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Documento 62005CJ0127

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 14 de Junho de 2007.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
Incumprimento de Estado - Política social - Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores - Directiva 89/391/CEE - Artigo 5.º, n.º 1 - Obrigação de a entidade patronal garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho - Responsabilidade da entidade patronal.
Processo C-127/05.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-04619

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2007:338

Processo C‑127/05

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

«Incumprimento de Estado – Política social – Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores – Directiva 89/391/CEE – Artigo 5.°, n.° 1 – Obrigação de a entidade patronal garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho – Responsabilidade da entidade patronal»

Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi apresentadas em 18 de Janeiro de 2007 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 14 de Junho de 2007 

Sumário do acórdão

Política social – Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores – Directiva 89/391 relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho

(Directiva 89/391 do Conselho, artigos 5.º, n.os 1 e 4, e 6.º a 12.º)

A Comissão não demonstrou com força jurídica bastante que, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.°, n.os 1 e 4, da Directiva 89/391 relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, ao limitar à medida do razoavelmente praticável a obrigação de a entidade patronal garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho.

Com efeito, quanto ao âmbito da responsabilidade da entidade patronal pelos danos causados à saúde e à segurança dos trabalhadores, o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391, sujeita a entidade patronal à obrigação de assegurar aos trabalhadores um ambiente de trabalho seguro, cujo conteúdo é especificado nos artigos 6.° a 12.° da referida directiva e em várias directivas especiais que prevêem medidas de prevenção a serem adoptadas em determinados sectores de produção específicos. Esta disposição limita‑se, com efeito, a consagrar a obrigação geral de segurança que recai sobre a entidade patronal, sem se pronunciar sobre qualquer tipo de responsabilidade e, em especial, sobre a responsabilidade objectiva.

O n.° 4, primeiro parágrafo, do artigo 5.° da Directiva 89/391 que prevê a faculdade de os Estados‑Membros limitarem a responsabilidade das entidades patronais «relativamente a factos devidos a circunstâncias que lhes são estranhas, anormais e imprevisíveis ou a acontecimentos excepcionais, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências empreendidas nesse sentido», visa clarificar o alcance de algumas disposições da referida directiva, precisando a margem de manobra de que dispõem os Estados‑Membros na sua transposição para o direito interno. Em contrapartida, não pode ser deduzida desta disposição, com base numa interpretação a contrario, a intenção de o legislador comunitário impor aos Estados‑Membros a obrigação de preverem um regime de responsabilidade objectiva da entidade patronal.

(cf. n.os 41‑42, 48‑49, 58)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

14 de Junho de 2007 (*)

«Incumprimento de Estado – Política social – Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores – Directiva 89/391/CEE – Artigo 5.°, n.° 1 – Obrigação de a entidade patronal garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho – Responsabilidade da entidade patronal»

No processo C‑127/05,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 21 de Março de 2005,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M.‑J. Jonczy e N. Yerrell, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por C. Gibbs, na qualidade de agente, assistida por D. Anderson, QC, e D. Barr, barrister,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, A. Tizzano, A. Borg Barthet (relator), U. Lõhmus e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Setembro de 2006,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de Janeiro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1       Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao limitar a obrigação de a entidade patronal garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho à obrigação de o fazer apenas «na medida em que seja razoavelmente praticável», o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.°, n.os 1 e 4, da Directiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO L 183, p. 1).

 Quadro jurídico

 Legislação comunitária

2       O décimo considerando da Directiva 89/391 prevê:

«[…] que devem ser sem demora adoptadas ou aperfeiçoadas medidas preventivas com o objectivo de preservar a segurança e a saúde dos trabalhadores, por forma a assegurar um melhor nível de protecção».

3       Nos termos do décimo terceiro considerando desta directiva:

«[…] a melhoria da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores no trabalho constitui um objectivo que não pode subordinar‑se a considerações de ordem puramente económica».

4       A referida directiva inclui, na secção I, que tem por epígrafe «Disposições gerais», um artigo 1.°, que dispõe:

«1.      A presente directiva tem por objecto a execução de medidas destinadas a promover o melhoramento da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho.

