram totalmente cumpridos. Ora, não é esse o caso no processo principal.

47

No que diz respeito, mais especificamente, ao acórdão Heininger, já referido, o Tribunal de Justiça declarou, nesse acórdão, que a directiva relativa à venda ao domicílio se opõe a que o legislador nacional aplique o prazo de um ano, a contar da celebração do contrato, para o exercício do direito de rescisão instituído pelo artigo 5.o dessa directiva, quando o consumidor não tenha recebido a informação prevista no artigo 4.o da referida directiva. Ora, como o Volksbank, o Governo alemão e a Comissão alegam, com razão, não é esse o caso no processo principal. Com efeito, neste, o legislador nacional aplica um prazo de um mês a partir da execução completa pelas partes contratantes das obrigações decorrentes de um contrato.

48

No que concerne ao referido prazo de um mês previsto na legislação nacional em causa no processo principal, há que recordar que, nos termos do artigo 8.o da directiva relativa à venda ao domicílio, esta não se opõe a que os Estados-Membros adoptem ou mantenham disposições ainda mais favoráveis em matéria de protecção dos consumidores no domínio por si coberto.

49

Em face do exposto, deve responder-se à primeira questão submetida que a directiva relativa à venda ao domicílio deve ser interpretada no sentido de que o legislador nacional pode prever que o direito de rescisão instituído no artigo 5.o, n.o 1, desta directiva pode ser exercido, o mais tardar, um mês após o cumprimento pelas partes contratantes da totalidade das obrigações decorrentes de um contrato de crédito de longa duração, quando o consumidor tenha recebido uma informação errada sobre as modalidades de exercício do referido direito.

50

Atendendo à resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda questão.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

A Directiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais, deve ser interpretada no sentido de que o legislador nacional pode prever que o direito de rescisão instituído no artigo 5.o, n.o 1, desta directiva pode ser exercido, o mais tardar, um mês após o cumprimento pelas partes contratantes da totalidade das obrigações decorrentes de um contrato de crédito de longa duração, quando o consumidor tenha recebido uma informação errada sobre as modalidades de exercício do referido direito.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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