2.      Para esse efeito, a presente directiva inclui princípios gerais relativos à prevenção dos riscos profissionais e à protecção da segurança e da saúde, à eliminação dos factores de risco e de acidente, à informação, à consulta, à participação, de acordo com as legislações e/ou práticas nacionais, à formação dos trabalhadores e seus representantes, assim como linhas gerais para a aplicação dos referidos princípios.

3.      A presente directiva não prejudica as disposições nacionais e comunitárias, existentes ou futuras, mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho.»

5       O artigo 4.° da Directiva 89/391 prevê:

«1.      Os Estados‑Membros adoptarão as disposições necessárias para garantir que as entidades patronais, os trabalhadores e os representantes dos trabalhadores sejam submetidos às disposições jurídicas necessárias à aplicação da presente directiva.

2.      Os Estados‑Membros garantirão, designadamente, um controlo e uma fiscalização adequados.»

6       Esta directiva inclui, na secção II, que tem por epígrafe «Obrigações das entidades patronais», um artigo 5.° com o seguinte teor:

«Disposição geral

1.      A entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho.

2.      Se, ao abrigo do n.° 3 do artigo 7.°, a entidade patronal recorrer a entidades (pessoas ou serviços) exteriores à empresa e/ou ao estabelecimento, isso não a isenta da sua responsabilidade neste domínio.

3.      As obrigações dos trabalhadores no domínio da segurança social e da saúde no local de trabalho não afectam o princípio da responsabilidade da entidade patronal.

4.      A presente directiva não obsta à faculdade de os Estados‑Membros preverem a exclusão ou a diminuição da responsabilidade das entidades patronais relativamente a factos devidos a circunstâncias que lhes são estranhas, anormais e imprevisíveis ou a acontecimentos excepcionais, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências empreendidas nesse sentido.

Os Estados‑Membros não são obrigados a exercer a faculdade referida no parágrafo anterior.»

7       O artigo 6.° da referida directiva, que precisa as obrigações gerais das entidades patronais, está assim redigido:

«1.      No âmbito das suas responsabilidades, a entidade patronal tomará as medidas necessárias à defesa da segurança e da saúde dos trabalhadores, incluindo as actividades de prevenção dos riscos profissionais, de informação e de formação, bem como à criação de um sistema organizado e de meios necessários.

A entidade patronal deve zelar pela adaptação destas medidas, a fim de atender a alterações das circunstâncias e tentar melhorar as situações existentes.

2.      A entidade patronal aplicará as medidas previstas no primeiro parágrafo do número anterior com base nos seguintes princípios gerais de prevenção:

a)      Evitar os riscos;

b)      Avaliar os riscos que não possam ser evitados;

c)      Combater os riscos na origem;

d)      Adaptar o trabalho ao homem, especialmente no que se refere à concepção dos postos de trabalho, bem como à escolha dos equipamentos de trabalho e dos métodos de trabalho e de produção, tendo em vista, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho cadenciado e reduzir os efeitos destes sobre a saúde;

e)      Ter em conta o estádio de evolução da técnica;

f)      Substituir o que é perigos[a] pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;

g)      Planificar a prevenção com um sistema coerente que integre a técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais no trabalho;

h)      Dar prioridade às medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual;

i)      Dar instruções adequadas aos trabalhadores;

3.      Sem prejuízo das restantes disposições da presente directiva, a entidade patronal deve, de acordo com a natureza das actividades da empresa e/ou do estabelecimento:

a)      Avaliar os riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores, inclusivamente na escolha dos equipamentos de trabalho e das substâncias ou preparados químicos e na concepção dos locais de trabalho.

Na sequência desta avaliação, e na medida do necessário, as actividades de prevenção e os métodos de trabalho e de produção postos em prática pela entidade patronal devem:

–       assegurar um nível mais eficaz de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores,

–       ser integrados no conjunto das actividades da empresa e/ou do estabelecimento e a todos os níveis da hierarquia;

[…]»

8       O artigo 16.°, n.os 1 e 3, da Directiva 89/391 prevê a adopção de directivas particulares em determinados domínios, esclarecendo que «o disposto [nesta] directiva aplica‑se plenamente à globalidade dos domínios abrangidos pelas directivas especiais, sem prejuízo das disposições mais restritivas e/ou específicas incluídas nessas directivas especiais».

9       O artigo 18.°, n.° 1, da Directiva 89/391 exige que os Estados‑Membros ponham em vigor as disposições necessárias para darem cumprimento à presente directiva, o mais tardar, em 31 de Dezembro de 1992.

 Legislação nacional

10     A section 2(1) da Lei de 1974 sobre a saúde e a segurança no trabalho (Health and Safety at Work etc Act 1974, a seguir «HSW Act») dispõe:

«A entidade patronal é obrigada a assegurar a saúde, a segurança e o bem‑estar de todos os seus trabalhadores no trabalho, na medida do razoavelmente praticável.»

11     As violações das obrigações impostas à entidade patronal pela Section 2 do HSW Act são penalmente punidas nos termos da Section 33(1)(a) do mesmo diploma.

 A fase pré‑contenciosa

12     Em 29 de Setembro de 1997, a Comissão enviou ao Reino Unido uma notificação para cumprir na qual formulava um certo número de acusações relativas à transposição da Directiva 89/391 para o direito nacional. Entre elas, figurava a transposição errada do artigo 5.° da directiva, designadamente, no que respeita à inclusão na legislação interna da cláusula «na medida do razoavelmente praticável» (a seguir «cláusula controvertida»), que, segundo a Comissão, limita, em violação do n.° 1 do referido artigo, o âmbito da obrigação imposta à entidade patronal.

13     Na resposta dirigida à Comissão por ofícios de 30 de Dezembro de 1997 e de 23 de Outubro de 2001, o Reino Unido defendeu que a cláusula controvertida reflectia as disposições do artigo 5.° da Directiva 89/391 e que era integralmente conforme ao direito comunitário. Em apoio da sua argumentação, fez chegar à Comissão um determinado número de decisões de órgãos jurisdicionais nacionais que fizeram aplicação da referida cláusula.

14     Não tendo ficado convencida com a argumentação invocada pelo Reino Unido, a Comissão emitiu, em 23 de Julho de 2003, um parecer fundamentado no qual, por um lado, reiterou a sua acusação relativa à violação do artigo 5.° da Directiva 89/391 e, por outro, convidou o Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento a este parecer no prazo de dois meses a contar da sua notificação. A seu pedido, foi concedido ao Reino Unido um prazo suplementar de dois meses.

15     Tendo este Estado‑Membro, na resposta ao dito parecer fundamentado, mantido a sua posição de acordo com a qual, no essencial, as críticas feitas pela Comissão contra a cláusula controvertida eram infundadas, a Comissão decidiu propor a presente acção.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

16     A Comissão considera que a transposição que o Reino Unido fez da Directiva 89/391 não conduz ao resultado esperado da aplicação do artigo 5.°, n.° 1, da referida directiva, ainda que essa disposição seja interpretada em conjugação com a excepção prevista no n.° 4 desse mesmo artigo 5.°

17     De acordo com essa instituição, embora não imponha à entidade patronal a garantia de um ambiente de trabalho absolutamente seguro, o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391 implica que a entidade patronal seja responsável pelas consequências de qualquer evento nocivo para a saúde e a segurança dos trabalhadores, que ocorra na sua empresa.

18     A única derrogação possível a essa responsabilidade é constituída pelos casos expressamente previstos no artigo 5.°, n.° 4, da referida directiva. Esta disposição, que constitui uma excepção ao princípio geral da responsabilidade da entidade patronal, deve ser interpretada de forma estrita.

19     A Comissão alega que a interpretação, neste sentido, do referido artigo 5.° é confirmada pelos trabalhos preparatórios da Directiva 89/391 assim como pela circunstância de que, enquanto as primeiras directivas em matéria de segurança e de saúde dos trabalhadores, anteriores à introdução do artigo 118.°‑A no Tratado CE, actual artigo 138.° CE (os artigos 117.° a 120.° do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.° CE a 143.° CE), previam a cláusula «na medida do razoavelmente praticável» na definição das obrigações impostas à entidade patronal, as directivas subsequentes, entre elas a Directiva 89/391, adoptadas com base no referido artigo, abandonaram definitivamente essa cláusula.

20     A Comissão salienta que resulta das disposições do HSW Act, designadamente da sua section 2(1), interpretada em conjugação com as sections 33 e 47 da referida lei, que a entidade patronal não é responsável pelos riscos que surjam ou pelas consequências de factos que ocorram na empresa, caso demonstre que tomou todas as medidas razoavelmente praticáveis a fim de garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores.

21     A Comissão sustenta que, ao limitar deste modo a obrigação da entidade patronal, o Reino Unido permite que esta se exonere da responsabilidade que lhe cabe, se conseguir demonstrar que a adopção de medidas que permitem garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores teria sido totalmente desproporcionada, em termos de custos, de tempo ou de quaisquer dificuldades, relativamente ao risco incorrido.

22     Daí deduz que a legislação do Reino Unido não está em conformidade com o artigo 5.°, n.os 1 e 4, da Directiva 89/391.

23     A Comissão sublinha também que a avaliação que deve ser feita com base na cláusula controvertida implica que sejam tomados em conta os custos financeiros das medidas de prevenção, o que contradiz manifestamente o disposto no décimo terceiro considerando da dita directiva.

24     Em resposta à argumentação invocada a título subsidiário pelo Reino Unido, de acordo com a qual a cláusula controvertida é, seja como for, compatível com as disposições conjugadas do artigo 5.°, n.os 1 e 4, da Directiva 89/391, a Comissão observa que o referido n.° 4 não estabelece uma derrogação ao princípio da responsabilidade da entidade patronal baseada em critérios de razoabilidade, limitando‑se a prever os casos em que esta pode, a título excepcional, ser exonerada da responsabilidade, situações essas que podem facilmente ser reportadas ao caso de força maior.

25     O Reino Unido não concorda com a alegação de incumprimento que lhe é imputada e sustenta que o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391 foi objecto de transposição suficiente na legislação nacional.

26     Segundo este Estado‑Membro, o artigo 5.°, n.° 1, desta directiva identifica a entidade patronal como o sujeito a quem incumbe, a título principal, a obrigação de garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores no local de trabalho. Em contrapartida, a questão da responsabilidade da entidade patronal é deixada aos Estados‑Membros por força do dever que lhes incumbe de adoptar as medidas necessárias para garantir a aplicação e a eficácia do direito comunitário, de que o artigo 4.° da referida directiva constitui uma expressão concreta.

27     No que toca ao âmbito da obrigação imposta à entidade patronal pelo artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391, o Reino Unido entende que a referida obrigação, ainda que expressa em termos absolutos, não impõe à entidade patronal uma obrigação de resultado, que consiste em garantir um ambiente de trabalho isento de riscos, mas uma obrigação geral de pôr à disposição dos trabalhadores locais de trabalho seguros, conceito cujo conteúdo preciso pode ser deduzido dos artigos 6.° a 12.° desta directiva e do princípio da proporcionalidade.

28     Esta interpretação é coerente quer com as disposições da Directiva 89/391 que visam concretizar a obrigação enunciada no seu artigo 5.°, n.° 1, entre as quais se conta especialmente o artigo 6.°, n.° 2, quer com diversas prescrições de directivas particulares que, ao especificarem as medidas de prevenção a adoptar em sectores de produção específicos, remetem para considerações de praticabilidade ou de adequação dessas medidas. Esta interpretação está também de acordo com o princípio geral de proporcionalidade e com o artigo 118.°‑A do Tratado, nos termos do qual as directivas adoptadas com base nele visam introduzir unicamente «prescrições mínimas progressivamente aplicáveis».

29     Quanto à responsabilidade da entidade patronal, o Reino Unido observa que nada na Directiva 89/391, designadamente, no seu artigo 5.°, n.° 1, sugere que a entidade patronal deva ficar sujeita a um regime de responsabilidade objectiva. Em primeiro lugar, esta disposição prevê unicamente a obrigação de garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores, e não também a obrigação de indemnizar os danos resultantes de acidentes de trabalho. Em segundo lugar, a Directiva 89/391 deixa aos Estados‑Membros a liberdade de decidirem que tipo de responsabilidade, civil ou penal, devem impor à entidade patronal. Em terceiro lugar, é deixada também aos Estados‑Membros a questão de saber quem – a entidade patronal a título individual, a categoria das entidades patronais no seu conjunto, ou a colectividade – deve suportar os custos decorrentes dos acidentes de trabalho.

30     O Reino Unido considera que o seu regime de responsabilidade, que estabelece uma responsabilidade penal «automática» que se aplica a qualquer entidade patronal sob reserva da excepção baseada naquilo que seja «razoavelmente praticável», interpretada de forma estrita, permite dar sentido útil ao artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391.

31     Segundo este Estado‑Membro, a entidade patronal só se subtrai a este tipo de responsabilidade se demonstrar ter feito tudo o que era razoavelmente praticável para impedir a ocorrência de riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores. Para esse efeito, terá de demonstrar que existia uma desproporção manifesta entre, por um lado, o risco para a segurança e a saúde dos trabalhadores e, por outro, o sacrifício, em termos de custos, de tempo ou de dificuldades que a adopção das medidas necessárias para evitar a ocorrência desse risco implicaria, e que o risco era insignificante quando comparado com o referido sacrifício.

32     O Reino Unido acrescenta que a aplicação da cláusula controvertida pelos órgãos jurisdicionais implica uma avaliação puramente objectiva das situações, da qual ficam excluídas quaisquer considerações relativas às capacidades financeiras da entidade patronal.

33     O Reino Unido entende também que o HSW Act garante um sistema de prevenção eficaz, dado que o efeito dissuasor da pena é maior do que o que resulta do risco de incorrer em responsabilidade civil que implica o pagamento de uma indemnização, risco que as entidades patronais podem cobrir através de um seguro. A eficácia do sistema britânico é, aliás, demonstrada pelas estatísticas, das quais decorre que o Reino Unido é, há muito tempo, um dos Estados‑Membros com o menor número de acidentes de trabalho.

34     O referido Estado‑Membro precisa ainda que criou um regime de indemnização das vítimas de acidentes de trabalho, com base num sistema de segurança social. A entidade patronal é igualmente responsável pelos danos que decorrem da violação do seu dever de diligência relativamente aos trabalhadores previsto pela common law.

35     A título subsidiário, o Reino Unido alega que a cláusula controvertida, tal como aplicada pelos órgãos jurisdicionais britânicos, tem um âmbito de aplicação que coincide com o do artigo 5.°, n.° 4, da Directiva 89/391.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

 Quanto ao objecto da acção

36     A título liminar, é de constatar que resulta quer da fase escrita quer da fase oral que, embora a Comissão critique a cláusula controvertida, sobretudo em razão da sua aptidão para instituir um limite à responsabilidade da entidade patronal no caso de acidentes, parece assentar a sua crítica também na capacidade da cláusula em influir sobre o âmbito da obrigação geral da segurança que incumbe à entidade patronal.

 Quanto ao âmbito da responsabilidade da entidade patronal pelas consequências de qualquer evento nocivo para a saúde e a segurança dos trabalhadores

37     A Comissão baseia‑se numa leitura do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391, na perspectiva principalmente da responsabilidade da entidade patronal pelos danos causados à saúde e à segurança dos trabalhadores. A referida responsabilidade abrange as consequências de qualquer evento prejudicial para a saúde e a segurança dos trabalhadores, independentemente da possibilidade de imputar esse evento e as respectivas consequências a uma qualquer negligência da entidade patronal na adopção das medidas preventivas.

38     Daí que a Comissão proceda a uma interpretação das disposições da Directiva 89/391, nomeadamente do seu artigo 5.°, n.° 1, da qual resulta que impende sobre a entidade patronal uma responsabilidade objectiva, seja ela civil ou penal.

39     Por conseguinte, deve examinar‑se, em primeiro lugar, se o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391 exige, como alega a Comissão, que os Estados‑Membros imponham às entidades patronais uma responsabilidade objectiva por qualquer acidente ocorrido no local trabalho.

40     A este respeito, há que declarar que, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391, «[a] entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho».

41     Esta disposição sujeita a entidade patronal à obrigação de assegurar aos trabalhadores um ambiente de trabalho seguro, cujo conteúdo é especificado nos artigos 6.° a 12.° da Directiva 89/391 e em várias directivas especiais que prevêem medidas de prevenção a serem adoptadas em determinados sectores de produção específicos.

42     Ao invés, não pode ser afirmado que impende sobre a entidade patronal uma responsabilidade objectiva por força unicamente do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391. Esta disposição limita‑se, com efeito, a consagrar a obrigação geral de segurança que recai sobre a entidade patronal, sem se pronunciar sobre qualquer tipo de responsabilidade.

43     A Comissão sustenta que uma interpretação do artigo 5.° da Directiva 89/391 no sentido por si sugerido encontra apoio nos trabalhos preparatórios da directiva. Afirma que, tendo sido expressamente rejeitado, nas discussões no âmbito do grupo de trabalho criado pelo Conselho da União Europeia, o pedido das delegações do Reino Unido e da Irlanda no sentido de inserir a cláusula controvertida na definição das responsabilidades da entidade patronal, deste facto pode‑se inferir a existência de uma responsabilidade objectiva da entidade patronal.

44     Esta argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, resulta dos trabalhos preparatórios da Directiva 89/391, designadamente da declaração conjunta do Conselho e da Comissão exarada na acta da reunião do Conselho de 12 de Junho de 1989, que a inserção de tal cláusula tinha sido proposta a fim de resolver os problemas que a formulação em termos absolutos da obrigação de segurança imposta à entidade patronal colocava nos sistemas da common law, tendo em conta a obrigação de os órgãos jurisdicionais em causa interpretarem literalmente o direito escrito.

45     Neste contexto, a recusa em inserir no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391 uma cláusula comparável à cláusula controvertida não é suficiente para justificar uma interpretação desta disposição da qual resultasse que a entidade patronal ficaria sujeita a uma forma de responsabilidade objectiva em caso de acidentes.

46     Essa interpretação também não pode ser baseada na economia do artigo 5.° da referida directiva.

47     Os n.os 2 e 3 deste artigo 5.° prevêem que a entidade patronal não fica exonerada das suas responsabilidades no domínio da segurança e da saúde no trabalho quando recorre a serviços externos e também devido às obrigações dos trabalhadores neste domínio. Neste sentido, aquelas disposições visam precisar a natureza e o alcance da obrigação enunciada no n.° 1 do mesmo artigo e delas não pode ser deduzida a existência de uma qualquer forma de responsabilidade em caso de acidentes, ao abrigo do referido número.

48     O artigo 5.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Directiva 89/391 prevê a faculdade de os Estados‑Membros limitarem a responsabilidade das entidades patronais «relativamente a factos devidos a circunstâncias que lhes são estranhas, anormais e imprevisíveis ou a acontecimentos excepcionais, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências empreendidas nesse sentido».

49     Como realçou o advogado‑geral no n.° 82 das suas conclusões, resulta da formulação deste parágrafo que o mesmo visa clarificar o alcance de algumas disposições da Directiva 89/391, precisando a margem de manobra de que dispõem os Estados‑Membros na sua transposição para o direito interno. Em contrapartida, não pode ser deduzida desta disposição, com base numa interpretação a contrario, a intenção de o legislador comunitário impor aos Estados‑Membros a obrigação de preverem um regime de responsabilidade objectiva da entidade patronal.

50     Por último, importa constatar que a Comissão não demonstrou por que é que o objectivo da Directiva 89/391, que consiste «na aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho», só pode ser alcançado através da instauração de um regime de responsabilidade objectiva da entidade patronal.

51     Resulta do que precede que a Comissão não demonstrou, em termos juridicamente bastantes, que, ao excluir uma forma de responsabilidade objectiva, a cláusula controvertida limita a responsabilidade da entidade patronal, violando o artigo 5.°, n.os 1 e 4, da Directiva 89/391.

 Quanto ao alcance da obrigação que incumbe à entidade patronal de garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores

52     Em segundo lugar, cabe apreciar a acusação da Comissão na medida em que é censurado ao Reino Unido o facto de não ter transposto correctamente o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391 no que se refere ao alcance da obrigação geral que incumbe às entidades patronais de garantirem a segurança e saúde dos trabalhadores.

53     A este respeito, embora a Comissão alegue que a obrigação que incumbe à entidade patronal tem carácter absoluto, reconhece expressamente que a referida obrigação não implica que a entidade patronal esteja obrigada a garantir um ambiente de trabalho sem qualquer risco. Na réplica, a Comissão reconheceu igualmente que a entidade patronal, após ter procedido a uma avaliação dos riscos, pode concluir que os riscos são tão mínimos que não se impõe nenhuma medida preventiva. Nesta situação, o essencial, no entendimento da Comissão, é que a entidade patronal continua responsável se ocorrer um acidente.

54     Ora, se, como resulta do n.° 51 do presente acórdão, a Comissão não demonstrou que, ao excluir uma forma de responsabilidade objectiva, a cláusula controvertida limita, em violação do artigo 5.°, n.os 1 e 4, da Directiva 89/391, a responsabilidade da entidade patronal, também não conseguiu demonstrar em que é que a cláusula controvertida, que se refere à responsabilidade penal da entidade patronal, é susceptível de influenciar o alcance da obrigação geral de segurança que incumbe à entidade patronal, tal como resulta daquelas disposições.

55     Com efeito, se é certo que a cláusula controvertida prevê uma derrogação à obrigação de a entidade patronal garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos ligados ao trabalho «na medida do razoavelmente praticável», o sentido daquela derrogação depende do conteúdo preciso desta obrigação. À luz dos argumentos adiantados pela Comissão e recordados no n.° 53 presente acórdão, a Comissão não precisou suficientemente a sua interpretação do conteúdo da referida obrigação, com excepção da responsabilidade civil ou penal em caso de acidentes, e independentemente das obrigações decorrentes dos artigos 5.°, n.os 2 e 3, e 6.° a 12.° da Directiva 89/391. Por conseguinte, a Comissão não demonstrou de que forma a cláusula controvertida, considerada à luz da jurisprudência nacional referida pelas duas partes, viola o artigo 5.°, n.os 1 e 4, da Directiva 89/391.

56     Neste contexto, importa recordar que, no âmbito de uma acção nos termos do artigo 226.° CE, cabe à Comissão provar a existência do alegado incumprimento e fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este da existência do incumprimento, não podendo basear‑se em presunções (v. acórdãos de 12 de Maio de 2005, Comissão/Bélgica, C‑287/03, Colect., p. I‑3761, n.° 27 e jurisprudência citada, bem como de 6 de Abril de 2006, Comissão/Áustria, C‑428/04, Colect., p. I‑3325, n.° 98).

57     Por conseguinte, há que declarar que a Comissão não demonstrou que a cláusula controvertida limite, em violação do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/391, a obrigação de as entidades patronais garantirem a segurança e a saúde dos trabalhadores. Consequentemente, deve declarar‑se que não existe incumprimento no que se refere à segunda parte da acusação.

58     Atentas as considerações que precedem, há que concluir que a Comissão não demonstrou com força jurídica bastante que, ao limitar à medida do razoavelmente praticável a obrigação de a entidade patronal garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.°, n.os 1 e 4, da Directiva 89/391.

59     Por conseguinte, improcede a acção intentada pela Comissão.

 Quanto às despesas

60     Por força do disposto no artigo 69,°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino Unido pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.

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